sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A escrita dos nossos ofícios

     Assim vai a escrita oficial, tecnologicamente especializada, virtual (mas não virtualizada) e cada vez mais exposta. E surge isto no dia em que morreu um dos maiores da literatura portuguesa. É, no mínimo, irónico.

    O exemplo não é perfeito, à semelhança do que já se foi encontrando noutras situações de âmbito educativo / formativo, nas quais o exemplo deveria mesmo vir de "cima".
     Hoje de manhã, recebi um mail com um texto que me deixou deveras estupefacto, não só pelo conteúdo (algo duvidoso, pelo que requer de celeridade e pelo que enigmaticamente prenuncia como "todos os processos que se vão desenvolver já a partir do ínicio de 2013") mas também pela forma excessivamente incorreta de registo.
    Creio poder dizer, com alguma felicidade, que alguns alunos meus do ensino básico já poderiam explicitar o que está mal, através do código de correção por mim utilizado.


    Contudo, para os que não o saibam, cá vai a legenda (mesmo à moda dos exercícios que já se vão fazendo em aula, para a explicitação de conhecimentos da língua):
    1 - ausência da marca de vocativo (vírgula);
    2 - ausência de vírgula a abrir o encaixe de um modificador (neste primeiro caso, entre o sujeito e o predicado da frase; mais adiante, entre o verbo nuclear do predicado e o complemento direto sob a forma de subordinada não finita infinitiva);
    3 -  ausência de vírgula a fechar o encaixe de um modificador (subordinada adverbial final) entre o sujeito e o predicado;
    4 - incorreta separação do verbo auxiliar (modal deôntico) face ao verbo principal, no interior do complexo verbal;
   5 - incorreta utilização de maiúscula após a utilização do sinal de dois pontos (que deveria introduzir uma enumeração de elementos separados por vírgula);
    6 e 7 - progressão deficiente da enumeração anunciada (bem) por dois pontos e que, na lógica do autor deste texto, pode ser feita com frases completas segmentadas e marcadas por pontos finais (enfim!), num comprometimento claro do que são segmentos textuais subordinados relativamente aos subordinantes;
    8 - inconsciência quanto à identificação da sílaba tónica (no caso, ['ni], pelo que o acento agudo deve ser colocado no 'i' desta mesma sílaba);
     9 - a incorreta utilização de uma só vírgula a separar o verbo que introduz o predicado do respetivo complemento direto, num desconhecimento sistemático de que os modificadores encaixados devem ter uma vírgula a abrir e outra a fechá-lo (no fundo, a reiterada deficiência assinalada em 2, com implicações da regra geral de que nunca se deve separar o sujeito do predicado por uma só vírgula; o mesmo não deve acontecer entre o verbo do predicado e os complementos por ele selecionados).
      Para finalizar, em termos textuais, há uma declarada incoerência discursiva: para um texto que se anuncia no registo da terceira pessoa ("a DGAE"), esquece-se esse facto para passar a ter a primeira do plural (entre o institucional e majestático "Agradecemos", na vez do simples "Agradece-se") e terminar com a primeira do singular ("Refiro", em lugar de "Refira-se") - em análise discursiva, isto daria para problematizar bastante se estaremos ou não perante um caso de verdadeira "máscara" ou de desvelamento progressivo de quem se apagou, no início, e se quis ou acabou por se deixar revelar, no fim.

      E é assim que todos vamos tendo acesso a material exemplificativo, para demonstrar e explicar o que não deve ser feito na escrita - material autêntico, a merecer revisão por parte das instituições oficiais que produzem e difundem "estas pérolas" textuais.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Quem é a Lídia?

   A pergunta, por vaga ou caricata que seja, foi-me colocada por um antigo aluno, depois de, infrutiferamente, este não ter recebido resposta da pesquisa feita na internet.

      Ainda que não saiba o propósito dela (da questão), o certo é que se trata da Lídia de Ricardo Reis.
     Imagino o que terá sido a procura, na ânsia de encontrar uma realidade corpórea, uma existência física com cabeça, tronco e membros. Isto de ver a literatura como a cópia, o depósito, o reflexo de uma realidade que é a nossa tem muito que se lhe diga, ainda que entre aquela e esta possa haver relações que não passam da dimensão fictiva mais ou menos próxima do mundo por nós vivido e/ou percecionado.
      É admissível que, no caso de Pessoa, a construção heteronímica propicie essa ilusão de que tudo se assemelha à realidade, com retrato físico, nascimento, formação, vivência, morte para alguns casos. Mas a verdade é que a multiplicação de papéis que possa existir entre o ser-autor e os seres-criações poéticas não impede a construção ficcional e recursiva destes noutras entidades que os comple(men)tam. É o caso de Lídia.
    Trata-se de uma personagem, sem existência real, criada por Fernando Pessoa para figurar como companheira nalguns poemas do heterónimo Ricardo Reis. É uma figura feminina sem voz, a quem o sujeito poético se dirige para dar conta de uma visão contida, serena e conformada do amor. 
     A característica dominante e inspiradamente clássica da poesia de Ricardo Reis compõe-se segundo influências, entre outras, das odes de um escritor romano da Antiguidade: Horácio. Também este poeta se referia, nos seus poemas, a uma entidade feminina com o nome Lídia, só que esta última tinha voz, falava nos versos produzidos. Com Ricardo Reis, Lídia mantém-se silenciosa; só é falada enquanto companheira dessa viagem que é a vida. Neste sentido, ela é uma presença no discurso poético com a função de ouvir, sem responder e sem agir, os conselhos sapientes dessa voz masculina ricardiana, crente na existência de divindades pagãs e na força de um destino superior, que as domina e que pré-determina o próprio curso ou fluir da vida. É esta lição que Lídia, à semelhança de duas outras figuras femininas evocadas (Neera e Cloe), recebe silenciosamente das palavras de Ricardo Reis.
    Contudo, a origem e a sobrevivência de Lídia estão aquém e além de Reis: se originalmente é Horácio que passa o testemunho (Lídia) ao heterónimo pessoano, essa figura feminina chega ao século XX, na literatura portuguesa, pelas mãos de Filinto Elísio e Almeida Garrett; suplanta as primeiras décadas desse século nos versos de Alexandre O'Neill, de Sophia de Mello Breyner e de Natália Correia ou mesmo na prosa de um José Saramago, que "ousou" matar Ricardo Reis (O Ano da Morte de Ricardo Reis, em 1984).

Imagem retirada do site "Design e Comunicação Visual", de Patrícia Magalhães

   Nem tudo se encontra na internet (é certo!) e, por vezes, o que há é muito duvidoso ou mesmo errado. Espero ter contribuído para se construir a "imagem da senhora" procurada.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Quando tudo fica pela metade...

     A imagem circula no Facebook, como foto da RFM.

     Diz que é só para inteligentes...


     Esta inteligência anda um pouco por baixo (limitada ao visível, ao sensível) e pela metade.

     E mais não digo, porque quero manter o resto no sigilo inteligível (para que não se reduza tudo ao plano da perceção visual).

