sábado, 16 de março de 2024

"Todas as palavras de amor"

      Eis o verso a abrir um dos poemas antologiados em As Palavras do Amor.

    Trata-se de uma compilação poética "de novos poetas de Espinho", conforme se lê na capa da publicação promovida pela Câmara Municipal local e a colaboração da 'elefante editores'. É a segunda edição de um concurso de escrita, bastante participado por alunos de instituições escolares do concelho, nomeadamente, o Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira, o Agrupamento de Escolas Manuel Gomes de Almeida e o Externato Oliveira Martins.
    Mais de sessenta jovens escritores, entre os onze e os dezassete anos, expressaram-se acerca de um sentimento universal, a marcar pessoas, tempos, espaços, seres vivos; feito do seu bem e do seu contrário, dos dilemas e das interrogações provocados; das definições a encontrar; de cores e matizes a combinar.
     Em oitenta e cinco páginas, uma resta em branco, para preencher, não com o vazio, mas com o pleno agradecimento a todos os que incentivaram e acompanharam esta aventura de escrita poética, particularmente a dos "novos poetas" que houve oportunidade de aplaudir, numa cerimónia levada a cabo pela Divisão de Educação e Cultura do município. 
      Nas palavras da Sr.ª Presidente da Câmara (e Vereadora da Educação), é uma iniciativa a repetir, dada a evolução, desde o ano letivo passado, no número de versos produzidos, na qualidade da produção e no número de participantes no concurso. Foi bem sublinhada a gratidão aos professores de Português, alguns dos quais assistiram à sessão oficial de lançamento do livro, no auditório António Gaio do Centro Multimeios de Espinho.
     Ouviu-se poesia, logo no início da cerimónia, com os versos iniciais de alguns textos do ano letivo 2022-2023:

Vídeo de apresentação  (exibição na segunda edição do concurso poético)

      Dele e do presente, ficam o orgulho e a satisfação de mais de dois terços dos títulos serem da autoria de estudantes do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML). Prosseguiu-se com poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen, uma conversa entre jurados e a oferta de livros aos agraciados com a publicação dos seus textos. Findou o evento com a fantástica participação musical de alunos da Academia de Música de Espinho.

    Um fim de tarde que juntou pais e mães, alunos, professores, num sentido de comunidade e comunhão que reconhece o contributo de muitos, particularmente daqueles que, nestes momentos, são um motor (muitas vezes invisível) de energia inesgotável. Obrigado aos professores de Português do AEML, que agenciaram o projeto junto dos respetivos aprendentes; particularmente a quem lidera este grupo disciplinar e também merece palavras de amor, ao assumir-se como interlocutora e colaboradora constante com os promotores da atividade (MTM).

quinta-feira, 14 de março de 2024

A propósito de uma exposição... o reencontro com História(s)

    O convite foi formulado, aceite... e assim os voltei a ter comigo.

   Na sequência do Dia da Mulher (e porque este deve acontecer todos os dias), a Biblioteca do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML) tem o seu espaço ocupado pela presença de uma poeta de abril: Sophia de Mello Breyner Andresen.
    À entrada da escola, nos corredores do edifício, a presença feminina evidencia-se, assim todos possam educar-se com os contributos que muitas mulheres têm deixado, em diversas áreas, para a Humanidade.
     Convidaram-me a partilhar, com alunos de 12º ano, a minha leitura de alguns poemas de Sophia, da minha visão acerca da sua vida e obra. Tarefa difícil, por certo, dada a grandeza de quem foi falado e de quem ia ouvir. Muitas caras familiares suavizaram o registo, pela lembrança do bem vivido.
    Enquadrada no tema do Plano Anual de Atividades deste ano letivo ("74:24 - o que cabe em 50 anos"), a poesia é tópico de relevo, na expressão comprometida e transfiguradora da sociedade. Se com Antero de Quental a máxima foi "A poesia é a voz da revolução", com a autora de Poesia (1944), Dia do Mar (1947), Coral (1950), O Livro Sexto (1962), Grades (1970), Ilhas (1990), entre muitos outros contributos poéticos, conjugaram-se as forças da terra, da natureza, do mar, da cultura e da erudição para a luz da libertação e da liberdade.
     Sublinhei os traços da ascendência aristocrática num puzzle onde generosidade, humildade se refletem em poemas breves com mensagens eternas, como a da entrega e da dádiva poéticas ao leitor:

EPIDAURO 62

Oiço a voz subir os últimos degraus
Oiço a palavra alada impessoal
Que reconheço por não ser já minha
                                                                   (in Ilhas, 1990)

       Três a cinco versos bastam para trazerem a vida, o(s) tempo(s), a cultura, a pátria, os valores da justiça, da verdade e da dignidade humana à reflexão.

