domingo, 30 de março de 2014

Atenção aos particípios passados

    A questão dos particípios passados já mereceu alguma atenção nesta "carruagem", particularmente os verbos com duplo particípio.

    O certo, contudo, é que há verbos que admitem uma só forma (não são, portanto, verbos abundantes, para recuperar uma designação de Celso Cunha e Lindley Cintra), pelo menos no que ao português falado / escrito na variante europeia diz respeito. Por exemplo, "pegar" pode ter o particípio "pego(a)" na sua versão corrente da variedade do Brasil, mas não na europeia. Nesta última, as formas "pegado(a)" são as padronizadas (para não confundir com outros termos de significado associado a alguma indelicadeza de tratamento).
     A coexistência de formas fortes (mais reduzidas e ditas irregulares) e fracas (mais extensas e consideradas regulares) é uma realidade para uma língua em mudança, não sendo de desconsiderar a constatação de que, ao longo dos tempos, o português tem vindo a revelar algumas áreas de instabilidade: alguns verbos tendem a perder a forma regular (ex.: abrido, aceitado, expulsado, salvado), enquanto outros veem acontecer o mesmo com a irregular (ex.: concluso, fixo, liberto, pego). Casos há, mesmo, que se especializam numa realização de significado muito preciso e distintivo (cf. imprimido).
     Ainda assim, há casos estabilizados para o uso do particípio irregular - caso de abrir (> aberto), cobrir (> coberto), dizer (> dito), escrever (> escrito), fazer (> feito), pôr (> posto), ver (> visto), vir (> vindo) e respetivos derivados (à exceção de 'prover' que tem o regular 'provido'). 
    O mesmo acontece com verbos de particípio regular - é o caso de 'ouvir'. Daí que seja, no mínimo, estranho ter alguém que confunda 'ver' com 'ouvir', pondo "no mesmo saco morfológico" o que não é confundível:
     
Excerto de uma entrevista realizada no Jornal da RTP1 (janeiro de 2013)

       Não devo ter OUVIDO bem o que é hoje o alto-comissário da Casa Olímpica da Língua Portuguesa no Brasil (e que, no passado, chegou a ser ministro ligado à área da comunicação, nomeadamente a televisiva).

       Talvez umas aulinhas de português ajudassem a falar melhor quem deveria dar o exemplo no domínio da língua - afinal, não se trata da Casa Olímpica de uma língua qualquer nem num país qualquer. No que toca aos altos dignitários da nossa classe política dominante, não estamos nada bem servidos - nem na política nem na língua. Infelicidades!

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