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Dele(s) e dela(s)

      Há razões que são mais do que injustificáveis, quando o tempo é de (pseudo) certificação e de revisões científicas algo duvidosas.

    Q: Colega, estou a trabalhar com um manual de 7º ano que, num anexo informativo gramatical, apresenta a frase "Os amigos deles estão ali" para exemplo de um determinante possessivo: 'deles'. Acho estranha esta classificação, até porque está depois do nome. Concorda com este determinante?

    R: Naturalmente que não concordo, pois não é confundível um determinante com a contração de uma preposição (de) com o pronome pessoal (eles).
      Se é verdade que há uma aproximação entre a construção genitiva 'os amigos dele' e 'os seus amigos', em termos de elementos constituintes não há confusão possível, nomeadamente na configuração das classes de palavras neles representadas.


     Registo, ainda, um reparo quanto ao pressuposto assumido para os determinantes, quando aponta que estes não se encontram depois do nome. Sendo típica a localização deles a anteceder os nomes (com os quais mantêm concordância de género e número), não deixa de acontecer que eles possam e/ou devam aparecer em posição pós-nominal, como em situações de nomes antecedidos de quantificador interrogativos ("Quantos livros teus levas?"), de exclamativas ("Que exemplos estes!"), de algumas  retomas com relativas não restritivas ("As dificuldades são muitas, situação esta que não permite gastos não planificados"),  de enunciados exortativos ("Alunos meus portam-se em condições"), vocativos formais e tipificados ("Senhora minha!").
   
    Perante o exposto, mais se confirma que os "selos" das certificações, revisões e validações valem o que valem. E, por vezes, simplesmente não valem, não sendo garantia de qualidade. Espero que este seja apenas um exemplo perdido (ainda que péssimo) na qualidade do material em causa.

domingo, 25 de novembro de 2012

Ser vil e servil

      Hoje é tempo de poesia concreta, poesia feita dos sentidos que os tempos têm reconfigurado, nas relações entre o escrito e o visualmente construído.

      O exemplo é de Alexandre O'Neill (e de como já ele previa bem os emoticons destes tempos).



      Tal como me sinto: ser vil e servil.

     É o balanço que me dá, depois de um fim de semana a corrigir testes.

sábado, 24 de novembro de 2012

Do valor dos terraços - pouco caros à língua.

     Não me rendi à publicidade nem à compra de imóveis.

     Há, contudo, um interesse que me leva a divulgar esta pequena nota publicitária retirada de um panfleto da empresa imobiliária "ERA". O propósito da venda pode ser grande, o valor proposto também; mas, no que toca à utilização da língua, estamos no domínio do zero.
     A questão crítica é a da translineação da palavra 'terraço'. É de consabido saber que, nos casos de grafemas duplos, a partição da palavra se faz de modo a colocar a letra duplicada em locais separados: uma no final da linha; outra no início da linha seguinte. Assim, adotando uma notação convencional para exemplificar essa partição (marcação de ponto), ter-se-ia 'ter.raço' como a forma correta de translinear a palavra.
     Esta convenção ortográfica é recorrentemente contrariada por alguns alunos e, também, por materiais escolares que induzem à confusão do que, por um lado, é a realização gráfica da língua (em termos da escrita e das convenções ortográficas) e, por outro, a realização fónica (em termos de silabação e produção sonora, oral). É, aliás, esse exemplo de confusão que esta nota publicitária também evidencia.
    Há poucos dias, uma colega perguntava-me se tinha havido alguma mudança nas normas da translineação, porque tinha reparado num material que propunha a divisão de 'passado' como 'pa-ssa-do'. Naturalmente, esta proposta está errada. E uma outra, sem exemplo, perguntava-me como é que eu fazia a divisão silábica das palavras, se era da mesma forma que translineava. Em tão pouco tempo, a preocupação comum fazia-me lembrar a necessidade de um apontamento sobre a questão.
      Desde logo, proponho que a notação a utilizar não recorra ao uso de hífen, pela confusão que pode criar, em termos ortográficos, com contextos de tmese (mesóclise) ou mesmo de pronominalização justaposta a formas verbais / formas pronominais (e cria, por certo, tantas vezes quantas as de haver alunos que separam as terminações dos verbos, por exemplo). A notação de pontos ou de parêntesis retos é, assim, mais adequada. 
    Acresce a isto a necessidade de se consciencializar dois níveis de análise da língua, os quais, esquematicamente, podem ser demonstrados da seguinte forma:

      Distinguir as convenções da oralidade relativamente às da escrita requer cuidados notacionais, além de se assumir fundamentalmente a diferença entre o que é percecionar auditivamente um som (que se procura reproduzir, na escrita, por vezes com mais do que uma letra) e o que é ler uma letra (convenção escrita).

    Caso para dizer que já era! Estivesse eu interessado na compra e pedia já um desconto, por falta de credibilidade no anúncio publicitário.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Assim se faz a sexta-feira

     Depois de uma semana de trabalho (sobrecarregado este e sobrecarregada ela), anuncia-se um fim de semana trabalhoso.

     Chegado a sexta-feira, é assim que vejo este dia (um pouco melhor do que Garrett, que o encarava como 'aziago'):


      Os tempos são outros. Não com literatura, mas com música, tinha de ser com uma melodia e um grupo à medida do que é grande. Não é para fazer por menos. Sexta-feira é "Paradise", pela libertação que representa (nem que seja por lembrança de outras sextas-feiras muito bem passadas).

      Paradise 

When she was just a girl
She expected the world
But it flew away from her reach
So she ran away in her sleep

And dreamed of para-para-paradise
Para-para-paradise
Para-para-paradise
Every time she closed her eyes

Ooohh

When she was just a girl
She expected the world
But it flew away from her reach
And the bullets catch in her teeth

Life goes on
It gets so heavy
The wheel breaks the butterfly
Every tear, a waterfall
In the night, the stormy night
She'll close her eyes
In the night
The stormy night
Away she'd fly

And dreams of para-para-paradise
Para-para-paradise
Para-para-paradise
Whoa-oh-oh oh-oooh oh-oh-oh

She'd dream of para-para-paradise
Para-para-paradise
Para-para-paradise
Whoa-oh-oh oh-oooh oh-oh-oh

La-la-la-la-la

And so lying underneath those stormy skies
She'd say oh-oh-oh-oh-oh-oh
I know the sun must set to rise

This could be para-para-paradise
Para-para-paradise
Para-para-paradise
Whoa-oh-oh oh-oooh oh-oh-oh

This could be para-para-paradise
Para-para-paradise
This could be para-para-paradise
Whoa-oh-oh oh-oooh oh-oh-oh
Do álbum Mylo Xyloto (2011)
   
      E com a passagem do tempo, os registos - no que dizem respeito à música - vão mudando... e melhorando (e muito)! Não é um registo do Dragão, mas não anda longe do que lá se viveu.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Uma questão de 'mos'

      Este blogue já está a ficar uma sala de aula virtual.

