Espera . Procura . Encontros, Desencontros e Reencontros . Passagem com muitas Viagens . Angústias e Alegrias . Saberes e Vivências . Partilhas e Confidências . Amizades sem fim
Do pouco tempo que houve para respirar em dois dias de merecido descanso (que devia ser sem trabalho), ficou um breve momento em que o colorido do fim de dia se mesclou com a depressão de que amanhã se regressa à azáfama (na qual já me deixo ir mais na onda do que no controlo do tanto que há para fazer):
Quadro natural, num fim de domingo junto ao mar... a trabalhar (Foto VO)
O escuro anunciado da noite está para o pensamento depressivo de que segunda-feira está já aí; as restantes cores estão para o dia de sol que findou, porque não há bem (por mais relativo que seja) que sempre dure.
Espero que o resto do provérbio se cumpra: nem mal (também relativo que seja) que não se acabe (resta focar na sexta à noite que está para chegar).
Trabalhados alguns fragmentos, fica a sensação de um Bernardo Soares que ecoa o ortónimo, bem como os heterónimos, num registo prosaico feito da poesia e do pensamento plasmados em alguns versos familiares aos olhos dos leitores pessoanos.
Na proximidade com o criador, Bernardo Soares é um semi-heterónimo (no seio de outros dois) que muito contribuiu para a dimensão reflexiva da obra completa do criador poético; um prosador que observa e transfigura a cidade, os ambientes, o quotidiano à semelhança de Cesário; que trabalha e reflete sobre a língua (pois gosta de "palavrar"); que explora o sonho como libertação do sono da vida (ou da "salada coletiva da vida").
É na dualidade de um Pessoa-Soares ou de um Fernando-Bernardo que o ser-sombra se compõe, como se pode depreender do documentário seguinte (a abordar um livro, que é simultaneamente vida, de desassossego):
Documentário com montagem a partir da série televisiva "Grandes Livros" (RTP-1)
Mais do que um Vicente Guedes (aristocrata falido que ganha a vida como empregado de escritório) ou o Barão de Teive (com morte anunciada, e que decide escrever antes de se matar), Bernardo Soares é o pensador moderno na reflexão sobre o abismo da alma humana, reportando uma vivência de angústia, numa sociedade feita de desalento e numa época tão crítica quanto criativa. Nesta, a alma do escritor é "uma orquestra oculta", sem saber "que instrumentos tange e range, cordas e harpas, tímbales e tambores"; só se conhece como sinfonia e vê a infância como saudade da emoção desse momento de "grande certeza sinfónica".
Quem construiu o programa de 12º ano da disciplina de Português, de facto, ou gosta muito de Pessoa ou contribui definitivamente para alguma saturação: ele é ortónimo - nas construções poéticas curtas e na obra Mensagem -, mais heterónimos; junta-se o semi-heterónimo Bernardo Soares e, para fechar, volta-se, com Saramago, a um universo pessoano com O Ano da Morte do Ricardo Reis. Faltou algum doseamento, num indisfarçável propósito de ver em Pessoa toda uma literatura, porque ele é todo um conjunto de poetas em verso, contista e prosador exímio, dramaturgo de uma peça ou cena com faces / máscaras / caracterizações "em gente".
A riqueza e diversidade do poeta modernista são enormes, por certo. Falta saber se a adesão à multifacetada obra se consegue com a insistência na leitura de tanto verso, pensamento e (re)construído, criativo universo. Por mais que a multiplicidade se verifique, não deixa de comparecer a unidade: a de um criador que ecoa nas suas criações ou a da convergência de sensibilidades várias e aglutinad(or)as no escrito. É um Pessoa que se exprime, por fingimento artístico, através de várias pessoas e estéticas ou estilos diversos, numa representação feita em um só palco, mas com a fragmentação do ser própria do artista que se confronta com múltiplas verdades.
Um Fernando Pessoa(s) acompanha os nossos dias, até não sei quando, à espera de uma linha de fronteira que se esbata no jogo do real ficcionado ou da ficção que tem muito de real concentrado num romance.
