Espera . Procura . Encontros, Desencontros e Reencontros . Passagem com muitas Viagens . Angústias e Alegrias . Saberes e Vivências . Partilhas e Confidências . Amizades sem fim
Quando toda a gente queria saber sobre a mudança do estado de emergência para o de situação de calamidade,...
... eis que chegam alguma orientações para regular e proteger a população do pior. Televisivamente, passo a passo surgem as prioridades definidas, até que é dado o passo em falso:
Telejornal emitido hoje às 20 horas, na RTP1 (Foto VO)
Deve ser a força da proibição. De tão proibidos os ajuntamentos, a sílaba mais forte até se deslocou, a julgar pelo acento gráfico colocado, e que não existe. Nem a sílaba tónica é [í] nem a representação gráfica da palavra está correta. "Proibidos" (sublinhe-se a incidência tónica) é um exemplo de palavra grave, que, por norma, não é acentuada na língua portuguesa.
Tão constantes têm sido estes exemplos críticos que só me resta rezar:
Oração pela escrita da língua portuguesa.
Assim anda a nossa língua, assim anda a comunicação e o serviço público no uso delas. Fica o alerta. É calamitoso e emergente o contexto, a necessitar de intervenção e formação no trabalho televisivo da escrita.
Há sempre razões para celebrar a liberdade surgida da ditadura.
Para que não se esqueça o passado mal vivido e se tenha presente as conquistas conseguidas, faz sentido celebrar este dia, aquele que "acordou" sem o peso dos grilhões do autoritarismo e do despotismo; do controlo e do poder ditatoriais que não dão felicidade nem permitem afirmar a dignidade humana; do medo da perseguição.
Hoje, sem a liberdade de movimentos desejada, persiste a liberdade da democracia. Confinados, sim, mas livres do jugo político que alguma ideologia possa representar - aspirando à libertação, porém, com a liberdade garantida.
A poesia e o canto, comprometidos com a revolução (seja esta qual for), fazem ainda sentido. Hoje também é preciso "acordar" as mentalidades para a mudança de comportamentos; para os cuidados que trarão o desconfinamento necessário a uma vida com mais cor, dando-nos maior liberdade.
Por isso, relembro "Acordai", canção heroica, um dos hinos nacionais de resistência, que contribuíram para exaltar a liberdade e motivar quem lutava contra o salazarismo. Inicialmente publicada em 1946, foi silenciada pela Censura; contudo, muitos resistentes a divulgaram, de forma subreptícia, em encontros clandestinos ou em países de exílio. Hoje partilho-a sem "a dor / dos silêncios vis" de outrora; antes com a distância dos que, limitados, não são servis:
ACORDAI
Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raiz
Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações
Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!
A voz de Teresa Salgueiro
com os versos de José Gomes Ferreira e a música de Fernando Lopes Graça
Depois do nabo, continua a luta (falta saber se com nabos se com nabiças).
Dizem que não há tempo mais oportuno do que este, a julgar pelo texto seguinte:
A oportunidade do ato de 'desinfetar'
Concordo que desinfeção é palavra de ordem, nos dias de hoje. Todavia, no que à expressão popular e regional diz respeito, entenda-se 'desinfetar' como sinónimo de 'desaparecer'. E que bom seria que o Corona vírus desinfetasse da nossa vida. Melhor ainda se, na escrita, a vírgula do vocativo não fosse esquecida.
Anda por aí muita gente confundida com as interjeições.
Entre 'chamar' e 'exclamar' há algumas diferenças e, na escrita, as interjeições são bem distintas. Enquanto palavra invariável pertencente a uma classe aberta, a interjeição traduz, exterioriza emoções. O sentido ou o valor que se lhe associa está estritamente depende do contexto de enunciação e corresponde a uma atitude, a um sentimento expressos pelo falante ou enunciador.
Quando de chamamento / invocação se trata, o caso é claro (para quem não é nabo):
A incomodidade do repolho por ter um nabo à frente
Nada de confundir com "Oh!", que admite vários valores interpretativos (alegria, desejo, espanto, saturação, receio, dor,...), os quais, na oralidade, aparecem marcados por traços entoacionais diferenciados.
