Isto de pensar que a literatura é que tem figuras de estilo é um erro.
Para não falar nos enunciados metafóricos que produzimos no dia-a-dia (como o 'jogar em casa / jogar fora'), ou os de natureza mais metonímica (como o 'beber um copo'), considere-se ainda os que revelam outra figura retórica: a antonomásia.
Publicidade com muita retórica e inteligência
(imagem colhida do Facebook)
Por definição, trata-se de uma figura retórica de pensamento que consiste em empregar um nome próprio como um nome comum, transmitindo a generalização de um predicado / propriedade / caraterística que pertence, por excelência, ao nome próprio, ou, inversamente, em utilizar um nome comum para designar um nome próprio.
O conhecimento enciclopédico-literário e cultural permite entender que “Tartufo”, por extensão, refere-se a um “hipócrita”; “Messalina”, a uma “mulher devassa”; inversamente, “o primeiro rei luso” designa “D. Afonso Henriques” ou "o Salvador do mundo", Cristo (para os crentes católicos cristãos, por certo). A antonomásia constitui-se, nesta medida, pela expressão ou pela manifestação próxima ao que é uma metonímia, sem esquecer a forma da perífrase (como nos dois últimos casos). Dizer que alguém me saiu cá um Sócrates é tomar o nome próprio por uma propriedade que 'nos sócrates desta vida' é, pela virtude, convocar o papel filosófico e as qualidades referenciais do saber e da sabedoria; pela ausência dela, relembram-se casos que não nos deram felicidade nenhuma nas más decisões políticas (aqui o Sócrates é já outro, no tempo, no espaço e no âmbito de ação!).
É sabido como a publicidade recorre frequentemente a mecanismos linguísticos e retóricos capazes de causar impacto, efeitos pragmático-estilísticos que exploram a estranheza, o insólito, o saber partilhado, o jogo interpretativo desafiante e desafiador na construção de significado. O jogo de conceitos cabe neste trabalho linguístico que se revê no anúncio publicitário à direita.
O conceito 'machado' não é o do instrumento de corte, mas bem que o podia ser (pela força de luta e do acesso desejado ao saber, "abrindo a cabeça", a mentalidade à cultura que dignifica o ser humano); Machado (de Assis) é um nome próprio, um cânone cultural e literário de expressão portuguesa, que tem essa potencialidade: a de abrir, intervir, dar a ler um mundo mais digno, atento àquilo de que o mundo pode e deve evitar / aspirar - um Machado escritor que é homónimo de um 'machado' para a construção (da inteligência, da sabedoria) do ser humano.
Brincadeiras com (ou de) muito saber, onde literatura e linguística se mostram inseparáveis.
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