quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Um futuro de grande ovação!

     Ora vamos lá ensaiar o ano letivo 2015-2016.

     Novo programa de Português no secundário: 
PALMAS!
     Novos manuais de Português no secundário: 
PALMAS!
     Novo programa de Português no básico (Despacho nº 2109 /2015, de 23 de fevereiro): 
PALMAS!
     Velhos manuais de Português no básico (de um programa que só o era na diferença com as metas, que passaram a ser mais do que o programa... ou vice-versa ou talvez coisa nenhuma):
PALMAS!

    Um mundo feito de novidades (com algumas velharias) e de festa.

     E agora que o Programa de Português do Ensino Básico está revogado (só sobreviveu seis anos), de momento não há programa. Ainda bem que os professores sabem cumprir o seu papel, sem documentos de gabinete, alguns dos quais tão inexequíveis que só por grande exercício de imaginação é que ainda alguém trabalha com / para eles, sem os alunos à frente
Fantástico! (Ou de como dizem os meus alunos, junto de outros mais: "Uma salva de palmas!" E todos batem as palmas das mãos uma só vez.)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Piadas homofónicas

     Pena que alguns não percebam que a piada também pode resultar de um jogo linguístico.

    Mostraram-me hoje uma imagem que circula pelo Facebook, na qual aparece um diálogo com "um erro". 
    Quando pedi a explicação, até fiquei satisfeito pelo facto de terem detetado como 'conserto' (no sentido de correção, arranjo, remendo, reparação) se escreve com 's' ou como esse verbo tinha um 'e' de som diferente (aberto) do nome 'concerto' (fechado). Tive pena, porém, que não fossem um pouco mais longe:


    À falta de melhor, conduzi os denunciadores desta "prevaricação" linguística para uma consulta no Google e pedi-lhes que pesquisassem sobre o autor indicado: Zack Magiezi. "Deve ser italiano", diziam uns. "Não! Zack é inglês", corrigiam (?) outros. Descobriram que era brasileiro, nascido em São Paulo, e autor de uma página de Facebook (Estranheirismo), além de poemas e criações literárias. Com os dados da autoria e da escrita, instalou-se a dúvida: "E um autor dá erros?" Lá acrescentei que até pode(ria) dar, mas a verdade do conhecimento dominado estava no parêntesis final.
     Surgiu, então, o comentário: "Pronto! É uma piada inteligente!"

     Acrescentei: "Uma verdadeira piada homofónica". Descobriram, então, que devem ler o texto até ao fim, inclusive os parêntesis (que não são tão secundários ou pouco essenciais quanto alguns os querem fazer ser), para distinguir os jogos com base na homofonia do desconhecimento / erro linguístico. Ficaram, por fim, de me trazer um erro de língua a valer.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Notas, chumbos e o mais que estará para vir

     A nova ou notícia de hoje é a recomendação do Conselho Nacional da Educação sobre os chumbos a evitar.