Do bom exemplo que os profissionais devem dar quando se confrontam com soluções indesejáveis (pois, as das bandas esquerdas / direitas dos manuais que alguns dizem ser uma mais-valia):
Q: Ao ler um fragmento do Livro do desassossego, de Bernardo Soares, faz-se a progressão das expressões "nas costas do homem" para "nas costas do meu adiantado" (do homem que está adiante). Num exercício do manual, pede-se o mecanismo de coesão exemplificado e a solução dada é "coesão lexical por substituição (sinonímia)". Fiquei com dúvida, pois acho que se trata de um exemplo de correferência não anafórica.
R. Trata-se, de facto, de correferência não anafórica. Nem se trata de uma questão lexical apenas, pois não é um caso de substituição sinonímica entre termos / vocábulos, com equivalência comprovável em termos de dicionário (não se pode concluir, obviamente, que 'adiantado' seja sinónimo de 'homem').
Está em jogo a construção de uma cadeia referencial assente na progressão da expressão "(costas d)o homem" para "(costas d)o meu adiantado", com a perífrase 'o meu adiantado' a associar-se a 'o homem'. Tal associação é configurada por grupos nominais que não têm implicação obrigatória / necessária entre si: nem todo o adiantado tem de ser (o) homem, nem o homem tem que estar adiantado. Se o está no texto / fragmento (são termos correferentes), é por conhecimento textual equiparável a conhecimento de mundo / enciclopédico resultante do que se lê. É na pragmática da relação leitor-texto e na realidade extralinguística dos enunciados lidos que a relação das expressões sai construída.
Em suma, desfaça-se a dúvida e esqueça-se a solução.
Tal como o título da obra de Bernardo Soares o indica, as soluções dos manuais fazem destes, por vezes, um "livro de desassossego".
Quando se anuncia a novidade de um documento que enformará a vida da escola,...
... é bom que o documento traga algo de novo (de novidade) e não algo de novo (outra vez).
Tudo a propósito de uma conferência a que assisti hoje e da divulgação do "Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória" (através do Despacho n.º 6478/2017, de 26 de julho), encarado como referência para as escolas e para a sua organização (bem como de todo o sistema educativo), visando a convergência e a articulação das decisões curriculares com as práticas docentes e as aprendizagens do futuro (próximo).
Quando a anunciada mudança se compagina com um conjunto de valores e princípios - os do humanismo, da responsabilização, da liberdade e da autonomia, das áreas de competências e de integração de projetos -, poder-se-á perguntar onde reside a novidade. De Dewey aos fundamentos da pedagogia moderna explicitados por Carl Rogers, pode dizer-se que o novo já tem praticamente um século. Muita formação docente (inicial, contínua e continuada) se apoiou nessa abordagem / equação tão propagada, no mínimo (senão antes), desde os anos oitenta do século passado.
Que a gestão / organização das escolas deve ser outra para se compatibilizar com esses princípios, não há dúvida - dos espaços, tempos e recursos materiais à perspetivação dos profissionais que nelas trabalham. Mudanças substantivas, não episódicas ou conjunturais, são requeridas na forma como as escolas públicas e os sistemas escolares são concebidos e no modo como são geridos, na consciência de como o público (jovem e adulto, ou com espírito sempre jovem) que os frequenta irá ter uma palavra a dizer no que deles quer, em termos de integração, partilha, utilização de recursos, colaboração e, nomeadamente, distribuição de poderes. Também isto não é novo, pelo menos na literatura especializada sobre a administração escolar e as estruturas de gestão / participação da vida escolar.
Talvez passar das palavras aos atos seja o passo que muitos veem como gigante, para os pés ainda sentirem o chão ou para que os voos não se façam desasados. Não pode é entender-se tais posturas de reserva como a recusa do novo (que já não o é) nem justificar-se alguma desconfiança como sinónima da apologia de práticas rotineiras ou do passado, tomadas como gerais, assentes na mera reprodução acrítica, em tecnicismos prolixos ou em disposições não participativas ou não interativas. Como se todos os docentes não fizessem mais do que isto. Muitos dos constrangimentos para a mudança passam por condições que, frequentemente, nem externa nem internamente, são garantidas para que ela aconteça além da letra ou da orientação discursiva. Nem sempre o espírito do texto se compatibiliza com os investimentos (de vária ordem, não só financeiros) que se impõem. Desfasamentos entre as orientações para a ação e a ação propriamente dita sempre os houve e sempre haverá, não sendo um documento ou decreto que os fará desaparecer. Daí que o futuro não se construa apenas pelo que se dá a ler ou a saber.
