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quarta-feira, 25 de junho de 2025

Nem com Shakespeare isto lá vai...

  O fundo escuro com o texto a branco fez-me lembrar a comédia Twelfth Night.


   Já que do dramaturgo quinhentista / seiscentista inglês se trata, evoque-se a máxima "There is no darkness but ignorance" (Ato IV, cena II), proferida pelo bobo Feste, reforçando a metáfora da ignorância como escuridão.
     Tudo a propósito de uma série documental que tem vindo a passar na RTP2, sobre a vida e obra de William Shakespeare, na perspetiva de muitos estudiosos, investigadores, atores, especialistas na obra produzida e encenada.
       Logo a abrir o programa televisivo, lê-se:

Genialidade só no autor / escritor. Quanto ao resto,... (Foto VO)

     No melhor pano, a nódoa. Gosto do programa, do tema, do autor, da obra, mas no que toca a ascender, fiquemo-nos pela ASCENSÃO (e não o que aparece grafado). Na escuridão da imagem, a ignorância ortográfica.
       Algum conhecimento etimológico faria luz ortográfica: "ascensus" do latim está para ascenso, tal como "ascensio, onis" está para ascensão. Na família de palavras, a aproximação (orto)gráfica é evidente.

     A verdade é que Shakespeare é um dos maiores da literatura. Ascendeu por certo. Evidentíssima ascensão.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Patrono à mesa

     Um jantar natalício com a presença de Laranjeira.

    As mesas estavam primorosamente decoradas, à espera dos convivas. Há cinquenta anos estava um edifício em construção, ainda com a designação de "Liceu Nacional de Espinho"; hoje, num edifício requalificado entre 2008-2011, há um patrono a marcar presença na Escola Básica e Secundária Dr. Manuel Laranjeira:

Laranjeira no Natal de 2024 do AEML (composição fotográfica VO)

     Rumo aos 50 anos de um tempo e de um espaço a celebrar (mais as pessoas que os viveram), o aroma do fruto (laranja) vem compor o paladar de um licor que tem na árvore (laranjeira) origem, estendendo-se, por jogo evocativo, ao patrono (Laranjeira). Da natureza ao nome próprio, há como que uma transmutação alquímica, sugerindo a criação do elixir da vida ou da imortalidade. Laranjeira, por lembrança e evocação, ganha vida eterna ou prolongada.
     Se, na língua portuguesa, "alquimia" vem do latim alkimia, por sua vez proveniente do árabe al-kimiya (significando "a química"), não será de esquecer que, no grego antigo, khemeía significava "fusão de líquidos".

     Nada como ver no licor de laranja o adocicado sabor que Laranjeira, na vida, não deixou de acidular. 

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Estamos nisto! Ortografia do melhor...

      Quando estás preparado para ser informado sobre o que se passa no mundo, ...

       ... as notícias aparecem na sua pior escrita.
    Dúvidas houvesse acerca da influência da oralidade na escrita, os erros comuns na ortografia de palavras como 'feminino', 'ministro', 'príncipe' e afins demonstram-na. Daí que, no plano da correção escrita, seja de abordar estes casos críticos, para que resultem em domínio mais consciente e correto do ato de escrever.
    A televisão começa a dar sinais de como esta competência parece já não ser apanágio do bom exemplo do serviço público e da exposição ao bom uso da língua:

Eis a razão para, sem dúvida(s), preferir o favorecimento, bem escrito (com agradecimento à AC) 

    Claro que não é necessário dominar a etimologia e reconhecer a base latina "PRIvilegium" (embora ajudasse): a leitura de vocabulário frequente permite ver bem as sílabas de "PRIvilégio" (desde logo a primeira de todas); a família de palavras assinala recorrências evidentes em "PRIvilegiar", "PRIvilegiado", "PRIvilegiadamente", "desPRIvilegiado" (pela consciência repetitiva da base); a consulta de um dicionário, hoje, está à mão de qualquer telemóvel ou computador pessoal (com palavras bem grafadas).
      Tão bom seria ver / ler palavras, em primeiro plano, para uma comunicação feliz!

     Talvez por causa do mau exemplo, prefira o favorecimento ao outro termo que, em vez de 'pre', deveria ter 'pri' na sílaba inicial.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

A propósito de 'lerdismo'

      Assim alguém falava de (outro) alguém ou algo que não atava nem desatava.