Obra de Sophia numa das secções da exposição, na Biblioteca do AEML (foto JR)

    Na versatilidade da obra (em modo lírico, dramático ou narrativo), há imaginário(s) rico(s) portador(es) de valores que compõem uma ética que apela à viagem, à descoberta, à origem da luz, do cristalino, da concha, da onda, da força que o ser humano transporta como "O super-homem".
      As flores da celebração eram as da primavera, do jardim, mas também as da liberdade - que se viram no poema, no mar, na madrugada (25 de abril) que quebrou a noite e o silêncio (do regime ditatorial). 
      Assim os versos da poeta foram evocados, lidos, partilhados na mensagem de energia, de passagem, de aprendizagem e de vida que traduzem.

CORAL

Ia e vinha
E a cada coisa perguntava
Que nome tinha.
                                       (in Coral, 1950)

       Se não tiver ficado a vontade de voltar a Sophia (na poesia, no passeio junto à Granja, na visita ao Panteão, na descoberta do Epidauro, na ironia que perpassa em "As Pessoas Sensíveis"), que esta tenha sido a razão para a vivência de uma libertação; de um momento de recordação; de reencontro com um tempo passado, num presente a caminho de futuro. Com História e com o agradecimento à MCB.

domingo, 10 de março de 2024

Dia de eleições

      Este é o dia de reafirmação da democracia.

      Um dia que lembra o cravo de há cinquenta anos e tem de apagar sinais da arma que o fez florir.

Que o cravo inspire o ato de escolha, 
na consciência de que o futuro é sempre incerto, mas construído por quem vota.

    Que a escolha se cumpra e se reflita sobre o que não se fez, num caminho em que as incertezas e indefinições se tornaram uma prisão para um país que precisa(va) de muito diálogo e de soluções com maior(es) compromisso(s) - o(s) qual(is), assim o diz a História, surgiu(ram) muitas vezes sem maiorias. 

     Menos abstenção seria já a melhor resposta para quem provocou toda uma situação ainda sem resposta; ainda por provar. Tragicomédias não vão poder ser evitadas, garantidamente, mas que a escolha seja a de fazer progredir um país, livre de forças que o comprometem no que tem de bom. Seja este um país de cravos (destinado que parece estar a não viver num mar de rosas)!

sexta-feira, 8 de março de 2024

De / Sobre / Para Mulher(es)

     Saudados todos os leitores, elas hoje saem destacadas - pelo Dia Internacional da Mulher.

   Ainda que assinalado desde o início do século XX (com variações na data da celebração), em dezembro de 1977, este veio a ser o dia oficialmente reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução 32/142, para sublinhar os direitos conquistados pelas mulheres até então: o direito ao voto, a salário igual, a maior representação em cargos de liderança, a proteção em situações de violência física e/ou psicológica, ao acesso à educação. Fossem direitos já adquiridos, não haveria a necessidade de tomar o dia pela diferença, nomeadamente nalguns pontos do globo, onde muitos deles estão ainda por cumprir.
     Hoje, lembrei-me de uma mulher que recentemente me ofereceu uma edição / publicação poética (o esforço que fiz para não escrever o masculino 'livro'!), da autoria de uma professora minha de Literatura Inglesa na Faculdade de Letras do Porto:

               O SOPRO

A mulher sentada à minha frente

brinca com a carteira –
distraída

Gira e revira a asa
da carteira,
enrola-a entre os dedos,
volta após volta

Ana Luísa Amaral (2021: 80-81),
in Mundo, Porto, Assírio e Alvim

Como um pássaro breve e dançarino,
a asa da carteira ganha vida
nos dedos da mulher

A carteira é azul e o fecho é amarelo,
a mulher é velha,
a saia desbotada, uma blusa cansada
e também velha, usa chinelos

Mas brinca com a asa
da carteira
num ar feliz de criança ou pardal,
sem se preocupar com as pessoas sérias
de mãos serenamente,
seriamente pousadas sobre o colo,
lendo quietamente o seu jornal

A mulher sentada
à minha frente
brinca com a carteira,
distraída


Distraída, a mulher? Ou a carteira?

fazendo piruetas,
volteios elegantes, curtos passos de dança,
ao dar-lhe o sol de lado, na cabeça,
a mulher fica quase bonita
no seu ar distraído de criança
ao dar vida à carteira,
que dança

distraída
no seu colo
      Um poema para todas as mulheres, de uma mulher, acerca de mulher(es), com palavras que são colo, calor, luz e sopro de vida, independentemente da(s) idade(s) e do(s) género(s).
     Quem puder leia outra mulher que escreveu uma narrativa muito feminina, que cruzei com "O Sopro" numa viagem e numa progressão temporal que me fizeram (re)ver "Georgina" em verso.

