domingo, 30 de maio de 2010

Gramática com "muita fruta"

    Já conhecia o "frutíssimo", gelado de qualidade tão brasileira? Pois agora há um produto novo da Dan Cake!

   Eis a novidade:

   Não estou tentado a experimentar, mas fui levado a repensar o que sabia de gramática e da variação do nome quanto grau. Entre os tradicionais e conhecidos graus diminutivo e aumentativo, terá agora de se contar também com o grau superlativo absoluto sintético (que já não é propriedade exclusiva dos adjectivos), para considerar estes casos de designação nominal de alguns produtos. Ou, assim não sendo, fruta é adjectivo e este passa a ter a funcionalidade de designar entidades (no caso, das mais comestíveis).
   Provas da criatividade linguística associada ao trabalho publicitário.

   Se podia viver sem ele... o produto... o grau...? Claro que podia, mas não era a mesma coisa.

domingo, 23 de maio de 2010

Uma voz fisicamente silenciada

     A morte é estado que abala qualquer mortal (quem perde a vida e quem vive com a perda).

    A notícia da morte de Beto soou, quebrando o aparente ritmo rotineiro dos dias. A música hoje compõe-se noutro estilo, para dar lugar à pesarosa despedida combinada com o tom de pranto pela perda de uma voz doce e rouca que se fazia ouvir, nos últimos tempos, na rádio e televisão com alguma frequência.
    42 anos de idade interrompidos por uma paragem cardio-respiratória; uma carreira em afirmação, com alguns momentos altos.
    Na memória, ficam várias melodias, uma delas muito apreciada e aclamada, numa parceria de sucesso:

"Brincando com o fogo" no dueto de Rita Guerra e Beto

    BRINCANDO COM O FOGO

Vem no fim da noite sem avisar,
dança no silêncio do teu olhar,
a chamar por mim, a chamar por mim.

Chega com a brisa que vem do mar,
brinca no meu corpo a desinquietar
como um arlequim, como um arlequim.

Chega quando quer e não quer saber,
nem do mal que fez ou que vai fazer,
é um tanto faz, crer ou não crer.

Chega assim,
cavaleiro andante,
louco e triunfante,
como um salteador,
p'ra no fim, nos deixar a contas,
com as palavras tontas que dissemos por amor.

E eu que jurei nunca mais cair
nesses teus ardis, nunca mais seguir
esse teu olhar, esse teu olhar.

De nada nos vale tentar fingir
para quê negar ou sequer fugir
desse mal de amar, desse mal de amar.

Chega quando quer e não quer saber
nem do mal que fez ou que vai fazer,
é um tanto faz, crer ou não crer.

   Duas vozes no jogo harmonioso das voltas que Rita Guerra e Beto souberam encontrar em vários eventos musicais (nomeadamente o da gravação de "Desencontros", em 2000).

     Uma voz subtraída a um dueto que fica gravado para a posteridade e para, a partir de hoje, se rever ao vivo eternamente em diferido.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Reciclem a língua, já agora!


   Num folheto publicitário, destinado à troca e à reciclagem de máquinas de café.

    Anda tão mal-tratada a língua que nem à reciclagem das máquinas de café esca-pa.
    Assim se lê num impresso, que, de mão em mão, vai espalhando erro que nem vírus. O caso não é para gripe (já o foi!); é para língua em disfunção.
    É verdade que a configuração de um sujeito oracional ("Garantir o tratamento adequado e a reciclagem destes resíduos") é uma complexidade a considerar, ainda para mais com uma coordenação de gru-pos nominais (tomados como comple-mento directo complexo da subordinada infinitiva). Porém, isso não pode fazer esquecer que toda a construção transcrita funciona, na frase matriz, como sujeito sintáctico, o qual não pode ser separado do predicado (não menos complexo) por uma vírgula.
    Se o emprego deste sinal de pontuação tem alguma possibilidade de variação, neste caso a questão é decisiva.

   Até estava a pensar reciclar a minha máquina de café, mas, assim, recuso-me a fazê-lo. O grão de café saiu mais do que torrado... amargou mesmo.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Sol e sombra em Serralves

     Foi tempo soalheiro, uma tarde como não se via há muito. Uma luz irradiava nos jardins; no museu, havia sombras...

       Hoje foi dia para acompanhar os 10º anos numa visita de estudo. Destino: Serralves.
    Ao verde e ao brilho convidativos do exterior corresponderam o dominante branco e a pesquisada sombra do interior.
Grand Herbier D'Ombre
Lourdes Castro
     Sob o título "À luz da sombra", os alunos foram guiados na descoberta da obra de Lourdes Castro e Manuel Zimbro (colaboradores na vida e no trabalho, desde a década de 70). Entre a exposição visual e os apontamentos videográficos, houve materiais e projectos diversos a observar e comentar, todos na exploração, na redescoberta de um 'eu' projectado e revisto nos reflexos e nas sombras, consciencializando-se da volatilidade também do acto criativo. Inclusive, a arte apoiada na acção, na performance, foi um dos conceitos explorados e explicitados, numa aproximação ao teatro de sombras chinês.
     À sombra da mensagem de Lourdes Castro, a da norte-americana e contemporânea Dara Birnbaum desmonta o brilho que os diferentes media propõem. A crítica impõe-se relativamente ao tratamento que subsiste numa visão feminina - captada em séries como Wonder Woman ou Love Boat - que perpassa subtilmente no seio do consumismo mediático (e que, eventualmente, perpetua preconceitos).