    Segundo David Justino, antigo Ministro da Educação e atual presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), a avaliação baseada nas notas dos exames assume "um efeito de influência" na avaliação dos alunos ao longo do ano, dado que "é necessário evitar". Até aqui, tudo pacífico. Para quem vê as práticas como a exclusiva preparação para os exames é bom que se leia estas palavras; para quem não saiba que as escolas são induzidas, por variadas formas, a comportar-se dessa forma, estas são sementes lançadas a terreno estéril.
     Junto com isto, volta a velha discussão entre as diferenças da avaliação contínua e da avaliação sumativa externa, questão mais do que conhecida, mas a todo o tempo retomada (quando não distorcida). E depois, de novo, as tabelas, as estatísticas, os gráficos e as comparações, numa espécie de agenda subliminar que pelos meses de fevereiro a abril volta à crista de uma onda revista lá pelas marés de setembro-novembro. A par disto, ressoam pelos corredores das escolas discursos (entre outros ruidos que em nada favorecem o clima e o ambiente de estudo e trabalho) a sublinhar o interesse de, cada vez mais, haver quem tudo faça para que as leituras de duas modalidades avaliativas coincidam: são os testes feitos à moda dos exames (muitos dos quais aplicados em 90 minutos, quando seriam de prever 120+30); são as médias de exame discutidas e misturadas com as médias de ano e/ou de períodos; são as práticas reduzidas ao que "interessa para exame" (se sai ou não sai, para não falar nas apostas feitas quanto às certezas do que este venha a contemplar). Tanto esbracejar em areia movediça e tanta discussão para colocar muito e diferenciado assunto num só saco! (Uma estratégia para nada ser feito foi sempre a de fazer divergir a discussão para múltiplos pontos, de modo a que nenhum seja tratado, pela consciência da pequenez humana face à grandeza e à grandiosidade dos problemas).
    Atrofiados por questões de gabinete(s), lá vão os professores (eu) trabalhando o melhor que podem (posso) no meio de tanta poeira e vento lançados à / na escola, numa consciência crescente de que estão (estou) cada vez mais sozinhos (só, mesmo) face a autoridades máximas, organismos centrais que parecem deleitar-se com convicções por vezes tão infundadas na realidade escolar comum concreta quanto assentes em modelos teóricos que tão pouco têm de generalizáveis. Aos que aqui descobriram o filão de ouro respondem outros países - considerados modelo para algumas coisas, outras não - que, tendo já passado pela experiência, já só nela veem o ouro dos tolos, composto de embaraços e impedimentos quer ao estímulo quer ao sucesso.  
    E os alunos lá estão, longe de tudo isto e tão mais do que isto; muito para além dos números e das percentagens, com tanto do que ainda vão dando ou querendo (felicidade, talvez, a minha por ainda os ver assim e ter muitos que assim são, por ainda verem algum sentido naquilo que fazem e naquilo que lhes é dado a fazer); à espera de ter indicações precisas do que fazer; com as interrogações  e as reações e papéis típicos dos adolescentes que os professores (eu) também foram (fui); numa postura entre a convergência e o desafio (quando não é de desautorização, à semelhança do que acontece com outros poderes que o deixaram de ser, por terem perdido os meios de o ser) à autoridade que têm à frente.
     Leio nos escaparates, nas primeiras páginas, nos títulos, nas citações (admito que descontextualizadas) que a «'Cultura da nota' desvaloriza processos que promovem aprendizagem». Nem sei que pense: a frase tanto dá para a má nota - que rotula, que estigmatiza, que inviabiliza a possibilidade ou a motivação para participar noutra oportunidade - como para a melhor de todas elas - nem sempre a refletir o rigor e a exigência (ou o mérito e a excelência) tantas vezes aflorada - porque literalmente feita apenas de "flores" superficiais e não apoiada ou alicerçada na "terra" - em situações, formações, alternativas, certificações apressadas, discursos de sucesso educativo (como se este fosse apenas um, particularmente o da aprovação e o do diploma conseguidos de qualquer modo). Depois o fim dos "chumbos", das "retenções", das "reprovações", das "não aprovações" são designações que também podem significar a banalização, a indiferenciação, a falta de necessidade e de brio para se ultrapassar falhas, dificuldades, disfunções, desafios que nem só o tempo ajuda a resolver. Um autêntico "laissez faire laissez passer", educando para uma vida em que só ilusoriamente não há constrangimentos, entraves, dificuldades, adversidades - muitos deles a motivar um real e reconhecido esforço, a superação, sem que tenha de chegar necessariamente à transcendência.
       Tempos de caricatura, tão próximos da realidade:


     A novidade não é nenhuma - é uma nova velhíssima e grotesca. A preocupação é mesmo a do dinheiro, a do custo que representa a retenção (numa versão mais material e culpabilizadora) ou a do investimento que uma formação alternativa possa representar (noutra versão, politicamente mais correta). A pessoa, o aluno - na sua individualidade, singularidade - é uma outra perspetiva. Só que esta fica nas mãos do docente que terá outros tantos para encarar, numa heterogeneidade e diversidade (quando não de inconsistente inclusão) muito além de qualquer percentagem que alguém quererá atingir na massa anónima mais internacional(izada) possível.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Hoje deu-me para as lendas

    É o que faz deparar com uma pintura que retrata uma delas.