A disponibilidade e a motivação para a sua concretização passarão, por certo, pela articulação entre palavras e atos, focando uma maior integração e coerência (vertical e horizontal) dos documentos curriculares, programáticos e organizacionais, nomeadamente na estruturação das aprendizagens a desenvolver ao longo da escolaridade. Daí também a necessária promoção de uma gestão mais articulada e integradora, nomeadamente flexível no que à concretização do currículo diz respeito (contrariando, definitivamente, essa ideia que alguns ainda têm de que todos a fazer o mesmo, ao mesmo tempo e, se possível do mesmo modo faz ensinar / aprender melhor). Neste sentido, a atuação política e a das organizações escolares / educativas serão fulcrais para a orientação e concretização da ação docente, atualmente limitada pelos currícula, pelos programas e metas definidos, pela forma como os espaços e tempos são geridos pelas escolas, pela distribuição de serviço docente e pelo modo de constituir turmas. Não menos importantes são as formas de liderança nas escolas (mais ou menos centralizadoras), a formação docente (tanto a inicial como a contínua) e a construção de equipas educativas mais focadas na colaboração, partilha e conjugação para a construção e consecução de projetos.
Das implicações apontadas e das orientações preconizadas se faz a mudança pretendida, talvez nova na ação; não tanto nos pressupostos teóricos do texto ou documento em divulgação. Impõe-se a sensibilização para a primeira, com os sinais necessários da ação política e da gestão das escolas, de forma a fazer perceber que ela seja possível, para que não se caia exatamente na posição oposta: a de que a mudança não é (foi) possível nem necessária. Cair-se-ia numa quase reprodução de um discurso que se vai ouvindo e que parece legitimar o que não faz (muito) sentido para lá das palavras:
Excerto do programa televisivo "Melhor do que falecer" (episódio 10), na TVI (2014)
(Bom seria que o cómico deste sketch fosse um sintoma do ridículo do que é dito; por vezes, creio que se torna mais do que isso, pelo que se ouve de apologia, por vezes, do passado e de um sentido de liberdade em que alguém se [re]vê como não tendo "serventia para ela").
Com um bom comunicador e um espírito interessante (não obstante algumas generalizações dispensáveis e redutoras), pode dizer-se que o momento da conferência inicial sobre "Biblioteca Escolar / Perfil do aluno do século XXI" permitiu esquecer alguns cansaços acumulados, embora a perspetiva do futuro preconizado não deixe de se revelar, por ora, incerta e nebulosa. A ver vamos se não será canseira a redundar em novo cansaço.
Dezanove formandos estão a trabalhar comigo, a partir de hoje e num total de quinze horas de formação. Desta feita na Escola Secundária Dr. Joaquim Ferreira Alves (Valadares), a pedido do Centro de Formação Aurélio Paz dos Reis.
Vou "morfologizar", pela segunda vez, com o programa formativo proposto há dois anos na Escola Secundária com EB2,3 Dr. Manuel Laranjeira:
Diapositivo de apresentação do curso de formação
Um curso de formação que visa a aquisição de saberes atualizados, segundo princípios metodológicos e/ou pedagógico-didáticos; o desenvolvimento de conhecimentos e competências numa rentabilização e/ou problematização do objeto de formação segundo os programas de ensino e documentos referenciais reguladores das práticas; a exploração de competências pedagógicas nos professores de Português, do ensino básico e secundário, de modo a integrar saberes e reflexões promotores de transposições e aplicações didáticas; a sensibilização e tomada de conhecimento - implicada, sustentada e fundamentada - de referenciais de trabalho que assentam em contributos das áreas da Linguística, da Literatura, da Didática e da Organização e Desenvolvimento Curricular; a discussão e a consciencialização de áreas ou pontos críticos no domínio linguístico da Morfologia e na sua interrelação com os programas de ensino, as metas de aprendizagem e o discurso pedagógico-didático.
Mais uma oportunidade de partilhar experiências, saberes, desenvolvendo o espírito crítico que se impõe face a materiais, discursos e práticas muito rotinizadas e reguladas por publicações com muito que se lhe diga.
