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sábado, 9 de novembro de 2024

A propósito do Muro de Berlim

      Mais de sete anos passados, vi o muro cuja queda (de há trinta e cinco anos) é hoje celebrada.

   O "Berliner Mauer" foi a barreira física erguida pela República Democrática Alemã (Alemanha Oriental - socialista) durante a Guerra Fria. Circundava toda a Berlim Ocidental (capitalista), separando-a da Alemanha Oriental (socialista), incluindo Berlim Oriental. Além da divisão da cidade ao meio, simbolizava dois blocos e duas visões políticas do mundo: a da República Federal da Alemanha (RFA), constituída pelos países capitalistas encabeçados pelos Estados Unidos da América; a da República Democrática Alemã (RDA), composta pelos países socialistas sob o regime soviético. 
     Iniciada a construção na madrugada de 13 de agosto de 1961, veio a ser derrubado a 9 de novembro de 1989. Em diversos pontos de Berlim pode ver-se, no chão, trilhas com placas de ferro e a inscrição “Berliner Mauer 1961-1989”. 

Placas da trilha do "Berliner Mauer" (Foto VO)

       Marca-se, desta forma, o percurso por onde o muro passava e dá-se visibilidade a uma iniciativa que visa, com o passar do tempo, lembrar uma época que ninguém deve esquecer, no que a motivou e no que representou.
       Por abril de 2017, a par das gruas e dos tubos de drenagem que denotavam as múltiplas construções na cidade, o que restava do Muro de Berlim apresentava, em Kreuzberg, mais de cem pinturas de artistas de todo o mundo, iniciadas em 1990 no lado leste do muro de Berlim. 

Um muro gradeado numa capital em obras (Foto VO)

      Assim vê o turista a designada "East Side Gallery", uma galeria de arte ao ar livre situada junto à margem do rio Spree (no lado leste do antigo muro), fundada após a bem sucedida fusão de duas associações de artistas alemães: a VBK e a BBK. Os membros fundadores foram Bodo Sperling, Barbara Greul Aschanta, Jörg Kubitzki e David Monti. 

O "Beijo Fraterno" ao meio (entre o presidente russo Brejnev e o chefe oriental alemão Honecker),
a simbolizar o fim da cortina de ferro, segundo pintura do russo Dmitri Vrubel
(Foto VO)

      O trecho mais famoso do que resta do muro fica na Mühlenstraße, ao longo do rio Spree, entre a Ostbahnhof e a ponte Oberbaumbrücke.
     Isto de apanhar o muro de Berlim com gradeamento não está com nada, mas foi o que se pôde arranjar. Valeu ter encontrado o "Porto Pirata", escrito ao fundo (em cor azul, claro está!):

A presença de uma grande cidade no muro de uma capital europeia (Foto VO)

       Não esquecer, também, aquele conhecimento que não deixa de ser inspirador no seio de um pensamento que, no mínimo, se revela revolucionário e inconformista:

E esta, hein?! Igualdade e inclusão em múltiplos sentidos, no seu melhor. (Foto VO)

       Das boas lembranças (e boa companhia) de uma viagem à memória histórica de um tempo que passa e hoje se revê com outros muros, não menos segregacionistas (também a derrubar... a bem da arte e da humanidade).

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Arruada de Abril pela Liberdade

      Na véspera do feriado, duas escolas do agrupamento saíram à rua.

    Na impossibilidade de as quatro o fazerem, a Arruada de Abril pela Liberdade cumpriu-se esta manhã.
   Na base do trabalho desenvolvido desde o início do ano letivo, bem como das reuniões que permitiram a articulação e a planificação possíveis das atividades com os diferentes departamentos curriculares e grupos disciplinares, no âmbito do tema do Plano Anual de Atividades do Agrupamento ("74:24 - o que cabe em 50 anos"), foram muitas as iniciativas contempladas, na diversidade de propostas e na participação em atividades que marcam distintivamente este ano letivo.
   A propósito da celebração do 25 de Abril (que propositadamente maiusculizo), as múltiplas expressões planificadas refletiram iniciativas mais ou menos individuais compaginadas com outras de natureza mais agregadora. Neste último sentido surgiu a "Arruada pela Liberdade" na véspera dessa "madrugada" por que muitos ansiaram e lutaram; que Sophia poetizou; que se viu festejada em clima e regime democráticos, hoje vividos no caminho cinquentenário trilhado. Das escolas ao largo do município, preencheu-se  o caminho com alunos, professores, assistentes, acompanhados pela polícia que se empenhou também para o sucesso do evento. O público que assistia sorria, gritava pelo 25 de Abril, buzinava (ora pela paragem do trânsito ora pela identificação com a democracia conquistada), vinha às janelas dos prédios bater palmas. Algum deixava-se levar pela emoção denunciada no brilho dos olhos.
50 anos depois, recriam-se alguns sinais do movimento histórico na "Arruada pela Liberdade"

     Com o apelo à participação de todos nesta iniciativa, testemunhou-se como, em terra de "Tanto Mar", se cumpriu "a festa, pá!", passando-se aos alunos a mensagem do vivido e que estes puderam realizar / representar, enriquecer graças à intervenção de muitos e de uma equipa que coordenou o projeto. A Presidente da Câmara e outros representantes do município também contribuíram para um dia que se faz de memória(s) e de projeção contínua dos valores de liberdade, democracia, respeito, educação. 
    Tempo para lembrar uma revolução, na qual as armas e as máquinas de guerra que a sinalizaram e que recordamos não lançaram balas; tiveram cravos plantados pelo povo que somos, na afirmação da paz que qualquer ser humano deseja para o mundo.

    Como o disse Chico Buarque, "foi linda a festa, pá! Fiquei contente!". Fica um "cheirinho de alecrim" para todos, com a gratidão que se impõe pela participação diversa e responsável.

domingo, 10 de março de 2024

Dia de eleições

      Este é o dia de reafirmação da democracia.