      Foi então o momento de se questionar a origem da palavra. 
    Diga-se que não a encontro dicionarizada, mas faz parte daquela criatividade e potencialidade da língua, morfologicamente motivada até!
   O sufixo 'ismo' permite formar nomes abstratos tradutores do sentido de 'teoria', 'doutrina', 'movimento (artístico, estético, filosófico, político, entre outros)', 'tendência'. E porque não se trata propriamente de algo singular, é de considerar que há vários implicados na questão ou situação, mesmo quando de individualismo se trata (são muitos os que defendem este último e cada vez mais, a julgar pelo que se vai vendo a cada dia). A par da 'lerdeza' e da 'lerdice' (também nomes) ou do 'lerdíssimo' (grau superlativo absoluto sintético do adjetivo), tomaria o 'lerdismo' como mais um derivado sufixal nominal (revelador de uma tendência ou movimento caracterizador dos que são 'lerdos').
     Daí que, para se entender o potencial 'lerdismo' se recorra à base 'lerdo': caraterística depreciativa daquele que é pouco ativo, preguiçoso, que se movimenta lentamente, de modo pouco diligente. No que à inteligência e ao rasgo intelectual dizem respeito, não se distingue muito de quem se assume como parvo, estúpido, tonto, tolo; ou seja, nada esperto.
Entre a preguiça e o caracol, alguém que diga de sua justiça!
      Para quem recorre ou cria a palavra, parece que há alguns assim, ao ver que as coisas sucedem de forma vagarosa, pesada, lenta, numa espécie de inação declarada.
   Entre a hipótese dúbia de que 'lerdo' vem do castelhano trecentista, sinónimo de 'bobo'; do itálico 'lordo', a significar sujo ou porco; do francês quinhentista 'lourd', para referir o que é pesado e estúpido, não andará longe a fonte etimológica latina que, em 'lordus', apontava para movimentos lentos, numa variante de 'lurdus', isto é, aquele que tropeça, que vacila ao andar”, ou de 'luridus', cujo significado inicial era “sujo”.

      Em síntese, fiquemos pelo termo criado para denotar algo que não é desejável, mas que alguns partilham nessa condição do que ou de quem nada faz avançar, mudar, transformar, resolver o que se impõe. Contrariemos a tendência, pois!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Grande Mês!

    Depois de um janeiro que nunca mais acaba(va), começa o mês mais pequeno de todos, mas muito proverbial.

    É o costume: quando se é a menos nalguma coisa, apuram-se outras qualidades.
    Fevereiro é pequeno no número dos dias, mas grande nos provérbios (e nos saberes que se lhe associam):

Se o inverno não faz o seu dever em janeiro, fá-lo em fevereiro.

Quer no começo, quer no fundo, em fevereiro vem o entrudo.

Quando não chove em fevereiro, nem bom prado nem bom centeio.

Os dias bons de janeiro enganam o homem em fevereiro.

O sol de fevereiro matou a mãe ao solheiro.

Neve em fevereiro é mau para o celeiro.

Luar de janeiro faz sair a galinha do poleiro; lá vem fevereiro que leva a galinha e o carneiro.

Lá vem fevereiro, que leva a ovelha e o carneiro.

Janeiro geoso, fevereiro nevado, março frio e ventoso, abril chuvoso e maio pardo fazem o ano abundoso.

Fevereiro quente traz o diabo no ventre.

Fevereiro coxo, em seus dias vinte e oito.

Fevereiro afoga mãe no ribeiro.

Chuva de fevereiro vale por estrume.

Bons dias em janeiro enganam o homem em fevereiro.

Até ao Natal salto de pardal, de Natal a janeiro salto de carneiro e de janeiro a fevereiro salto de outeiro.

Água de fevereiro mata onzeneiro.

      Depois disto, registe-se também que 'fevereiro' vem do latim (februarìu-), «o mês das purificações», de februáre, «purificar; fazer purificação religiosa»). Há quem defenda que era tempo dedicado a "Februus", a quem os romanos dedicavam sacrifícios para compensar / evitar a escassez do ano.
     Ao estudar o calendário egípcio, no qual constavam 365 dias, Júlio César trocou o calendário lunar pelo solar. Janeiro e fevereiro foram colocados no início da contagem e o imperador distribuiu os dez dias de diferença face ao calendário anterior por vários meses. Claro que julho (o mês de 'julius') não podia ser menor do que outros; mas o de César Augusto também não (agosto). Na alternância dos trinta e dos trinta e um dias nos diferentes meses, dois sucessivos ficaram com trinta e um (os imperiais); o mais pequeno ficou fevereiro, que, de quatro em quatro anos, tem vinte e nove dias, por o ano solar ser um pouco maior do que 365 dias.
      As mudanças de calendário, entre os cálculos precisos dos astrónomos (considerados entre dois equinócios solares) e as decisões dos imperadores romanos ou as dos papas, marcaram fevereiro sempre como o segundo mês (introduzido com o inicial janeiro) num arranjo temporal que nunca se revelou equilibrado nas alternâncias ou no número de dias contados. 