      A pergunta é de um aluno preocupado (como muitos outros deveriam estar).

      Q: Professor, quando é que se põe tracinho no 'mos'?

      R: Primeiro de tudo, esquece o tracinho e passa a dizer 'hífen', por favor. Até pareces a entrevistadora daquele programa da manhã da RTP1 ("Bom Português") a perguntar se as palavras levam traço ou não (o que é seguramente mais um caso de "Mau Português").
      Quanto à questão que propões, pensa sempre que, se colocares o pronome 'nós' antes do verbo que tenha o tal 'mos', nunca utilizas hífen (estarás perante a terminação do verbo na primeira pessoa do plural; por isso, nunca a separas do verbo). Só no caso de serem outras as pessoas gramaticais conjugadas nos verbos é que optas pela separação (por se tratar da contração dos pronomes pessoais 'me' mais 'os').
       Verifica este esquema, comparando as duas situações, a que não tem separação (Vmos) e a que tem (V-mos):


      Além desta técnica, tens sempre o teste da negativa: se o 'mos', numa frase afirmativa, mudar de posição pela transformação negativa (para junto do advérbio 'não', antes do verbo), então, é separado por hífen; caso contrário, escreve-se tudo junto com o verbo (sem hífen).
       Repara, agora, neste outro esquema:


       Esclarecido?
       Lembra-te que nos casos de verbo conjugado na primeira pessoal do plural (nós) não há lugar à utilização de hífen (por se tratar da terminação que faz parte do própria forma verbal).
       Bom estudo.
      
      Esperemos que, além de ser virtual, isto tenha alguma virtude!

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Intra...

      Perguntavam-me há dias, por causa de um termo surgido numa aula (creio) de Ciências Naturais, se "intra", quando associado a outra palavra, leva hífen.

      Fica o registo de que o prefixo latino 'intra' (com o significado genérico de posição interior, durante, próximo do centro) comporta-se como a generalidade dos prefixos eruditos, ou seja, só apresenta hífen no caso de o segundo elemento da palavra derivada 
     a) começar por 'h': 
intra-hepático;
     b) começar por 'a' (a mesma vogal com que termina o prefixo 'intra'): 
intra-arterial, intra-articular / articulação.
      Nos restantes casos, não há emprego de hífen, havendo a junção ortográfica do prefixo em causa com a palavra-base. Daí escrever-se: 
intracelular
intracerebral
intracraniano
intradérmico
intraeuropeu
intramarginal
intramedular
intramolecular
intramuros
intramuscular
intranet
intraocular
intraoral
intraósseo
intrapulmonar
intratexto / intratextual(idade)
intraturma
intratorácico
intrauterino
intravascular
intravenoso
     Um cuidado especial deve ser tomado em linha de conta: quando o segundo elemento da palavra derivada iniciar com 'r' ou 's', estas letras devem ser dobradas, a exemplo de outros casos (minissaia, por exemplo). É o caso de
intrarraquidiano
intrassanovial

     Isto é o que se chama estar por 'dentro' do Acordo Ortográfico. Assim me obrigam, de cada vez que surge uma questão vinda de outras disciplinas, sejam elas mais ligadas às culturas e mentalidades sejam as que se dedicam mais ao cálculo.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Coesão... coesões...

      Na sequência de um comentário a um apontamento anterior, introduzo novo dado sobre a coesão.

      Q: Gostaria de apresentar uma dúvida em relação ao modo como a coesão textual foi tratada na maioria dos manuais, incluindo os que adotamos da ASA:
         1- No DT, a coesão textual pode sustentar-se na coesão interfrásica, lexical e temporal-aspetual.
      2 - Na gramática, nomeadamente na Gramática Prática de Português (Lisboa Editora, 2009), esta área foi tratada de igual modo.
      3 - Nos manuais, a questão aparece expandida, ou seja, surge a coesão frásica e a questão referencial.
     4 - Quanto à coesão frásica, dá a ideia de que surge para colmatar a falha do DT, que não incluiu mecanismos de concordância, de regência, etc.
    5 - A minha dúvida relaciona-se apenas com a chamada coesão referencial, pois nem a entendo como distinta da lexical (bem como das outras, uma vez que todos esses mecanismos requerem sempre um referente) nem é contemplada dessa forma da parte dos enunciados dos exames nacionais.
    6 - Tanto assim é que, nos manuais, a questão da pronominalização vem exposta quer na coesão lexical quer na coesão referencial, como não podia deixar de ser.
     Assim, lanço a questão: por que razão aparece a coesão referencial se é apenas um mecanismo e não um processo?

     R: Começaria por referir o seguinte: o Dicionário Terminológico (DT) não é nem pretende ser uma gramática com o tratamento exaustivo das questões linguísticas. Se, por acaso, alguma gramática (como a que cita) o segue, haverá, por certo, razões que não interessa aqui indicar. Bastaria, para tanto, apontar-lhe a referência da Gramática da Língua Portuguesa (Caminho, 2003, pp. 89-115), coordenada pela Prof. Maria Helena Mira Mateus, como um exemplo que não segue o modo de tratamento exposto e que se revela bem mais amplo na abordagem da questão.
    Se há manuais que expandem o tópico da coesão, focando processos, mecanismos, procedimentos que estão além do DT, ainda bem que o fazem, na lógica da explicitação, concretização e exemplificação de um conceito muito rico e diversificado no que diz respeito à construção textual (na sua dimensão tanto recetiva como produtiva). E, por certo, não esgotarão as potencialidades desenvolvidas pelos diferentes textos em que se apoiam.
       Orientando a reflexão para o domínio particular da coesão referencial, interessará lembrar que a própria definição proposta no DT, ao referir "cadeias de referência", ativa desde logo essa dimensão designativa de uma entidade ou objeto num discurso, fazendo-os representar-se no conhecimento dos participantes envolvidos numa situação comunicativa. Tal referência ora é construída numa relação direta com a realidade extralinguística (exofórica) ora é estabelecida no âmbito textual (endofórica) - e, assim, desde logo, há respetivamente um entendimento diferenciado de partida: pela referência deítica ou pela anafórica, em termos coesivos. Fazer depender um discurso ou um texto de um contexto situado no 'eu-aqui-agora' é uma opção discursiva e a seleção de uma condicionante referencial bem distinta de uma outra mais assente no 'não eu/tu - não aqui/aí - não agora' (por exemplo, a do 'ele-lá-então'). Instituem-se, desde modo, condições diversas na construção da referência, e não nos situamos sequer no plano da coesão lexical.
        Assumir o contraste entre deíticos e anafóricos é, portanto, já por si, orientar a análise para questões de coesão referencial.
         Construir uma cadeia de referência implica coesão referencial, seja esta construída em termos lexicais (mais do plano vocabular) ou gramaticais. É, por exemplo, o que se pode fazer com o levantamento (ao longo de um texto) dos meios utilizados para se referir uma personagem. Entre os elementos gramaticais e os lexicais, é interessante verificar como, nestes últimos, nomeadamente se vai dando conta de uma progressão no tratamento informativo dessa entidade; ou como nos primeiros se processam papéis temáticos e/ou sintáticos diferenciados.
      Em síntese, a noção de coesão referencial subjaz a múltiplos processos ou mecanismos (tão variados como os que possam ir desde o recurso a pronomes, a definitivizações, a elipses, a léxico, a conhecimentos enciclopédicos, entre outros), muitas vezes interrelacionados na rede compositiva e integrativa dos textos e dos discursos coesos.

