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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Que dia! E diz-se 'oito'... de equilíbrio!

      Nem pelo clima nem pela História.

     A Karlota veio agravar o estado do tempo. Nem há vontade de sair de casa, com esta intempérie da chuva, do vento e do frio.
     Ainda que sujeito a confirmação, parece que a História aponta o dia como aquele em que Mary, Queen of Scots, foi executada, em 1587, sob suspeita de envolvimento na Conspiração de Babington (por pretender assassinar a prima, a rainha Isabel I). Diria mesmo que foi dia aziago para The Faerie Queen, já que, em 1601, Robert Devereux, Segundo Conde de Essex, se rebelou contra a mesma - ainda que de nada tenha adiantado, pois a revolta foi rapidamente esmagada.
       Houve também conflitos, guerras, atentados e até avalanches fatais no decorrer dos tempos, sempre ao mesmo dia.
       Estou aqui estou a citar Camões: "O dia em que nasci moura e pereça". 

Declamação do soneto camoniano "O dia em que eu nasci moura e pereça" (vídeo VO)

"Últimos momentos de Camões", 
de Columbano BordaloPinheiro (1857-1929)
O dia em que eu nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o céu se lhe escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas, pasmadas de ignorantes,
As lágrimas no rostro, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desaventurada que se viu!

      Pode ter sido mais topus literário e criativo do que sentido factual e autobiográfico (a julgar pelo intertexto claro do soneto com o episódio bíblico das lamentações de Jó, demonstrativo de que Camões leu a Bíblia Sagrada), mas verdade é que, por vezes, a conjugação de fatores não ajuda a celebrações.

    Venham melhores dias e melhores anos - sem tempestades, execuções, rebeliões nem forças adversas. Ainda dizem que o número 8 (oito) é símbolo universal do equilíbrio cósmico!

sábado, 31 de dezembro de 2022

Um ano perfeito?

       Vamos lá somar os algarismos!

       2023 dá sete! Aí está: 2+0+2+3. Se for 20+23 resulta em 43. Antigamente dizia-se "Noves fora sete".
       Já aqui se tratou da magia do sete. Preferia abordar o ano mágico que está para vir.
       Fica a expectativa. No final, confirma-se ou infirma-se. Faça-se, contudo, para que assim seja: ano de esperança, de perfeição, de magia.
    Segundo as cartas do arcano maior, no Tarot, o sete configura-se com dois cavalos ou dois corpos dianteiros a arrastarem uma espécie de carruagem, montada sobre duas rodas, coberta por um dossel. É como se estivessem fundidos num carro, mas cada um andando para o seu lado (lembrando que, entre o bem e o mal, há o livre arbítrio, a escolha). Vê-se, ainda, um homem coroado, com um cetro na mão direita e a esquerda junto a um cinto dourado, sugerindo um rei ou líder na condução do caminho, do percurso a fazer. Na parte da frente do carro, há um escudo com duas letras, a variar conforme as edições das cartas.
    Designada por "O carro" ou "A carruagem", a carta sete simboliza a contemplação ativa, o repouso, a vitória, o triunfo, a superioridade e a razão. É ainda interpretada como o êxito legítimo, o avanço merecido, talento, dons e capacidade, tato para governar, diplomacia e direção competente, confiança e caminho.
     Há quem se refira às maravilhas do mundo (antigo ou contemporâneo, tanto faz). Independentemente de quais sejam ou de que tempo, são sete - o número entendido como completo e perfeito; o que se define pela totalidade, pela consciência, pelo sagrado e pela espiritualidade. Fechado o ciclo, traz consigo o cenário da renovação. Ao fechar de um ano, abra-se outro, a descobrir, renovado.
      O uso do número sete na Bíblia, por exemplo, aponta para a ideia de plenitude ou a perfeição de algo ou alguém, como se lê: na criação do mundo e o dia de descanso, no Génesis; na persistência do perdão no sete e seus múltiplos, quando, no Novo Testamento (Mateus 18:22), Jesus menciona a Pedro a capacidade de perdoar "até setenta vezes sete”; na plenitude espiritual, representada no livro do Apocalipse (que, representativo do curso de um ciclo, se abre a novas descobertas, tal como o termo o sugere no grego antigo).

