sexta-feira, 29 de abril de 2016

Composições... de palavras

      Mantêm-se dúvidas quanto à composição de palavras. Assunto complexo, por certo.

      No seio das palavras complexas (sejam derivadas sejam compostas), a composição (a morfológica e a morfossintática) tem vindo a revelar-se crítica na abordagem que dela fazem. A dúvida colocada é prova disso:

    Q: Vítor, quando puderes, diz-me só por que motivo 'cronómetro' é uma palavra composta morfológica enquanto 'girassol' é composta morfossintática? Ou estará mal?

        R: Nada mal.
       Começo pela segunda: independentemente da convenção ortográfica que requer a grafia dupla 'ss', girassol é um composto morfossintático, na medida em que foram ligadas duas palavras 'gira' e 'sol', com existência autónoma e sem variação nos sons produzidos (seja enquanto duas palavras simples seja como composto).
         O caso de 'cronómetro' é distinto: junta-se o radical 'cron-' ao termo 'metro', encontrando-se entre estes uma vogal de ligação a funcionar como fronteira entre os dois segmentos. Inclusivamente, se forem considerados outros compostos com o mesmo radical (ex.: cronologia, cronograma, cronografia), é possível, pela leitura oral, verificar a variação fónica da vogal sublinhada - dita como [u] e não como [ɔ] em 'cronómetro' ou 'cronodiagrama'). O reconhecimento da existência desta vogal de ligação, no trabalho comparativo dos compostos, permite identificar a composição morfológica. Também 'luso' tem a sonoridade [u] no sublinhado, mas em 'luso-americano' já se volta a ter o som [ɔ]; 'biblioteca' e 'bibliófilo' obedecem ao mesmo contraste (para não falar em 'agricultura', 'agropecuária'e 'agrologia', a revelar maior variedade sonora nessa vogal de ligação).
         Em síntese, poderia então apontar-se para a seguinte sistematização:

(Clicar na imagem para ver maior)

       E, para terminar, registo que, contrariamente ao que já ouvi dizer, a oposição composição morfológica / composição morfossintática nada tem a ver com a ausência ou presença de hífen ('luso-descendente' e 'surdo-mudo' têm-no e são, respetivamente, um composto morfológico e um composto morfossintático), havendo mesmo palavras derivadas com esse sinal gráfico (ex.: 'anti-higiénico).

sábado, 23 de abril de 2016

Prémio Literário Manuel Laranjeira - 1ª edição

   No Dia Mundial do Livro, foi apresentada ao público a 1ª edição do Prémio Literário Manuel Laranjeira. 

   Depois de um interregno de cerca de cinco anos, regressa a Espinho um evento para marcar a atividade cultural da cidade, na projeção de uma das suas figuras maiores e na dinamização da arte de escrita literária.
    Na Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva e em parceria com o Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira, publicitou-se aquele que vai ser um prémio com periodicidade bienal, visando o incentivo, a promoção e a divulgação da criação literária para autores com idade igual ou superior a 18 anos. São admitidos apenas textos inéditos, escritos em português e de autoria única, na modalidade dos géneros de diário, da carta ou do texto ensaístico, versando um tema da atualidade. A entrega poderá ser feita até ao dia 22 de fevereiro de 2017, na já mencionada Biblioteca e segundo os termos do programa e das regras de participação (abaixo apresentados).
     O prémio pecuniário de 5.000,00€ (cinco mil euros) será atribuído, no dia da cidade de Espinho (16 de junho), no próximo ano, ao autor cujo texto e cuja qualidade de escrita sejam reconhecidos por um júri constituído para o efeito (a saber, um representante da edilidade; o Prof. Dr. Pedro Serra, da Universidade de Salamanca; a Prof. Drª. Maria João Reynaud, da Universidade do Porto; o escritor João Pedro Mésseder e o Prof. Anthero Monteiro).
    A propósito dos géneros considerados (carta, diário, texto ensaístico), contam-se, por certo, aqueles a que o homenageado mais recorreu e que mais o notabilizaram na sua produção escrita. São aqueles aos quais o produtor de um discurso se dedica e se propõe no que é, no que pensa e no que deseja ser ou ter; aqueles nos quais o escritor dá imagem(ns) intencionalmente criada(s), admitindo ao leitor a construção de representações na maior ou menor dependência do sabido sobre quem escreveu; aqueles em que o "eu" pode convocar uma multiplicidade de papéis, conforme a versatilidade da sua personalidade e das suas vivências (das mais consensuais às mais alternativas ou ousadas, das mais individualistas e confessionais às mais coletivamente configuradas num 'nós' que pode ter tanto de convergente como de crítico e dissonante); aqueles em que o 'eu' se pode dar a ler com matizes muito diferenciados, metamorfoseando-se e fazendo do registo tendencialmente autobiográfico uma condição que não contradiz o ficcional, o sentido "mascarado" das emoções, das vivências, dos retratos, das opiniões e das posturas onde o mito de Narciso de se (re)cria em espelhos mais ou menos deformado(re)s.
     A escrita e os textos são um exemplo desses espelhos, onde Manuel Laranjeira se olhou e se deu a ver e a ler. Bastaria lembrar o Pessimismo Nacional (1907-8), enquanto obra de fôlego na índole do ensaio reflexivo sobre a condição de um tempo; as Cartas de Manuel Laranjeira (1943), volume póstumo prefaciado por Miguel de Unamuno, no domínio epistolográfico; o Diário Íntimo (1957), na confessionalidade de um 'ego' inconformado, que anseia pelo que o mundo não lhe parece querer dar - todos a corroborarem a seleção dos géneros e a mostrarem-se como obras ou exemplos textuais inspiradores de um autor na vida de um ser, de um espaço e de um tempo. Desta feita, interessará que os temas a eleger sejam os contemporâneos. E dos mais consensuais aos mais fraturantes, eles estão aí aos nossos olhos, ouvidos e outros sentidos, para motivar reações, visões, escritos ajustados à mediação criativa de quem esteja / está também atento à vida e a faz representar(-se) em texto. Saibamos vivê-la para que a morte não responda por ela.
    Entre os géneros e o tema ficam também o programa e as regras de participação aqui divulgadas:

(clicar em cima da imagem, para ver em tamanho maior)



      Para terminar, em beleza, não pode acabar este apontamento sem deixar de se referir que a sessão de apresentação pública contou com a leitura dramatizada de um excerto da obra do autor espinhense, além de um momento belo e sonoroso, conduzido por um par de alunos da Escola Secundária Manuel Laranjeira, tendo dado a conhecer (tocando piano e cantando) uma ária de registo erudito composta por um contemporâneo de Manuel Laranjeira: Francisco Lacerda ("Tenho tantas saudades").

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Prince...

     Morreu Prince Rogers Nelson ou, simplesmente, Prince.

    “O Artista” ("The Artist"), como era conhecido, foi dançarino, cantor e compositor, um ícone do espetáculo e da cultura musical americanos, fundindo sonoridades do pop, funk, R&B, jazz e disco em composições que ficaram para a história da música. Reconhecido na versatilidade da voz e dos arranjos produzidos para as suas canções, tal é verificável em casos como "1999" (1983), "When Doves Cry" (1984), "Purple Rain" (1984), "Kiss" (1986),  "Batdance" (1989), "Diamonds and Pearls" (1991) ou  "Cream" (1991), alguns dos muitos êxitos do multifacetado e platinado cantor.

Registo fílmico com a cantiga "Diamonds and Pearls" (1991)

     Em homenagem ao pai, que tinha tocado num trio de jazz chamado 'Prince Rogers Trio', adota o nome artístico de Prince, passando a identificar-se com um símbolo identificado com a junção do masculino e do feminino - algumas das suas guitarras adquiriram esta forma também designada como "símbolo do amor".
      Versátil, ousado e inovador, o músico nascido em Minneapolis (1958) deixa, nas vésperas de fazer 58 anos, êxitos e momentos musicais considerados, por muitos, como dos mais singulares dos anos 80 e 90 do século XX.

Diamonds and Pearls

This will be the day
That u will hear me say
That I will never run away

I am here for u
Love is meant for two
Now tell me what u're gonna do

If I gave u diamonds and pearls
Would u be a happy boy or a girl
If I could I would give u the world
But all I can do is just offer u my love

Which one of us is right
If we always fight
Why can't we just let love decide (Let love decide)

Am I the weaker man
Because I understand
That love must be the master plan (Love is the master plan)

D to the I to the A to the M
O to the N to the D to the pearls of love
D to the I to the A to the M (To the M)
O to the N to the D to the pearls of love

There will come a time (There will come a time)
When love will blow your mind (Blow your mind)
And everything U'll look 4 U'll find (Take a look inside)

That will be the time (That will be the time)
That everything will shine (Forever)
So bright it makes u colorblind (U will be color blind)

If I gave u diamonds and pearls (Diamonds)
Would u be, would u, would u
(Would ya, would ya, would ya be happy little baby)
A happy boy or a girl
If I could I would give u the world

  Um caso de sucesso e de afirmação num tempo ainda coincidente com uma fase da vida plena de expectativas.