Ocorre-me pensar mais em lágrimas de crocodilo do que nas de verdadeiro sofrimento.
Não se trata de pensar no réptil a pressionar o céu da boca quando ingere alimento e comprime as glândulas lacrimais (chorando de prazer quando devora a vítima), mas de chorar fingidamente. E, no que toca a dor, esta é a de ver tanto erro no meio de uma daquelas mensagens de sentimentalismo balofo que circulam pelas redes sociais:
Imagem recolhida de posts que circulam pelo Facebook
O acento gráfico agudo (´) é o mais comummente utilizado na língua portuguesa; o grave (`) surge apenas nas situações de contração ou de vogal em contexto de crase (a+a > à; a+aquele > àquele; a+aquela > àquela; a+aquilo > àquilo). Portanto, DÓI ver o acento errado nalgumas palavras; a ausência do certo noutras (LÁGRIMA) e o uso excessivo do erro em CAIR (sem cento, claro). É que nem de indecisão se trata; é pura ignorância de como escrever bem (e, pelos vistos, tão familiar e tão generalizado aos nossos olhos de leitores e consumidores).
Diga-se que é de chorar de tristeza tanta ignorância (isto se não for para chorar de riso com o ridículo), por mais que o pensamento lido faça sentido. Contudo, a seriedade da mensagem banaliza-se perante a escrita lamentável que a traduz. Nem dá para levar a sério!
Não se trata da história dos três porquinhos para a hora de deitar...
É antes uma narrativa para acordar e lembrar “A Hora Mais Negra”, com um Porquinho só, como familiar e afetivamente a esposa o tratava. É também assim que Winston Churchill surge aos olhos e ouvidos do espectador cinéfilo, tudo porque um filme dirigido por Joe Wright tanto mostra a personalidade deste líder histórico do século XX como expõe as fragilidades desse homem forte, porque imperfeito, e poderoso, porque soube ser só.
Trailer do filme "A Hora Mais Negra", de Joe Wright (2017)
É com estes atributos – força, imperfeição, poder, solidão – que o primeiro-ministro inglês de Jorge VI nos é dado a conhecer no contexto da II Guerra Mundial, enfrentando um Hitler e um Mussolini, mais todos aqueles que, no seu país (Reino Unido), o viam como indesejado, irrefletido e tempestuosamente irascível. Além disto, tinha apenas para oferecer sangue, trabalho, lágrimas e suor (o que, seguramente, muitos não queriam), quando um caminho mais fácil (por aparente e enganador que fosse) era percebido como menos penoso.
Na interpretação de Gary Oldman (recentemente galar-doado com um Globo de Ouro pelo papel desempenhado), a personagem Churchill é secundada por Lily James (a secretária Elizabeth Layton) e Kristin Scott Thomas (no papel da esposa Clementine – Clemmie -, que aceita a figura pública que o marido sempre quis ser), também relevantes na solidificação dos pilares e dos princípios de um homem que se torna uma referência do século XX. Nomeadamente, foi-o para a História enquanto figura de liderança que adotou princípios, defendeu convicções válidas e se revelou grande na ação, estando ao lado e do lado das mudanças que afasta(ra)m o despotismo, o poder autocrático, a tirania e tudo o que desvia a Humanidade de um caminho integrador, inclusivo e tolerante. Em suma, um exemplo para alguns dos que contemporaneamente se encontram no poder.
Há imperfeições que são menores face à grandiosidade dos valores e princípios por que se luta. Neste sentido, a frase “Quando a juventude nos falha que a sabedoria nos valha” acompanha bem uma personagem que se revela sábia, mesmo quando o medo se impõe ou quando poucos apoios tem para o que há a fazer. Assim se cumpriram os tempos; assim se revê um homem que mudou, porque só os que não mudam é que não fazem nem trazem mudanças.
Este é um filme largamente argumentativo (até pelos exemplos retóricos de Cícero e Horácio que inspiravam Churchill); persuasivo na construção de identidades e de condução de mentalidades.
Um filme educativo, a explorar e com lições de vida merecedoras de discussão - na consciência de que há movimentos de força conjuntos, impositivos, que nem sempre fazem sentido perante o que mais deve dignificar o Homem; na constatação de que um homem pode fazer a diferença por aquilo em que acredita e que, mais cedo ou mais tarde, sai legitimado.