       Venha o 2023, mais a magia positiva do sete! Boas saídas, ótimas entradas e o melhor do ano para todos!

sábado, 16 de abril de 2022

Outras cores no olhar

      A bem do que não se diz.

   Quando me disseram que o mar e o céu eram azuis acreditei. Acrescentavam, ainda, que era azul ora marinho oa celeste. Gostei da cor e do que ela inspira(va): tranquilidade, serenidade, harmonia, espiritualidade. 
     A vida, contudo, lembra-nos que o verso tem o seu reverso. E, nessa medida, o azul também se deu a ver na monotonia, depressão, frieza. Ficou tão próximo do mal, da doença, do fim e da morte que fui à procura de uma paleta e do que esta tinha para me dar em alternativa.
     Busquei, então, novas cores. Descobri-as no olhar e nos matizes que pude contemplar:

Um universo de ouro e prata onde mar e céu ficaram sem azul (Foto VO)

       Encontrei uma bola de luz bem intensa na claridade, um mar brilhante feito de prata e um céu que se firmou de amarelo, laranja e ouro. Na variedade colorida, reparei no que é marinho e celeste sem azul. No momento, nesse instante apreciável dado a ver, tive um mar nos tons da sabedoria divina, enquanto o ouro do amor divino se mostrava para lá, logo acima do horizonte. Um céu de fogo e um oceano de água - dois exatos opostos - complementam-se no quadro natural da vida, evocando sabedoria e amor.
       Pode ter sido este um momento, já familiar a outros também vividos. Fica, por isso, a nota de que há instantes em que os opostos têm sempre a possibilidade de se emparelhar, de se enquadrar - tal como a prata, na representação da lua e do princípio feminino (lunar, passivo e branco), se ajusta ao ouro (por sua vez solar, ativo e amarelo), do princípio masculino. Eis, em suma, a riqueza da diversidade complementar.

     A bem do que se viu e do que possa ser a possibilidade da esperança; o princípio da aproximação, do complemento e da conciliação dos opostos (porque há guerras que não trazem felicidade a ninguém, eventualmente só para aqueles que momentânea e egoisticamente se comprazem em lançar mísseis - sejam reais sejam metafóricos - para destruir o semelhante).

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Um pé de orquídea

      Um presente em tempo (ainda) de aniversário(s).

      Recebi um pé de orquídea pelo dia que ontem foi.
    Etimologicamente, a designação vem do grego όρχις (órkhis) e ειδος (eidos), significando com a forma ou aspeto de testículo - numa clara referência ao formato dos dois pequenos tubérculos que as variadíssimas espécies do género evidenciam.
    Utilizadas, desde passados remotos, em poções curativas, afrodisíacos e efeitos ornamentais, na China antiga, as orquídeas eram associadas às festas da primavera. Não está longe, mas ainda é porvir (ou não estivesse por vir). Hoje, ainda no curso do inverno, quando muito pode falar-se de "primaveras" (apesar de o número já não ser marca da juventude própria ao conceito).
       Há, por agora, uma nota de beleza à porta do salão:

Um pé de orquídea à porta de mais um ano recém entrado (Foto VO)

      Enquanto símbolo da perfeição e da pureza espirituais, é esta flor, por certo, a manifestação de uma amizade que o tempo tem vindo a construir e que fará perdurar.

     Com o agradecimento à F. e ao C., por mo terem gentilmente ofertado neste tempo tão aquariano, de polaridade masculina e à espera de novo espírito. Bem hajam.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Mais um dia... para os tricaidecafóbicos ou de outras fobias afins.

          Nova sexta-feira 13, ora pois então.


   Reza a tradição que é dia de azar, conforme já se explicou em apontamentos anteriores. Vários factos, mais ou menos supersticiosos, mais ou menos históricos assim o entendem.
      No Tarot, a carta do arcano maior número treze, é verdade, representa a Morte. Contudo, entendida esta última como fim de um ciclo não significa, definitivamente, o fim de tudo. Simboliza não a perda da vida, mas uma transformação de relevo, uma fase de desprendimento a dar lugar ao renascimento. Como uma forma de libertação (de desapego ao que possa representar a crise, o negativo), é uma "morte" ansiada.
     A imagem de um esqueleto a manejar a foice sobre um campo de pessoas, por mais assustadora que pareça, traz consigo a leitura da passagem, do transitório para uma nova etapa. Em hora de mudança, é tempo de superação.
     Associar isto tudo a uma sexta-feira é razão para, pelo menos, suspirar pela mudança: a do fim de semana que se anuncia. Nem pela parascavedecatriafobia nem pela frigatriscaidecafobia.