Imagem no Santuário da Nossa Senhora da Nazaré (foto VO)
    Refiro-me a uma tela setecentista, assinada por Luís de Almeida, que se encontra no San- tuário do Sítio ou na mais conhecida Igreja da Nossa Senhora da Nazaré. A imagem repre- senta a Lenda da Nazaré, narrativa que lembra um episódio de caça protagonizado por D. Fuas Roupinho (Fernão Gonçalves Chuchirrão), com- panheiro de armas e de lutas nos tempos de D. Afonso Henriques. 
    Conta-se que ao amanhecer de 14 de setembro de 1182, o então alcaide do castelo de Porto de Mós caçava junto ao litoral, na proxi- midade das suas propriedades. Ao avistar um veado, começou a persegui-lo. Um denso nevoeiro que se levantara do mar impediu-o de ver como era conduzido para o cimo de uma falésia. Aí, junto a um precipício, reconheceu uma gruta onde era venerada uma imagem de Nossa Senhora com o Menino. Em aflitiva prece, rogou à Santa que lhe valesse. Milagrosamente, o cavalo estacou, firmando as patas traseiras numa rocha suspensa sobre o vazio - o Bico do Milagre. Salvos o cavaleiro e a sua montada, de uma morte certa numa queda de mais de cem metros, foram chamados pedreiros para erguerem uma pequena capela sobre a gruta, como registo de memória do milagre - a Capela da Memória.
     Diz-se ainda que durante os preparativos da construção, entre as pedras lá existentes, foi encontrado um cofre em marfim com algumas relíquias e um pergaminho. Neste se identificavam as relíquias como pertencentes a S. Brás e S. Bartolomeu e se relatava a história da pequena escultura policromada, esculpida em madeira, que no local muita gente venerava: a Virgem Maria, sentada, a amamentar o Menino Jesus, também ele sentado na perna esquerda da mãe. Enquanto a imagem venerada desde os primeiros tempos do Cristianismo em Nazaré, na Galileia (terra natal de Maria), o pergaminho conta também que ela terá chegado a Mérida pelas mãos de um monge grego e, no contexto das lutas entre Muçulmanos e Cristãos, o rei D. Rodrigo tê-la-á trazido para a região do litoral atlântico aquando de uma das suas derrotas.

    E com esta história me fico, não pela popularidade da devoção nem pelos mistérios do pergaminho, mas pela memória de uma pausa de carnaval que me levou até Nazaré (não da Galileia, mas deste cantinho ocidental à beira-mar plantado).

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Tudo a dobrar

    A questão decorre de uma dúvida levantada por uma posição extremada na escrita de uma palavra pouco comum, mas já com algum uso.

     Este é um dos casos que o uso vai já impondo alterações. Provas de que a língua está viva.

    Q: A palavra 'duplex' leva acento no 'u'? Disseram-me que essa é a forma correta de escrever a palavra.

      R: Na verdade, sempre encarei a escrita "duplex" como correta. Instalada a dúvida, pesquisei em alguns dicionários e acabei por chegar à conclusão de que ambas as formas, acentuada e não acentuada, são aceitáveis. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, regista as duas formas (dúplex e duplex), o mesmo acontecendo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Igual situação pode ser ainda encontrada no Vocabulário Ortográfico do Português (ILTEC).
    Uma nota, contudo, deve ser tida em consideração: o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa não deixa de registar que 'duplex' é a forma mais usada, mas não a preferida por outros dicionários. Estes seguem a versão acentuada, numa fidelidade à origem etimológica do termo latino (duplex, ĭcis), com o significado de "duplo, dobro, dobrado" e com a sílaba [du] mais longa / intensa do que [plĭ].
      Estamos, portanto, perante mais um caso de alguma deriva na língua portuguesa, à semelhança do que já acontece com outras palavras que apresentam oscilação de pronúncia (Oceania / Oceânia, pudico / púdico, tulipa / túlipa) e entradas dicionarizadas com ambas as formas.
      Para a tendência do uso 'duplex' não será certamente estranha a vulgarização / frequência em função da forma reintroduzida e emprestada do inglês, também grafada sem acento:


     Ora, a tendência da pronúncia estará para assumir a palavra mais como aguda do que grave; daí o 'duplex'. Quem quiser ser mais etimológico que vá pelo 'plex' e pela respetiva fonética - no mínimo incomum pela sonoridade de palavra grave. Em qualquer dos casos (o do uso, o da etimologia), haverá sempre razão para a constatação da língua viva, em constante evolução.
    

sábado, 7 de fevereiro de 2015

E, agora, de baixo...

