quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Da esquerda à direita, os particípios da desgraça!

    Nos tempos de antena política, com os debates em curso, as figuras representantes dos partidos deixam muito a desejar (também) na língua.

     Para começar, antes do confronto Costa (PS) - Ventura (CHEGA), na RTP1, a receção feita a António Costa dá lugar a uma pequena entrevista, na qual o ainda primeiro-ministro produz a primeira das falhas:

Fotomontagem a partir da imagem difundida na RTP Play (com citação das palavras de António Costa)
     
     Na SIC, com Catarina Martins (BE) e João Cotrim de Figueiredo (INICIATIVA LIBERAL) é a vez de chegar a segunda:

Fotomontagem a partir da imagem difundida na SIC (com citação das palavras de João Cotrim de Figueiredo)

      Digamos que os verbos com duplo particípio são questão crítica no uso da língua, com o costume de se indiferenciar muitas vezes a forma fraca e a forma forte do particípio. Numa perspetiva de gramática normativa, está identificada a primeira como sendo a utilizada com os verbos auxiliares 'ter' e 'haver'; a segunda, com 'ser' e 'estar'.
    Ora, no caso da réplica de Costa, o verbo 'eleger' (com os particípios elegido / eleito), há que reconhecer a predicação 'SER ELEITO' (e não 'ser elegido', considerada agramatical) - daí a correção que se impõe: ter sido eleito. Poderíamos sempre abordar também a escolha do verbo 'eleger' (por se referir uma situação que não deu lugar a eleição, mas, sim, a consideração / julgamento / avaliação), mas isso seria outra questão que, por ora, não é para aqui chamada.
      Já a fala do líder da Iniciativa Liberal é reveladora da clássica confusão entre, por um lado, os verbos 'morrer' e 'matar', ambos com admissão do particípio passado 'morto'; por outro, do contraste 'matado / morto' no que toca ao verbo 'matar'. Pragmaticamente reagindo à insinuação de que o seu partido estaria a 'matar' portugueses com as opções defendidas no passado,  João Cotrim de Figueiredo profere a frase que deveria ter a seguinte configuração final: "teria matado". É o verbo auxiliar 'ter' que está em questão, o qual seleciona a forma fraca ou regular de matar (matado). 'Morto' seria para a construção com auxiliar 'ser' ou 'estar'.

     Portanto, independentemente dos programas políticos que nem sempre são claros, a língua está a revelar alguns pontos muito escuros e escusos.

2 comentários:

  1. Confesso que já devo ter praticado o erro de João Cotrim. O de António Costa salta à vista e, se isto é possível, parece-me mais gravoso.
    Obrigada pelo ensinamento, vou ter mais cuidado nos particípios se conjugados com ter ou ser e estar.

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    1. Obrigado pela mensagem, bea.
      Boa semana e continuação de boas viagens na "Carruagem 23".

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