      Um dia que lembra o cravo de há cinquenta anos e tem de apagar sinais da arma que o fez florir.

Que o cravo inspire o ato de escolha, 
na consciência de que o futuro é sempre incerto, mas construído por quem vota.

    Que a escolha se cumpra e se reflita sobre o que não se fez, num caminho em que as incertezas e indefinições se tornaram uma prisão para um país que precisa(va) de muito diálogo e de soluções com maior(es) compromisso(s) - o(s) qual(is), assim o diz a História, surgiu(ram) muitas vezes sem maiorias. 

     Menos abstenção seria já a melhor resposta para quem provocou toda uma situação ainda sem resposta; ainda por provar. Tragicomédias não vão poder ser evitadas, garantidamente, mas que a escolha seja a de fazer progredir um país, livre de forças que o comprometem no que tem de bom. Seja este um país de cravos (destinado que parece estar a não viver num mar de rosas)!

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Que dia! E diz-se 'oito'... de equilíbrio!

      Nem pelo clima nem pela História.

     A Karlota veio agravar o estado do tempo. Nem há vontade de sair de casa, com esta intempérie da chuva, do vento e do frio.
     Ainda que sujeito a confirmação, parece que a História aponta o dia como aquele em que Mary, Queen of Scots, foi executada, em 1587, sob suspeita de envolvimento na Conspiração de Babington (por pretender assassinar a prima, a rainha Isabel I). Diria mesmo que foi dia aziago para The Faerie Queen, já que, em 1601, Robert Devereux, Segundo Conde de Essex, se rebelou contra a mesma - ainda que de nada tenha adiantado, pois a revolta foi rapidamente esmagada.
       Houve também conflitos, guerras, atentados e até avalanches fatais no decorrer dos tempos, sempre ao mesmo dia.
       Estou aqui estou a citar Camões: "O dia em que nasci moura e pereça". 

Declamação do soneto camoniano "O dia em que eu nasci moura e pereça" (vídeo VO)

"Últimos momentos de Camões", 
de Columbano BordaloPinheiro (1857-1929)
O dia em que eu nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o céu se lhe escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas, pasmadas de ignorantes,
As lágrimas no rostro, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desaventurada que se viu!

      Pode ter sido mais topus literário e criativo do que sentido factual e autobiográfico, mas verdade é que, por vezes, a conjugação de fatores não ajuda a celebrações.

    Venham melhores dias e melhores anos - sem tempestades, execuções, rebeliões nem forças adversas. Ainda dizem que o número 8 (oito) é símbolo universal do equilíbrio cósmico!

sábado, 7 de outubro de 2023

Impérios de Guerra (que não são o quinto, definitiva e infelizmente)

      Após o início declarado de mais um conflito na Humanidade.

      A Organização das Nações Unidas (ONU) aponta cerca de 9.700 civis mortos na Ucrânia desde a invasão russa há 21 meses. Hoje, dia 7 de outubro, dá-se mais um passo para repetir o apontamento numa outra guerra, já com muitas histórias e muita perda de vidas.
    A Guerra Israel - Hamas (re)iniciada tem contornos tão intensamente violentos que todos já deviam saber a História e ter aprendido a lição maior: poupar vidas, particularmente a do Homem comum (que somos todos)! Qualquer guerra, em qualquer tempo, ponto geográfico ou na base de qualquer credo (religioso ou outro), é o maior ladrão de vidas. E quem a promove, provoca, perpetra sabe-o, num altar de poder que não considera o sentido prático e comum do que é sofrer. Está(ão) aqui o(s) maior(es) ladrão(ões)

Império de Trevas (ou como o peixe grande e assombroso da guerra se alimenta dos mais pequenos)

      No capítulo V do Sermão do Bom Ladrão, proferido em 1655, na Misericórdia de Lisboa (quando o queria ter feito na Capela Real), Padre António Vieira lembra o seguinte:

    “Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: - Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. - Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes?”  

      Nem quatrocentos anos (e pelos vistos não são muitos!) para se continuar a ler tão atuais palavras, que referem cadeias de ladrões tão diferentes e constantes no crime maior à Humanidade. A evolução, se a houve, parece ter ficado na subtileza do furto... que deu frutos. Se Adão se fez ladrão recebeu o inferno; mas há ladrões maiores que, por não serem ou não se acharem Adões, conseguem chegar ou andar pelo(s)paraíso(s) - para além dos fiscais, os de uma Terra que não é de todos (ou que será mais de uns do que de outros).
     Continuo com o exemplo inspirado(r) do “Pai Grande” - ou Payassu, como os índios o designavam -, dos primeiros a reconhecer um sentido de justiça argumentativamente apurado, também o valor da diferença, da tolerância entre os homens e no que os define; e ainda a defesa da miscigenação dos idiomas, numa legitimação tanto do culto "pulcro" como dos registos comuns do "belo" ou do "bonito", para não falar das sonoridades escutadas em todas as cores da sua ação missionária. A aproximação fazia-se também, então, a um Quinto Império (com um Papa "angelicus" e um imperador cristão), abraçando judeus, cristãos, muçulmanos numa espécie de paraíso, a construir em vida entre os homens e não a doutrinar como prémio a alcançar depois da morte (atualidade tão inquestionável).

       É preciso focar a causa e não o efeito. Tem de ser um português a relembrar tal, desde há séculos até ao presente, numa voz que recorde o valor do "abraço"? A cultura da paz é construção de valor difícil, quando devia ser escolha maior de todos os humanos, aproximando-os na comunicação, na comunhão, na união contra o que o ameaça (e não da perdição). Afinal, citando Steinbeck, toda a guerra é um sintoma do fracasso do homem (melhor, de alguns deles) enquanto ser pensante.
 

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Dia do Professor

     Em dia feriado, por razões republicanas, bem que o poderia (também) ser por outros motivos. 