Para complicar a frase da imagem, sempre poderia iniciar o texto com um "Oh", típico da contrariedade sentida pelo repolho face ao que um nabo lhe esteja a causar. Porém, para chamar nabo (a alguém), tem que ser com a interjeição interpelativa "Ó".
Tudo o que se faça para combater o vazio criado por este Covid-19 é bem-vindo.
Quem está na frente da batalha ou quem se mantém na retaguarda são tão necessários como os que estão a meio. O efeito de onda, de trás para a frente ou vice-versa, é muitas vezes a fonte da persistência e da resiliência de todos.
Ao nível da educação, o contributo das aulas televisivas é um dado significativo para que o vazio não reine; para que haja algum sentido de oportunidade para divulgar, aprofundar, enriquecer quem nada tinha. Neste sentido, o #EstudoEmCasa (RTP Memória) e o #EstudarComAutonomia (RTP Madeira, para o ensino secundário) são apostas válidas. Não pelo que faz lembrar do passado (a Telescola), mas pelo que pode ser uma iniciativa de resposta ao presente e de desafio para o futuro. É serviço mais do que público, porque centrado na educação, no ensino e nalguma aprendizagem. Talvez não a mais estruturante ou estruturadora, mas sempre aprendizagem... e para todos os que a ela queiram assistir.
Há aspetos a melhorar, por certo, como em tudo na vida.
Hoje assisti a uma aula sobre Os Lusíadas (9º ano) - uma variedade de materiais, suportes, a todo o tempo ativada para uma suposta motivação à obra camoniana e, quem sabe, para a exposição de um conjunto de conhecimentos referenciais a aproveitar, num breve momento, para o que venha a ser uma fase posterior de recuperação e sustentação de informação. A rapidez e o imediatismo televisivos não garantem a efetiva aprendizagem de uma só vez. O milagre não é tão grande assim. No processamento que se faça por input não há output linear. E no que diz respeito ao intake, a história é bem outra. A quem defende que o que interessa são as aprendizagens, é bom que se tenha em atenção o nível de aprendizagem a que se está a referir, porque o conceito é bem diverso, cobrindo o que se consegue a curto prazo e o que passa a constituir memória de médio e longo prazo.
Valha o contributo face ao nada que existia. Melhorias podem seguramente ser feitas e estas só poderão surgir a partir do que se faz. É preciso trabalho e quem está nele tem o mérito de o agenciar.
Bom seria que o deslumbramento pelos materiais / instrumentos fosse evitado, particularmente quando eles introduzem ruído. Foi o que sucedeu com a aula de Português em questão. Ora um vídeo a tratar a estrutura interna da epopeia lusa, ora um powerpoint com o mesmo e alguma coisa mais e, no entretanto, o primeiro refere-se à narrativa "in media res" enquanto o segundo mostra a versão "in medias res":
Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)
Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)
Um 's' faz a diferença.
A técnica que se pretende ilustrar é clássica, vem de Homero, que, nas suas epopeias, escolhia o ponto por onde começar a narrativa: já a meio dos acontecimentos. Horácio, na sua Arte Poética, ao teorizar a abordagem épica das narrativas homéricas, referia-se a "in mediās rēs", ou seja, as "ações que vão a meio". Com isto se defendia a arte de Homero captar a atenção dos leitores. No caso de Camões, a técnica passa pela opção de colocar os marinheiros (e Vasco da Gama) em ação a partir do momento em que são verdadeiramente descobridores no caminho marítimo para a Índia (o percurso do Atlântico já era conhecido e a passagem do Cabo das Tormentas já tinha sido cumprida, por Bartolomeu Dias). No final, a mesma técnica imitada pelo épico português, atento à influência grega (e, mais tarde, à latina de Virgílio).
"In medias res", portanto, e não "in media res" (simplificando o registo latino, retirando o acento gráfico da vogal longa - ā -, por contraposição à breve - ǎ -, que também tinha um acento identificativo). Uma melhoria, digo eu, para o bem que se fez.
Já se sabia que se encontrava doente, infetado pelo Covid-19, pouco depois de ter participado, em Portugal, num evento literário. Entre informação e desinformação, deu-se conta do estado crítico, da melhoria, de como regrediu, voltou a melhorar... E, agora, a morte.
