quarta-feira, 23 de abril de 2014

40 anos do 25 de Abril na ESG

      Depois de ontem ter sido oficialmente inaugurada...

     Chegou a vez de levar os alunos à exposição dos 40 anos do 25 de Abril (que propositadamente escrevo com a maiúscula do relevo a dar a um tempo histórico que devia ser inspirador para a atualidade que se vive). A atividade, da responsabilidade do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária com EB3 de Gondomar, conta com um programa que abrange colóquios, debates, participação em eventos dinamizados com a edilidade gondomarense, sarau cultural, entre outras iniciativas.
     De particular interesse em toda a exposição, os vários pormenores marcantes de uma época (moda, utensílios domésticos, louça, brinquedos, música, revistas, moedas e notas) e, em especial, a reprodução de uma sala de aula, mais uma mostra de fotografias do pessoal docente e não docente da ESG.
      Destas duas últimas, impõe-se a referência a todos os sinais de uma sala de aula que os alunos viram, na qual sentaram e contactaram com manuais únicos da então chamada escola primária; com as famigeradas provas de passagem, em folhas de papel almaço pautado; com os retratos de Marcello Caetano e Américo Tomás, mais a cruz de Cristo, na parede por cima do quadro negro; com as palmatórias, para lembrar castigos físicos. Talvez tenham achado demasiado estranho, mas todos tiveram que passar pela minha frente, junto à secretária docente, e dizer-me individualmente 'bom dia', depois de apanharem umas "reguadas", só porque tinham pensado que podiam sentar-se onde e com quem queriam; começaram a aula comigo, de pé (a ideia era cantar o hino, mas alguns estarreceram...), à espera da minha autorização para sentarem. Só faltou a cana para que pudesse apontar para o quadro ou atingir a cabeça ou a orelha de alguém mal comportado.

Depois das reguadas, todos sentadinhos e alinhados nas carteiras da escola primária

      Foram poucos os minutos de aula, para saberem que o conformismo era a regra de ouro, para os valores que sublinhavam a importância de Deus, Família e Pátria; que a educação assentava nestes valores, também presentes em conteúdos e áreas de conhecimento praticamente ensinados à mesma hora por todo o país; que a homogeneidade era princípio respeitado nas próprias turmas e escolas (só femininas ou só masculinas); que os erros, os esquecimentos e as distrações eram fatores de castigo severo; que as formas de castigo eram tão visíveis quanto as "orelhas de burro" e a observação das paredes ou recantos das salas, além de frequentemente sentidos quanto as mãos ficarem a ferver pelas "reguadas" aplicadas; que o controlo era tão assumido quanto o desejo de casar de uma professora primária depender da autorização do próprio Ministério; que o respeito era um fim em si mesmo, nos silêncios forçados e no não direito a qualquer reclamação face à figura de poder.
       Com alguma incredulidade nos olhos e nos comentários feitos, prosseguiu-se com a viagem no tempo.
   Top de preferências para jovens e mais crescidos foi sempre o conjunto de fotos, com a imagem de professores, pessoal administrativo e auxiliares de ação educativa, todos com menos quarenta anos. Ver alguns dos docentes ainda nos bancos de escola, procurar descobrir no passado traços de um presente que o tempo tem vindo a moldar de forma por vezes tão distinta; encontrar o habitual preto e branco (já amarelado e com sombras) das imagens, mais os recorrentes cavalinhos das festas e feiras, as roupas de cerimónia ou das festas de comunhão, os registos de rosto ou de corpo inteiro em poses tão estáticas e marcadas quanto os fotógrafos assim o ditavam são marcas já distantes para o ato festivo, quase singular do que era, nessa época, tirar uma foto. Hoje, no tempo das 'selfies' e do 'photoshop', parece que se está perante achados do século passado (e sem dúvida que o são), apesar de nem meio século distar do tempo retratado.

        ... o reconhecimento impõe-se, por toda a dedicação prestada e todo o trabalho concretizado. O espaço do palco e do antigo pavilhão gímnico foram animados, abertos ao público e a uma iniciativa que tem tudo para marcar a vida da escola ao longo dos próximos dias. A palavra de apreço pelo que foi feito e a quem tanto se empenhou na dinamização do evento é o mínimo que este registo pode e deve traduzir.

2 comentários:

  1. E assim o 25 de Abril não deverá "cheirar a bafio", porque os professores sabem também alimentar muitas esperanças que, sem eles, não existiriam.
    Oxalá os alunos vão construindo, com estes e outros contributos, um Portugal com "vistas menos curtas".
    Também gostei muito da exposição - que reitera a pertinência útil do trabalho coletivo.

    Um abraço
    Dolores

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  2. É verdade, sim. Trabalho coletivo, motivado, para nos fazer também esquecer tanto papel que temos de preencher, tanta justificação que temos de dar, tanta estatística deplorável que temos de comentar e sem sentido nenhum. Pelo menos, com iniciativas destas dá-se sentido não só ao passado vivido como ao presente que se quer futuro no que aquele teve de bom; do que teve de mau, fique a memória do que não se quer regressado. É-se mais professor com uma experiência destas.
    Obrigado.
    Beijinho.

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