       Se há conceitos que não precisam de ser explicitados (de acordo com a avaliação que os professores façam do trabalho a dinamizar com os alunos), tal não significa que eles não existem, mesmo quando não figuram em documentos de referência e/ou em documentos reguladores das práticas. Está no trabalho do professor fazer a avaliação das condições em que exerce o seu papel, além de com isso fazer as opções didático-metodológicas associadas e necessárias ao seu desempenho.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Um Justo entre as Nações

         Na tradução do hebraico, o justo é um não-judeu merecedor do paraíso. 

       Atualmente, o estado de Israel refere-se assim às personalidades (góis/gentios) que arriscaram as suas próprias vidas durante o Holocausto, para salvar judeus do extermínio perpetrado pelo nazismo.
       Além do nome Carlos Almeida Fonseca de Sampayo Garrido (embaixador em Budapeste que salvou muitos judeus húngaros), o de Aristides Sousa Mendes figura numa lista que reconhece a humanidade, o exemplo e o espírito solidário e comprometido com o ser humano - o elenco daqueles que conseguem ver o Homem muito para lá das retóricas, dos interesses e dos jogos políticos. Não se ficando pelas palavras, agiram, não obstante as consequências dos seus atos nas próprias vidas.
      O caso de Aristides de Sousa Mendes é ainda hoje para-digmático: de cônsul em Bordéus a refugiado no próprio país (recebendo o auxílio da assistência judaica interna-cional, para sobreviver a uma perseguição política conduzida por Salazar), diz-se que morreu em Lisboa com um hábito franciscano (por não ter sequer um fato próprio).
       Em filme e com o título "Aristides de Sousa Mendes - o Cônsul de Bordéus" (dirigido por João Correa e Francisco Manso), divulga-se a condição deste Grande Homem (que assinou, contra a ordem de Salazar e a famigerada Circular 14, mais de trinta mil vistos, para que tantas vidas judaicas pudessem chegar a Portugal, oriundas da Europa invadida por Hitler e salvas da perseguição nazi).


       Numa narrativa que foca o percurso de um maestro judeu (Aaron Apelman) - o qual acaba por reencontrar uma irmã que julgava morta -, ativam-se várias sequências fílmicas em analepse, para que se conheça a ação grandiosa daquele também conhecido como o Schindler português.


       Entre o percurso do maestro (ficcionalmente construído graças à intervenção do diplomata português) e o da irmã Esther (uma sobrevivente em condições mais encaradas como de maior incógnita e incerteza), dá-se relevo ao sucesso da liberdade, do reencontro, da (re)união. E no seio deste há Aristides de Sousa Mendes, tal como a música a harmonizar o que, no universo, possa ser o maior de todos os desconcertos: o esquecimento e a aniquilação do ser humano, independentemente de credo, sexo e raça.

      Se quem salva uma vida salva o universo, Aristides de Sousa Mendes devia já hoje ser merecedor de múltiplos sinais do que injustamente não teve em vida: o reconhecimento universal - a começar por todos os portugueses - da sua a(tua)ção junto de um povo cuja diáspora é imemorial.

domingo, 18 de novembro de 2012

É o que faz ser 'vice'

    Perguntaram-me os alunos, há algumas aulas, e por causa da disciplina de História, se 'vice' tinha ou não hífen.

    A questão da hifenização é, sem dúvida, uma das mais complexas no que o Acordo Ortográfico propõe. A insegurança é sentida entre as palavras que deixaram de o ter, as que o mantiveram por razões pouco estáveis (como as designadas pelo "uso consagrado").
    No caso de 'vice', um prefixo latino (sinónimo de 'substituto', 'em lugar de'), mantém-se a hifenização, tal como com 'ex-', 'sota-', 'soto-' e 'vizo-'. Registam-se, então, exemplos de palavras derivadas com o prefixo em causa:

Arco dos vice-reis, em Goa (construção de 1597)
vice-almirante
vice-campeão
vice-comissário
vice-cônsul
vice-diretor
vice-governador
vice-presidente
vice-primeiro-ministro
vice-reitor

    Assim, em História, continuar-se-á a escrever 'vice-rei' (ou vizo-rei), sempre que se quiser dar conta de figuras como as de D. Francisco de Almeida ou Afonso de Albuquerque (vice-reis da Índia, no século XVI).

sábado, 17 de novembro de 2012

O poder do coletivo... gramatical

       Porque há reducionismos que não podem perpetuar-se...

      Q: Eu sempre ouvi dizer que um nome coletivo se encontra no singular. Como é que entende que este subtipo de nome apareça nos nomes contáveis, no Dicionário Terminológico?

      R: Começo por fazer um pequeno reparo: o nome coletivo surge, no Dicionário Terminológico, tanto nos nomes contáveis (diferenciáveis em partes singulares ou plurais no seio de um todo, sendo o plural marca de quantificação) como nos não contáveis (não distintivas do todo pelas suas partes, sendo o plural marca típica de qualificação).
      Depois, haverá que reconhecer que, por exemplo, o nome coletivo 'turma' não deixa de ter o plural 'turmas' (tal como equipa / equipas, rebanho / rebanhos, cardume / cardumes, bando / bandos, povo / povos), no entendimento de entidades grupais homogéneas diferenciadas. Acontece, sim, que certos nomes coletivos não admitem, por norma, plural, como é o caso de 'flora', 'fauna': posso falar em diferentes tipos de equipas, diferentes tipos de turmas, diferentes tipos de cardumes, mas não de diferentes tipos de faunas ou de floras (só de fauna ou de flora).
     O facto de a forma singular de uma palavra significar por si só um conjunto de entidades (noção generalizada de nome coletivo) não impede que, sendo possível, se fale dessa palavra na sua variação quanto ao número, para referir diferentes conjuntos dessas entidades homogéneas.

         ... particularmente aqueles que pretendem anular continuidades lógicas que não podem ser anuladas (porque todos as produzimos).

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Faria noventa anos...

       ... se não tivesse partido para uma eternidade que começou a conquistar.