     Somos país, língua e cultura a celebrar singularmente, com feriado, um poeta no calendário; lembrar (mais) um outro dia é o mínimo para quem está na base de formação de tantos profissionais importantes para o mundo e para a vida.
      São  muitas razões a celebrar:

Porque somos um entre muitos
Porque transportamos uma vida que comungamos
Porque nos aproximamos de quem (nos) procura
Porque exploramos possibilidades, oportunidades, modos de incluir
Porque repetimos, persistimos, insistimos
Porque (re)construímos e partilhamos conhecimentos tão diversos
Porque convocamos mundos para vários saberes do universo
Porque abrimos caminhos de (re)descoberta
Porque damos palavra a quem quer aprender
Porque testemunhamos empatia
Porque gerimos vontades
Porque inspiramos muitos, pelo saber e com o sabor dos afetos
Porque procuramos sorrisos em horas de angústia e desespero
Porque se faz da luta esperança, mesmo que não se instaure a mudança
Porque comunicamos o que nem sempre se quer ouvir
Porque vemos pontes a ligar margens e a superar obstáculos
Porque sonhamos e lidamos com os sonhos de tantos
Porque gostamos do que somos

Porque é o nosso dia

Porque somos professores

Um dia para lembrar e celebrar, por variadíssimas razões (imagem adaptada)

    Celebre-se a República (implantada), até o 25 de novembro (que alguém quer marcar como consolidação da democracia e da liberdade, na complementaridade do 25 de abril); brinde-se a quem faz anos em data tão relevante; lembre-se e festeje-se o Professor que, ao longo dos tempos e independentemente de regimes, tem feito, faz e fará a diferença na vida de todos. (Alguns o fizeram, e muito, em mim). Bom feriado.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Grande Mês!

    Depois de um janeiro que nunca mais acaba(va), começa o mês mais pequeno de todos, mas muito proverbial.

    É o costume: quando se é a menos nalguma coisa, apuram-se outras qualidades.
    Fevereiro é pequeno no número dos dias, mas grande nos provérbios (e nos saberes que se lhe associam):

Se o inverno não faz o seu dever em janeiro, fá-lo em fevereiro.

Quer no começo, quer no fundo, em fevereiro vem o entrudo.

Quando não chove em fevereiro, nem bom prado nem bom centeio.

Os dias bons de janeiro enganam o homem em fevereiro.

O sol de fevereiro matou a mãe ao solheiro.

Neve em fevereiro é mau para o celeiro.

Luar de janeiro faz sair a galinha do poleiro; lá vem fevereiro que leva a galinha e o carneiro.

Lá vem fevereiro, que leva a ovelha e o carneiro.

Janeiro geoso, fevereiro nevado, março frio e ventoso, abril chuvoso e maio pardo fazem o ano abundoso.

Fevereiro quente traz o diabo no ventre.

Fevereiro coxo, em seus dias vinte e oito.

Fevereiro afoga mãe no ribeiro.

Chuva de fevereiro vale por estrume.

Bons dias em janeiro enganam o homem em fevereiro.

Até ao Natal salto de pardal, de Natal a janeiro salto de carneiro e de janeiro a fevereiro salto de outeiro.

Água de fevereiro mata onzeneiro.

      Depois disto, registe-se também que 'fevereiro' vem do latim (februarìu-), «o mês das purificações», de februáre, «purificar; fazer purificação religiosa»). Há quem defenda que era tempo dedicado a "Februus", a quem os romanos dedicavam sacrifícios para compensar / evitar a escassez do ano.
     Ao estudar o calendário egípcio, no qual constavam 365 dias, Júlio César trocou o calendário lunar pelo solar. Janeiro e fevereiro foram colocados no início da contagem e o imperador distribuiu os dez dias de diferença face ao calendário anterior por vários meses. Claro que julho (o mês de 'julius') não podia ser menor do que outros; mas o de César Augusto também não (agosto). Na alternância dos trinta e dos trinta e um dias nos diferentes meses, dois sucessivos ficaram com trinta e um (os imperiais); o mais pequeno ficou fevereiro, que, de quatro em quatro anos, tem vinte e nove dias, por o ano solar ser um pouco maior do que 365 dias.
      As mudanças de calendário, entre os cálculos precisos dos astrónomos (considerados entre dois equinócios solares) e as decisões dos imperadores romanos ou as dos papas, marcaram fevereiro sempre como o segundo mês (introduzido com o inicial janeiro) num arranjo temporal que nunca se revelou equilibrado nas alternâncias ou no número de dias contados. 

    Purificado ou não, este é mês diferente: "dos gatos" como popularmente se diz; pequeno quanto baste para cedo se chegar à primavera, apesar do inverno que faça sentir.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Um dia de muitas razões

     Coincidência ou não, este é dia para lembrar.

     Enquanto português, o cinco de outubro vem de há séculos com a marca da independência nacional, já que, em 1143, o Tratado de Zamora foi assinado entre D. Afonso Henriques e o primo, Afonso VII de Leão - o que para alguns historiadores representa a assinatura de uma declaração de independência de Portugal e o início da dinastia afonsina ou de Borgonha. 
    O motivo oficial do feriado nacional nada tem a ver com monarquia: é a data da implantação da República, em Portugal, em 1910.
    Uma outra razão faz o dia grande, quando a UNESCO, desde 1994, reconhece este dia pelo papel fundamental dos professores na sociedade, homenageando todos os que contribuem para o ensino e para a educação de crianças, jovens e adultos enquanto construtores de futuro. 
D. Pedro II, segundo e último imperador do Brasil
    Em tempos de República,  talvez seja ousado citar a figura de um imperador para lembrar a importância dos professores. Ainda assim, o pensamento de D. Pedro II do Brasil, quando afirmava "Se não fosse impera-dor, desejaria ser pro-fessor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro", traduz algum do sentido da ação docente. Enquanto tal, acrescentaria que somos (d)o presente, também lidamos com passado e temos de perspetivar o futuro.
     Lembrando os que me marcaram como estudante e os que se têm vindo a cruzar no meu percurso pessoal e profissional, uma palavra impõe-se neste dia que, afinal, é nosso, para além dos muitos outros que se dedica a quem connosco cruza no caminho e no exercício da nossa a(tua)ção. O descanso "republicano" pode não vir a corresponder às exigências da profissão. Porém, há que conquistar momentos e reconhecer que este é o dia dos que, como eu, são PROFESSORES.

