sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Começou a guerra...

     Depois dos passos que estão a ser dados para vencer "uma guerra", chegou outra, bem mais literal.

    A memória humana é bem curta! Quando se afirmava a pé juntos que a humanidade ia ser melhor; depois de se ter vindo a lutar contra um vírus que ainda por aí grassa, um país entra em guerra com outro. A Rússia ataca, invade a Ucrânia, criando na Europa um clima de conflito aberto, ameaçador. Bombardeamentos, explosões, mortes, combates, fugas, desespero humano são consequências de um ato com todos os sinais de fascismo e autoritarismo recriados à semelhança histórica do século passado; também de outros que inspiraram reflexões (ainda) tão atuais:

   “É a guerra aquele monstro que se sus-tenta das fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais come e consome, tanto me-nos se farta. É a guerra aquela tempes-tade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades em que não há mal nenhum que ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro: o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.”
Padre António Vieira, 
Sermão histórico e panegírico (nos anos da rainha D. Maria Francisca de Sabóia)
citado in Aníbal Pinto de Castro, XV Colóquio de História Militar, 2005, p. 103

    Há cerca de 83 anos, em 15 de março de 1939, tropas alemãs invadiram a Boémia e a Morávia, sob o pretexto de alegadas privações sofridas por alemães a viver nas regiões norte e oeste da fronteira da Checoslováquia (os Sudetos). A libertação só aconteceria dezasseis anos depois, com o que a História nos deu a provar com a Europa nazi.
     Mais contemporaneamente, a iniciar o século, as palavras de Mia Couto relembram, em O Último Voo do Flamingo (2000), que "a guerra nunca partiu":

    "As guerras são como as esta-ções do ano, ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda".

      Bom seria que nos tornássemos "gente grande".

    Coincidências que não se querem tão dolorosamente duradouras, a bem da paz e dos povos, da Humanidade, mas que alguns homens teimam engonçar de forma despótica - "Imagine all the people living life in peace" (John Lennon).

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Tempo de palíndromo

       A data é palíndroma: 22-20-2022.

      Do grego 'palíndromos', diz-se que é aquilo que corre em sentido inverso. Num processo de leitura, diz-se que se trata da palavra, do grupo de palavras, do verso ou número que se lê da mesma maneira da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda (ex.: 'sopapos' é um palíndromo, tal como a expressão 'amor a roma').
Imagem mais quiasmática, mas com alguma coisa palíndroma 
  Há exemplos para todos os gostos e alguns bem mais extensos, nomeada-mente no registo do português do Bra-sil: 'Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos!'. 
  Desconsiderados, na escrita, os espa-ços, sinais de pon-tuação ou de acen-tuação, bem como outros de natureza gráfica, há palíndromos tematicamente muito variados: os de teor mais desportivo ('Anotaram a data da maratona'), os comestíveis e alimentícios ('ovo'), os culinários ('Eva, asse essa ave!'), os zoológicos ('arara'), os da escrita ('ata', 'Rota de redator'), os mais relacionais social e afetivamente ('ama', 'aia'), os espaciais ('salas', 'A rua Laura', 'A sacada da casa'), os auditivos e universais ('Som, só com o cosmos!'), os temporais ('Adias a data da saída', 'Após a sopa'), os de indumentária ('saias'), os vazios ('oco'), os onomásticos ('Ana'), os pronominais ('ele', 'esse'), os apelativos ('Ajudem Edu já!), os poéticos ('Ame o poema'), os dramáticos ('Amar dá drama'), os mamíferos ('mamam'), os ossados ('osso'), os agressivos ('socos', 'Ódio do doido'), os estéticos ('Ser belo: lebres'), os aniquiladores ('matam'),  os cómicos ('rir', 'Irene ri'), os libertos ('Livre do poder vil'), os tirânicos ('Ana Rita, a tirana'), os abandonados ('sós'), os ilegais ('A Daniela ama a lei? Nada!'), os dependentes ('A gorda ama a droga'), os dermatológicos ('Ele padece da pele'), os vencidos ('A torre da derrota'), os educativos ('Aula é a lua'), os internacionais ('o céu sueco', 'dogma I am god'), os profissionais ('O Cid é médico'), os mais ginastas ('Roda esse corpo, processe a dor!'), os míticos ('O mito é ótimo'), os que voam ('asa') e até os que voltam a ler ('reler') e a viver ('reviver').
   Sator arepo tenet opera rotas é apontado como o palíndromo conhecido mais antigo, redigido em latim ('lavrador diligente conhece a rota do arado') - um enunciado a traduzir uma sabedoria de vida (de quem e para quem lavra, e não só).

    Se aos números palíndromos se atribui popularmente a designação de 'capicua' (do catalão 'cap' <cabeça> e 'cua' <cauda>), hoje estamos numa delas. Tudo uma questão de combinação, do verso e seu inverso. E já, agora, registe-se que não deixamos de ter um ambigrama (com os números a refletirem o seu contrário na leitura vertical ou, como se costuma dizer, 'de pernas para o ar').

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Pois, pois... e depois é o tempo das Dalilas!

      A iminência da guerra é deveras trágica. Outras tragédias com ela se cruzam.