    Não sou, de facto, tricaidecafóbico. Sou pela leitura da mudança. Venha ela! Afinal, prefiro uma sexta-feira 13 a qualquer segunda-feira de outro número que seja.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

A sílaba da diferença

      É (foi e esperemos que continue a ser) abril, tempo de mudanças.

      Em tempos de democracia (de cravo), interessa ver o que abril nos trouxe, por mais cinzentos e pardos que andem os dias. O que se conquistou não se pode perder. Importa da flor não perder a cor.

in https://br.pinterest.com/pin/260716265901034772/

      Certo é que ditadura rima com escravatura. Talvez tenhamos saído de uma e entrado noutra(s); talvez por isso algum tempo de amargura.

     Vivamos outras revoluções, que nos libertem e deem mais sentido ao cravo. Ou à vida, mais sabor. Este foi o dia, desde a madrugada.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Maria Lionça na senda da ficção e da verdade

   A fronteira do fictício e do real é como a linha do horizonte: ilusão de ótica a todo o tempo renovada, procurando a terra da utopia.

   Tudo a propósito da poesia de Miguel Torga, ainda que Maria Lionça seja nome para uma personagem de um conto com título homónimo publicado em Contos da Montanha (1941). O próprio autor apresenta-a como criação, invenção, imaginação que se torna verdadeira. É como a obra do escritor: quanto mais ficcionada, criada ou mais imaginada, mais real.
   Como força materna, ela resulta numa espécie de caleidoscópio, nas múltiplas variações de luz que uma figura feminina é capaz de dar ao mundo. Neste sentido, Maria Lionça é universal(ista), fonte de energia, e (por isso) encontra-se na origem e nos ciclos renovados da vida. Fiando e tecendo, assim vai compondo a meia, com a linha ou o fio que, dedilhados, a mão já susteve entre a roca e o fuso, numa imagem de continuidade de vida.

Entrevista de Miguel Torga ("Viagem às Terras de Portugal" - Rede Manchete, 1987)

      Na vida literária, a obra também se compõe de energia, luta, força da palavra, da linguagem que traduz a própria criação e invenção. Assim a verdade interior do criador é partilhada com o seu leitor, tal como a mãe dá ao filho o que de melhor tem.
      No feminino da terra, na força telúrica que o poeta dá a ler, também se revela uma Maria Lionça. Mesmo o masculino a reflete, nomeadamente nesse negrilho plasmado em verso (não deixa de ser árvore de grande porte na expressão da criação poética). Qual Anteu, o poeta alimenta-se da força da terra e, dessa forma, dá voz à Poesia. Nesta apresentam-se marcadamente quatro linhas orientadoras: um desespero humanista, configurado no inconformismo, na luta e na revolta de um Orfeu Rebelde face ao(s) poder(es) que transcende(m) o Homem e o deixa(m) preso a uma realidade que não dá nem traz esperança, utopia ou felicidade; o telurismo como expressão da força e da energia que decorrem da vivência e da proximidade à terra; a problemática religiosa, na questionação de um Deus que, não sendo negado, é acusado de não ser humano nem próximo da racionalidade que o poeta quer sublinhada na vida humana;  o drama da criação poética, associado ao esforço, ao trabalho extenuante e contínuo dos que desejam a superação das limitações (nomeadamente os da escrita poética). 
      No cruzamento destas linhas temáticas cabe também falar de Pátria, de Nação, de Alma e Cultura de um povo - e aqui Maria Lionça também é traço de alma de um país e da sua cultura; de terra e de mar abertos ao mundo, na descoberta de caminhos que têm como destino último a Universalidade, esse princípio que nos aproxima de todos os outros, na busca infindável do que nos leva à felicidade, à utopia.
      No reconhecimento do poeta, sigam-se-lhe os trilhos da terra:

Documentário televisivo (Porto Canal) sobre o escritor Miguel Torga
      
     Nas quelhas da vida, também composta de múltiplas ruas, há caminhos a descobrir para lá da aparência e da superficialidade. É na busca do que há de mais profundo, e verdadeiro, que a aproximação ao ideal se constrói. Com esforço e com trabalho.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Dia Mundial da Água

      Depois da Primavera e do dia da poesia,...