      Há os que são por algum tempo; há os que são e ficam para a vida; há os que ultrapassam o próprio âmbito da escola. A minha professora Ângela, a primeira de todas, na Escola (ainda Primária) de Gondivai, tem hoje o seu dia partilhado comigo e com muitos outros que têm essa designação maior: PROFESSOR(A). 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Começou a guerra...

     Depois dos passos que estão a ser dados para vencer "uma guerra", chegou outra, bem mais literal.

    A memória humana é bem curta! Quando se afirmava a pé juntos que a humanidade ia ser melhor; depois de se ter vindo a lutar contra um vírus que ainda por aí grassa, um país entra em guerra com outro. A Rússia ataca, invade a Ucrânia, criando na Europa um clima de conflito aberto, ameaçador. Bombardeamentos, explosões, mortes, combates, fugas, desespero humano são consequências de um ato com todos os sinais de fascismo e autoritarismo recriados à semelhança histórica do século passado; também de outros que inspiraram reflexões (ainda) tão atuais:

   “É a guerra aquele monstro que se sus-tenta das fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais come e consome, tanto me-nos se farta. É a guerra aquela tempes-tade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades em que não há mal nenhum que ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro: o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.”
Padre António Vieira, 
Sermão histórico e panegírico (nos anos da rainha D. Maria Francisca de Sabóia)
citado in Aníbal Pinto de Castro, XV Colóquio de História Militar, 2005, p. 103

    Há cerca de 83 anos, em 15 de março de 1939, tropas alemãs invadiram a Boémia e a Morávia, sob o pretexto de alegadas privações sofridas por alemães a viver nas regiões norte e oeste da fronteira da Checoslováquia (os Sudetos). A libertação só aconteceria dezasseis anos depois, com o que a História nos deu a provar com a Europa nazi.
     Mais contemporaneamente, a iniciar o século, as palavras de Mia Couto relembram, em O Último Voo do Flamingo (2000), que "a guerra nunca partiu":

    "As guerras são como as esta-ções do ano, ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda".

      Bom seria que nos tornássemos "gente grande".

    Coincidências que não se querem tão dolorosamente duradouras, a bem da paz e dos povos, da Humanidade, mas que alguns homens teimam engonçar de forma despótica - "Imagine all the people living life in peace" (John Lennon).

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Leonardo

      Começou bem o ano televisivo, com uma série sobre um grande para a Humanidade!

    O título disse tudo: "Leonardo". Sim, o que nasceu em Florença, em Vinci (comuna italiana, na Toscana). Daí, Leonardo Da Vinci. 

Leonardo (centro), Caterina (esquerda) e o investigador da polícia (direita) - imagem representativa da série

    Em duas semanas foi exibida, na RTP1, uma série datada de 2021, com realização em países europeus como a Itália, o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Espanha, bem como nos Estados Unidos da América. Enquanto figura das mais importantes no Alto Renascimento (nas áreas das artes e das ciências), Da Vinci foi apresentado com algumas fragilidades e pontos críticos no seu percurso biográfico; foram identificadas as suas influências, as suas invenções, sem esquecer o relevo de muitas das suas obras-primas. Encarado como o próprio arquétipo do Homem do Renascimento, foi retratado como polímata, dotado de talentos diversos e obcecado pela perfeição.

Encontro pessoal com a estátua de Leonardo da Vinci, em Milão

      Na representação desta figura, o ator Aidan Turner deu corpo a um protagonista histórico, numa intriga criada por Frank Spotnitz e Steve Thompson. 

Trailer oficial da série televisiva exibida na RTP1

     O ponto de partida foi localizado na cidade de Milão, em 1506, quando Leonardo da Vinci foi preso por ser falsamente acusado de envenenar Caterina de Cremona. Entre intrigas palacianas e detetivescas, houve toda uma analepse para recuperar a juventude (quando aprendiz no estúdio de Andrea del Verrocchio, onde conheceu Caterina) e a infância (quando abandonado pelo pai); refez-se todo um percurso de vida, pautado por descobertas, desistências, frustrações e conquistas, ganhos e perdas, amores e desamores, rivalidades, enganos e desenganos, com a entrega fiel ao que escolheu como família, paixão e projeto de vida.

   Na contracena, Matilda De Angelis (Caterina), Alessandro Sperduti (Tommaso Marsini, o companheiro de artes) e Carlos Cuevas (o amante Salai) enquadraram a vivência marcante desse artista e cientista, explorando a dimensão emotiva, pintada de várias tonalidades, na genialidade do autor de "Mona Lisa (ou Gioconda)" e "A Última Ceia".

terça-feira, 19 de outubro de 2021

67 anos depois - o reconhecimento oficial

      Uma cerimónia e uma homenagem justas para "Um Justo entre as Nações" português.

       Um exemplo humano a reconhecer, sem dúvida. Pena que, oficialmente, seja passado tanto tempo e depois de a voz da consciência interior ter sido confrontada com a injusta miséria infligida no final da vida. Como mais vale tarde do que nunca, chegou a devida homenagem, porque se impunha. Não foi no mês do nascimento (julho) nem no da morte (abril) Qualquer outro serve, pois este é um homem para lembrar a todo tempo pelo que fez; pelo testemunho que deu.