A de qualquer humano tem de ser pesarosa, particularmente a que resulta da luta contra um vírus desconhecido e ameaçador, capaz de afetar subrepticiamente o mundo. A do chileno Luis Sepúlveda (1949-2020) é-o seguramente para quem o leu, lê ou tem vindo a ler.
Escritor ecologista, que cronicou e contou histórias de quem esteve neste mundo (marginais ou não); de quem existiu enquanto houve luz; de quem alimentou sonhos ansiados em qualquer lugar da terra, do ar ou do mar. Escritor que produziu obra na apologia da vida, da dignidade humana, da justiça social, de exotismos que sublinham sentidos múltiplos de viagem, de amor e de guerra, de utopias e mistérios que se cruzam com o Ser Humano, para não dizer com o Ser Vivo. Escritor que viu na diferença o complemento necessário à união e ao projeto da vontade.
Qual "gaivota", não pode lançar-se mais em novo voo, apanhado que foi por uma maré, uma "peste negra" que assolou a Humanidade.
Leitura de um excerto de
História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar (2008)
Outros, contudo, o farão voar, porque, como bem o escreveu em As Rosas de Atacama (no original, Historias Marginales, 2000), “As feridas dos heróis da literatura são rapidamente curadas com o bálsamo da leitura.”
A morte será suplantada por qualquer leitor que recupere a sua obra e lhe dê vida.
Há que voar, pois ainda há gatos que ensinem; há que aceitar que “Em todo o lado se vive e se morre – como diz o tango morir es una costumbre” (Patagónia Express, 1995).
Consigo até tirar fotografias, apontando o foco para o alto.
Um alto-baixo de cinza a partir de uma varanda (Foto VO)
Captada a natureza, importa dizer que prefiro o cinza do céu, por mais sombrio que seja, ao betão do "mamarracho" que me plantaram em frente. O cimo ainda se aproveita; de resto, há milhares desnecessariamente gastos na amplitude de um espaço ostensiva e escusadamente ocupado por um "bunker" à superfície. Prova de que quem (muito) para o alto olha não vê a desgraça que vai por baixo.
E para quem achar que é a melhor das obras artísticas, pode sempre reclamá-la para a frente da sua porta ou janela. Por mim, é todo de quem o quiser.
Era tão bela a fachada azulejada do edifício recuperado da antiga fábrica Progresso! Era!
Em tempos de confinamento, nem sempre as paredes aguentam comigo.
Poupo-as, por uns instantes, ora dando uma caminhada no meio de ninguém (e em horas de pouco movimento) ora indo de carro ver o mar. Estaciono, mantenho-me dentro, fazendo dele uma casa móvel e abrindo os vidros para um mundo maior. Leio ou trabalho; vou vendo o mar, contemplando algumas gaivotas passageiras, observando nuvens deslizantes a acinzentar o céu ou o torná-lo aqui e além manchado de flocos cotonosos.
Por vezes, passa um camião carregando um painel publicitário, no qual se lê o convite para todos ficarem em casa, a bem de muitos. Um altifalante complementa a mensagem estampada no painel: "Fique em casa. É tempo de confinamento, por causa do Covid-19. Fique em casa, pela sua saúde e pela de todos". Compassadamente, circulam ainda agentes policiais, a pé ou de carro, dissuadindo aqueles que pretendem chegar ao areal interdito ou correr pelos passadiços bloqueados, fitados com uma cruz impeditiva de circulação. Mesmo os que, como eu, estão fechados no habitáculo do automóvel não estão livres de abordagem persuasiva da autoridade.
Aconteceu-me hoje que, estando a trabalhar com o computador, fui abeirado, com o distanciamento social devido, por um agente que, simpaticamente, me perguntou se estava tudo bem e se pretendia ficar naquele local (aprazível) por muito tempo. Pelo suspiro que soltei e pelo meu ar de desagrado, de saturação face à previsível sugestão de voltar para as minhas paredes, o polícia apercebeu-se da minha necessidade de respirar outros ares e, com toda a compreensão, justificou a sua atuação: sensibilizar para os cuidados a ter e para evitar que muita gente se concentrasse junto ao mar (evitando os ajuntamentos críticos). Agradeci a atitude e o serviço que estava a ser cumprido. E talvez por isso, de seguida, veio a concessão: assim que concluísse o trabalho e fizesse uma possível caminhada solitária, solicitava o recolhimento a casa. Voltei a agradecer, pelo cuidado e pela compreensão, ao que assentiu que tínhamos ambos de ser compreensivos e reconhecidos nas palavras e nos bons atos.