    Purificado ou não, este é mês diferente: "dos gatos" como popularmente se diz; pequeno quanto baste para cedo se chegar à primavera, apesar do inverno que faça sentir.

sábado, 31 de dezembro de 2022

Um ano perfeito?

       Vamos lá somar os algarismos!

       2023 dá sete! Aí está: 2+0+2+3. Se for 20+23 resulta em 43. Antigamente dizia-se "Noves fora sete".
       Já aqui se tratou da magia do sete. Preferia abordar o ano mágico que está para vir.
       Fica a expectativa. No final, confirma-se ou infirma-se. Faça-se, contudo, para que assim seja: ano de esperança, de perfeição, de magia.
    Segundo as cartas do arcano maior, no Tarot, o sete configura-se com dois cavalos ou dois corpos dianteiros a arrastarem uma espécie de carruagem, montada sobre duas rodas, coberta por um dossel. É como se estivessem fundidos num carro, mas cada um andando para o seu lado (lembrando que, entre o bem e o mal, há o livre arbítrio, a escolha). Vê-se, ainda, um homem coroado, com um cetro na mão direita e a esquerda junto a um cinto dourado, sugerindo um rei ou líder na condução do caminho, do percurso a fazer. Na parte da frente do carro, há um escudo com duas letras, a variar conforme as edições das cartas.
    Designada por "O carro" ou "A carruagem", a carta sete simboliza a contemplação ativa, o repouso, a vitória, o triunfo, a superioridade e a razão. É ainda interpretada como o êxito legítimo, o avanço merecido, talento, dons e capacidade, tato para governar, diplomacia e direção competente, confiança e caminho.
     Há quem se refira às maravilhas do mundo (antigo ou contemporâneo, tanto faz). Independentemente de quais sejam ou de que tempo, são sete - o número entendido como completo e perfeito; o que se define pela totalidade, pela consciência, pelo sagrado e pela espiritualidade. Fechado o ciclo, traz consigo o cenário da renovação. Ao fechar de um ano, abra-se outro, a descobrir, renovado.
      O uso do número sete na Bíblia, por exemplo, aponta para a ideia de plenitude ou a perfeição de algo ou alguém, como se lê: na criação do mundo e o dia de descanso, no Génesis; na persistência do perdão no sete e seus múltiplos, quando, no Novo Testamento (Mateus 18:22), Jesus menciona a Pedro a capacidade de perdoar "até setenta vezes sete”; na plenitude espiritual, representada no livro do Apocalipse (que, representativo do curso de um ciclo, se abre a novas descobertas, tal como o termo o sugere no grego antigo).

       Venha o 2023, mais a magia positiva do sete! Boas saídas, ótimas entradas e o melhor do ano para todos!

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Acerca do outono

    Perguntavam há dias de onde vinha o outono.

    Não se trata do 'onde' locativo, mas da origem etimológica. O latino 'autumnus, -i' dita a formação do adjetivo 'autunal', também proveniente do 'autumnalis, -e', como tudo o que é relativo ao outono.
    E então: é autunal, outonal ou outoniço? 
    Valem os três. O primeiro mais próximo do étimo latino; o segundo com algumas evoluções fonéticas assimilativas em pontos articulatórios vocálicos [+altos]; o terceiro decorrente de um processo morfológico cuja base derivante nominal ('outono') é acrescida de um sufixo que, no português, tem a produtividade significativa de referir aquilo 'que nasce em' (outoniço < nasce no outono); aquilo que indica facilidade ou tendência para (fronteiriço < próximo ou tendente para a fronteira; esquecidiço < tendência para ser esquecido; inverniço < tendência para inverno; reboliço < facilidade para rebolar; gadiço < facilidade para ser domado como gado).

Colorido outoniço com o "intenso colorista"

  Em termos de significado, o outono é polivalente: refere-se à estação do ano, à transição / transitoriedade / mudança / viagem dos ciclos, à época das colheitas, ao tempo da gratidão, ao equilíbrio e descanso terrenos, à reflexão e introspeção, à despedida, à aproximação da velhice, à decadência.

    Viva-se o outono, cumpra-se o ciclo e enriqueça-se o tempo com a variedade dourada das cores outoniças.

domingo, 19 de junho de 2022

Fatiga, fadiga... que cansaço!

       Tempos de canseira.