       O tempo do nascimento surge nas palavras do próprio escritor, num pequeno livro intitulado As Pequenas Memórias, aquelas que, independentemente do tamanho, sublinham a modéstia e a naturalidade da vida:

    À aldeia chamam-lhe Azinhaga, está naquele lugar por assim dizer desde os alvores da nacionalidade (já tinha foral no século décimo terceiro), mas dessa estupenda veterania nada ficou, salvo o rio que lhe passa mesmo ao lado (imagino que desde a criação do mundo), e que, até onde alcançam as minhas poucas luzes, nunca mudou de rumo, embora das suas margens tenha saído um número infinito de vezes. A menos de um quilómetro das últimas casas, para o sul, o Almonda, que é esse o nome do rio da minha aldeia, encontra-se com o Tejo, ao qual (ou a quem, se a licença me é permitida), ajudava, em tempos idos, na medida dos seus limitados caudais, a alagar a lezíria quando as nuvens despejavam cá para baixo as chuvas torrenciais do Inverno e as barragens a montante, pletóricas, congestionadas, eram obrigadas a descarregar o excesso de água acumulada. A terra é plana, lisa como a palma da mão, sem acidentes orográficos dignos de tal nome, um ou outro dique que por ali se tivesse levantado mais servia para guiar a corrente aonde causasse menos dano do que para conter o ímpeto poderoso das cheias. Desde tão distantes épocas a gente nascida e vivida na minha aldeia aprendeu a negociar com os dois rios que acabaram por lhe configurar o carácter, o Almonda, que a seus pés desliza, o Tejo, lá mais adiante, meio oculto por trás da muralha de choupos, freixos e salgueiros que lhe vai acompanhando o curso, e um e outro, por boas ou más razões, omnipresentes na memória e nas falas das famílias. Foi nestes lugares que vim ao mundo, foi daqui, quando ainda não tinha dois anos, que meus pais, migrantes empurrados pela necessidade, me levaram para Lisboa, para outros modos de sentir, pensar e viver, como se nascer eu onde nasci tivesse sido consequência de um equívoco do acaso, de uma casual distracção do destino, que ainda estivesse nas suas mãos emendar. Não foi assim. Sem que ninguém de tal se tivesse apercebido, a criança já havia estendido gavinhas e raízes, a frágil semente que então eu era havia tido tempo de pisar o barro do chão com os seus minúsculos e mal seguros pés, para receber dele, indelevelmente, a marca original da terra, esse fundo movediço do imenso oceano do ar, esse lodo ora seco, ora húmido, composto de restos vegetais e animais, de detritos de tudo e de todos, de rochas moídas, pulverizadas, de múltiplas e caleidoscópicas substâncias que passaram pela vida e à vida retornaram, tal como vêm retornando os sóis e as luas, as cheias e as secas, os frios e os calores, os ventos e as calmas, as dores e as alegrias, os seres e o nada. Só eu sabia, sem consciência de que o sabia, que nos ilegíveis fólios do destino e nos cegos meandros do acaso havia sido escrito que ainda teria de voltar à Azinhaga para acabar de nascer. Durante toda a infância, e também os primeiros anos da adolescência, essa pobre e rústica aldeia, com a sua fronteira rumorosa de água e de verdes, com as suas casas baixas rodeadas pelo cinzento prateado dos olivais, umas vezes requeimada pelos ardores do Verão, outras vezes transida pelas geadas assassinas do Inverno ou afogada pelas enchentes que lhe entravam pela porta dentro, foi o berço onde se completou a minha gestação, a bolsa onde o pequeno marsupial se recolheu para fazer da sua pessoa, em bem e talvez em mal, o que só por ela própria, calada, secreta, solitária, poderia ter sido feito.

    Assim escreveu, com a poesia vivida e no tempo da prosa, o Nobel  da Literatura português.
    Sem data. O espaço e a pessoa. Entre ambos, os rios, num fluir que os transformaria para todo sempre: o espaço, ganhando da pessoa uma glória lavada, limpa pela clareza e pelo espírito de humanidade; a pessoa, recebendo o barro do chão levantado à condição de grandeza criativa. 

      ... se estivesse limitado ao tempo que as memórias conseguem armazenar (Blimunda diria que morreu aquele que foi para nascer aquele que é).


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um acordo com relativizações

      São várias as pessoas que já têm comentado este (des)acordo ortográfico.

      A deriva ortográfica está instalada, seja porque há orientações difusas quanto ao que pode ser feito seja porque, assumidamente, não pode haver acordo total para toda uma comunidade de falantes com grande variação na realização fónica da sua língua.
     Há dias, perguntavam-me o que queria eu dizer com a facultatividade relativa no acordo. É que "se é facultativo" faz-se como se quer, diziam-me.
     Cá vai um exemplo dessa facultatividade relativa (dependente, portanto, da realização padronizada na variedade considerada):


      Depois de se assumir que ambas as formas gráficas são corretas (receptivo / recetivo) - o que daria a liberdade de ação para os falantes -, a verdade é que se relativiza a assunção inicial: em Portugal, a grafia é sem 'p', dado estar-se perante uma consoante fonicamente não realizada (o que não sucede, por exemplo, no Português do Brasil). Conclusão, ambas as formas são corretas, mas para Portugal há uma realização gráfica e para o Brasil há uma outra (dependente da realização fónica de [p]).
     É nesta mesma linha de facultatividade e de aceitação de duas formas gráficas que devem ser entendidos outros casos - nomeadamente os já aqui abordados similares ao 'falámos / falamos'.


      A utilização ou não de acento é tomada como facultativa, mas no âmbito da sua relativização. É que a norma padrão da língua na variedade do português do continente europeu estabelece distintividade morfofonológica entre o tempo presente (falamos) e o pretérito perfeito (falámos) na forma da primeira pessoa do plural de verbos da primeira conjugação (os terminados em '-ar'). Se tal não acontece com as restantes variedades (nomeadamente as continentais não europeias), motiva-se o princípio geral da facultatividade para um normativo que, sendo tomado como universal para a comunidade lusófona, tem aplicação relativa à norma padronizada de cada variedade maior (a europeia / a não europeia).
       E, de novo, as duas formas gráficas são corretas, mas cada uma para a sua variedade, segundo a distintividade (inclusive fonética e fonológica) das suas realizações - conforme já foi apontado em anotações anteriores.

       De novo, impõe-se o contacto com a fonte e a leitura completa do Acordo Ortográfico (até para que não aconteçam generalizações que o texto original não permite).

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Mais coesão...

    Deve ser sinal dos tempos, quando a coesão (pelo menos em termos políticos) está demasiado comprometida.

      Q:  Pedia-te o favor de me esclareceres uns aspetos sobre coesão com os exemplos que apresento de seguida:
         1) “A ideia, ao servir-se da emoção para se exprimir em palavras, contorna e define essa emoção, e o ritmo, ou a rima, ou a estrofe, são a projeção desse contorno (…)”
               a) “essa emoção” – Tipo de coesão: referencial (?) 
                  Mecanismo ativado: anáfora nominal?
                                          ou
                  Tipo de coesão: lexical
                  Mecanismo ativado: repetição/reiteração

              b) “desse contorno” – como designar aqui o tipo de coesão? 

                Eu sei que retoma a ideia de contorno; no entanto, o referente é dado sob a forma de verbo (“contorna”).