Apreciei bastante a postura e o exercício compassivo da autoridade. Solicitei apenas uns minutos mais. Respondeu que não havia problema, desde que não infringisse as interdições visíveis a todos na praia. Sosseguei-o quanto a isso, pois não pretendia sair da "minha concha". Disse-me, então, para eu estar à vontade e, por fim, acrescentou que "Se todos cumprirmos, quando contermos o vírus, vamos poder mais rapidamente aproveitar a vida em conjunto". A ideia era perfeita, mas o "contermos"...
O futuro do conjuntivo do verbo 'conter', na primeira pessoa do plural, é 'contivermos', senhor agente - isto foi o que pensei; o que gostava de ter dito. No entanto, achei por bem fazer igualmente uma concessão. Valorizei mais a atitude do que a correção do discurso. Eu podia ter concordado, repetindo a mensagem com a forma correta, como normalmente o faço em situações análogas ("Sim, se CONTIVERMOS o vírus, vamos todos ser mais felizes"). Não o fiz, porém, atendendo à qualidade da interação, na qual uma falha gramatical não comprometeu o interesse nem o foco da comunicação.
Lá diz o provérbio que "No melhor pano cai a nódoa" - acidentes que acontecem a todos os que também usam "boas palavras" (mesmo que estas não sejam as gramaticalmente mais corretas).
Em tempos próximos de clausura, vive-se uma Páscoa diferente.
O confinamento e o distanciamento social não são muito compatíveis com o espírito da celebração. Agradeça-se, porém, a condição salutar em tempos de doença e anseie-se por um novo dia. Será esta, por ora, a "passagem" mais esperada e desejada.
Mais um "Grande Ovo do Coração"
Ficam os votos da melhor Páscoa possível, com tudo o que de bom se possa lembrar dos bons velhos tempos, inclusive daqueles quando, na infância, a diversão era pintar simples ovos cozidos, com sóis, estrelas, caretas, flores, cores, linhas e pintas tão festivas! Talvez seja, hoje, mais uma atividade para "ocupar" os dias; mais uma oportunidade para manusear o renascimento da vida - afinal, aquilo de que o ovo é símbolo desde épocas bem anteriores ao Cristianismo (a troca de ovos no Equinócio da primavera, a 21 de março, era tradição para marcar o fim do inverno ou o início da primavera, para não mencionar que alguns deles eram enterrados, na crença de que, assim, se assegurava bons cultivos e boas colheitas).
Chegada a Páscoa cristã, a cultura pagã foi integrada na celebração da Semana Santa, passando o ovo a simbolizar o renascimento, a ressurreição de Cristo. Em tempo de ovuladas amêndoas e adoçados ovos, interessa deixar, de momento e à semelhança do ano passado, um outro ovo cracoviano, trazido da praça principal de Cracóvia (Rynek Główny); um "Grande Ovo do Coração", para, com afeto, colorir estes dias muito cinzentos.
Uma boa Páscoa para todos e que se cultive a paz, a segurança, a saúde, para se poder colher, de novo, a vida e fazer a passagem para felicidade(s) maior(es).
Ontem foi tempo de ver Maria, Rainha dos Escoceses.
Na TV-Cabo, no canal NOS Studios, foi hoje exibido o filme "Mary, Queen of Scots", da realizadora Josie Rourke (2018). Nele se aborda, em paralelo, dois percursos reais: o de Mary Stuart, chegada de França, depois de enviuvar do rei Francis II; o da imperiosa Isabel I de Inglaterra.
No meio do poder e do jogo político-religioso dos finais do século XVI, duas mulheres assumem protagonismo carismático, com Mary (Saoirse Ronan) a reivindicar o seu direito ao trono inglês (enquanto bisneta do rei Tudor Henry VII) e Isabel (Margot Robbie) a ver a sua soberania ameaçada. De forma diplomática, entre a admiração pela rival e a afirmação do seu poder, ambas gerem uma autoridade a todo o tempo cuidada até que a segunda acaba por decretar a decapitação da primeira.
