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Caríssimo colega,
O estudo das orações subordinadas comparativas é das áreas mais complexas e controversas da linguística, como o poderá verificar pela leitura do capítulo 18 da Gramática da Língua Portuguesa (Caminho, 2003, pp. 731-766), da responsabilidade das Professoras Ana Maria Brito e Gabriela Matos. Entre construções canónicas e não canónicas; entre comportamentos muito distintos face a outras construções subordinadas adverbiais (que a gramática tradicional aproxima, mas a investigação tende a distanciar); entre as relações das comparativas com processos de elipse e conexões correlativas; entre o âmbito da comparação e a natureza dos termos comparados, muito há a considerar na análise deste tipo de construção, segundo perspetivas muito diferenciadas (tantas quantas haver estudiosos que preferem, uns, aproximar as comparativas do processo de coordenação; outros, da subordinação relativa).
Considerando o que lhe disseram acerca de as subordinadas comparativas não terem qualquer função sintática, não posso definitivamente concordar.
Já
em apontamento anterior, tive a oportunidade de me referir a uma função sintática (interna) desempenhada por esta construção, atendendo ao aspeto de graduação a que comummente anda ligada. Vai esse meu entendimento na linha do que as já citadas investigadoras entendem como expansão de complementadores, de acordo com o núcleo que surge expandido (nome, adjetivo, advérbio). Ignacio Bosque designa mesmo como "complemento comparativo" aquele que introduz o segundo termo da comparação.
Há, assim, funções sintáticas a considerar com estas subordinadas.
Numa frase como “Ficou em silêncio como se antecipasse uma reação indesejável”, a locução ‘como se’ introduz o que funciona como modificador do predicado da subordinante.
No caso de “És tão inteligente quanto / como um sábio <é>”, a seguir ao verbo copulativo surge um predicativo do sujeito (‘inteligente’), configurado por um núcleo adjetival, internamente modificado pelo advérbio (intensificador) ‘tão’ e o correlato devido (‘quanto / como’). Registe-se que há no exemplo dado uma elipse (omissão do verbo da subordinada), um processo sintático típico nas construções comparativas.
Em “Ele trabalha mais do que descansa”, volta a encontrar-se um modificador, desta feita para todo o enunciado, numa atitude avaliativa por parte do enunciador. A modificação opera-se com o advérbio ‘mais’, internamente complementado pelo correlato ‘do que’.
Entretanto, “Comprei um livro mais falado do que <é> lido no seio dos jovens” configura uma estrutura comparativa (sublinhada) - equiparada a uma construção relativa adjetiva restritiva - que modifica internamente o grupo nominal ‘um livro’, sendo aquela iniciada pelo advérbio ‘mais’ (complementado pelo respetivo correlato).
“Ele é (tal / assim) como um estrangeiro <é>” tem todo um sublinhado (oração subordinada comparativa) a funcionar como predicativo do sujeito.
Em síntese, e na linha do que propõe Ana Maria Brito e Gabriela Matos, as comparativas configuram as seguintes condições:
a) termos comparados em realizações aproximadas de estruturas de coordenação asseguram funções sintáticas afins (“Ele consultou mais jornais do que revistas” tem no sublinhado um complemento direto central, constituído por dois núcleos – “jornais” e “revistas” –, internamente apresentando um advérbio com a função de modificador, acompanhado da sua expressão correlata –“ mais… do que…”);
b) termo(s) comparado(s) nas realizações aproximadas de estruturas de subordinação relativa corresponde(m) à(s) função(ões) que essa subordinada desempenharia (“O estudo, mais prático do que <é> teórico, é bastante representativo” apresenta uma subordinada comparativa a funcionar como modificador equiparável a uma relativa não restritiva, enquanto constituinte interno ao sujeito sintático da frase-matriz).
Creio que, pelos exemplos facultados, haverá já provas suficientes de que não há sentido na afirmação que foi apresentada e citada na questão; há caminho a fazer, mesmo nas situações em que nos são dadas respostas às dúvidas que nos assaltam. Esta será, por certo, a minha maior ajuda (dentro do que me é possível ajudar): fazer caminho.