     A descoberta da estética, a dimensão da arte representada e a busca de sentidos foram o exercício para uma tarde planificada pelo grupo de Filosofia da Escola Secundária de Gondomar, acompanhada por professores de Português e Directores de Turma associados. E, depois, os sentidos do jardim não deixaram de ser também explorados.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

E depois do verbo... o adjectivo

     Com o tempo, sempre se vão encontrando uns "tesouros" nos manuais escolares. E as perguntas impõem-se.

      Q: Encontrei num manual a designação "adjectivo deverbal". Diz-lhe alguma coisa?

     R:  Trata-se de uma subcategoria dos adjectivos, considerada numa perspectiva morfológica. Ou seja, são adjectivos formados a partir de uma base que é uma forma verbal.
    A título de exemplo, podem considerar-se casos como os implicados na derivação 'relaciona(r) > relacionável'; 'adapta(r) > adaptável'; 'soluciona(r) > solucionável'. Na versão da antiga TLEBS, designavam-se estes casos como 'adjectivo de possibilidade'.
     A designação do processo 'denominal, deverbal, deadjectival' prende-se precisamente com um processo morfológico, contemplando a base de uma palavra que vai derivar numa outra (a partir de nome, de verbo, de adjectivo, respectivamente, constrói-se outra palavra).
  Nomeadamente é também o que se passa com a formação dos adjectivos relacionais (ex.: solar, presidencial, semanal...), que, por terem na sua base de formação um nome, são também designados adjectivos denominais.

    Em termos de prática de ensino-aprendizagem, estou mais preocupado com a categoria (do que com subcategorias). Acho que a prioridade deve ser dada à identificação desta (antes de tudo, que os alunos saibam o que são adjectivos). Numa avaliação da situação de ensino-aprendizagem, poderá ser relevante avançar para o estudo das subcategorias (e não deve ser de desconsiderar um conhecimento que pode ajudar a explicar o comportamento distintivo de alguns adjectivos, comparativamnete a outros). Questões de progressão na abordagem do objecto, de acordo com objectivos.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Entre auxiliares e principais... ficam-se os verbos

      Na base de uma questão formulada a propósito do apontamento de 1 de Abril, já lá vai mais de um ano.

Q: Se por acaso tivéssemos como exemplo 'O Pedro deseja ir à festa', 'O Pedro deve ir à festa', qual seria o meu verbo principal? E por que razão?

R: Com o primeiro exemplo, o verbo principal é ‘deseja’; com o segundo, ‘ir’.
     Na primeira frase, o que está em questão não é um complexo verbal, mas sim uma estrutura sintáctica que pode ser parafraseada da seguinte forma: o Pedro deseja alguma coisa (o verbo ‘desejar’ é, no caso, um transitivo directo; ou seja, um verbo que selecciona um complemento directo). Essa 'alguma coisa', por sua vez, está representada por uma subordinada infinitiva que tem como verbo principal 'ir'. Este último, contudo, não deixa de estar dependente da frase-matriz ou sequência subordinante (na qual 'deseja' é o núcleo superordenado).
     Na segunda frase, há um complexo verbal (verbo auxiliar ‘dever’ seguido do verbo principal ‘ir’). Descontextualizada que está a frase, admitem-se duas leituras possíveis: uma, afirma-se a probabilidade de o Pedro ir à festa (entendendo-se o verbo ‘dever’ como auxiliar modal, na expressão da probabilidade); outra, indica-se a obrigatoriedade de o Pedro ir à festa (com o verbo ‘dever’, agora, a ser tomado como um auxiliar modal de obrigação).
     A propósito de questões de auxiliaridade, é possível recuperar o apontamento anterior, no qual já se havia abordado o tópico do complexo verbal e o dos verbos auxiliares. Os exemplos aí propostos (frase ii mais o segundo enunciado de 1) aproximam-se, respectivamente, do que se pretende com as duas frases aqui indicadas (antes na perspectiva de identificação dos verbos auxiliares; agora, na dos principais). Pela aplicação de testes aí explicitados para se distinguir o tipo de verbo, chegar-se-á à conclusão construída nos três primeiros parágrafos.

     É bom saber que há quem leia o que já faz tempo. E assim se retoma o passado para o tornar presente (se isto do tempo é, por si, confuso, o que dizer de 'amanhã, o hoje será ontem'?).