    As expressões das jornalistas, mais a da intérprete de linguagem gestual, são coerentes com todo o quadro contextual e temático dos acontecimentos. E se estas lessem a legenda televisiva ainda seria bem pior:

A RTP2 e o Jornal 2 andam a ler muito a Bíblia! Deve ser para se redimirem - (Foto VO)

    É constrangedor que alguém confunda a personagem bíblica do Sansão com a designação de castigos ou formas de coação (isto é, sanção). As homofonias são uma desgraça para a ortografia. Talvez o reconhecimento da escrita de 'sancionar, sancionado, sancionário e sancionamento' contribuísse para uma aproximação mais adequada, correta à grafia devida com 'c' (junto de 'i') e 'ç' (junto de 'a').

   Nem a RTP2 escapa ao generalizado erro das legendas televisivas! Apetece dizer que o apelo a Sansões ainda vai ter continuidade com o chamamento das Dalilas.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Um pé de orquídea

      Um presente em tempo (ainda) de aniversário(s).

      Recebi um pé de orquídea pelo dia que ontem foi.
    Etimologicamente, a designação vem do grego όρχις (órkhis) e ειδος (eidos), significando com a forma ou aspeto de testículo - numa clara referência ao formato dos dois pequenos tubérculos que as variadíssimas espécies do género evidenciam.
    Utilizadas, desde passados remotos, em poções curativas, afrodisíacos e efeitos ornamentais, na China antiga, as orquídeas eram associadas às festas da primavera. Não está longe, mas ainda é porvir (ou não estivesse por vir). Hoje, ainda no curso do inverno, quando muito pode falar-se de "primaveras" (apesar de o número já não ser marca da juventude própria ao conceito).
       Há, por agora, uma nota de beleza à porta do salão:

Um pé de orquídea à porta de mais um ano recém entrado (Foto VO)

      Enquanto símbolo da perfeição e da pureza espirituais, é esta flor, por certo, a manifestação de uma amizade que o tempo tem vindo a construir e que fará perdurar.

     Com o agradecimento à F. e ao C., por mo terem gentilmente ofertado neste tempo tão aquariano, de polaridade masculina e à espera de novo espírito. Bem hajam.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

O sol brilha e o mar rebola

         O dia faz-se de sol...

      A manhã, ainda fria, enchia-se de luz e, só por isto, parei frente ao mar. Anunciava-se um dia intenso de trabalho. Ofereci-me uns breves instantes, olhando a praia e inspirando a frescura; escutando esse rumorejar salpicado a rebentar no paredão e no areal.

 Instantes de uma manhã junto à praia - I (Foto VO)

         Um branco rasgado impunha-se nos limites de uma queda de água, estendida até à areia que a barrava, sugando-a e devolvendo-a ao azul esverdeado de um manto líquido sempre a ir e voltar.
          
Instantes de uma manhã junto à praia - II (Foto VO)

Instantes de uma manhã junto à praia - III (Foto VO)

       Com o vaivém cíclico, que se via e continuamente se repetia, mais a inquietação desta vida, que pairava na mente e nas ondas se pressentia, inspirei o ar; inspirei-me no mar. Sorvi a energia, ganhei a força. Fui à luta.

Instantes de uma manhã junto à praia - IV (Foto VO)

Instantes de uma manhã junto à praia - V (Foto VO)

       Chegou mais um dia para fazer anos (expressão curiosa para exprimir esse tempo tão singular, mas que não para de se multiplicar e contar).

    As mensagens foram caindo no telemóvel. Precisava dar-lhes resposta mal pudesse. Se alguém ou algo fez lembrar o dia de hoje, quem escreveu merece as palavras e o agradecimento de quem espera pela primavera e vai fazendo primaveras (em grande número). Obrigado a todos os que me acompanha(ra)m e me têm ajudado a sobreviver neste mar da vida.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Notícias rápidas não aliviam ninguém

      São mais títulos do que notícias, mas... enfim...

      A designação "Notícias ao minuto" prepara-nos para a rapidez da leitura (com chamada de atenção para o que nem sempre são factos só pelo título). Era, porém, escusada a rapidez da escrita, a fazer esquecer a acentuação devida. É o que dá para concluir do texto na imagem seguinte:

A maravilha do acento grave no 'à'; a desgraça da ausência do agudo em 'alívio'.

   Confundir 'alivio' (forma verbal) com 'alívio' (nome) é o que interessa evitar - isto porque 'copia' não é 'cópia', nem 'fabrica' é 'fábrica'; 'noticia' não é 'notícia'; 'pratica' não é 'prática', só para citar alguns casos. Estas são oposições básicas de palavras pertencentes a classes diferentes e com realização sintática distinta, com o acento agudo a marcar graficamente a distintividade.
     Mantive-me no contraste forma verbal / nome. Poderia fazer o mesmo com outras classes, como em 'celebre' (forma verbal) / 'célebre' (adjetivo); 'critica' (forma verbal) / 'crítica' (nome ou adjetivo); 'publica' (forma verbal) / 'pública' (adjetivo).

     Faz o acento diferença, por certo. Coitado do cágado (nome) se perdesse o acento e ficasse em particípio passado de verbo! Iria, garantidamente, cheirar mal.