segunda-feira, 22 de junho de 2009

Dalí e Pessoa

      Relembrando Pessoa, pela diversidade que persiste na unidade; ou pela unidade que se fragmenta em múltiplas sensibilidades.

      Pelo que se é a cada instante; pela necessidade que se tem de contactar com a Natureza circundante; pela conformação e adequação às circunstâncias da vida; pela ânsia, pela força e pela energia experimentadas; pelas (des)ilusões que nos atingem... eis as pessoas que somos e que Fernando Pessoa nos revela, na consciência moderna do Homem e da sua relação com o Tempo e o Espaço do século XX.

Não sei quantas almas tenho
Figura com gavetas, Salvador Dalí (estudo)
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo,
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.

                                                               Fernando Pessoa,
                                                               in Novas Poesias Inéditas,
                                                               Lisboa, Ed. Ática, 1973

       E, perante isto, ainda há quem defenda que o que não cabe no ortónimo figura nos heterónimos; ou que o "restante" destes "faz de si"!
      Nem com aspas consigo entender bem esta pretensa 'normalização' de um Pessoa, que não deixou de ser o responsável primeiro pela teoria do fingimento. Onde ficam os ecos dos primeiros neste último ou, ainda, os do final naqueles que dele resultaram? A unidade na diversidade é conceito teórico há muito já abordado, sem linhas de fronteira no território da Arte.
      O ser que somos - dependendo do dia, do momento, da situação e das pessoas com quem interagimos - é tão divisível quanto os segundos, os minutos e as horas do tempo, em contínuo fluir.
       
     Falem, ou melhor, escrevam os alunos de 12º ano, que sobre isso tiveram de tecer sumariamente algumas considerações em pleno exame. Nem sei que diga!

3 comentários:

  1. Esta arrevezada opinião - e uma sintaxe obscura - devem ter deixado os alunos (e os professores) sem saber muito bem o que comentar.

    Malhas que os exames tecem.

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  2. Esse desenho foi feito pelo Dalí?

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    Respostas
    1. Tomo por certo esse dado, atendendo ao facto de ele comparecer num catálogo das obras do artista, expostas há uns anos (2007) no Palácio do Freixo.
      Depois, aparece no site http://pt.wahooart.com, identificado como estudo para uma tela de quatro partes (com data de cerca de 1934).
      Por fim, há menção a estes estudos em livros de arte do surrealismo, enquanto desenho preparatório para os motivos humanos com gavetas que o pintor utilizou em, por exemplo, 'Girafa em chamas' de 1936, para não falar da Vénus de Milo com gavetas.
      Grato pela questão e cumprimentos

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