    Chega o "Dia Mundial da Água", criado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, desde 1993, com o intuito de consciencializar publicamente para a proteção, conservação e desenvolvimento dos recursos hídricos.
   Da importância dela para a vida já muito se disse e daí decorrem as múltiplas significações e simbologias que adquire na arte, em particular, e na vida, em geral. Meio de fecundação e de purificação, de regeneração de forças (espirituais, anímicas, físicas), de regresso às origens, de fluidez do próprio tempo, a água é tudo isto nas letras que nos são dadas a ler; nas cores que cobrem as telas; no líquido que nos escorre pela pele.
      Pela relação que mantém com todo o ser humano, é também fonte de memórias, límpidas ou baças, alegres ou sofridas conforme reflete os bons ou maus momentos da vida. Assim se pode entender "The Water", musicada e interpretada pelo duo britânico Hurts (formado pelo teclista Adam Anderson e o vocalista Theo Hutchcraft):

Vídeo "The Water" em concerto por terras russas

     Do álbum "Happiness" (2010), fica a letra dessa 'água' que, no seio da vida e da felicidade, não deixa de espelhar também o receio de se estar / entrar numa relação pelo que já possa ter havido de dor no passado. O ciclo da água pode manter-se, mas impõe-se o cuidado de não se fazer ninguém perder naquele que também pode ser um leito de morte, onde os anjos também gritam.

       THE WATER

Innocent, they swim
I tell them 'no'
They just dive right in
But do they know?

It's a long way down
When you're alone
And there's no air or sound
Down below the surface

There's something in the water
I do not feel safe
It always feels like torture
To be this close

I wish that I was stronger
I'd separate the waves
Not just let the water
Take me away

There was a time I'd dip my feet
And it would roll off my skin
Now every time I get close to the edge
I'm scared of falling in

Cause I don't want to be stranded again
On my own
When the tide comes in
And pulls me below the surface

      ... fica  esta nota de música, neste dia da água que, entre o hídrico e o simbólico, também se faz de fluxo e de ondas da vida.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Coincidências...

     Isto de o 13 de maio ser a uma sexta-feira resulta estranho, no mínimo.

    Quando se celebra a primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, em 1917, sobre uma azinheira da Cova da Iria, aos pastorinhos (Lúcia dos Santos, Francisco e Jacinta Marto), tudo inspira uma questão de religiosa e respeitosa fé... exceto o facto de, neste ano, o dia coincidir com uma sexta-feira 13.
    Em tempos de tão propagado "milagre do sol" (há fiéis que, há cerca de uma semana, afirmam e descrevem um clarão mais intenso do que o sol, a piscar e girar velozmente, no momento em que a Imagem Peregrina da santa deixa a igreja matriz de Ourém), esta sexta-feira 13 até parece profanação: é a história do milagre português a par de um episódio da Igreja com um Papa e um rei francês (Clemente V e Filipe IV, respetivamente) envolvidos numa maquiavelice e num pacto de contornos muito suspeitos - tanto para eles como para uma ordem religiosa (Templários) que parece ter usado e abusado do poder recebido; é juntar uma santa à bruxaria de Friga (conforme o cristianismo a ditou).
     Estas coincidências parecem sacrílegas. No meio de tanta alvura e intensidade de luz sagrada, o dia também se cumpre com o que de mais pagão e gentio tem a lembrar - como se entre Deus e o Diabo houvesse interseções que escapam à perceção humana, mais preocupada em ver gatos pretos heréticos (tal como Inocêncio VIII, no século XV, os fez constar nas listas do Index inquisitorial) do que felinos de espírito amigável, sociável e identificáveis numa extensão do próprio Homem.
     No discorrer destes pensamentos, outros dois se cruzam:
      - o do autor de Memorial do Convento (1982), entre muitos outros romances;


         - o de uma personagem do mesmo romance, que falou, por certo, como o narrador-autor quis.














 Sábios pensamentos estes, nomeadamente o de Deus que nos visita pelas ações que possamos fazer "cá" - mais do que estarmos preocupados em o ver "lá", nesse campo desconhecido, sem que o melhor seja feito naquele (em) que todos (vi)vemos.