        2) Fernando Pessoa escreveu uma obra plural. O poeta dos poetas é reconhecido em todo o mundo.
               a) Tipo de coesão: referencial (correferência não anafórica?)
                 Coesão lexical por substituição?

              b) E se a segunda frase fosse “Esse poeta dos poetas é reconhecido em todo o mundo”?

                Qual seria o tipo de coesão presente no segmento sublinhado?

      R:  Começo por responder, antes de tudo, assumindo que a construção de coesão referencial ocorre sempre que se designa uma entidade e/ou se constrói uma cadeia de referência. Costuma-se assinalá-la, nomeadamente, pelas construções de definitivização, pelo recurso a signos deíticos / anafóricos / catafóricos e pela utilização de expressões referenciais indefinidas numa cadeia de referência.
       Com "essa emoção" (1a) há coesão referencial anafórica apoiada no mecanismo de anáfora nominal (pois 'essa emoção' é um grupo nominal). Não deixa de ser lexical, uma vez que recorre a léxico e não apenas a elementos gramatico-relacionais. Não considero, contudo, que haja repetição / reiteração, pois a passagem / progressão 'a emoção > essa emoção' não é estável na repetição de todo o grupo nominal.
        'Desse contorno' (1b) é representativo de um tipo de coesão lexical (pelo recurso a uma associação entre a forma verbal e a respetiva nominalização - que alguns estudiosos designam de anáfora resumativa) e também gramatical (pela anaforização construída com o determinante demonstrativo).
         Conforme já o indiquei em apontamentos anteriores, o segundo caso (2a) sustenta-se num mecanismo anafórico baseado numa perífrase, o que implica a dimensão não só lexical mas também de conhecimentos extra (enciclopédicos), validáveis e associáveis à correferência não anafórica. Não se trata de substituir, mas de associar, relacionar - daí a coesão lexical por associação (não anafórica, por haver outros 'poetas dos poetas', conforme os critérios de avaliação considerados). Já com a última questão (2b), apontaria para o facto de haver a combinação de dois processos: por um lado, o tipo de coesão gramatical, com a construção anafórica nominal; por outro lado, o tipo de coesão lexical, de novo apoiado na associação (perífrase) Fernando Pessoa > poeta dos poetas.
Pormenor do 'Retrato de Fernando Pessoa e Alfredo Marceneiro' (2012), de Júlio Pomar
Acrílico, carvão e pastel sobre tela

    Exemplos de como a coesão implica uma abordagem gramatical integradora, ao serviço das competências do escrito (seja na sua compreensão seja na sua produção).

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Coesão e outros termos que tais...

       Questões de coesão e termos associados. Vamos lá a isto.

     Q: Tenho andado às voltas com uma questão sobre coesão: não consigo encontrar forma de distinguir entre anáfora nominal, correferência não anafórica e coesão lexical. Será que me podes ajudar?

    R: A coesão é um processo de relação / articulação construído ao nível dos enunciados com variadíssimos mecanismos a considerar (repetição; substituição por sinonímia / antonímia, hiperonímia / hiponímia; holonímia / meronímia; associação e relação, entre outros mecanismos). Coesão é, portanto, um hiperónimo para todos os mecanismos-hipónimos mencionados.
     Quando esta se faz em termos de escolha de palavras (léxico), diz-se que a coesão é lexical (por contraste com a gramatical, mais da ordem da construção de referência com pronominalização, da articulação / conexão interfrásica e do jogo de correlação entre o tempo, modo e aspeto).
   Entende-se por anáfora nominal um dos mecanismos existentes na coesão dos enunciados e, como a própria designação o indica, assenta na base de uma retoma feita com um nome ou grupo nominal - neste caso, focaliza-se a constituição do próprio mecanismo.
      Considere-se o segmento (i):

(i) Os alunos responderam às questões do professor. O docente solicitava-os constantemente para um clima participativo na sala de aula.

     Nele, 'O docente' retoma o segmento 'o professor' e, por ser construído na base de um grupo nominal (Determinante+Nome), trata-se de uma anáfora nominal. Acumula-se, aqui, também, a noção de coesão lexical, uma vez que o mecanismo de coesão anafórica assenta na adoção de uma palavra sinónima.
    Quando duas ou mais expressões linguísticas se associam a um mesmo referente, diz-se que elas dependem umas das outras (daí a correferência dos termos). Acontece que nem sempre essa relação é diretamente apreendida e/ou apostada na retoma de discurso anterior (numa espécie de abordagem da memória discursiva). Precisa-se, nesses casos, de recorrer a um conhecimento extralinguístico que sustente a relação estabelecida. Dizer "O Zé trabalha na Citröen. O marido da Maria José tem carros da Citröen" pode levar a pressupor que 'o Zé' é 'O marido da Maria José' (e, assim, haver correferência entre o grupo nominal inicial e o segundo); contudo, nem todos os 'Zés' são maridos de Maria Josés, pelo que se constrói uma correferência não anafórica (ou seja, sem dependência direta dos termos, pois numa outra situação qualquer 'Zé' estará para um outro correferente). Já 'professor' e 'docente' serão vulgarmente encarados como termos marcados por equivalência (numa dependência sinonímica).
     Em síntese: coesão lexical é um processo de coesão geral, no qual se contemplam relações anafóricas (de retoma) apoiadas no léxico propriamente dito. Tais relações permitem construir cadeias de referência, nas quais os termos se revelam correferentes (anafóricos, se houver dependência direta entre os termos; não anafóricos, se não houver direta ou necessariamente relação dependente, pelo que a correferência se apoia no investimento de um conhecimento a partilhar, a explicitar; num conhecimento de mundo extralinguístico).

    Conjugação de termos, alguns já abordados em apontamentos anteriores (como é o caso da correferência), que pauta a coesão por um aglomerado de mecanismos capazes de marcar a textualidade (enquanto propriedade de identificação dos textos).


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Uma questão de bocados...

      É caso para dizer que estamos em autêntico desnorte, no que à utilização da língua diz respeito.

   Já estamos habituados às "pérolas" com que alguma comunicação social nos presenteia na sua programação informativa. Foram já apontados aqui casos diversos: problemas ortográficos, sintaxe incorreta nas legendas fílmicas, seleção vocabular inexistente, pontuação indevida e outras coisas mais
      O que agora se apresenta é, no mínimo, uma ironia da situação hoje vivida.


     Para lá da agramaticalidade sintática, está aqui em questão a interferência do oral no escrito, mesmo no que possa ser entendido como um primeiro rascunho - o qual, inadvertidamente, foi publicitado. Por estas e por outras é que digo aos meus alunos que pensem bem antes de escrever; que não passem para o escrito a "voz" que lhes fala ao cérebro, numa cópia do que mal ouvem / mal falam. 
     Precisamente aconteceu isto aqui: estou mesmo a ouvir alguém dizer "Angela Merkel abandonou Portugal há bocado" (ainda por cima com a deturpação do adverbial e num registo que, de tão oralizante, até torna o tempo como algo massivo, do qual se corta um pedaço, um bocado). A escolha oral já não é a melhor e, depois, os reflexos na escrita veem-se...
     Cá está a razão pela qual peço aos meus alunos para utilizarem "um pouco", "há pouco" em vez de "um bocado", "há bocado". Ensinar uma linguagem diferente daquela que se utiliza no seio familiar ou da socialização primária, particularmente quando esta se afasta dos códigos socialmente reconhecidos e normativizados, é um imperativo da escola, para que, depois, não haja eventuais jornalistas a escreverem títulos-resumo deste estilo (mesmo que de rascunho se trate).
      Tanto percurso formativo (possivelmente com muitos testes de escolha múltipla e de associação, não compositivos) para tão triste produção!

