O tópico de hoje é mais para uma questão de análise literária. Também faz parte do labor do professor de Português.
Perante o facto, vem por vezes a dúvida. Segue-se a constatação.
Q: Colega,
Sempre disse e vi escrita a expressão latina "in media res" para designar o início da narração de Os Lusíadas. Recentemente, nos manuais de 9.º ano, tenho encontrado esta expressão grafada "in medias res". Se possível, gostaria de conhecer a sua opinião. Obrigada.
R: Caríssima colega,
Efetivamente, a expressão correta é "in mediaS res", atendendo ao facto de o adjectivo "medius, -a, -um" qualificar o nome feminino plural "res" e com este concordar na forma acusativa do feminino plural.
Assim, se só recentemente encontrou esta forma grafada nos manuais, temo dever dizer que anteriormente havia por certo erro. Ainda assim, a consulta de uma obra de referência como, por exemplo, o Dicionário de Narratologia, de Carlos Reis e Ana Cristina Lopes (Almedina, 1994, pág. 199), afastaria qualquer um dessa falha, isto para não ter de ir ao encontro da Epistola ad Pisones, de Horácio, onde se apresenta essa técnica da narrativa épica, baseada no modo de narrar já "a meio das coisas", ou melhor, dos acontecimentos narrativos.
Assim, se só recentemente encontrou esta forma grafada nos manuais, temo dever dizer que anteriormente havia por certo erro. Ainda assim, a consulta de uma obra de referência como, por exemplo, o Dicionário de Narratologia, de Carlos Reis e Ana Cristina Lopes (Almedina, 1994, pág. 199), afastaria qualquer um dessa falha, isto para não ter de ir ao encontro da Epistola ad Pisones, de Horácio, onde se apresenta essa técnica da narrativa épica, baseada no modo de narrar já "a meio das coisas", ou melhor, dos acontecimentos narrativos.
Os Lusíadas, no que respeita ao seu plano narrativo da viagem (com traçado a azul, na imagem infra), inicia precisamente com os marinheiros portugueses em pleno Índico ("Já no largo Oceano navegavam / as inquietas ondas apartando" - canto I, estância 19):
A viagem de Os Lusíadas (Descoberta do caminho marítimo para a Índia)
entre o plano da História de Portugal narrado por Vasco da Gama (final do canto IV e o canto V)
e o da Viagem, narrada pelo Poeta-narrador (cantos I-II e VI-X)
Tudo o que diga respeito ao ponto ou tempo narrativo anterior dessa passagem no "largo Oceano" (da partida de Belém até à navegação no Índico) vem a ser contado no plano da História de Portugal (com traçado a verde), quando precisamente Vasco da Gama assume o estatuto de narrador junto do rei de Melinde - no processo de encaixe narrativo da História de Portugal, da mais recuada (cantos III e IV) à mais próxima (final do canto IV e canto V) da existência narrativa do capitão dos navegadores.
"In medias res" é, assim, o contrário de "Ab ovo" (expressão latina para se referir a uma narrativa que inicia desde o ponto inicial, o nascimento, por exemplo, da personagem principal ou dos acontecimentos que são objeto de relato).
"In medias res" é, assim, o contrário de "Ab ovo" (expressão latina para se referir a uma narrativa que inicia desde o ponto inicial, o nascimento, por exemplo, da personagem principal ou dos acontecimentos que são objeto de relato).
Muito obrigada pela explicação. Muitas vezes cometemos erros, mas nunca é tarde para os corrigir; obrigada pela ajuda.
ResponderEliminarAdelaide
Concordo plenamente.
EliminarFico feliz por este espaço ajudar a cumprir o desiderato para o qual foi construído.
Ao dispor.
Cumprimentos.