     Na sequência de apontamento anterior, mais uma dúvida com muito latim à mistura.

     Depois do 'semi-', vem o 'sub-', bem distinto do anterior.

     Q: E submarino? Já quase afundei...

   R: Quem se mete com submarinos a isso se arrisca, mas não creio ser o caso. A palavra 'submarino' é formada a partir de 'sub+marino'. A segmentação deve ser feita considerando o prefixo 'sub-' (recursiva e recorrentemente utilizado noutras palavras do português, inclusivamente com as variantes alomórficas su-, sus-, sob-, so-) e a palavra base 'marino', já entrada no português a partir da forma latina 'marinus'. 
     Trata-se, portanto, de um exemplo de derivação por prefixação.

    Mais um caso, portanto, em que interessa trabalhar a recursividade do prefixo latino (na aceção, por exemplo, de posição abaixo ou inferior - ex.: subaquático, subarrendar, subdiretor, subsolo, subjazer, substrato, subliminar, subconsciente, subaproveitar, subtítulo -; de falta / insuficiência - ex.: subalimentado, subdesenvolvido - ou não explícito - ex.: subentender) para a formação de palavras no português.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

De volta ao quase ou à metade...

            A questão hoje foi completa, ainda que seja acerca da metade ou daquilo que é 'quase'.

       Q: Como se classificam as palavras que contenham "semi", derivadas por prefixação ou compostas?

      R: No capítulo dos radicais eruditos, houve sempre alguma instabilidade quanto à classificação das palavras portuguesas que os utilizam como uma das suas componentes de formação. Por um lado, a questão da consciência geral dos falantes muitas vezes não se põe (por não ser de conhecimento imediatamente acessível); por outro, há exemplos de radicais desse tipo que, entretanto, acusaram uma deriva semântica própria de realidades / valores significativos distintos do significado geral (é o caso clássico de 'auto', com o valor grego de 'próprio', 'por si mesmo / próprio' - como em 'autoavaliação' - e o sentido mais atual de 'relativo a veículo movido por si mesmo' - como em 'autoestrada').
     Quanto a 'semi', Celso Cunha e Lindley Cintra (na Nova Gramática do Português Contemporâneo) colocam-no numa lista que designam de 'pseudoprefixos', precisamente por ser um caso de radical culto latino que entrou em deriva semântica. Outros linguistas, como José Herculano de Carvalho (na Teoria da Linguagem), falam de 'prefixóides', isto é, significantes análogos aos prefixos, apesar de não caberem inteiramente nessa categoria. André Martinet propôs para situações destas (nomeadamente as que evidenciam termos como 'aero, agro, arqui, astro, bio, cine. demo, eletro, fono, foto, geo, hetero, hidro, inter, macro, maxi, micro, mini, mono, moto, multi, pluri, poli, proto, pseudo, radio, retro, tele, termo') o conceito de recomposição - designação para um processo que não se identifica nem com a composição nem com a derivação sistemáticas.
          Pelo facto de este último linguista recorrer ao termo 'recomposição (sublinhado meu), mantenho o contexto das palavras compostas como o mais ajustado a uma possível classificação de 'semifrio', 'semicolcheia', 'semibreve', 'semifusa', 'semifinal', semiprofissional', 'semirreta', 'semivogal', 'semicerrado', 'semiestruturada'. Na mesma linha encontra-se a informação do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, ao apontar a entrada 'semi' como elemento de composição.