     Mais uma estrela que, da música, fez vida e que, com a morte, não deixará de se fazer ouvir.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

"Aqui respira-se, em Portugal abafa-se"

   Frase de Amadeo de Souza-Cardoso, referindo-se ao "aqui" (deítico) que é Paris.

   Não espanta, portanto, que o documentário, hoje mundialmente estreado e transmitido pela RTP1, seja francês; que Paris se renda a uma exposição dedicada ao pintor português modernista, no Grand Palais (em exibição desde hoje até 18 de julho). Parece que os homens do primeiro modernismo português estão destinados a ser conhecidos desta forma: assim foi com Pessoa, com Mário de Sá-Carneiro,...
   Numa mestria de movimentos, na intensidade do brilho e na policromia das pinturas, a genialidade do jovem português de Manhufe (Amarante) impõe-se no centro cultural europeu de então, bem como nos Estados Unidos - palcos abertos a uma rede de influências marcante e que muito contribuíram para o reconhecimento daquele que se afirmou na sensibilidade estética e artística dos movimentos de vanguarda, pela expressão cubista, futurista e expressionista, sem dela fazer escola, a bem da pluralidade que sempre defendeu.

Vídeo sobre a exposição no Grand Palais (Paris)

   Falece, com apenas 30 anos, em Espinho, em 25 de outubro de 1918. Refugiou-se nesta localidade numa tentativa inútil de escapar à epidemia de Gripe Espanhola (pneumónica), depois de ter auxiliado a mulher e a irmã na mesma luta.
    Seis anos antes vira desaparecer um amigo - Manuel Laranjeira - que conhecera na localidade onde havida passado os verões da juventude, numa casa da família localizada muito perto da praia (praticamente ao lado do atual Casino, e da qual presentemente não resta nenhum vestígio).

     Programa televisivo de relevo para um artista excecional, na breve vida longamente silenciada e praticamente esquecida por um regime que o fechou à visibilidade por ele conquistada.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Misturas!

    Muitos significados tem a palavra, das misturas mais pacíficas às mais críticas.

    Por ora, uso-a para caracterizar uma reação natural a quem ouve 'O amor é assim', dos HMB com a participação de Carminho. Isto de juntar uma voz do fado com o vocalista Héber Marques (mais Joel Silva, na bateria; Daniel Lima, nos teclados; Fred Martinho, na guitarra, e Joel Xavier, no baixo) como ritmo do soul e do R&B é significativamente inédito:

Vídeo de 'Got Talent - Portugal', na RTP1 (emitido a 20 de março de 2016)

     O AMOR É ASSIM

Eu não sei se algum dia eu vou mudar
Mas eu sei que por ti posso tentar
Até me entreguei e foi de uma vez
Num gesto um pouco louco
Sem pensar em razões nem porquês

O amor é assim
Pelo menos p'ra mim
Deixa-me do avesso
Tropeço, levanto e volto p'ra ti

Eu não perco a esperança
Espero a bonança
E nela avança o mesmo amor
E o tempo é companheiro é bom parceiro
E até já nos sabe a cor
E as voltas que embora nos tracem e eu lá sei
Leva-nos para onde for
Insiste, persiste, não sabes o fim
Mas assim é

Mas será que é mesmo assim?
Dizem que o amor é assim
Há tempo para descobrir

Mas só quero o teu bem
(Quero o teu bem)
E que eu seja o teu bem
(Que eu seja o teu bem)
E tudo nos vá bem
(vá bem, vá bem)
Não quero ficar sem ti

O amor é assim
Pelo menos p'ra mim
Deixa-me do avesso
Tropeço, levanto e volto p'ra ti

Caio e levanto qual é o espanto?

O amor é assim
Assim é o amor

    O facto é que resulta e muito bem. Há cerca de dois meses que já ouço a composição na rádio e, de cada vez, lá elevo o som para ouvir melhor. Uma batida nusical com uma combinação de vozes fantásticas.

     Os puristas do fado talvez não apreciem esta junção; por mim, ficou uma boa canção. Por isso, "Misturas!" é razão para uma boa reação e continuada audição, em balanço de dança e animação.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Politiquices...

      Depois de Cristo ter tido dois pais, eis que chega a questão do dia: o cartão de cidadão / cidadania.

