segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Emoção, palavras, atos e afetos

      Recordo uma passagem que fecha o livro Claraboia, de Saramago.

      No diálogo entre um sapateiro (Silvestre) e um filósofo (Abel), este último contrapõe algumas das ideias e atitudes do primeiro, seu senhorio, acabando por fazer uma reflexão acerca da linguagem:

  "As mesmas palavras (...) anunciam ou escondem objectivos diferentes. (...) Contenta-se em dizer: amo os homens - e isso lhe basta, esquecendo que o seu passado exige alguma coisa mais que uma simples afirmação. Diga-me, por favor, que interessa ao mundo essa frase, ainda que seja proferida por milhões de homens, se faltam a esses milhões de homens todos os meios necessários para fazer dela mais que o resultado de um impulso emocional?"
Ed. Caminho, 2011, p. 396

    Lembrei-me da passagem e da reflexão, muito ao encontro do que muitas vezes digo: às vezes podemos estar a dizer as mesmas palavras, mas o sentido que cada um lhes atribui é completamente diferente. Dizer que dói a cabeça é discurso demasiado comum a tantos sofredores, ainda que, por certo, a uns doa mais do que a outros. Também os problemas de uns são tão iguais na palavra, mas tão distintos na sua natureza ou essência. Mais do que o impulso do dizer muito interessam a intenção e a intensidade do fazer, para não falar mesmo da verdade no sentir. Daí que muitas vezes seja necessário passar das palavras aos atos. Quando estes não chegam, aquelas perdem eficácia, valor, sentido(s); ficam gastas num uso vazio de significado, que não implica nem resulta em ação. 
     Felizmente, ainda há quem cumpra os atos. E as palavras ficam tão mais plenas de significado na comunicação que se estabelece.

      Reflexão pragmática, por certo, como todo o final de um romance que discute o que é a vida, as inutilidades e negações que ela tem até ao dia em "que será possível construir sobre o amor". Aqui se afirma a necessidade dos afetos, para que a vida adquira sentido(s).
 

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