Maria, Rainha dos Escoceses (2018) - Trailer oficial legendado
Mary Stuart acaba por ser um exemplo de vítima dos jogos políticos.
É na situação de condenada que arranca o filme, até que, por analepse, se dá conta do regresso dela à Escócia. Representante de uma linha católica que se vira algo afastada da corte isabelina, Mary assume, na Escócia, uma postura de tolerância quanto à religião, mas não deixa de enfrentar a resistência crescente de movimentos protestantes, encabeçados por John Knox e por grande parte da nobreza escocesa. Num convívio contínuo com a influência francesa, numa política de casamentos que não é muito favorável à sua imagem pública, a filha de James V da Escócia acaba por ter de abdicar do trono e de se exilar junto da prima Isabel I. Esta última vai ser, a um só tempo, não só protetora da sua maior ameaça como também juíza do destino final. Protege-a, por forma a não acicatar os apoiantes da causa católica (de que a sua predecessora e irmã, Mary Tudor, fora representante maior), evitando uma revolução; acusa-a de traição, ao final de anos de auxílio, por causa de uma pretensa carta (assinada pela rival, mas que muitos assumem ter sido artimanha de conselheiros ingleses), na qual se conspirava e se propunha o termo da vida da rainha inglesa.
Na luta dos interesses matrimoniais e na consolidação da independência de ação, estas duas rainhas foram, contudo, peças de um jogo maior: o da vida. Se Isabel I consolida o seu poder e afirma uma era de florescimento cultural durante o seu reinado, à hora da morte e sem sucessão declarada (algo que Mary repetidamente tentou obter), é James I, VI da Escócia, fruto do casamento de Mary com Henry Stuart (Lord Darnley, interpretado no filme por Jack Lowden), quem vem legitimamente a tornar-se Rei da Escócia e de Inglaterra.
Num circuito de intrigas palacianas, traições, revoltas e conspirações cortesãs, um trono e uma dinastia impõem-se (dos Tudor), mas o futuro rumo da história inglesa será ditado por uma outra linhagem soberana (dos Stuart).
Um filme, inspirado na obra homónima de John Guy (Queen of Scots: The True Life of Mary Stuart, de 2014), mostra como os vencedores nem sempre são os que detêm o poder ou os que vencem momentaneamente causas discutíveis.
Soa a viagem. É fado numa das maiores vozes da atualidade.
Foi na sequência do programa televisivo "Em Casa d' Amália" (RTP 1) - uma tertúlia dedicada ao grande nome nacional do fado - que tive a oportunidade de reencontrar a melodia em causa, na voz de Ana Moura.
Vídeo oficial de "Rumo ao Sul" (2009)
RUMO AO SUL
Estou na estrada de volta p'ra onde eu já não quero ir
No escritório esta tarde foi tudo p'ra me deprimir
A buzina apressada de um carro que me quer passar
Na portagem um rosto indiferente diz-me p'ra pagar
Rumo ao sul, sem amor, devagar
O meu sonho faz-se ao mar
Sem amor, rumo ao sul
O meu céu perdeu o azul
Volto as costas às luzes brilhantes da cidade-mãe
Sou a sombra impiedosa do apego a quem já não se tem
Sei que ao fim desta estrada há uma casa que suponho ter
E a vontade indomável que teima em me querer perder
Editado no álbum "Leva-me aos fados" (2009), trata-se de uma composição do também fadista Jorge Fernando. É letra de desânimos e cansaços; também de perdas, de fugas e de liberdades a conquistar.
Dois versos tão próximos de mim: "O meu sonho faz-se ao mar" e "O meu céu perdeu o azul".
Um dia de sol espreita entre os que foram de chuva.
Não há vírus que me prenda em casa. Confinado, sim, mas com rasgos de recusa e de liberdade.
A caminhada fez-se e foi marulhada. Os tempos são críticos; graves, agudos, alguns dirão, para uma sobrevivência que muitas centenas humanas já não conseguirão.