Aristides de Sousa Mendes - o cônsul de Bordéus (1885-1954)

    Aristides de Sousa Mendes causou incómodo ao poder, desrespeitando o dever de um diplomata: obedecer às diretrizes de um governo nacional(ista) mais interessado em se aliar à força maior da(s) ditadura(s) do tempo. Recusou seguir as ordens de Salazar (e o conluio que acabava por ter com Hitler). Teve um processo disciplinar por isso; sofreu, sabendo que ia ser castigado. Todavia, foi numa cultura de desobediência, e de consciência, que acabou por dar uma lição ao mundo: devolveu, com os vistos que assinou, a vida a milhares de perseguidos; olhou o outro na sua diferença e na sua desgraça, respeitando-o e libertando-o de uma morte certa à mão dos nazis. Fê-lo(s) chegar a Lisboa, tornada porta da esperança e da liberdade para mais de dez mil pessoas.

Jardim dos Castanheiros, junto à Casa do Passal
com árvores plantadas por judeus que visitaram a localidade e homenagearam o seu "salvador" (Foto VO)

     Foi este o legado de um homem. Ou melhor, de um Homem; de um Português, que assumiu um ato de consciência excecional: o de que sempre esteve certo (por mais que os poderes do tempo não o apoiassem).

     Hoje, precisamente há 81 anos, era lida uma sentença que castigava um justo; hoje, neste mesmo dia, um corpo mantém-se longe da capital, na sua terra de Carregal do Sal (Cabanas de Viriato), enquanto uma lápide evocativa é colocada no Panteão Nacional. Relembra um ser humano que salvou a vida de muitos outros e fez da sua a luta por valores e causas com sentido(s) de Humanidade. 


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto

     Um dia que não pode ser desconsiderado na memória da Humanidade, por mais que o tempo passe.

     Entre os livros que se leram, os filmes que se viram, as palestras a que se assistiram, as viagens que se fizeram, nada se equipara ao vivido.
     Tenho algumas memórias acerca do dia lembrado, felizmente, nada comparado com os que sofreram na pele os acontecimentos hediondos da História. Ainda assim, são memórias minhas entre a revolta e o medo de que esses tempos tenham existido e de que possam vir a repetir-se por ação consciente do Homem, desconsiderando e humilhando o seu semelhante.
    O mais próximo que estive dessa realidade foi ter viajado e ter observado sinais de uma vivência que atualmente se pode dizer museológica, mais de sessenta anos depois, em Sachesenaushen, em Auschwitz, em Birkenau. Pisar o chão que foi percorrido por judeus, e não só, conduzidos ora para trabalhos forçados (em condições de sobrevivência desumana) ora para a morte, é uma memória necessariamente distante do sofrimento real, por mais que este possa ser mostrado aos olhos de um turista. Cada passada em chão de terra e cascalho é ouvida nesse caminho que foi o de centenas de milhares forçados a um infortúnio frequentemente fatal. Faltam as sirenes, as luzes de denúncia e perseguição; os gritos dos militares e o ladrar dos cães; a chuva ou a neve ou o vento ou todos eles combinados; a verdadeira fome e sede (tanto de pão como de justiça); as fortes agressões físicas e psicológicas; o céu escuro da noite ou o cinza diurno dos folículos negros da chaminé caindo e com cheiro a carne queimada. 
       Pode ainda sentir-se o peso do momento; nunca será o do tempo da recordação.

À entrada "O trabalho liberta", em Sachsenhausen (Foto VO)

        O Campo de Concentração de Sachsenhausen, pequeno na comparação com os congéneres polacos, é um desses espaços-museu, na Alemanha. Ativo desde meados de 1936 (numa inauguração simultânea com os Jogos Olímpicos de Berlim) a abril de 1945, tem o nome Sachsenhausen, na cidade de Oranienburg, em Brandemburgo. Foi aí que se confinaram ou liquidaram em massa, primeiro, os opositores políticos ao regime de Hitler; depois, judeus, ciganos, homossexuais, Testemunhas de Jeová, além de milhares de prisioneiros de guerra.

Memorial das vítimas de Sachsenhausen (Foto VO)

        O memorial às vítimas - primeiro, às mãos dos nazis, depois, à mão dos serviços secretos soviéticos - é um belo registo escultórico dos tempos sórdidos então vividos pelos prisioneiros. Numa das várias placas espalhadas pelo campo, lê-se uma das maiores lições a tirar do que foi experienciado:

Pensamento de um prisioneiro do Campo de Concentração de Sachesenhausen (Foto VO)

"E eu sei mais uma coisa - que a Europa do futuro 
não pode existir sem comemorar todos aqueles, 
independentemente da nacionalidade, que foram mortos naquele tempo, 
com todo o desprezo e ódio; que foram torturados até à morte, 
famintos, gaseados, incinerados e estrangulados..."

          Em plena Berlim, entre as muitas evidências do que foi o centro da II Grande Guerra, um outro sinal das atrocidades infringidas pode ser contemplado:

Memorial dos Judeus, em Berlim (Foto VO)

       Em terreno inclinado, 2711 lajes de cimento compõem o "Memorial do Holocausto", construído entre 2003-2004 e inaugurado em maio de 2005, numa homenagem aos judeus vitimizados no holocausto europeu. São cerca de 20.000 metros quadrados com blocos de tamanho distinto, onde os turistas se passeiam, se cruzam numa espécie de labirinto aberto - um monumento da desgraça passada a divertir os que presentemente parecem estar a jogar às escondidas.
       Não há A Lista de SchindlerA Vida é Bela ou O Pianista que se equipare a cada passo calcorreado nestes locais de desgraça humana, hoje encarados como uma topografia de horrores, de roteiros de sinais de tragédia distante.
     Foram imensas as vítimas, muitas mais as desgraças que só alguns puderam, de algum modo, contrariar. No caso português, há o exemplo recentemente lembrado com o "Dia da Consciência".

