terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Depois da vinda do Pai Natal

       Isto de o Natal ter Pai tem muito que se lhe diga, para não falar da festividade em si.

      É costume referir-se Nicolau, bispo turco da cidade de Myra, no século IV, como a figura que terá dado origem ao Pai Natal, recuperando-se neste último, e de forma mais abrangente, o gosto que o primeiro tinha de ajudar pobres e crianças, dando-lhes presentes.
      Anteriores à cristianização são os rituais pagãos de caça no inverno, que povos nórdicos e germânicos associavam ao deus Odin - deus supremo, da guerra e da sabedoria, apresenta-se forte e com longas barbas brancas, viajando pelos céus num cavalo esvoaçante; libertará o mundo do caos, no fim dos tempos. A absorção destas vivências nórdicas e pagãs pelos festivais cristãos relativos ao nascimento de Jesus terá feito aparecer a figura de Santa Claus no Norte, em tudo semelhante ao lendário Pai Natal da cultura ocidental.
       Hoje discute-se também o presépio, particularmente a presença ou não do burro e da vaca (ou boi).
     É um dado que a questão do presépio é distinta dos factos bíblicos, os quais são por si só já uma representação bem distinta do que historicamente possa ter acontecido. Aí não havia presépios - terá que se avançar até ao século XIII para mais um motivo natalício aparecer, algures pelas terras amalfitanas. Da Bíblia, todos sabemos a composição textual tão diversa nos géneros e registos quanto multifocada, ao apresentar e representar variadíssimos autores, mentalidades, povos, culturas. Entre o poético e literário, o inspirado, o profético e o testemunho histórico, há de tudo um pouco. Porém, referências a burros e vacas no nascimento de Jesus é que não, pelo menos no evangelho segundo S. Lucas, o mais extenso quanto ao tópico - capítulo 2, versículos 1-9. Aí apenas se mencionam pastores e rebanhos. Só os livros proféticos, precisamente o de Isaías, predizem o nascimento do salvador em Belém com os ditos animais: "O boi conhece o seu dono, e o jumento a manjedoura do seu senhor, mas Israel não me conheceu" (Is 1, 3). Entre a analogia construída para relevar a discrição no nascimento predito e a indicação de que havia bois e jumentos no presépio foi um pequeno passo para estes aí figurarem.
       Como a questão da fé ultrapassa o ponto relativo aos animais, muito mais tem que o fazer relativamente ao próprio calendário. 
     Se é a 25 de dezembro que se celebra o dia de Natal, ninguém sabe ao certo em que dia terá ocorrido o nascimento de Jesus. Muito improvável é que seja esta data festiva, a julgar pelas evidências seguintes: seria inusitado que nesse frio mês houvesse pastores a vigiar os seus rebanhos (o normal seria entre a primavera e o outono); não se fariam viagens de longa duração com pessoas grávidas em condições climatéricas e locomotivas adversas (de Nazaré a Belém a distância é superior a cem quilómetros, num tempo sem carros nem aviões); seria mais provável uma deslocação dessas nos finais de setembro, por altura das chamadas festas dos tabernáculos, segundo costumes pagãos; a tradição de apresentar os bebés num templo religioso mais a purificação das mulheres, a ocorrer até aos vinte e um dias após o parto, coincidem com o facto de Jesus ter sido levado ao templo de Zacarias, segundo registos locais, num sábado de setembro - com os censos em Belém, no tempo de Herodes, a acontecer entre 10 e 24 de agosto, o sábado de apresentação situar-se-ia 21 dias depois, ou seja, em pleno setembro. 
    Suplantam-se estas evidências com uma decisão da igreja: a calendarização do nascimento de Jesus adaptada ao período das festas pagãs ao deus Sol. O solstício de inverno a 21 de dezembro aponta para o dia mais curto do ano a dar lugar, quatro dias depois, a uma celebração ou ritual associados à consciência de que os dias se tornavam maiores, com o regresso do sol por um período maior. Nascia, assim, um novo ciclo da natureza.

      Perante tudo isto, é questão de somenos importância a existência de uma vaca / um boi ou de um jumento (ou por que razão não uma jumenta) na história. Permanece a magia do natal para quem a toma como sinal de fé para o nascimento de um novo ciclo, uma nova vida, liberta dos males ou das contingências que a possam de algum modo ameaçar.

2 comentários:

  1. Depois dos ensinamentos, bela reflexão e conclusão com a palavra "nascimento" a assumir múltiplos sentidos.

    Um abraço e Bom Ano Novo - que é sempre um "novo ciclo".

    Dolores

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    1. Obrigado,amiga.
      Boas saídas, boas entradas e, especialmente, um bom ano.
      Xi-<3

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