     Só espero que este exemplo não seja um prenúncio ou uma evidência: o(a) de que Portugal está aos bocados e que Merkel o deixou só com um (sabe-se lá para onde foram os restantes, se é que alguma vez existiram na cabeça destes políticos!)

domingo, 11 de novembro de 2012

Magusto e Martinho

    O tempo é de magusto, para relembrar Martinho.

    O dia acordou soalheiro. Não é verão de S. Martinho, mas, depois da chuva dos últimos dias, cumpriu-se a abertura do clima para fazer rezar a tradição.
   Em época de crise, cruzei-me com um pequeno adereço, na montra de uma loja, a que não resisti - a foto não é das melhores, embora sirva para mostrar o clima dos convivas. Inspirador, por certo, para quem (antes, agora ou depois) consiga fazer desta quadra uma oportunidade para esquecer as inconveniências, as agruras, o mal-estar, os incómodos. Assim se (re)cumprirá a moral da história, que Bento XVI relembrou mais ou menos nos seguintes termos:

     Nascido numa família pagã da Panónia (atual Hungria), por volta de 316, Martinho foi orientado pelo pai para a carreira militar. Ainda adolescente, ele cruzou-se com o Cristianismo, tendo-se inscrito entre os que se prepararam para o batismo. Recebeu-o por volta dos vinte anos. Teve que permanecer ainda por muito tempo no exército, no qual deu testemunho do seu novo género de vida.
    Quando se retirou do serviço militar, deslocou-se a Poitiers (França) e junto do bispo Hilário, foi ordenado diácono e presbítero; escolheu a vida monástica e deu origem, com alguns discípulos, ao mais antigo mosteiro conhecido na Europa, em Ligugé. Cerca de dez anos mais tarde, os cristãos de Tours, tendo ficado sem pastor, aclamaram-no seu bispo. Desde então, Martinho dedicou-se com zelo fervoroso à evangelização no campo e à formação do clero.
    Sendo-lhe atribuídos muitos milagres, São Martinho é famoso sobretudo por um ato de caridade e fraternidade: quando era ainda jovem soldado, encontrou na estrada um pobre entorpecido e trémulo de frio. Pegou no seu manto e, cortando-o em dois com a espada, deu-lhe metade. Nessa noite apareceu-lhe Jesus em sonho, sorridente, envolvido naquele mesmo manto.

     E do manto se fez auxílio, e do manto se fez calor.






Peça em calcário (século XVI) 
no Museu da Fundação Calouste Gulbenkian

     O dia é de Martinho - com ou sem magusto, com ou sem castanhas, com ou sem moliço, com ou sem verão -, para humanizar. 

sábado, 10 de novembro de 2012

Nem tudo fica por uma questão de braços

      Perante a questão, a procura.

      Q: A palavra 'esbracejar' é formada por parassíntese? E qual é a base? Braço?

     R: Pela consulta do Dicionário Houaïss da Língua Portuguesa, 'esbracejar' é formada a partir de 'bracejar' (a palavra base ou a derivante), pelo que se trata de uma palavra afixada com um prefixo ([es-]).
       'Braço' pode ter sido base, mas para bracejar. Este termo, que aparece datado como tendo surgido no século XVI, foi formado graças à sufixação ([-ej]a]r]).
      Numa etapa posterior, apontada para finais do século XIX, terá ocorrido a formação 'bracejar > esbracejar'.
        Assim, por existir a forma apenas sufixada, não há lugar ao processo de parassíntese, mas sim o de sufixação, primeiro, e de prefixação, depois - portanto, em etapas distintas da formação.

         Mais um caso em como a consulta de um dicionário etimológico permite eliminar hipóteses mais ou menos intuitivas e/ou generalizadas a partir de analogias nem sempre validáveis.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Adjetivos e grau - qual flexão?

      Porque há perguntas que contrariam a tradição (e não só).

      Q: Na flexão dos adjetivos também se estuda o grau? Ou a flexão é só para o número e para o género?

      R: As características flexionais típicas do adjetivo são precisamente as do número (singular / plural) e do género (masculino /feminino).
        Segundo o Dicionário Terminológico, há instâncias de flexão que estão para além da afixação (como é o caso apontado dos tempos verbais compostos). Nesse sentido, o grau dos adjetivos pode precisamente entrar nesse âmbito flexional.
      Discordo, em parte, desta posição. Seja ao nível do exemplo dado da formação dos tempos compostos seja ao nível do grau (dos adjetivos ou dos advérbios), considero que não é em termos flexionais que se processa tipicamente essa variação. Encaro-a muito mais no plano da sintaxe; já não no da morfologia (ou seja, no do domínio da palavra), com a habitual afixação. Há apenas uma exceção: o grau superlativo absoluto sintético, que é formado por sufixação.
      Assim, 'grande > grandíssimo', 'belo > belíssimo', 'forte > fortíssimo' são exemplos da variação pela adição do sufixo de grau [-íssim-], acrescido do sufixo de género [-o(a)] e eventualmente do de número [-s].
    De resto, são mecanismos sintáticos que permitem construir o grau comparativo (i), mais os restantes superlativos (ii e iii):
i) tão + ADJ + como / mais + ADJ + do que / menos + ADJ + do que
   tão + ADV+ como / mais + ADV + do que / menos + ADV + do que
ii) muito + ADJ
    muito + ADV
iii) o (a) mais + ADJ / o (a) menos + ADJ
     o (a) mais + ADV / o (a) menos + ADV
       Sucede ainda que a variação em grau pode ocorrer por via lexical, como acontece com os casos ditos etimológicos: bom > melhor > ótimo; mau > pior > péssimo; pobre > paupérrimo (adjetivos) / bem > melhor > otimamente; mal > pior > pessimamente; muito > mais (advérbios).

      Um caso em que se pode dizer que a tradição já não é o que era, com evidências da própria língua.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Do tempo dos ladrões

      É clássica (em duplo sentido, no caso) a atualidade das palavras dos grandes escritores.

      Assim se lê no capítulo V do Sermão do Bom Ladrão, proferido por Padre António Vieira em 1655, na Misericórdia de Lisboa (quando o queria ter feito na Capela Real):

    Não são só ladrões, diz o santo [São Basílio de Magno], os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. — Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: — Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes? De um, chamado Seronato, disse com discreta contraposição Sidônio Apolinar: Nou cessat simul furta, vel punire, vel facere: Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. — Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.