     Fica a hipótese de, para algum azar, hoje poder haver um milagre, como se destas dimensões tão antagonicamente encaradas não resultasse uma complementaridade tão comum quanto a morte e a vida, a tragédia e a comédia, o mal e o bem, o preto e o branco, perder e ganhar. 

quarta-feira, 30 de abril de 2014

'Os Lusíadas' e o número da besta

     Estudos sobre numerologia e simbologia numérica associados à literatura são inúmeros e Os Lusíadas são mais um exemplo de obra a isso destinado.

     Tudo começa porque, ontem, um aluno me perguntou qual era o verso da epopeia camoniana que estava relacionado com o número da besta, o 666. Uns riam-se; outros estavam expectantes e todos esperavam ouvir a explicação de uma curiosidade que a professora de Português lhes tinha incutido, mas que, parece, o professor de Literatura estava mais destinado a responder. Não sei se é bem o caso, mas assim passou a ser.
     Hoje foi a aula para se chegar à resposta e contei com a colaboração de alguns estudantes que tentaram chegar à solução, na procura que fizeram (disseram-me) pela internet. Dois cenários surgiram: um relacionado com o Canto VII; outro com o IX. Afinal, não era o verso, porque há mais do que um. E, no final da aula, foram muitas mais as referências, todas elas contribuindo para uma leitura reveladora de alfabetos muito diversificados para o conhecimento, com os números a constituirem-se como um processo de o Homem aceder e compreender a coerência do mundo, pela construção de um sentido a atribuir ao universo.
     Começados com a obra literária por excelência (a Bíblia) - na súmula de tradições, de culturas, de saberes e acontecimentos que marcam a humanidade -, orientou-se para a leitura do último livro, o 'Apocalipse' (termo grego para 'Revelação'). No fim dos tempos (críticos), anuncia-se uma mudança, um novo tempo. No capítulo 13, versículo 18, lê-se: 

“Aquele que tem sabedoria calcule o número da besta, pois é o número de um homem e seu número é seiscentos e sessenta e seis”

     A leitura de um (sentido ou tipo de) "Homem" coincide com a cosmovisão antropocêntrica que o Renascimento traz para o Mundo - refletida em Os Lusíadas, num ideário que subjaz à própria arquitetura e construção da epopeia. E na tríplice configuração do "6" não será estranha toda uma simbologia que as próprias línguas de cultura sublinharam.
      No hebraico, as letras apresentavam valores numéricos; o mesmo sucedia na antiga Grécia (séc. IV a. C.), comparecendo a letra clássica do dígamo para representar o '6' (cf. tabela à direita), numa configuração gráfica próxima do atual "S" do alfabeto. Por outro lado, é sabido que, até ao século XVII, a Europa conviveu com cálculos matemáticos baseados na numeração romana (os algarismos árabes aparecem em textos portugueses pelo século XV e só se vulgarizam um século mais tarde).
     Nesta medida, a associação da grafia latina aos números sugerirá uma relação que - à exceção dos zeros para letras que não representam algarismos romanos - conduzirá a escrita da palavra 'sol' para o número seis; o mesmo sucede com a redação do nome 'Jesus'. Caso para dizer que, ora numa orientação mais pagã ora noutra mais cristã, a "revelação" simbólica e numerológica acontece. 
     O aparecimento das cartas do Tarot pelos séculos XIV-XV trouxe também consigo a leitura de sinais, no que aos vinte e um arcanos maiores diz respeito. O número seis corresponde à carta dos Enamorados, dos Amantes e traduz o caminho da escolha (segundo o livre arbítrio), da encruzilhada e da hesitação, com risco de erro e dispersão. Ao contrário do três (carta da convergência e da unidade), o seis (3 x 2) convoca a divergência de forças (dois sentidos) - é o reflexo dessa dualidade composta de corpo Vs espírito. Desta dupla dimensão (revista no contraste 'feritas / divinitas', materialidade / espiritualidade) se compõe o conteúdo de Os Lusíadas, publicados em 1572 (ano que, na operação matemática familiar dos 'noves fora', resulta em seis). Os 8816 versos da obra, nas 1102 estâncias, foram já largamente estudados por Jorge de Sena numa perspetiva numerológica. Não o fez com o foco no número da besta, mas a possibilidade existe, atendendo aos seguintes dados:

i) a leitura do título da epopeia, segundo uma configuração alatinada e numa aproximação ao grego antigo (particularmente ao dígamo), revela a presença de três números seis, para não falar na presença do cinco e do um (que também somados resultam no número seis);

ii) o sexto verso de cada uma das três estrofes da Proposição (Canto I) - 6 6 6 - reflete um conjunto de características relacionado com a excecionalidade do humano herói lusíada, associada à força, à intemporalidade e à divinização (“Mais do que prometia a força humana”; “Se vão da lei da Morte libertando”; “A quem Neptuno e Marte obedeceram”);

iii) as oitavas somadas até ao verso 666 conduzem até ao segundo verso da estância 84 de cada canto e, no caso do canto I ("Já o raio apolíneo visitava / Os Montes Nabateios acendido, / Quando o Gama cos seus determinava / De vir por água a terra apercebido"), remete para o espaço terrestre  dos Montes Nabateios (onde o Gama está prestes a ser traiçoeiramente atacado, por influência de Baco), espaço elevado e posicionado entre a referência a um deus (Apolo) e um homem (Gama), como que prenunciando a divinização deste, assim que superar a prova que lhe está destinada;

iv) o canto VI é o do segundo consílio (convocado por Baco) - que colocará os portugueses novamente à prova, pela congeminação divina que criará uma tempestade marítima - e tem no verso 666 (estrofe 84) a marca da força a enfrentar ("Assi dizendo, os ventos, que lutavam / Como touros indómitos, bramando, / Mais e mais a tormenta acrecentavam");

v) a estância 666 é precisamente a do início do canto VII, aquela que dá conta da concretização do caminho da escolha, do objetivo da viagem - a chegada dos marinheiros à Índia (“Já se viam chegados junto à terra / Que desejada já de tantos fora, / Que entre as correntes Índicas se encerra / E o Ganges, que no Céu terreno mora. / Ora sus, gente forte, que na guerra / Quereis levar a palma vencedora: / Já sois chegados, já tendes diante / A terra de riquezas abundante”) - ou o cumprimento do feito planeado;

vi) a chegada à Índia, por mais que seja desejada, constitui uma desilusão (por ser local onde se troca a vida humana do Gama por dinheiro) só (re)compensada no canto IX com a Ilha dos Amores (num plural que conjuga a dimensão corpórea - das relações mantidas entre marinheiros e ninfas - com a espiritual - no prémio e na glória simbolicamente representados) - o segundo verso da estância 84 do canto IX (o 666) é precisamente o que explicita a união dos marinheiros e das ninfas ("Destarte, enfim, conformes já as fermosas / Ninfas cos seus amados navegantes, / Os ornam de capelas deleitosas / De louro e de ouro e flores abundantes."), na realização corpórea e espiritual dos amantes (relembre-se a carta VI do Tarot), na ascensão humana à "divinitas", depois de um percurso em busca do local onde o "bicho da terra tão pequeno" não "indigne o Céu sereno".

     Na linha do exposto, revê-se a escrita das letras numa configuração numérica simbólica, traduzindo uma mentalidade que, desde os tempos medievais, procura compreender o(s) sentido(s) oculto(s) do Universo e tentar determinar o destino humano. Não será por acaso que o verbo 'contar' (números) e 'contar' (histórias) apresentam raiz etimológica comum.
     A numerologia, com cálculos de previsões, interpretações e até  especulações transcendentes ou mágicas surge, impondo-se com a Idade Média e o Renascimento, quando a ordem universal se baseava na razão numérica (filosofia derivada de Santo Isidoro: "A razão dos números não deve ser desprezada. Na realidade em muitas passagens das Sagradas Escrituras, quanto mistério eles revelam" - in Etimologias, III, iv, i). Consagrado como fator de configuração na Criação Divina, o número assumiu-se com lugar de destaque na criação artística, em geral, e na literatura, em particular.

    Na arquitetura de Os Lusíadas não deixa, pois, de perpassar a ideia de que as relações numéricas são relevantes para o significado da obra; para a interligação da natureza com a vida humana e, consequentemente, para a expressão da arte. Nesta última, os números são mais um alfabeto para o conhecimento.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Oliveiras

      Entre a Livraria Lello e a Torre dos Clérigos, lá estão as oliveiras.