Em registo um tanto anacrónico, fez-se a aproximação à Crónica de D. João I.
Em termos de contexto epocal, falar da crise de 1383-85 e da batalha de Aljubarrota é ponto essencial quando se aborda uma das crónicas de Fernão Lopes: a Crónica de D. João I. Esta obra quatrocentista propõe uma versão legitimadora da ascensão do Mestre de Avis ao trono (após a morte do rei D. Fernando), numa visão parcial dos factos e das personalidades (entre a heroicização de um bastardo e a diabolização de uma rainha-regente, mais de um amante estrangeiro, os quais estão mais para uma facção indesejada: a que apoia a causa castelhana, bem como a perda da independência nacional).
"Conta-me História" trata desta questão / época de uma forma ora cómica ora demonstrativa do que foi um período histórico crítico de Portugal:
Excerto do programa televisivo da RTP1: "Conta-me História"
Num diálogo entre Luís Filipe Borges e Fernando Casqueira, em pouco mais de meia hora, fica a saber-se o que marcou o final do século XIV na História de Portugal, objeto da narrativa lopiana. Entre intrigas palacianas, que mais parecem uma "telenovela venezuelana", jogos e estratagemas assentes em interesses nem sempre claros, fica uma construção voltada para a causa portuguesa e a manutenção da independência nacional.
A obra em apreço é quatrocentista (século XV) e os factos narrados são trecentistas (século XIV). A visão histórica é a de um cronista que, por mais que afirme a verdade da História, não deixa de a marcar por uma parcialidade que, literariamente, está bem assinalada com a modalidade apreciativa / avaliativa tão evidente em expressões como "era maravilhosa cousa de se ver" (para além de outras, que marcam a presença do narrador no discurso, com os seus comentários e juízos de valor acerca do que é narrado).
Um exemplo que procura trazer o passado a uns olhos e ouvidos do presente, para que dele façam memória futura.
Começado o novo ano, convém saber distinguir os verbos dos nomes.
Entre classes de palavras não devia haver confusão; menos ainda quando a morfologia se articula com elas para marcar a distinção. Ainda, assim, esta nem sempre acontece da melhor forma, como o provam o uso (popular) mais o cartoon seguinte:
Eis senão quando... a perca chega ao funeral.
O uso, num registo mais popular, do termo "perca" para forma nominal associada ao verbo 'perder' é contrariar o princípio morfológico de derivação do verbo (deverbal) em nome (perder > perda) com manutenção da base derivante (o radical 'perd').
Em termos de norma, é o termo 'perda' que se reconhece como nome resultante de um processo morfológico de derivação não-afixal (isto é, processo de formação que permite a passagem de uma forma verbal a nome, sem acrescento de afixos - apenas com a substituição da vogal temática 'e', em perder, pelo índice temático 'a', em perda).
Fique-se, portanto, no registo do Português padrão, com a 'perca' para designação de peixe (nome) ou para conjugação verbal de 'perder' no presente do conjuntivo, inclusivamente com o valor suplementar deste último em frases de tipo imperativo. Mais do que isto, por agora, é cómico certo.
Feita a passagem (seja ela lá qual tenha sido), há que seguir em frente.
Por outros termos, diz o poeta Fernando Pessoa o mesmo, na forma mais cert(eir)a e natural que todos devemos (re)conhecer:
Ano Novo
Ficção de que começa alguma coisa! Nada começa: tudo continua. Na fluída e incerta essência misteriosa Da vida, flui em sombra a água nua. Curvas do rio escondem só o movimento. O mesmo rio flui onde se vê. Começar só começa em pensamento. in Poesia 1918-1930, Assírio & Alvim,
ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2005
A metáfora do rio, enquanto curso do tempo e da vida, é um 'topoi' literário. Em sete versos, materializa-se a expressão poética cantada e contada em número de forte espiritualidade e simbolismo (enquanto totalidade do Universo em constante transformação, associado à pesquisa, introspeção; ao ocultismo, ao pensamento profundo), na aproximação do Homem com Deus.
Continuemos, então, o rio, indo ao encontro desse mar, lá nos confins desse encontro com o que está para depois da vida.