      Perguntavam-me há dias se o nome associado a quem anda fatigado é fadiga ou fatiga. Respondo que são os dois (e para quem anda cansado é questão que já pouco interessa). Digam ou escrevam como quiserem.
        Claro que o mais habitual é falar ou ler sobre "FADIGA" (mesmo que o adjetivo esteja mais para 't' do que para 'd' - fatigado). Dizer-se 'fadigado' não é impossível, até pela derivação que decorre de 'fadiga' (nome) e 'fadigar' (verbo), isto é, causar ou sentir fadiga ou cansaço; logo, o 'fadigado' torna-se mais do que compreensível.
          Fatigado está mais para o sentido etimológico, que atesta o verbo latino 'fatigare' e o nome 'fatigo'.
     Entre 't' ou 'd' direi que o primeiro está mais para a origem; 'd' para a variação evolutiva, nomeadamente a sonorização que se evidencia na posição intervocálica de [t], com o som surdo lábiodental inicial a ganhar o traço sonoro por influência vocálica. Foi já o que analogamente sucedeu com totu(m) > todopotes > podes, na passagem do latim para o português, só para mencionar exemplos nos quais, também e pelo mesmo motivo, [t] evoluiu para [d]. 
         E, assim, 'fatiga' chega a 'fadiga'. Fica a primeira pela via erudita; vem a segunda por via popular. Reconhecida esta última, se ficarmos por aquela também não está mal. Explica-se, portanto, a possibilidade do apontamento lido nos destaques noticiosos da Microsoft Edge:

Colhido do Microsoft Edge, em "Notícias ao Minuto"

         Com ou sem Boris Johnson, é um dado que a guerra Rússia-Ucrânia já cansa. Bastariam Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky para nos atormentar a mente com o conflito que a todos aflige. Vem também o primeiro ministro britânico contribuir, com a citação feita, para o desalento, afadigando o espírito com sinais dos perigos que não dão esperança.

      Fadiga ou fatiga, o tempo é declaradamente, e por vários motivos, de cansaços (lembrando Campos e "Sobretudo cansaço").

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Um pé de orquídea

      Um presente em tempo (ainda) de aniversário(s).

      Recebi um pé de orquídea pelo dia que ontem foi.
    Etimologicamente, a designação vem do grego όρχις (órkhis) e ειδος (eidos), significando com a forma ou aspeto de testículo - numa clara referência ao formato dos dois pequenos tubérculos que as variadíssimas espécies do género evidenciam.
    Utilizadas, desde passados remotos, em poções curativas, afrodisíacos e efeitos ornamentais, na China antiga, as orquídeas eram associadas às festas da primavera. Não está longe, mas ainda é porvir (ou não estivesse por vir). Hoje, ainda no curso do inverno, quando muito pode falar-se de "primaveras" (apesar de o número já não ser marca da juventude própria ao conceito).
       Há, por agora, uma nota de beleza à porta do salão:

Um pé de orquídea à porta de mais um ano recém entrado (Foto VO)

      Enquanto símbolo da perfeição e da pureza espirituais, é esta flor, por certo, a manifestação de uma amizade que o tempo tem vindo a construir e que fará perdurar.

     Com o agradecimento à F. e ao C., por mo terem gentilmente ofertado neste tempo tão aquariano, de polaridade masculina e à espera de novo espírito. Bem hajam.

domingo, 2 de janeiro de 2022

Previsão falhada

    Esperemos que não se concretizem os números apontados, até porque a previsão já falhou.

    Para não variar, o final e a abertura do ano dão lugar a balanços e/ou previsões a alimentarem o espetáculo televisivo. Na "ciência" dos dados, há erros que são mais do que evidentes, a julgar pelos rodapés noticiosos:

Previsões que falham - é preciso ter falta de visão na correção da língua.

    A brincar, costumo dizer que para 'ver' há dois olhinhos (apesar de alguns, não os tendo, verem mais do que quem os tem), pelo que dois 'e' fazem a diferença. O contraste 'vêm' (do verbo vir) / 'veem' (ver) é bem distintivo. Etimologicamente, os dois 'e' são a prova de uma síncope que os juntou, até que se processou a contração-crase (vedere > veer > ver).
     'Vem / vê' (terceira pessoa do singular) e 'vêm / veem' (terceira pessoa do plural) são formas verbais, respetivamente, de vir / ver - casos críticos na ortografia, mas que qualquer comunicador deverá reconhecer e usar com correção.

    Com falhas destas, não há peritos que possam resistir. Assim, o que preveem deixa de ter impacto (pela deslocação da atenção de quem lê para o erro). Há quem precise de ficar confinado a ler regras ortográficas.

sábado, 11 de dezembro de 2021

Já chega! Lá se vai a resiLIência!