      Nem quatrocentos anos (e pelos vistos não são muitos!) para se continuar a ler tão atuais palavras! A evolução, se a houve, foi na subtileza do furto... que deu fruto. Se Adão se fez ladrão recebeu o inferno; mas há ladrões maiores que, por não serem ou não se acharem Adões, conseguem chegar ou andar pelo paraíso.

    E assim se pode dizer que dos ladrões ou dos "reis" deste mundo já há muito reza a história, com exemplos vindos da Antiguidade (a roubar províncias ou a comportarem-se como ladrões grandes - a roubar e despojar os povos). Qualquer semelhança com a realidade não é pura ficção.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Corresponder...

      Num contexto de perguntas, dúvidas e pedidos de esclarecimentos, responder em rede e em cooperação dá sentido (etimológico) ao próprio verbo 'corresponder'.

    Q:  Na frase "Neste último caso, o apoio pode corresponder a uma poupança por parte dos pais", a expressão "a uma poupança" desempenha a função sintática de CD ou CI? Parece-me que o verbo corresponde pode ter um sentido duplo, ou seja, uma coisa é 'a corresponder a b', sendo que o sujeito corresponde a um resultado, diga-se assim; outra coisa é o sujeito corresponder, por exemplo, aos sentimentos de alguém. Na frase, esta distinção não se verifica. Posso dizer, "O Pedro corresponde aos sentimentos da Joana". Em ambas as situações a função sintática introduzida pela preposição é a mesma?
      Desde logo, creio que é possível substituir no primeiro caso a expressão pelo pronome forma CI - lhe. Porém, também é possível substituir a expressão por "a isso"...
       Não consigo libertar-me das dúvidas...


    R:  Não vejo gramaticalidade possível na anaforização de "... o apoio pode corresponder a uma poupança por parte dos pais" por "o apoio pode corresponder-lhe" (teste associado à construção com complemento indireto). 
  Se, no latim, o caso dativo correspondia a complementos preposicionados (designados como indiretos, por serem mediados de preposição, tal como aparece na Nova Gramática do Português Contemporâ-neo, de Lindley Cintra e Celso Cunha), nos estudos linguísticos portugueses mais atualizados a referência a dativo circunscreve-se a casos típicos de complemento indireto (pronominalizáveis por lhe/lhes, na terceira pessoa). 
     Segundo a construção frásica proposta, a entidade 'apoio' corresponde à entidade X, um objeto (o que também poderia ser configurado por 'O apoio equivale a X'). Nesta medida, a lógica sintática é a de uma estrutura assente num verbo transitivo indireto, com a estrutura argumental de um sujeito para um predicado com complemento oblíquo: o apoio corresponde a quê? / o apoio corresponde a isso). Outras realizações com o verbo 'corresponder' poderão apontar para outras funções sintáticas, embora esta realização transitiva indireta seja a mais comum (quer com a seleção da preposição 'a' quer com a da preposição 'com').
      Antevejo apenas a realização de 'corresponder' a selecionar complemento indireto em situações de redução de transitividade, ou melhor de reconfiguração da transitividade, com aquilo que se tipificou como sendo 'dativus commodi / incommodi' (realizações especiais de dativo, isto é, associadas à entidade com proveito / detrimento da situação denotada pelo verbo). É o caso de 'A Joana corresponde aos afetos do Joaquim' (só para não ser os clássicos Maria e João!). Transformando a sequência de complementação, seria possível obter o enunciado 'A Joana corresponde ao Joaquim (nos afetos)' > 'A Joana corresponde-lhe'.

      Assim se compõe um caso de estrutura argumental típica e de consideração de realizações sintáticas derivadas, com possibilidade de reconfiguração e/ou alteração/transformação/redução de transitividade. Casos para estudo e não para abordar à luz da regularidade e/ou sistematicidade gramatical.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Prefixo?... Não. Só evolução...

      Quando a simples segmentação da palavra dá a resposta...

    Q: Na relação amigo / inimigo, como se explica o aparecimento o 'i' depois do prefixo de negação?
James Cagney, em 'Inimigo Público' 
(filme de 1931)
   R: A palavra 'inimigo' não é segmentável em 'in-' mais 'imigo'. A consulta de um dicionário com informação etimológica dá a perfeita noção de que o termo é proveniente do latim (pela forma 'inimīcum'). Assim, não é no plano da formação de palavras (morfologia) que a palavra revela interesse de análise.
      É um caso claro de contraste lexical.
    Eventualmente, pode haver interesse na exploração da evolução diacrónica do termo (do latim para o português) e referir os processos fonéticos implicados nessa evolução - como a apócope do [m] e a sonorização de [k] > [g], pelo contexto intervocálico.   

     Caso para dizer que não interessa criar inimizades com a língua, colocando no plano do morfológico aquilo que ele não pode ter.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Quedas...

     Diz-se que 'ter uma queda' por qualquer coisa constitui um razão de interesse ou atração.

     São já antigas as quedas por filmes de 007, agora que estão celebrados os 50 anos do aparecimento do primeiro filme (Dr. No, datado de 1962). O meio centenário cinematográfico revela-se curto para os já quase sessenta anos de aparecimento da personagem Bond... James Bond, criada por Ian Fleming, em 1953, com a novela de bolso intitulada Casino Royale.
     A visão fílmica surge quase dez anos depois, com o herói na pele do ator Sean Connery (seis filmes), seguido de outros representantes como George Lazenby (que só rodou 007 ao Serviço de Sua Majestade), Roger Moore (sete filmes), Timothy Dalton (dois), Pierce Brosnan (quatro).
     Hoje, na figura do ator Daniel Craig (pela terceira vez), o agente secreto 007, do serviço de espionagem britânico do MI-6, mantém o retrato de homem com olhar penetrante, porte atlético e sedutor, com idade estimada entre 33 e 40 anos, apreciador de vodka-martini ("Shaken, not stirred") e exímio atirador (com licença para matar) no combate aos males do mundo. Ao serviço do governo de Sua Majestade, o charme e a elegância fazem-se notar ao estar cercado de beldades (as 'Bond girls').
     O último filme, com o título Skyfall, é mais um para se fazer acompanhar de uma canção que frequentemente se tem torna êxito mundial, seja pela divulgação colada ao filme seja pela seleção de grupos / cantores de renome que também contribuem para o sucesso de bilheteira, na base da banda sonora.


     Desta feita, o nome Adele é o escolhido (numa lista que já conta com interpretações de Shirley Bassey, Carly Simon, Sheena Easton, Paul McCartney, Duran Duran, Tina Turner, A-ha, Madonna, Garbage, Alicia Keys) para interpretar o tema da longa-metragem.


      Uma película que traz também a queda na consciência: depois de tanta tecnologia de ponta, de tanto perigo e artificialismo feito de efeitos cénicos, artísticos e tecnicamente a tocar o inverosímil, nada como voltar ao princípio, num retorno às origens; numa visão romântica do próprio herói e das figuras que o acompanham (M, Q, Monneypenny).