quinta-feira, 16 de abril de 2009

Outro desafio linguístico... dominantemente com sintaxe

     A sintaxe tem-se revelado uma área de grandes questões... prova de que há muito para dizer, não obstante a tradição deste domínio (bem como o da morfologia) no ensino da gramática.

    Q: Para quê inventar um 'complemento oblíquo' para "Os alunos gostam muito de livros" se numa frase semelhante "Os alunos adoram livros" há um complemento directo? Por que não chamar complemento directo nos dois casos?

   R: Apesar da proximidade das frases no plano semântico (com verbos de percepção psicológica / apreciativa), a questão põe a tónica na função sintáctica desempenhada por grupos de palavras presentes nas frases. E é orientada para o domínio da sintaxe que a resposta se constrói.
     Para começar, os grupos de palavras em discussão são distintos:
     i) 'de livros' é um grupo preposicional que complementa o verbo 'gostar' na primeira frase;
     ii) 'livros' é um grupo nominal que complementa o verbo 'adorar' na segunda frase.
     Depois, são os verbos que determinam a função sintáctica dos elementos que com eles co-ocorrem (os que configuram a estrutura argumental dos verbos) e não o contrário. Há uma distinção evidente entre os verbos considerados, de natureza sintáctica bem diferenciada: enquanto 'gostar' é um verbo transitivo indirecto (requer um complemento que, no caso, é oblíquo), 'adorar' é transitivo directo (requer um complemento directo). Os testes da pronominalização (a) e da interrogação (b) marcam bem a distinção dos complementos.
      Para a frase inicial teríamos:

      ia) Os alunos gostam muito disso / deles (> pronome demonstrativo / pessoal tónico contraído com a preposição 'de' que o antecede);
      ib) De que gostam muito os alunos? (questão colocada ao verbo apresenta uma preposição à cabeça).

     Para a segunda frase, haveria algumas diferenças:

     iia) Os alunos adoram-nos (> pronome pessoal 'os' em contexto de nasalidade e /ou grafia final do verbo com '-m');
     iib) O que é que os alunos adoram? ( > interrogativa típica do complemento directo: 'O que é que + Suj. + V ou 'Quem é que + Suj + V).

     Uma última nota ainda para o facto de o 'complemento oblíquo' não ser propriamente uma invenção: trata-se de uma designação utilizada no estudo dos universais das línguas em geral (nomeadamente as casuais), a qual combina a noção de complemento com a de caso. No fundo, num complemento oblíquo cabem as situações de relação sintáctica mantida entre verbos transitivos e argumentos que, na complementação de uma frase activa, não pertencem ao caso acusativo (complemento directo) nem dativo (complemento indirecto). Eis alguns exemplos destacados.

      iii) Ele colocou os livros na pasta.
      iv) Os pais influenciaram os filhos na opção feita.
      v) O Pedro foi ao médico.
      vi) O professor adiou o teste para a semana.

     De novo, sublinha-se a necessidade de reflexão sobre a língua pela manipulação das frases e pela aplicação de testes que sustentem a identificação das funções sintácticas dos elementos.

2 comentários:

  1. Vítor,

    Ainda há quem diga que "ao médico" em "ir ao médico" é complemento indirecto!?
    Só se for "a mulher do médico" o sujeito!
    Assim, no teste da pronominalização, teríamos: "ela foi-lhe!"
    eh eh eh...
    Só para animar um bocadinho a sintaxe!
    Bjinhos
    IA

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  2. Amiga,

    Há. E suspeito que ainda haverá.
    Vários casos. Olham para mim com uma cara tipo "Quem é este que agora vem com esta?!" ou então "E agora que eu já disse que era complemento indirecto?!"
    Fico-me pela resposta: "Pronto! Estamos sempre a aprender. Um professor é um eterno aluno."
    Obrigado pela diversão. Prova de que ainda há quem dê atenção a este bloguezito.
    Bjs e bfs.
    VO

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