         Nada mais parece ter acontecido no país, neste dia.

        A sistemática e repetitiva notícia de o antigo presidente do banco BPP ter sido detido na África do Sul já satura. E diz-se onde estava, de onde veio, por onde passou, como foi surpreendido, se vai ou não ser extraditado, o que vai ou não vai acontecer e até o que pode (ou não) ser a evolução próxima da situação. 
        Entre o que acontecido e o hipotético, tudo se diz, se comenta, se critica e se escreve... mal:

As legendas da desgraça, com a CNN (ou de como a RESILIÊNCIA está fraca)

      Já chega de tanto falar no mesmo assunto, que ainda vai garantidamente render (ou não fosse o detido 'Rendeiro') para os próximos tempos. Já agora, chega também de não ter cuidado naquilo que se dá a ler.
      Seja a origem inglesa (resilience) seja latina (resilio), está lá o 'i' (após o 'l') que falta à CNN - fundamentos etimológicos que nenhuma 'breaking news' poderá esquecer (basta ouvir com atenção o senhor Diretor Nacional da Polícia Judiciária). Que se cite bem o que foi bem dito, e resultou mal escrito.

      Isto da RESILIÊNCIA tem muito que se lhe diga. É preciso ser mesmo resiliente, para aguentar tanto mau uso e desatenção na língua (mesmo em jovens canais televisivos). Esperemos que seja uma mera gralha.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Não é "d'oiro", mas é "doirado"

     Tudo em busca da base da palavra (embora eu preferisse o "oiro").

     Siga-se o raciocínio de onde uma palavra vem, e lá chegaremos ao resultado final.

      Q: Olá, Vítor. Qual é o processo de formação da palavra "doirado"?

O doirado da paisagem, com o doirador responsável ao centro.

    R: Olá. A palavra "doirado" é o particípio passado do verbo "doirar", sendo esta última a palavra base. Embora se trate mais de um caso de flexão do que propriamente de formação, a passagem "doira(r) > 'doirado" ilustra a consideração de afixos gramaticais no final da palavra (sufixos), de modo a construir, a partir da forma do infinitivo, a que surgirá como forma verbal de particípio passado e/ou adjetivo.
     Pelo raciocínio exposto no primeiro parágrafo, fica identi-ficada a base (verbal), a partir da qual se processa a sufixação. Trata-se de sufixos de natureza estritamente gramatical (para as categorias da forma parti-cipial verbal e do contraste de género).
      Não se veja, portanto, o oiro como a origem de tudo na nossa língua, mas o que permite "doirar" e, por sua vez, esta palavra ver o doirado, nomeadamente o que a talha da natureza por momentos ganha (sem ouro; com sol).

     Ou seja, "nem tudo o que doira vem de oiro", pelo menos em termos da natureza. "Doirar" entrou historicamente na língua portuguesa pela forma latina "deauro, -are", estando já aqui assumida a palavra base (doirar), a qual virá a dar lugar a 'doirado'.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Não perceber patavina!

      Assim o dita a expressão, quando ninguém percebe nada de nada.

     Seja por se tratar da posição mais fácil (dizer que nada se percebe) seja porque a inteligência nem sempre o permite imediatamente (daí não saber 'patavina'), o desconhecimento é zona de entendimento comum na expressão em causa. Também há quem não ligue 'patavina', tanto por não querer saber (nem ter raiva de quem saiba) como por não dar qualquer importância ao que seja.
    Da 'patavina' relacionada com o 'nada', alguns etimólogos defendem tratar-se de termo ligado à cidade romana de Patavium (atualmente conhecida por Pádua). O nosso Santo António (que também dizem ser do mesmo local) terá certamente escapado a esta acusação, mas dizem que os habitantes da zona eram maus falantes do latim. Entre muitos erros e deturpações, a par de algumas marcas de regionalismo, eram eles acusados de 'patavinitas'.
     Tito Lívio (59 a. C - 16 d. C), orador e historiador latino também natural de Pádua, escreveu uma obra que se caracteriza por estar incompleta - História Romana - e que alguns críticos da época acusavam de estar repleta das tais 'patavinitas', dificultando a compreensão generalizada dos textos. Ou seja, nada se percebia da história contada.
    Pelo século XIII, dizia-se também que Pádua era reconhecida por ter uma das mais importantes universidades europeias, particularmente no ensino do Direito, só ombreada pela de Bolonha. Na época medieval, desconhecer a ciência jurídica originária de Pádua – ou seja, "não saber (a escola) patavina" - era o mesmo que não saber nada em tal matéria. Isto é, neste caso, 'patavina(o)', por um lado, não deixava de ser sinónima(o) de tudo; por outro,  nome ou adjetivo relativo aos habitantes de Patavium. Ou seja, juntou-se o 'tudo' ao gentílico, mencionando-se aqueles que eram referência na escola ou no saber jurídicos.
     Nas Bocas do Mundo (2010), editada pela Planeta, é obra de Sérgio Luís de Carvalho que propõe, ainda, que alguns frades de Pádua — os designados 'patavinos' — visitavam Portugal frequentemente, no período medievo. Quando falavam na rua, o povo naturalmente não os percebia - logo, e numa extensão do significado da palavra gentílica, não percebia "patavina". Um raciocínio semelhante associa-se a uma história localizada em tempos mais próximos: por alturas dos séculos XVIII-XIX. Aquando da reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, conta-se que o marquês de Pombal convidou Domenico (ou Domingos) Vandelli para vir ensinar Química e História Natural, para Portugal. Natural de Pádua e falando o dialeto da sua cidade (o 'patavi'), o naturalista italiano não se fazia entender junto dos alunos, pelo que estes afirmavam que 'não sabiam patavina' (talvez porque também não ligassem). E, assim, o Diretor do Real Jardim Botânico e lente universitário acaba por, no muito que foi nos tempos de D. Maria I, reduzir-se a (quase) nada.

