Espera . Procura . Encontros, Desencontros e Reencontros . Passagem com muitas Viagens . Angústias e Alegrias . Saberes e Vivências . Partilhas e Confidências . Amizades sem fim
Isto de confundir nomes com formas verbais definitivamente não combina com educação.
Ontem, num programa televisivo em que se discutia os motivos da greve de professores e se avançavam os argumentos mais diversificados, segundo as perspetivas em discussão, houve aquele momento sem qualquer hipótese de demonstrar "carinho" (para citar apenas quem se pronunciou em tais termos):
Uma imagem a fazer perder uma palavra (com agradecimento à AMT)
Sem cara nem identificação, lá apareceu um rodapé confundindo o pretendido 'satisfaçam' (forma verbal no presente do conjuntivo) com a indesejada 'satisfação' (nome). No que toca ao domínio da língua portuguesa, não há comunidade educativa que veja as necessidades educativas satisfeitas, desconhecendo-se a ortografia (distintiva na terminação em 'am' e 'ão'), a fonética (tão marcadamente contrastiva entre sílabas tónicas e as que não o são) e a morfologia.
É ou não é triste ler o que não se deve? Nem o programa conduzido por Carlos Daniel o merece nem Mariana Carvalho (citada) é respeitada no que diz quando se dá a ler tamanha incorreção.
Umas aulas de gramática impõem-se em qualquer curso de comunicação, na rádio ou na televisão.
Entre a terra e o céu, uma estrela cai para a linha do horizonte (Foto VO)
Espreitando por entre as copas das árvores, essa estrela branca irradiou luz e vestiu-se de um amarelo alaranjado quando caía na linha do horizonte, aqui e além distribuindo raios a rasgar a densidade sombria que da terra se ergue na direção do céu.
Este parecia estar em braseiro, com as nuvens em tons de fogo e de cinza, entre lume e carvão. Só no alto se via o azul, mais subido, límpido.
Talvez o desmereça, mas foi o que quis fazer, recuperando temas, títulos, versos, ideias. Trazê-lo à vida, ao hoje (porque do presente se fez, sem querer pensar muito no amanhã), com um sorriso.
FOSTE...
Disseste que há palavras interditas; palavras que nos beijam; algumas, um cristal; outras, um punhal.
Saíste da moldura,
foste com as aves e viste na poesia a música que sempre teve:
um acorde perfeito.
Rejeitaste a pureza.
Nas viagens que fizeste,
juraste ver a luz tornar-se pedra.
Nascido em inverno,
aspiraste às tardes de setembro. Buscaste o campo e o silêncio.
Um empregado de café, um gerente desse local ou um não comunicador a cometer um erro do tipo até já dou como falha indesculpável. Imperdoável mesmo é que um canal público televisivo exponha esse mesmo erro aos espectadores que assistem a um dos programas com audiência significativa, com apresentador reconhecido e com propagado serviço público, culturalmente relevante:
Um território ultramarino à espera do adjetivo bem escrito (Foto VO)
Num concurso em que alguém diz que já foi tramado por um "abacaxi" ou com um locutor a repetir insistentemente o termo "confiança", na abertura do programa hoje emitido, há um desafio que vai bem além da fruta e leva qualquer um a desconfiar de que algo vai mal nos meios de comunicação social.
Que não se saiba a resposta certa para a questão formulada (Nova Caledónia) é mal menor. Bem pior é não saber escrever, particularmente alguém que trabalha na televisão pública e faz difundir o que não deve!
Só faltava alguém dizer que a culpa é do professor que ensinou "français". (Vai um questionariozito para quem trabalha ou venha a ser contratado pela RTP?!)
Ao chegar a casa, recolho a publicidade da caixa de correio.
Um pequeno folheto anuncia limpezas e, ao lê-lo,...
Publicidade "pouco limpinha" (Foto VO)
... reparei no asseio demonstrado nos "Escritórios", eliminando-se indevidamente a acentuação na palavra.
Lá diz a gramática da nossa língua que as "falsas esdrúxulas", isto é, palavras terminadas com encontros vocálicos habitualmente proferidos em ditongo crescente (casos de 'ébrio', 'lítio', 'rádio', 'água', 'égua', 'armário', condomínio, 'secundário' e 'secretário', por exemplo), são graficamente acentuadas na sílaba mais intensa.
Dois apontamentos, pelo dia em que ambos desapareceram (os homens, não os apontamentos)
Um primeiro, mais atual, é para recordar o sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman (19 de novembro de 1925 – 9 de janeiro de 2017):
Bertrand a citar um pensamento (criticamente) muito válido
Um segundo, mais recuado no tempo, é para retomar um texto de alguém já mencionado nesta "carruagem" por várias vezes (três, creio... quem sabe... quatro), mas agora numa outra voz: a de um outro Mário (Viegas). Entre inconformismos, a identidade de ambos vai além do nome, como se pode ver no seguinte registo vídeo:
Programa televisivo "Palavras Vivas" (Canal 1 da RTP), com declamação de Mário Viegas
E depois da voz, a leitura silenciosa esboçando um sorriso, na paródia pressentida:
A Invenção da Água
Como muito bem se sabe, no princípio não havia água. Só havia o verbo. Depois apareceram o sujeito e o complemento direto. Mas de água, nada.