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Ler... para ouvir

   Fui convidado a partilhar a leitura oralizada do primeiro capítulo do Memorial do Convento. Quinze minutos que fizeram a diferença deste dia.

   Uma turma de 12º ano. Algumas caras conhecidas; e dois alunos meus dos tempos do ensino básico. Como estão crescidos, depois de três anos! Foi bom revê-los.
   Lá expliquei muito brevemente como reagi às primeiras palavras do narrador, assim que li, pela primeira vez, este romance de Saramago (já lá vão muitos anos) - um dos meus preferidos (sem tirar lugar ao primeiro dos amores: O Ano da Morte de Ricardo Reis).
   E, depois, a voz fez o resto.
  De facto, não há retrato de realeza que consiga escapar a tanta ironia. Nada para levar a sério. E os risos foram surgindo. Mais uma vez, a figura do "Magnânimo" D. João V ficou reduzida à sua condição de ser risível (como tantos outros seres que hoje se arvoram de um poder que os torna também ridículos... e nem dão por isso!).
   Lá voltei eu a contribuir para a destruição da imagem real (numa cumplicidade com um narrador que apresenta uma visão, uma perspetiva muito crítica da História - num confronto entre a sátira aos dominadores e a epopeia do trabalho). Espero que, assim, descubram a grandiosidade do homem comum, que faz da vida o maior feito, o maior trono para "todos os nomes" (por mais incógnitos que fiquem / tenham ficado na História).
  
   Convidei-os, então, a reler a relação de Baltasar e Blimunda: naturalidade, espiritualidade, religiosidade, vontade e humanidade. Antídotos para a "fantasia" e a ilusão de todos os tempos (e as do presente também).

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Contrato a quanto obrigas!

     No contexto dos 'Contratos de Leitura' (actividade dinamizada com alunos do 10º ano), por vezes há contactos felizes.

     No desafio da leitura, há livros com os quais ainda não se fez a aproximação desejada.
     Outros, já lidos e relidos, são assunto para muita conversa.

    Depois há ainda aqueles que, programados para serem lidos, acabam por ultrapassar a vez de outros que permanecem à espera da nossa escolha. Foi o caso da Fúria Divina, de José Rodrigues dos Santos. Saltou-me para as mãos e foi dado aos olhos, ainda por cima numa leitura motivada por um grupo de alunos que decidiu fazer deste romance o seu contrato de leitura, com direito a exposição à turma.
     Entre a leitura e a produção de uma ficha, a exposição oral, a produção de um powerpoint, o esclarecimento de dúvidas e a tomada de notas, houve muita comunicação e interacção.
      E depois há livros que dão lugar a outros livros.
      E também se escreve.

      Prova de que não são apenas os alunos que fazem o que o professor manda. Desta feita também fui comandado por eles. Exemplo de um encontro acompanhado de reencontros nas e pelas páginas de um livro.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Com Textos 10 - para novo ciclo.

      Depois de um ciclo de trabalho com um projeto editorial escolar, começa-se um novo.

     Este é o sucedâneo de Das Palavras aos Actos. Intitula-se Com Textos, destina-se ao 10º ano de escolaridade (formação regular) e foi produzido em regime de co-autoria.
      Prefaciado pela Professora Doutora Maria Francisca Xavier, da Universidade Nova de Lisboa, contou ainda com a colaboração dela, no que à revisão científica diz respeito.
      Para a conceção do projeto, tiveram-se em conta os aspetos seguintes:
- estruturação do grafismo na lógica da dupla página;
- a organização das sequências por competências (ouvir/falar, ler, escrever, práticas e estudo da língua associados ao conhecimento explícito), apostando na processualidade implicada em cada uma delas;
- contacto com géneros e tipologias textuais diversificados, literários e não literários, conforme indicação do programa de disciplina;
-exploração de diferentes modalidades de oralidade, leitura e escrita;
- proposta de dinamização de projetos articulados com os conteúdos declarativos e processuais relacionados com cada uma das sequências;
- monitorização de competências mais de carácter transversal, com a indicação de indicadores / critérios de desempenho / de sucesso, com guiões de verificação articulados com atividades propostas ao longo das sequências;
- consolidação de conhecimentos, com formulação de sínteses de conteúdos programaticamente definidos essenciais às sequências em estudo;
- testagem de conhecimentos / competências para regulação das aprendizagens (avaliação formativa).
      O manual faz-se acompanhar de produtos complementares, nomeadamente: caderno de atividades, livro de professor, materiais de natureza multimedia.

       Que este seja um manual que auxilie principalmente os alunos na (re)descoberta da língua que também os faz. Citando as palavras da poeta que foi Sophia de Mello Breyner Andresen (in "Com Fúria e Raiva", O nome das coisas, 1977), "De longe muito longe desde o início / O homem soube de si pela palavra / E nomeou a pedra a flor a água / E tudo emergiu porque ele disse".