      Bem hajam, Mulheres. Felicitações por este dia, a espelhar no dia-a-dia do resto do ano.

quarta-feira, 6 de março de 2024

Indecisões

      Os tempos são, para alguns, de bastante indecisão.

    No sobe e desce das sondagens diárias que apresentam partidos e números de deputados como se fossem resultados finais de eleições (por acontecer), lá vem o elevado número de indecisos que, dizem, tudo vai resolver à hora das urnas.
      Nem os carros escapam, a julgar pela "leitura" de certas matrículas:

Uma matrícula muito indecisa

     Da leitura de letras à da palavra percecionada, até os números parecem instáveis, quando "apanhados na curva".

    Na celebração dos cinquenta anos de liberdade e democracia nacionais, que domingo próximo seja a afirmação consciente de um direito e de um dever que a todos assiste, para calar o circo mediático das sondagens, a cansar a paciência de qualquer espectador televisivo. 

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Classificações... a quanto (n)os obrigam!

      Veio a pergunta e logo se ativaram os focos de análise.

      Por mais respostas que se queira dar, há vários pontos de vista analíticos a considerar, alguns dos quais conduziriam à que se revela mais aceitável / adequada / correta.

      Q: Olá, Vítor. Quando puderes, diz-me, por favor, como classificas as orações na frase: "Ouve o CD do Pedro Abrunhosa, que é muito bom." A professora de uma explicanda minha diz que é subordinada adjetiva relativa explicativa. Se não fosse adjetiva relativa, só poderia ser adverbial causal.

       R: Viva. Perante a minha divergência face às respostas citadas, direi o seguinte: 

       i) a hipótese de uma subordinada adjetiva relativa (explicativa), eu colocá-la-ia de parte, uma vez que o suposto pronome relativo "que" me levanta questões de forte ambiguidade quanto à construção sintática da complexidade na frase e quanto ao referente retomado (será "o CD do Pedro Abrunhosa", que não sei qual é apesar da determinação e que necessitaria de uma relativa restritiva para a sua identificação precisa, ou será "[d]o Pedro Abrunhosa", que não vou apreciar na forma e nos termos apontados no enunciado);

      ii) o cenário de a segunda oração ser uma adverbial causal levanta-me sérias reservas quanto ao facto de as subordinadas adverbiais tipicamente admitirem inversão dos termos da construção (*"Que é muito bom, ouve o CD do Pedro Abrunhosa" resultaria numa clara construção agramatical);

    iii) a expressão lógica da causalidade-explicação do enunciado é admissível, conforme se encontra introduzida na segunda oração, configuradora de uma explicação / justificação para o que se enuncia na primeira oração; porém, não tomaria esta última como subordinante nem aquela como subordinada;

    iv) o foco de análise pragmático a colocar no segmento "Ouve o CD do Pedro Abrunhosa" permite entender este último como um ato diretivo (conselho, sugestão) na interação produzida entre um 'eu' e um 'tu', conforme se depreende do modo verbal imperativo usado em 'ouve'; simultaneamente, a apreciação feita com a segunda oração resulta numa orientação justificativa (assente numa apreciação) / explicativa de um 'eu' para o ato de fala assumido na primeira oração.

Problemáticas de identidade (e classificação) do 'QUE'

   Assim, numa perspetiva de análise pragmático-sintática, assumo que a oração inicial é uma coordenada (que não admite troca na ordem sintática com a segunda oração), seguida de uma coordenada explicativa introduzida pelo conector 'que' (a iniciar a oração coordenada explicativa). 

  Desta forma, concluo o seguinte: um "que" sinónimo de "pois" aponta para construções coordenativas; um "que" sinónimo de "porque" nem sempre corresponde a uma subordinação, a qual, sintaticamente, apresenta propriedades típicas não confirmadas com o enunciado em análise.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Declarações de desamor...

    Depois do Dia dos Namorados, ...

    Não há bolo que resista!
    Sem vírgula antes de 'mas', sem as que encaixam a expressão "às vezes", a forma verbal de 'dar' sem acento e o já mencionado "às vezes" mal grafado (acentuado) são ameaças muito significativas, a fazer certamente ter vontade de apertar o pescoço a alguém:

Um bolo azedo para desamor à língua

      (Também) não há amor que resista. O da língua já foi há muito.

      ... ficou um amor muito azedo e agressivo.