Imagem do livro setecentista de Domingos Vandelli, oferecido a D. Maria I

      O sentido de nada ou coisa alguma predomina, conforme se faz saber a bom entendedor. De resto, ficam várias histórias. Versões distintas da narrativa contada podem estar na base da expressão em causa; não há verdades absolutas na construção de idiomatismos ou expressões culturalmente marcadas, como são as expressões idiomáticas (a bem de quem não queira ser muito 'patavina').

       Na zona do Minho e das Beiras, há quem entenda o termo como sinónimo de pessoa apalermada, pateta ou idiota. Entre o nada e o insulto, venha o Diabo e escolha!

sábado, 23 de janeiro de 2021

Evolução no significado das palavras

       Algumas perderem completamente o significado original ou etimológico...

       Rezam alguns manuais e estudos de língua que algumas palavras, desde a sua origem etimológica até à atualidade, evoluíram em termos de significado por múltiplas razões, ora numa evolução por restrição de sentido ora numa alteração por extensão semântica.
         Apresenta-se, na tabela seguinte, a exemplificação de alguns desses imensos casos:

Exemplificações para a evolução semântica de algumas palavras do Português (VO)

      Agora que estamos em época de eleições presidenciais, eis um outro termo que bem pode figurar na lista proposta: "candidato".

Excerto do programa televisivo "Cuidado com a Língua" (RTP-1)

          É questão de perguntar qual dos sete candidatos pode ser descrito etimologicamente, na base da caracterização proposta.

          ... (isto para não dizer que algumas vão mesmo no sentido oposto).

sábado, 16 de janeiro de 2021

O poder da polissemia e da argumentação

       Nunca a polissemia foi tão argumentativa na mensagem institucional.

       Em tempos com números tão assustadores (nos infetados e nas mortes), há palavras que marcam a sua polissemia, na conjugação com a força impactante da imagem:

A disjunção (ou) não pode ser escolha - tem de ser apelo à vida.

     Proveniente do latim (patiens, -entis), o termo 'paciente' admite realização tanto nominal como adjetival. Seja para significar o que se conforma ou resigna, o que tem paciência, o que tranquila e serenamente aguarda, o que persiste, seja para designar o que padece ou se submete a tratamento médico, bom seria que não significasse aquele que vai sofrer a (pena de) morte.
       Há na publicação institucional uma disjunção ('ou') que não pode dar lugar a escolha ou hipótese. Argumentativamente só pode resultar no convencimento, na persuasão, no apelo à vida.

      Por ora,  a realidade é dura. Fica a esperança de que os tempos venham a ser outros, mais tranquilos, mais serenos, sem a doença nem a morte. A impaciência e o receio andam por aí, mas o valor da vida tem de prevalecer. Fique(m) em casa.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Ainda a polissemia de 'quadros'

     Entre as mais de quinze aceções dicionarizadas, 'quadro' tem sentido polissémico.

     É com esse jogo lexical que se constrói o cartoon seguinte:

Cartoon - Condições de empregabilidade pouco sustentadas

     Há o quadro do grupo de trabalhadores de uma empresa; há o da pintura, imagem que se exibe no museu. Ambos decorrem de uma só entrada no dicionário; de uma só origem etimológica.

