Tempo de música (alemã) e literatura (inglesa) em português.
SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO: o título é shakespeariano, o de uma comédia cujo início foi inspirador para um espetáculo que, não sendo teatral, se tornou música (a partir da composição do alemão Felix Mendelsshon), canto e leitura expressiva. Da combinação resultou um concerto de sonho numa noite de primavera, sem enganos, sem equívocos ou erros interpretativos, sem o registo hilariante da “comedy of errors”; antes com a melodiosa harmonia de instrumentos de sopro, cordas e percussão, a enlevar o auditório com as reconhecidas ‘Abertura’ e ‘Marcha Nupcial’, entre outras. Foi ontem, no Coliseu do Porto, em harmonia, em melodia e a convocar essa fronteira entre o sonho ou a ilusão (dos efeitos emotivos nos espectadores) e a realidade (do que foi dado a ver na execução).
Numa parceria com o Centro Cul-tural de Belém e a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissio-nal, o ‘Festival Dias da Música’ veio ao Porto, tendo o espe-táculo decorrido de um grande estágio de orquestra, orien-tado pelo maestro Cesário Costa e aberto a alunos de música de Conservatórios Oficiais, de Escolas Profissionais e de Ensino Particular e Cooperativo de todo o país. Com a orquestra (setenta músicos), cerca de noventa vozes fizeram-se ouvir: as do Coro Lira, do Coro dos Meninos Cantores da Trofa, do Coro da Academia de Música de Espinho e as das solistas Ana Maria Pinto e Patrícia Quinta.
No seio de tantas estrelas, a jovem promissora Catarina Farias fez-se ouvir com a penetrante sonoridade do seu oboé.
Um casamento feliz a três: canto, execução musical, mais a leitura expressiva de Pedro Penim, como narrador, a evocar alguns segmentos traduzidos (por Maria João da Rocha Afonso e Diana Afonso) desse texto dramático inglês. Ficou, assim, enquadrada a progressão de trechos musicais e cantos com a obra literária dos finais do século XVI, recuperando esse 'drama' no qual Egeu pretende casar a filha Hérmia com Demétrio, o qual, por sua vez, ama Helena (amiga de Hérmia). Apaixonada que é a primeira por Lisandro e sem direito a escolha, segundo as leis de Atenas, é a partir de Hérmia que se revelam os primeiros desconcertos no amor (cruzados nos universos da corte, do bosque e da representação dos populares). Fugidos os amantes para um bosque (reino fantástico onde Titânia, rainha das fadas, também está em conflito com o esposo Oberon, rei dos elfos), há feitiços e peripécias dramáticas, nomeadamente as vivenciadas com os “mechanicals”, a ensaiarem, no bosque, uma peça para o casamento dos duques Teseu e Hipólita. Como “All’s well that ends well”, é o amor que acaba por prevalecer.
'Festival Dias da Música' - foto do Coliseu do Porto
Tal como no final da obra shakespeariana – quando Oberon apela para a música como indicador de recomposição da harmonia e fim do “jangling” (fim das confusões na intriga dramática) -, também os que foram à cidade invicta encontraram na música uma porta de luz, saindo encantados nessa ilusão ou nesse sonho de que há mais para além de um mundo por vezes demasiado duro de real. Tempo, música, companhia e poesia para a vida.