  O espaço sofreu um arranjo e uma requalificação muito interessantes. De local abandonado e mal frequentado passou-se a uma zona urbanisticamente atrativa para turistas; a cartão de visita para a cidade, para o lazer, para o comércio e para a cultura.
    Cultural e simbolicamente rica é também a árvore plantada no largo ajardinado que encima este espaço: a oliveira.

    Do grego ἐλαία (Elaia) e do latim "oliva", óleo e árvore sempre andaram de mão dada e, desde cedo, a última andou associada à força e à vida. Biblicamente, a oliveira é mencionada em várias passagens; entre os islamitas é planta sagrada.
    O cunho positivo é evidente: relativo à paz (na forma de um ramo transportado pelo bico de uma pomba, conforme Noé a viu ao fim de 47 dias de dilúvio), aliança, fecundidade, longevidade, esperança, vitória, sabedoria, abundância, glória, purificação, fidelidade, força e recompensa, entre diversos povos, histórias e culturas, desde a antiguidade até à atualidade. 

    Se não for por mais nada, que seja este o sentido das (dos) oliveiras.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Melancolia e alquimia linguística

       Assim se intitula uma pintura de Albrecht Dürer (séc. XVI): Melancolia I.
  
    Encarado como o supremo espírito renascentista - artista, filósofo, alquimista e um estudante dos mistérios antigos -, Dürer concluiu a pintura apresentada em 1514, tendo esta sido considerada a obra seminal do renascimento no Norte da Europa.


       A figura de asas, a representar o génio humano, está rodeada de sinais e símbolos marcados pela estranheza lógica; simboliza a tentativa falhada de a humanidade transformar o intelecto humano em poder divino, visível pela dificuldade de compreender todos os símbolos de que o génio dispõe (objectos de ciência, matemática, filosofia, natureza, geometria, carpintaria,...).
      Está mesmo difícil a relação entre cada um dos objectos. Fico-me pelo quadrado mágico (por baixo do sino), com 1514 na última linha. Por que razão(ões) será, para além dos números e cálculos perfeitos?

   Se por trás de Melancolia há uma alquimia linguística, que os estados de tristeza e depressão se transformem em palavras e actos de felicidade no desvelamento dos enigmas e da simbologia que o quadro encerra.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Da(s) magia(s) do SETE... Ou não fosse hoje CATORZE

     É um dado cultural: na literatura, na música, ... na arte, na vida.

    Sempre que se pergunta por que razão o sete é um número mágico, são múltiplas as respostas. Começo por concentrá-las num texto que ficará em construção.

Das (im)perfeições do SETE

Ao fim de sete dias de trabalho (até ao sábado e ao domingo!),
lembrei como Deus deve ter trabalhado muito nos dias da criação do mundo.

Daí ter dedicado o sétimo ao descanso!

(Como seria se, em vez de dias, gastasse os sete anos com que Salomão ergueu o seu templo?!
Cumpriria também um para descanso, qual ano sabático?!)

Cansado, quase homem dos sete ofícios,

busquei a harmonia das sete notas musicais,
a variedade das sete cores do arco-íris.
Dos sete astros sagrados 

(Sol, Lua, Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter, Saturno),
voltei a cara para o Sol, para a luz desse Apolo feito deus
também de uma das Sete Artes: a Música 

(para lá da Pintura, Escultura, Arquitectura, Literatura, Coreografia e Cinema).
Senti-me homem,
dividido entre os sete pecados capitais 

(vaidade, avareza, ira, preguiça, luxúria, inveja, gula)
e as sete virtudes cardinais 

(castidade, generosidade, temperança, diligência, paciência, caridade, humildade).
Dos sete sacramentos 
(Baptismo, Confirmação, Eucaristia, Sacerdócio, Penitência, Extrema-unção, Matrimónio), 
alguns já se cumpriram; outros poderão ou estarão para vir 
até aos sete palmos de terra, na sepultura.

Recordei as cantilenas femininas da infância: 

“sete e sete são catorze, com mais sete vinte e um; tenho sete namorados e não gosto de nenhum”.
Só faltava que elas viessem das nazarenas, mais as suas sete saias!