A Aguda oferece aos fugazes visitantes um quadro marinho em movimento, com alguns batéis estacionados na praia; outros vogando nas ondas que invadem a orla, o areal, numa baía sem sossego. Um ou outro pescador mantém-se ao largo, assistindo impotente ao espetáculo hercúleo que a natureza lhe dá a ver.
Um farol permanece no limite de um paredão (nome tão aumentado para força tão mais superior) continuamente banhado. De vez em quando, parece que sobre este circula um comboio a vapor, correndo, a fumo branco.
Pedaço de dia temperado de sol e de sal (Vídeo VO)
Não há locomotiva, rodas ou carris. Apenas água a espelhar o céu e um ribombar forte que deixa sentir a pequenez de tudo diante da força do mar. Até aquela torre de luz apagada se sente minúscula, ameaçada e desorientada, sempre que a vaga surge, embate na barreira e termina num foguetear de névoa alva, salinadamente difusa, erguida ao céu, até ao salpicar e remolhar das pedras.
Tempo de maresia e de uma energia inspiradoras, incompatíveis, na força e na beleza, com a lembrança de um desgraçado vírus. Regresso a casa e revejo um momento que tempera a vida.
Agora que temos de ficar por casa (pelo menos os que têm), há que ocupar o tempo.
A televisão (que dizem vir a ser a solução para tudo, até para o ensino-aprendizagem) lá vai cumprindo o seu papel... repetindo as mesmas notícias, os mesmos filmes, os programas em que há público a assistir, todo ele juntinho... aos saltinhos ou em bailarico, agarradinho aos apresentadores. Enfim!
Agora que se aproxima a Páscoa, pouco ou nada diferente do Natal, talvez ainda se lembrem de passar, pela ésima vez, o Música no Coração. Bem... é melhor não!
Julie Andrews (ou a irmã Maria) não viu a fitinha de bloqueio
Já não fui a tempo de avisar! As montanhas estavam bloqueadas com a fitinha colocada entre duas árvores. A irmã Maria e as crianças Von Trapp entraram pelo lado errado.
Foi dos filmes mais marcantes do final do século XX, obra-prima de Steven Spielberg.
Já há um tempo andava com vontade de rever este filme. As interpretações de Liam Neeson (Oskar Schindler), Ben Kingsley (o contabilista judeu Itzhak Stern) e Ralph Fiennes (o comandante alemão Amon Goeth) são marcantes, bem como produção feita a preto e branco maioritariamente (só aqui e ali com uma nota de cor). No enredo, situado entre 1939 e 1945, revê-se a Polónia nazi, o genocídio dos judeus, a Checoslováquia da fábrica e do campo de concentração de Schlinder (Brünnlitz). Em mais de três horas, retratam-se, de forma mais ou menos ficcionada, episódios de vida de um Justo entre as Nações mais o périplo de um povo que, na II Grande Guerra, viveu mais uma etapa trágica na sua diáspora.
Compacto de A Lista de Schindler (1993)
Inspirado no livro homónimo de Thomas Keneally, é seguramente um dos filmes da minha vida, desde que há mais de vinte e cinco anos ficaram imagens fortes como a da irritante criança loura que assiste ao desfile de judeus nas ruas polacas e grita "Goodbye, Jews!"; a do professor de História e Literatura que não é considerado "trabalhador essencial", mas acaba por o ser quando diz ser "polidor de metais"; a dos soldados alemães que discutem se a música tocada por um outro é da autoria de Bach ou de Mozart, enquanto ocorre o fuzilamento de vários judeus; a da criança vestida de vermelho, que se esconde do exército nazi, mas acaba junto de outros corpos; a do intolerável comandante Amon Goeth a fazer "tiro ao alvo" da sua varanda para alguns judeus que se encontram no campo de concentração de Płaszów; a de crianças que se escondem nas sanitas conspurcadas, na esperança da sobrevivência; a de uma outra criança insuportável a simular, com a mão, o corte de pescoço para as mulheres que chegam ao campo de Auschwitz-Birkenau; a do banho ameaçador das mulheres numa câmara que, em vez de água, bem podia ter sido de Zyclon B; a do comovente Schindler a chorar por não ter conseguido salvar mais judeus. O percurso deste povo é representado na pior das agonias.