Então todos começaram a beber vinho e deus achou que era bom. E lá isso era!
No entanto, com o aparecimento das primeiras culturas do tipo comercial, tornou-se evidente a falta de qualquer coisa que pudesse aumentar a produção do vinho e torná-lo mais rentável.
Era a água, claro.
Mas não havia água, como já fizemos notar. As primeiras pesquisas, então ainda bastante primitivas, levaram à descoberta da água-pé.
Embora curiosa, essa descoberta não resolveu, de forma alguma, o fim pretendido. Continuava a não haver água. As pesquisas prosseguiram.
Felizmente o homem é assim, nunca desiste. É isso que faz o progresso. E largos tempos passados chegou-se a nova descoberta: a aguardente.
Era melhor, não duvidemos, mas realmente não era o desejado. Faltava a água. Definitivamente. As civilizações pastoris, no seu nomadismo constante, descobriram, acidentalmente, a água-bórica que, aliás, nunca serviu para nada. Coisas de nómades.
Foi então que no seio das culturas orientais mais avançadas tecnologicamente, surgiu a grande invenção: um misterioso pó branco que, deitado em mínima quantidade num litro de água, o convertia, quase milagrosamente, num litro de água. ESTAVA INVENTADA A ÁGUA
Inicialmente rara e só usada para fazer vinho, tornou-se no entanto com o desenvolvimento industrial, bastante acessível e abundante.
Ergueram-se os primeiros lagos, deu-se início aos rios pequeninos e, finalmente surgiram os rios maiores, aqueles muito grandes, que consta várias pessoas já terem visto por aí.
Este progressivo desenvolvimento líquido teve como consequência o aparecimento de poderosas civilizações marítimas, que se desenvolveram de tal maneira que nos puseram no brilhante estado em que nos encontramos.
É o que fazem as invenções.
No entanto, e mesmo com a atual abundância, não devemos abusar, dada a tremenda explosão demográfica que se está registando.
Parece-nos mais prudente beber gin. Sempre.
Mário-Henrique Leiria
in Obra Completa - A Poesia, vol. II (inclui poemas inéditos),
org. Tania Martuscelli
2018 (póstumo)
De Bauman, sublinho a verdade que procuro contrariar no meu dia-a-dia (por mais que haja quem me queira lembrar trabalho, quando dele saio); de Mário-Henrique Leiria, fica, por ora, a escuta, a leitura e o brinde, com gin (já que, de água,... nada!)
Dois tempos, dois seres, dois apontamentos... à guarda de melhores ventos.
No arranque de novo ano, podia ser conselho a ter em consideração.
Lá poder podia, mas... falta-lhe a qualidade da correção:
Um momento sem sucesso, por conselho tão avesso (Foto VO)
Formulado a partir de uma forma do verbo 'desfrutar', reflete a ortografia esse princípio morfológico do reconhecimento da base da palavra. Conselho, pedido, aviso, ordem que seja, escreve-se "Desfruta".
Faça-se, portanto, acompanhar o conselho defeituoso da virtude corretiva:
Um momento com revisão, para superar falha na confeção (Foto VO)
Se, por acaso, alguém receber esta mensagem na forma de avental de cozinha, não o lave, para poder "desfrutar" do acrescento produzido na prenda recebida. É a prova do momento vivido na amizade, mas sempre como professor(a) de Português.
O dever do ofício é uma obrigação, acompanhado do devido código de correção, para compensar o defeito de produção.
Entre a prosa e o verso, ficaram os livros do gin.
Homem das Belas Artes, rendeu-se à escrita (arte bela, pois sim). Em janeiro nascido, no mesmo mês desaparecido, foi escritor surrealista português.
Mário Henrique Baptista Leiria viu-se politicamente perseguido, preso pela PIDE, até se instalar no Brasil, onde desenvolve uma vivência voltada para a expressão literária. Entre finais da década de 40 e os anos 70, apresentou obra, até que em 1980 morre. A escrita revela o seu espírito indomado, irónico, pouco ou nada obediente aos poderes da realidade político-social do tempo; subversivo o bastante para desafiar os códigos morais e estéticos do (bom) gosto, nomeadamente os da tendência surrealista em que o situaram.
Cruzei-me com os seus Contos do Gin-Tonic (1973) e Novos Contos do Gin (1974), tão desconcertantes quanto fiéis a uma marginalidade própria de quem constrói um mundo às avessas, criativo e de libertação. Relembro, da segunda obra, uma pequena narrativa intitulada
ÚLTIMA TENTAÇÃO
E então ela quis tentá-lo definitivamente. Olhou bem em volta, com extrema atenção. Mas só conseguiu encontrar uma pera pequenina e pálida. Ficaram os dois numa desesperante frustração.
Não há dúvida que o Paraíso está a tornar-se cada vez mais chato!
Lá se foram a maçã e a serpente, mais a Eva e o Adão; também o Paraíso, dessacralizado na imagem e na palavra.
Revolucionário, homem de contracultura(s), experimentou a escrita do inconformismo; inventou mundos e vidas coloridos de bizarria, paródia, humor negro. Tudo fora de um convencionalismo do tempo que (não) foi o seu.