Cansado do sofrimento, fechei-o a sete chaves.


Troquei as sete rogatórias do “Pai Nosso” pelos sete anões da Branca de Neve;
apaguei da memória as sete quedas sofridas a caminho do Gólgota.

Fiquei-me pelo Carnaval, sete domingos antes do da Páscoa.
Na brincadeira e no espírito da diversão, aspirei ao sétimo céu.

Tantas foram as histórias ouvidas dos Sete Livros do Antigo Testamento 
(Job, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cânticos, da Sabedoria, do Eclesiástico).
Resta a lembrança, no Génesis, de Noé e do Dilúvio: 
de como sete casais de cada espécie animal terrestre e aérea foram salvos na Arca; 
ou de como no sétimo mês esta última descansou no monte Ararat; 
ou de como, após o dilúvio, foi lançado um corvo,
seguido, sete dias depois, de uma pomba. 
Mais sete dias passados, esta regressou com um ramo de oliveira. 
Outros sete dias vieram, para, de novo, ser lançada ao ar e não mais voltar.

Mudaram-se os tempos: mudaram-se as maravilhas antigas para as modernas... ficou o sete.
Talvez por isso hoje tenha de se ver tudo com sete olhos, 
para que nada falhe...
ou para que alguma coisa dê certo.

Homem sem as sete vidas dos gatos, aproveito a que tenho,
sem pintar o sete - entre diabruras ou desatinos.
Sigo o curso do rio, sem as botas de sete léguas, até chegar ao mar.
Aí, qual marinheiro, navegarei pelos sete mares

Tão mais perfeito seria o mundo com os sete princípios da moral pitagórica: 
rectidão de propósitos, 
tolerância na opinião, 
inteligência para discernir, 
clemência para julgar, 
verdade nas palavras e nos actos, 
simpatia e equilíbrio!

GondomarVO

     Outras respostas haveria para mais numerados versos. Também sete são as Leis Universais (Natureza, Harmonia, Correspondência, Evolução, Polaridade, Manifestação e Amor); os dons do Espírito Santo (Sabedoria, Entendimento, Conselho, Força, Ciência, Piedade e Temor a Deus); as glândulas endócrinas (Hipófise, Tiróide, Paratireóides, Supra-renais, Sexuais, Timo e Pâncreas); os grandes mensageiros (Krisna, Buda, Lao-Tsé, Confúcio, Zoroastro ou Zaratustra, Moisés e Jesus); as personalidades de Deus (segundo Zoroastro, são estas a Luz Eterna, a Omnisciência, a Retidão, o Poder, a Piedade, a Benevolência e a Vida Eterna); os meios que o Homem tem para purificar, segundo o Budismo (Domínio de si mesmo, Investigação da verdade, Energia, Alegria, Serenidade, Concentração e Magnanimidade).
      Revejo algumas outras numa canção bem portuguesa, registada na memória da minha adolescência: a música e a voz dos Trovante na "Balada das Sete Saias":

Trovante ao vivo, na interpretação de 'Balada das Sete Saias'

BALADA DAS SETE SAIAS

Sete ondas se noivaram 
Ao luar das sete praias 
Sete punhais se afiaram 
Menina das sete saias 

Sete estrelas se apagaram 
Sete, que pena, chorai-as
Sete segredos contaram 
Menina das sete saias 

Sete bocas se calaram 
Com sete beijos beijai-as 
Sete mortes evitaram 
Menina das sete saias 

Sete bruxas se encontraram 
No monte das sete olaias 
Sete vassouras montaram 
Menina das sete saias 

Sete faunos contrataram 
Sete cornos e zagaias 
Aos sete encomendaram 
Menina das sete saias 

Sete princesas toparam 
Com mais sete lindas aias 
Por sete e sete deixaram 
Menina das sete saias 

Sete danças que bailaram 
Sete vezes que desmaias 
Sete luas te ansiaram 
Menina das sete saias 

Sete vezes se encantaram 
No bosque das sete faias 
Sete sonhos desfolharam 
Menina das sete saias

       Assim se (re)lê e vê o sete, entre a tradição e a (re)criação, na letra da canção.

       E mais haverá para, no futuro, se ir acrescentando, para cumprimento da totalidade e perfeição do número.