      Está anunciado para o Porto um Museu do Holocausto, o único da Península Ibérica. Quero lá ir, certamente, quando a pandemia não for tão trágica; porém, os ares alemães e polacos serão sempre mais autênticos para um genocídio humano que o regime nazi impôs ao Mundo.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Dia de Reis no século passado e no presente

     Depois do Natal e da passagem de ano, chega a vez do Dia de Reis.

    Já lá vai o tempo em que a festividade dos reis ficava abrangida pela pausa letiva (e ninguém ficou traumatizado ou aprendeu menos por isso). Hoje, é na vizinha Espanha que se dá importância aos ditos, com a troca de prendas natalícias precisamente na passagem da véspera para o dia de hoje. Faz sentido, atendendo ao facto de os três reis magos - Belchior, Gaspar e Baltazar - também terem levado, ofertado ao menino ouro, incenso e mirra.
     Há mais de um século, outros reis ofereceram ao menino "Futuro" a Democracia, o Socialismo e até mesmo o Niilismo. Trata-se de uma ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro, publicada no jornal A Paródia, à data de 7 de janeiro de 1904.

Os Reis (e os presentes), ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro (1904)

   Numa alusão aos Reis Magos, Bordalo Pinheiro recriou o episódio do Novo Testamento, num paralelismo com os monarcas da Europa do início do século passado. Montando camelos, vão adorar o "Futuro". Levam-lhe 'ismos' de cariz muito ideológico: o rei de Inglaterra (Eduardo VII) leva o socialismo e a democracia; o czar da Rússia (Nicolau II), o neocristianismo e o niilismo; Francisco José da Áustria, o socialismo; o Kaiser Guilherme II da Alemanha, a social-democracia; o rei de Itália (Vítor Manuel III), o anarquismo e o socialismo; Afonso XIII de Espanha, o cantonalismo e o iberismo; o rei sueco, o separatismo. 
   Um não é soberano: o presidente francês (Loubet).  Oferece o cosmopolitismo e o socialismo. Digamos que, na procissão, este era um a fazer alguma diferença.
     Hoje, a diferença talvez residisse numa dádiva mais comestível:

Os três reis magos e o outro, que não é mag(r)o - tradução e adaptação VO

     Há reis que sabem aproveitar a oportunidade! 

    Não sei se o Futuro ficou bem servido com estes reis (mais um presidente). Hoje diria que o monarca maior seria aquele que presenteasse a atualidade com mais humanismo, sentido de justiça e saúde.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Gramido: a casa branca

       Junto ao Douro, no concelho de Gondomar (Valbom), há uma casa histórica.

     É a Casa Branca de Gramido, edifício solarengo do século XVIII (1789) com características de um neoclássico rural. Nela ocorreu, em 29 de junho de 1847, a assinatura da Convenção de Gramido, que assinalou o final de uma época de conflitos entre liberais e absolutistas, nomeadamente os que se sucederam às sublevações populares e burguesas conhecidas, respetivamente, como Maria da Fonte e Patuleia. 

Casa Branca de Gramido I, após requalificação com o programa POLIS (Foto VO)

Casa Branca de Gramido II, após requalificação com o programa POLIS (Foto VO)

     Ainda durante o século XIX, o espaço foi armazém de cereais, comercializados pelos proprietários «Cazas Brancas» para a atividade da panificação (de Valongo e Avintes, essencialmente). Os grãos de trigo trazidos rio abaixo pelos barcos rabões (de aspeto mais claro do que aqueles que transportavam carvão) eram desembarcados nesse armazém. Por extensão da designação da família proprietária e pela imagem clara dos barcos, popularmente chegou-se à denominação de "Casa Branca".

Convenção de Gramido (1847)

  A projeção e imponência visuais do solar duriense, progressivamente ampliado ao longo do século XIX e restaurado quase século e meio depois, revestem-se da importância histórica de que o local é exemplo, com a afirmação da paz após a Guerra Civil da Patuleia. A Convenção, assinada entre comandantes dos exércitos espanhol e britânico (entrados em Portugal ao abrigo da Quádrupla Aliança), mais os representantes da Junta do Porto e as forças do governo mais conservador, selou a derrota dos setembristas (revoltosos) frente aos cartistas (apoiados pela rainha) numa guerra civil que vinha a assolar o país desde a década de vinte e, mais particularmente, nos anos de 1846-1847. Menos de cinco anos depois, a concórdia viria a sofrer algum revés, com a força governamental apoiada por D. Maria II a retirar aos revoltosos poderes e influências em prol de um maior conservadorismo.

   A recuperação da casa, depois de uma fase de crescente degradação e de um incêndio que praticamente a abandonou a um estado de desleixo e decadência inevitáveis no século XX, ocorre no período 2005-2006, sendo a inauguração da sua requalificação datada de 31 de maio de 2008.

Marginal do Douro, em Gondomar (Foto VO)

      Enquadrada num espaço reabilitado, a Casa Branca de Gramido faz relembrar o romance Uma Família Inglesa ([1867] 1868), de Júlio Dinis, quando Manoel Quintino, guarda-livros da família Whitestone, se refere à zona da marginal como não havendo "outro passeio assim nos arredores do Porto". Desse passeio, em manhã mais soalheira, se faz aqui registo, em tempos mais contemporâneos.

       Na marginal do Douro, a Casa Branca de Gramido vigia o curso do rio.    

sábado, 25 de abril de 2020

Celebrar a liberdade (ansiando pela libertação)

       Há sempre razões para celebrar a liberdade surgida da ditadura.