     Não se augura grande futuro no quadro empresarial, a julgar pela Teresinha de "pernas para o ar".

terça-feira, 31 de março de 2020

E vão passando os dias

       As línguas têm destas coisas associadas aos dias.

      Com a nova rotina dos dias, ao final de mais de uma quinzena, prossegue o tempo da quarenta.
      Na língua inglesa, há já quem conte os dias naquilo que têm de mais indiferenciado:

A indiferenciação dos dias - só com 'day' (by day)

      É todos os dias o mesmo!
    Já na língua portuguesa, excetuam-se o sábado e o domingo. De resto, fica tudo "feira" (sem segunda, nem terça, quarta, quinta ou sexta). Talvez por isso algumas pessoas teimem no passeio e nos encontros, sem distanciamentos.

      Fica a "feira" e perdem-se as horas da oração. Os nossos dias da semana parecem mais divertidos, mesmo em tempos de contenção.

sábado, 14 de março de 2020

Já vi ou li isto algures…

      E agora que alguma da nossa vida fica como suspensa, revisita-se uma leitura.

     Chega aquele momento em que te lembras de ter lido uma passagem de um livro de ficção tão cheio de realidade! Na altura, era tudo tão carregado de referências históricas, culturais e científicas que chegava a duvidar se haveria presente ou futuro para reconfirmar o que acabava de ler:
Capa do romance Inferno
de Dan Bown (2013)
     "Langdon tentou afastar da sua mente as imagens da peste, mas não conseguiu. Sempre quisera saber como fora aquela cidade [Veneza] incrível no seu auge... antes de a peste a ter enfraquecida o suficiente para poder ser conquistada pelos otomanos e depois por Napoleão... quando Veneza reinara gloriosamente como o centro comercial da Europa. Dizia-se que não havia cidade mais bonita no mundo, que a riqueza e a cultura da sua população não tinham precedentes.
      Ironicamente foi o gosto da população por luxos estrangeiros que levou à sua queda - a peste mortal viajara da China para Veneza nas ratazanas transportadas nos navios comerciais. A mesma peste que dizimou uns abismais dois terços da população da China chegou à Europa e rapidamente matou um em cada três - jovens e velhos, ricos e pobres.
       Langdon lera descrições da vida em Veneza durante os surtos da peste. Com pouca ou nenhuma terra seca onde enterrar os mortos, os cadáveres inchados flutuavam nos canais, com algumas áreas tão densamente cheias de corpos que os trabalhadores tinham de os empurrar para o mar. Não havia orações que conseguissem diminuir a ira da peste. Quando as autoridades municipais perceberam que eram as ratazanas que estavam a causar a doença, já era demasiado tarde, mas Veneza ainda decretou que todos os navios recém-chegados tinham de ancorar no mar durante quarenta dias antes de serem autorizados a descarregar. Até hoje o número quarenta - quaranta em italiano - serve como lembrete sombrio das origens da palavra quarentena."
in Inferno, Bertrand Editora 2013, pág. 360

     O passado veste-se de presente e inquieta. O excerto é tão oportuno e coincidente com o que se vive hoje! É como se o Covid-19 fosse mais um exemplo da peste que veio dos finais da Idade Média, onde não faltam as máscaras - podiam ser as do Carnaval de Veneza, que, afinal, tudo tiveram a ver com a Peste Negra:
Máscara veneziana
      Langdon explicou rapidamente que, no seu mundo de símbolos, a única forma de máscara com um bico comprido era quase sinónimo de Peste Negra -  a peste mortífera que grassou na Europa no século XIV, matando um terço da população em algumas regiões. A maior parte das pessoas acreditava que a designação da peste como "negra" era uma referência ao enegrecimento da carne das vítimas por causa da gangrena e das hemorragias subepidérmicas, mas na verdade a palavra negra era uma referência ao profundo terror que a pandemia espalhou entre a população.
       - Essa máscara com um bico comprido - disse Langdon - era usada pelos médicos que tratavam a doença na época medieval, a fim de manter a pestilência longe das suas narinas enquanto cuidavam das pessoas infetadas. Hoje em dia, só são usadas durante o Carnaval de Veneza... uma lembrança sinistra de um período sombrio na história da Itália."
idem, pág. 63

     Não vou dizer que a obra Inferno, de Dan Brown, foi premonitória face ao tempo presente; mas que há coincidências demasiadas da contemporaneidade com a época histórica mencionada... isso é inegável.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Uma questão de eminência

    Seja forma de tratamento seja uma questão de altura, elevação ou superioridade, há que respeitar a base de palavra.