Praça Bohatérow Getta (ou dos Heróis do Gueto), no distrito de Podgorze, no gueto judaico de Cracóvia, com Monumento das Cadeiras, diz-se, pago por Roman Polanski
(local onde eram selecionados os judeus para os campos de concentração) - Foto VO
Fachada da fábrica de Schindler, em Cracóvia - Foto VO
Janela à entrada da Fábrica de Schindler
(com fotos e nomes dos trabalhadores judeus) - Foto VO
Monumento Judeu junto ao bairro Kazimierz, onde este povo vivia na cidade, antes da II Guerra (colocação de pedras como prática nas sepulturas judaicas, lembrando a época do Antigo Testamento) - Foto VO
Pórtico da Sinagoga Remuh, ao fundo do bairro Kazimierz (nome a lembrar o rei Casimiro, fundador do espaço judaico na Baixa Idade Média) - Foto VO
O bairro Kazimierz foi local da gravação cinematográfica, tendo-se, a partir desta última, conseguido a recuperação do espaço (dado o interesse turístico que o tem marcado). Quem por ele passeia não deixa de sentir o peso da História, os sinais da tragédia, o espírito de uma revolta contra quem pôde alguma vez defender o genocídio judeu, o holocausto.
Na confluência de sentimentos, quando percorri estes locais, dizia para comigo que tinha de rever A Lista de Schindler. Entre a revolta do vivenciado com as políticas antissemitas e a admiração por um homem, no meio de outros iguais, dominou um sentido de compaixão e de gratidão muito forte. A cena final do filme (homenagem dos judeus salvos por Schindler junto à campa, em Jerusalém, no Monte Sião) é a representação maior da figura dessa gratidão, uma espécie de pacto ou princípio que, aliás, atravessa toda a película, ainda que numa multiplicidade de sentimentos bem difusos: o de Schindler para com Stern, no reconhecimento do trabalho deste; o de Amon para com Schindler, enquanto parceiros de negócios pautados por suborno e contrabando; o de Schindler para com uma judia, beijando-a num dos aniversários dele, quando lhe é ofertado um bolo; o dos judeus para com Schindler, à hora da rendição alemã incondicional, oferecendo-lhe um anel a partir de um dente de ouro fundido, a partir dos bens de muitos, e trabalhado à hora do final da guerra.
Hoje o Ser Humano não pode deixar de estar, quase por ironia, agradecido a um partidário inicialmente nazi, o único que tem sepultura em território judeu, pelos mais de mil que ajudou a salvar.
De oportunista interessado em ganhar dinheiro a herói tomado pela humanidade (sem escolha) ao salvar judeus, Oskar Schindler fica para a memória de muitos como um dos protagonistas da Sétima Arte, num filme que recebeu sete óscares, um deles o de Melhor Filme (1994). E foi tudo, na base inspiradora, tão real!
Neste 1 de abril, foi o tempo que nos pregou uma partida: depois de dias nebulosos e cinzentos, trouxe um final de tarde cheio de cor:
Uma só árvore, um só mar, um só pôr do sol, um só caminho (Foto I - VO)
Uma só árvore, um só mar, um só pôr do sol, um só caminho (Foto II - VO)
Esta é brincadeira boa, em tempos tão críticos.
É verdade que a celebração tem tudo a ver com o tempo, mas numa outra dimensão. Diz-se que esta celebração surgiu em França, onde, desde os inícios do século XVI, o Ano Novo era festejado a 25 de março (a chegada da primavera) e durava até ao dia 1 de abril.
Com a adoção do calendário gregoriano (1564), o rei francês Carlos IX oficializou o ano novo a ser comemorado no dia 1 de janeiro. Houve quem resistisse a tal determinação e alguns franceses mantiveram os costumes do calendário juliano. Assim se conservava o dia 1 de abril, por engano, por trapaça, por resistência ou por mentira. Houve também quem ridicularizasse a situação, enviando presentes estranhos e convites para festas inexistentes (atitudes conhecidas como "plaisanteries").
O prazer de um final de tarde como o de hoje deu lugar a fotografia, junto ao mar, numa espécie de, à italiana ou à francesa, celebrar a(o) "pesce d'aprile" ou "poisson d'avril".