       Para que não se esqueça o passado mal vivido e se tenha presente as conquistas conseguidas, faz sentido celebrar este dia, aquele que "acordou" sem o peso dos grilhões do autoritarismo e do despotismo; do controlo e do poder ditatoriais que não dão felicidade nem permitem afirmar a dignidade humana; do medo da perseguição.
       Hoje, sem a liberdade de movimentos desejada, persiste a liberdade da democracia. Confinados, sim, mas livres do jugo político que alguma ideologia possa representar - aspirando à libertação, porém, com a liberdade garantida.
       Este é o 25 de abril dos tempos da pandemia. Ainda assim, 25 de abril: aquele que precisou de vítimas, de heróis, de canções e de poemas "de guerra" em "vozes de rebate" (com o diria Antero de Quental, em "A um Poeta"); de luta contra a resignação; de espírito de resistência.
      A poesia e o canto, comprometidos com a revolução (seja esta qual for), fazem ainda sentido. Hoje também é preciso "acordar" as mentalidades para a mudança de comportamentos; para os cuidados que trarão o desconfinamento necessário a uma vida com mais cor, dando-nos maior liberdade. 
   Por isso, relembro "Acordai", canção heroica, um dos hinos nacionais de resistência, que contribuíram para exaltar a liberdade e motivar quem lutava contra o salazarismo. Inicialmente publicada em 1946, foi silenciada pela Censura; contudo, muitos resistentes a divulgaram, de forma subreptícia, em encontros clandestinos ou em países de exílio. Hoje partilho-a sem "a dor / dos silêncios vis" de outrora; antes com a distância dos que, limitados, não são servis:

ACORDAI

Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raiz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!

A voz de Teresa Salgueiro 
com os versos de José Gomes Ferreira e a música de Fernando Lopes Graça

       Acordai ou a cor dai a este dia (sem frenesins), pelo que foi, pelo que é e pelo que poderá e deverá continuar a ser, sem que nada acinzente a democracia.

       Outro dia poderá ser mais feliz, mas tem este a liberdade há quarenta e seis anos conquistada.
        

sábado, 11 de abril de 2020

Nem sempre quem vence é o vencedor.

        Ontem foi tempo de ver Maria, Rainha dos Escoceses.

    Na TV-Cabo, no canal NOS Studios, foi hoje exibido o filme "Mary, Queen of Scots", da realizadora Josie Rourke (2018). Nele se aborda, em paralelo, dois percursos reais: o de Mary Stuart, chegada de França, depois de enviuvar do rei Francis II; o da imperiosa Isabel I de Inglaterra. 
       No meio do poder e do jogo político-religioso dos finais do século XVI, duas mulheres assumem protagonismo carismático, com Mary (Saoirse Ronan) a reivindicar o seu direito ao trono inglês (enquanto bisneta do rei Tudor Henry VII) e Isabel (Margot Robbie) a ver a sua soberania ameaçada. De forma diplomática, entre a admiração pela rival e a afirmação do seu poder, ambas gerem uma autoridade a todo o tempo cuidada até que a segunda acaba por decretar a decapitação da primeira.

Maria, Rainha dos Escoceses (2018) - Trailer oficial legendado

       Mary Stuart acaba por ser um exemplo de vítima dos jogos políticos.
     É na situação de condenada que arranca o filme, até que, por analepse, se dá conta do regresso dela à Escócia. Representante de uma linha católica que se vira algo afastada da corte isabelina, Mary assume, na Escócia, uma postura de tolerância quanto à religião, mas não deixa de enfrentar a resistência crescente de movimentos protestantes, encabeçados por John Knox e por grande parte da nobreza escocesa. Num convívio contínuo com a influência francesa, numa política de casamentos que não é muito favorável à sua imagem pública, a filha de James V da Escócia acaba por ter de abdicar do trono e de se exilar junto da prima Isabel I. Esta última vai ser, a um só tempo, não só protetora da sua maior ameaça como também juíza do destino final. Protege-a, por forma a não acicatar os apoiantes da causa católica (de que a sua predecessora e irmã, Mary Tudor, fora representante maior), evitando uma revolução; acusa-a de traição, ao final de anos de auxílio, por causa de uma pretensa carta (assinada pela rival, mas que muitos assumem ter sido artimanha de conselheiros ingleses), na qual se conspirava e se propunha o termo da vida da rainha inglesa.
     Na luta dos interesses matrimoniais e na consolidação da independência de ação, estas duas rainhas foram, contudo, peças de um jogo maior: o da vida. Se Isabel I consolida o seu poder e afirma uma era de florescimento cultural durante o seu reinado, à hora da morte e sem sucessão declarada (algo que Mary repetidamente tentou obter), é James I, VI da Escócia, fruto do casamento de Mary com Henry Stuart (Lord Darnley, interpretado no filme por Jack Lowden), quem vem legitimamente a tornar-se Rei da Escócia e de Inglaterra. 
     Num circuito de intrigas palacianas, traições, revoltas e conspirações cortesãs, um trono e uma dinastia impõem-se (dos Tudor), mas o futuro rumo da história inglesa será ditado por uma outra linhagem soberana (dos Stuart).

      Um filme, inspirado na obra homónima de John Guy (Queen of Scots: The True Life of Mary Stuart, de 2014), mostra como os vencedores nem sempre são os que detêm o poder ou os que vencem momentaneamente causas discutíveis.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Revendo 'A Lista de Schindler'

     Foi dos filmes mais marcantes do final do século XX, obra-prima de Steven Spielberg.

    Já há um tempo andava com vontade de rever este filme. As interpretações de Liam Neeson (Oskar Schindler), Ben Kingsley (o contabilista judeu Itzhak Stern) e Ralph Fiennes (o comandante alemão Amon Goeth) são marcantes, bem como produção feita a preto e branco maioritariamente (só aqui e ali com uma nota de cor). No enredo, situado entre 1939 e 1945, revê-se a Polónia nazi, o genocídio dos judeus, a Checoslováquia da fábrica e do campo de concentração de Schlinder (Brünnlitz). Em mais de três horas, retratam-se, de forma mais ou menos ficcionada, episódios de vida de um Justo entre as Nações mais o périplo de um povo que, na II Grande Guerra, viveu mais uma etapa trágica na sua diáspora.