     Tudo a propósito de uma questão que alguém quis ver exclusivamente como resultante da formação de palavras:

     Q: Olá, Vítor. Li numa gramática que a palavra 'eminência' é derivada por sufixação. Não se trata de uma palavra base?

      R: Se me deres conta de palavras formadas a partir de 'eminência', assumirei que se trata de uma base para formar palavras derivadas ou compostas. Não se tratando disso, tenderei a assumi-la como palavra introduzida na língua portuguesa no decurso da evolução latina da forma 'eminentia' (a partir de um étimo), e que não é constituinte morfológico para novos termos.
       Assim sendo, numa perspetiva etimológica e recorrendo à história da língua, tomarei a origem do termo como vindo formado do latim, entrando diretamente na língua portuguesa por essa via e tendo sofrido processos de evolução fonética / fonológica no período do galaico-português. Não estão implicados, portanto, processos nem constituintes morfológicos. Trata-se, portanto, de um étimo ou termo etimológico. Qualquer formação, a ter existido, ocorreu no latim e não no Português.
    Na possibilidade de alguma coisa ter acontecido na nossa língua, terá sido o facto de a forma latina 'eminentia' ter sofrido mudanças ao longo do tempo por via popular e, no galaico-português, no quadro de um sistema consonântico medieval (mais complexo do que o atual) e na consequência de fenómenos como o da palatalização, ter convivido com realizações fonético-fonológicas novas relativamente ao latim vulgar (e que hoje podem ser equacionadas, por um lado, numa evolução marcada por simplificação sonora, mas, por outro, por maior complexidade na representação gráfica). O subsistema dos sons sibilantes e dos chiantes apontava, no período medieval, para realizações surdas que, correspondentemente, teriam também as sonoras, conforme se pode verificar na sistematização dada (focada nas sibilantes):

Subsistema das sibilantes (quatro sons distintos) no galaico-português

    Ora, a grafia 'ti' (seja de 'palatium' seja de 'eminentia') associar-se-ia a uma evolução que corresponderia a uma realização sonora do tipo [tsi], a qual viria a perder o elemento oclusivo inicial (daí a evolução oral de [tsja] para [sja]). 

      Mais uma exemplificação de como a plataforma da morfologia com a etimologia e a história da língua permite evitar generalizações de algumas gramáticas escolares.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Troca de palavras

       Bem que se justificava uma troca de palavras com o Sr. Palmeirim!

      Até aprecio o desempenho, o espírito cómico do homem nos programas televisivos que apresenta. Já no que toca aos reparos de seriedade que constrói, nem sempre a coisa cumpre o registo da correção. É demasiado brincalhão e a troca de palavras (não no sentido de conversação, mas de permuta, substituição) acontece de modo errado. 
     Hoje, no programa Joker (RTP1), a seriedade não condisse com a verdade dos factos linguísticos (pode mesmo dizer-se que, quanto a isto, não há novidade face aos apontamentos aqui produzidos sobre o concurso).
      Perante as hipóteses de escolha, a concorrente não é feliz (inclusivamente convocando para o jogo o Acordo Ortográfico, que nada tem a ver com a opção devida). Dizer que "Quezília" é a palavra mal grafada não tem sentido. A explicação do locutor, orientada para a opção correta, não é, porém, a melhor, ao associar 'obcecado' à palavra 'obsessão', chegando mesmo a proferir que «o substantivo obsessão leva o 's', mas quando passamos a 'obcecado' é verdade... [é com 'c']». Deus meu! Qual a relação?!
     Não é por colocar os olhinhos bem arregalados que o dito se torna facto (isto para não falar mesmo daquela classificação gramatical de 'substantivo', já um tanto desajustada em termos terminológicos).
    Obsessão (nome) corresponde ao adjetivo 'obsessivo' (não obcecado), senhor Palmeirim. Obcecado (adjetivo) está para o nome 'obcecação', não 'obsessão'. São famílias de palavras distintas e, nessa medida, justifica-se que a escrita com 's' se verifique em obsessão, obsessionar, obsessivo, obsessivamente; já o 'c' surge em obcecado, obcecador, obcecação, obcecadamente, obcecante, obcecantemente.
     Sem entrar pelo critério morfológico, este contraste de palavras obsessivo / obcecado justifica-se pela etimologia latina: o primeiro advém de 'obsessio, -onis'; o segundo de 'obcaecatus' (relacionado com 'cego', do latim 'caecus, -um'). História da língua, portanto.

       Pois é, senhor Palmeirim! Não tem que saber latim; porém, não aproxime o que, ortográfica e morfologicamente, não tem razão de ser.