    Comenta-se o projeto apresentado, na Assembleia da República, pelo Bloco de Esquerda (BE), para modificar a designação do 'Cartão de Cidadão', que se quer 'Cartão de Cidadania'. A argumentação parece residir no facto de não se respeitar a "identidade de género de mais de metade da população portuguesa”. Portanto, defende-se que a denominação masculina está desajustada à taxa populacional maioritariamente feminina (depreende-se) ou, então, pretende-se que ela seja preterida face a uma outra mais neutra e mais próxima de uma igualdade de direitos entre homens e mulheres.
   Isto de confundir o género linguístico (gramatical) com o género biológico (sexual) é, no mínimo, risível! Enfim... noções tão distintas que bastaria saber um pouquinho sobre 
- nomes comuns de dois - como a designação o indica, com dois valores de género, sem consequências morfológicas (a palavra mantém-se inalterada independentemente do género), mas com consequências sintáticas (desencadeando concordâncias), como é o caso de 'o/a jornalista' ou 'o/a intérprete'; 
- nomes sobrecomuns, sem contraste de género e sem marcação morfológica ou sintática (apesar de referir entidades de um e outro sexo), como 'a pessoa, a criança ou o indivíduo, a testemunha'; 
- nomes epicenos - na designação de animais, apenas com um género gramatical, embora referindo ambos os sexos, como 'a cobra, o elefante, a águia, a foca' (expansíveis com o restritor «macho» ou «fêmea»).
   No meio disto tudo, antevejo já um problema sério: quando o BE descobrir que, na língua portuguesa, o género marcado, linguisticamente, é o masculino, vai ser um Deus nos acuda! Já ouço quão injusto é, no meio de tanto feminino, um só masculino se impor! Onde já se viu! Nem o genérico Homem, para designar a Humanidade, vai ser permitido!
  Preparemo-nos, porque as polémicas mudanças do Acordo Ortográfico serão pormenores de somenos importância face à revolucionária mudança que o Português vai ter de sofrer, em nome de uma língua mais promotora da "igualdade de género".

    A não ser despiciendo o projeto, diria que a prioridade da iniciativa é, no mínimo, bastante discutível. No meio disto, só falta pensar que alguns milhares já terão sido, por certo, gastos no pagamento de tanto estudo, tanta hora de discussão e pouca oportunidade de ação comprometida com o desenvolvimento do país e a melhoria de condições de quem trabalha, independentemente do género e a bem de todos os que labutam seriamente.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Voltando ao beijo

    De novo, o Dia Mundial do Beijo.

   Entre várias cenas fílmicas que hoje passam na televisão para exemplificar o grande beijo (do mais clássico ao mais alternativo), foram tantos os exemplos e os estilos que fiquei surpreendido com o facto de não se terem lembrado do mais saboroso... à bolonhesa:

Excerto de A Dama e o Vagabundo (1997)

    De A Dama e o Vagabundo (na versão relançada em 1997, pela Walt Disney Records), este é um dos mais românticos beijos do filme animado. Talvez não tenha a duração do recorde mundial (que dizem estar contabilizado com mais de 58 horas, no Guinness World Records), mas são cerca de uns segundos em que um cão de rua (eu diria 'um Street Dog' para ser mais chique) e uma Cocker Spaniel roçagam apaixonadamente os focinhos no mais singular, famoso e cinéfilo beijo canino.
    Ainda assim, não é só destes beijos que reza o dia; outros há, para e em múltiplas situações, como o poema de Mário de Sá-Carneiro o traduz.

    E por mais que também exista o 'beijo de Judas', este é cá escusado, porque de traição e falsidade se trata.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Assim não brinco!

    Brincadeira tão triste!

  Isto de fazer convites com o pior da língua é caso sério, particularmente quando se destina a um público que precisa de bons exemplos; não dos péssimos.
  Parece que, lá para os lados do Parque Nascente (centro comercial em Rio Tinto), o Násci (um ursinho de cara simpática) quer brincar; contudo, podia escolher melhor quem faz os registos dessa sua vontade:

Anúncio publicitário no seu pior!

   Confundir o singular (VEM) com o plural (VÊM) é grave, mais ainda quando se desconhecem os modos verbais (o imperativo do convite - VEM - com o indicativo no tempo presente - VÊM) em pessoas gramaticais bem distintas (VEM <tu> e VÊM <eles>).
    E, por fim, a pontuação anda nas ruas da amargura, particularmente nas duas primeiras linhas: a saudação não está separada da afirmação / identificação; esta última não é separada do convite senão pelo aspeto gráfico do escrito (tudo em maiúsculas no início, como se letra de imprensa se tratasse, para uma escrita mais conforme e convencional nas linhas seguintes).

    Enfim! No dia de hoje, que os ingleses designam como 'april fool's day', alguém anda louco e não é em terra britânica; é em Portugal, onde a publicidade que se faz até parece mentira! Nem a brincar!