Compacto de A Lista de Schindler (1993)


    Inspirado no livro homónimo de Thomas Keneally, é seguramente um dos filmes da minha vida, desde que há mais de vinte e cinco anos ficaram imagens fortes como a da irritante criança loura que assiste ao desfile de judeus nas ruas polacas e grita "Goodbye, Jews!"; a do professor de História e Literatura que não é considerado "trabalhador essencial", mas acaba por o ser quando diz ser "polidor de metais"; a dos soldados alemães que discutem se a música tocada por um outro é da autoria de Bach ou de Mozart, enquanto ocorre o fuzilamento de vários judeus; a da criança vestida de vermelho, que se esconde do exército nazi, mas acaba junto de outros corpos; a do intolerável comandante Amon Goeth a fazer "tiro ao alvo" da sua varanda para alguns judeus que se encontram no campo de concentração de Płaszów; a de crianças que se escondem nas sanitas conspurcadas, na esperança da sobrevivência; a de uma outra criança insuportável a simular, com a mão, o corte de pescoço para as mulheres que chegam ao campo de Auschwitz-Birkenau; a do banho ameaçador das mulheres numa câmara que, em vez de água, bem podia ter sido de Zyclon B; a do comovente Schindler a chorar por não ter conseguido salvar mais judeus. O percurso deste povo é representado na pior das agonias.
     Mais significado ganha o filme quando, apesar da distância no tempo, se contacta com os locais nele retratados: a fábrica de Schindler e a judiaria, em Cracóvia; o campo de Auschwitz-Birkenau.

Praça Bohatérow Getta (ou dos Heróis do Gueto), no distrito de Podgorze, 
no gueto judaico de Cracóvia, com Monumento das Cadeiras, diz-se, pago por Roman Polanski
 (local onde eram selecionados os judeus para os campos de concentração) - Foto VO

Fachada da fábrica de Schindler, em Cracóvia - Foto VO

Janela à entrada da Fábrica de Schindler 
(com fotos e nomes dos trabalhadores judeus) - Foto VO 

Monumento Judeu junto ao bairro Kazimierz, onde este povo vivia na cidade, antes da II Guerra
(colocação de pedras como prática nas sepulturas judaicas, lembrando a época do Antigo Testamento) - Foto VO

Pórtico da Sinagoga Remuh, ao fundo do bairro Kazimierz
(nome a lembrar o rei Casimiro, fundador do espaço judaico na Baixa Idade Média) - Foto VO

    O bairro Kazimierz foi local da gravação cinematográfica, tendo-se, a partir desta última, conseguido a recuperação do espaço (dado o interesse turístico que o tem marcado). Quem por ele passeia não deixa de sentir o peso da História, os sinais da tragédia, o espírito de uma revolta contra quem pôde alguma vez defender o genocídio judeu, o holocausto.
      Na confluência de sentimentos, quando percorri estes locais, dizia para comigo que tinha de rever A Lista de Schindler. Entre a revolta do vivenciado com as políticas antissemitas e a admiração por um homem, no meio de outros iguais, dominou um sentido de compaixão e de gratidão muito forte. A cena final do filme (homenagem dos judeus salvos por Schindler junto à campa, em Jerusalém, no Monte Sião) é a representação maior da figura dessa gratidão, uma espécie de pacto ou princípio que, aliás, atravessa toda a película, ainda que numa multiplicidade de sentimentos bem difusos: o de Schindler para com Stern, no reconhecimento do trabalho deste; o de Amon para com Schindler, enquanto parceiros de negócios pautados por suborno e contrabando; o de Schindler para com uma judia, beijando-a num dos aniversários dele, quando lhe é ofertado um bolo; o dos judeus para com Schindler, à hora da rendição alemã incondicional, oferecendo-lhe um anel a partir de um dente de ouro fundido, a partir dos bens de muitos, e trabalhado à hora do final da guerra.
        Hoje o Ser Humano não pode deixar de estar, quase por ironia, agradecido a um partidário inicialmente nazi, o único que tem sepultura em território judeu, pelos mais de mil que ajudou a salvar.

      De oportunista interessado em ganhar dinheiro a herói tomado pela humanidade (sem escolha) ao salvar judeus, Oskar Schindler fica para a memória de muitos como um dos protagonistas da Sétima Arte, num filme que recebeu sete óscares, um deles o de Melhor Filme (1994). E foi tudo, na base inspiradora, tão real!

quarta-feira, 1 de abril de 2020

E não é engano!

     Em pleno dia das mentiras, das petas, dos tolos ou bobos, da gafe ou dos enganos.

    Neste 1 de abril, foi o tempo que nos pregou uma partida: depois de dias nebulosos e cinzentos, trouxe um final de tarde cheio de cor:

     Uma só árvore, um só mar, um só pôr do sol, um só caminho (Foto I - VO)


   
 























Uma só árvore, um só mar, um só pôr do sol, um só caminho (Foto II - VO)


       Esta é brincadeira boa, em tempos tão críticos. 
    É verdade que a celebração tem tudo a ver com o tempo, mas numa outra dimensão. Diz-se que esta celebração surgiu em França, onde, desde os inícios do século XVI, o Ano Novo era festejado a 25 de março (a chegada da primavera) e durava até ao dia 1 de abril.
     Com a adoção do calendário gregoriano (1564), o rei francês Carlos IX oficializou o ano novo a ser comemorado no dia 1 de janeiro. Houve quem resistisse a tal determinação e alguns franceses mantiveram os costumes do calendário juliano. Assim se conservava o dia 1 de abril, por engano, por trapaça, por resistência ou por mentira. Houve também quem ridicularizasse a situação, enviando presentes estranhos e convites para festas inexistentes (atitudes conhecidas como "plaisanteries").

     O prazer de um final de tarde como o de hoje deu lugar a fotografia, junto ao mar, numa espécie de, à italiana ou à francesa, celebrar a(o) "pesce d'aprile" ou "poisson d'avril".