           A instabilidade, a deriva ou a dificuldade de classificação patentes nestes casos não são mais do que evidências da falta de sistematicidade ou do grau (mais ou menos elevado) de irregularidade em mecanismos complexos e/ou com um alto grau de especificidade no domínio da formação de palavras - muitos dos quais a ultrapassar o domínio morfológico (como é o caso da lexicalização e o das palavras lexicalizadas). Trata-se, portanto, de uma questão que ultrapassa claramente o público-alvo dos ensinos básico e secundário e que deve dar lugar, na didática da gramática. a um trabalho mais orientado para a consulta de termos eruditos e sua produtividade na antecipação / construção de significados em palavras concretas (em detrimento de preocupações classificatórias).

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Quem se lembra de tal à hora de jantar?

     Eis que me chega novo pedido de comentário, formulado por uma colega atenta a estes "trocadilhos" gráficos divulgados pelo Facebook.

     Numa imagem que circula pelo facebook, partilha-se, com o famoso "kkkkkkkk" (a representar o riso gutural dos "danadinhos para a brincadeira"), o aviso:
    Que se me oferece dizer? Que a criatividade linguística dos utilizadores (menos conscientes e/ou mais intuitivos ou, ainda, os mais divertidos e criativos, a julgar pelo 'assinado eu') é fantástica, mesmo que ela decorra de situações de erro. 
    Na verdade, muita da criatividade da língua surge neste último contexto. O dado é historicamente comprovável, até pela própria evolução do latim vulgar, atestada num registo como o "Appendix Probi" (terceiro de um conjunto de cinco apêndices, da autoria do gramático Probo, a dar conta de fenómenos de evolução glosados na perspetiva da sua gramaticalidade / agramaticalidade relativamente ao latim falado nos séculos III a IV). Hoje, em português e para olhos que não estejam a ver bem, sempre há uns óculos para compor a situação; e se ambos os termos sublinhados existem na nossa língua, é porque alguém deixou de, no latim, dizer o gramatical oculus e passou a utilizar o agramatical oc'lus (glosa 111, a revelar a síncope da vogal pós-tónica, indesejada para Probo) para se referir aos olhos. Assim, por via popular, nos chegam os olhos (< oc'lus); por via erudita, os óculos (< oculus). O mesmo sucedeu com auris non oricla (se hoje dizemos 'orelha' estamos mais para a forma dita agramatical do que para a base correta).
       O erro na imagem dada a ver/ler pode ser impeditivo do que se queira transmitir; porém, a leitura em voz alta repõe, na mente do leitor, a mensagem: "Fui almoçar".
    De novo, há a possibilidade de alguma interferência de um registo sonoro do português não europeu (mais familiar, por exemplo, ao da variedade do Brasil), que pode conduzir o falante a tentar registar, por escrito, o que lhe parece ser aquilo que familiarmente lhe é dado a ouvir. A par disto, considera-se ainda a inconsciência lexical (que vê duas palavras - 'ao mossar' - onde só existe uma - 'almoçar') e ortográfica (indiferenciação na grafia 'ss' / 'ç'). Alguma história da língua e a noção de alguns fenómenos de evolução fonética (contando com a deteção de dissimilação, síncope, palatalização) também ajudariam à correção pretendida.
      A par de tanta inconsciência, mais acrescento: quanto mais rápida for a produção oral da palavra 'almoçar' mais próxima fica a sílaba [al] do que aparece grafado na imagem como 'ao' (o que pode induzir o falante menos instruído à escrita de um ditongo foneticamente representado como [aw]).
    Instalada a comédia linguística, interessa dizer que ela só faz sentido por não se encontrar vulgarizado nenhum nome com a forma 'mossar'. Assim fosse, perder-se-ia toda a piada. Como só se reconhece 'mossar' como verbo (torcer o linho), 'fui ao mossar' é sintagma tomado como agramatical e, daí, sí na virtualidade cómica poder ser o que não é ou ler-se o que lá não está.

     À imagem de um apontamento anterior, a comunicação pode fazer-se, por mais que o ponto de partida pareça ruído. Por ora mais não digo (ou melhor, escrevo), porque é hora de jantar.