quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Do tempo dos ladrões

      É clássica (em duplo sentido, no caso) a atualidade das palavras dos grandes escritores.

      Assim se lê no capítulo V do Sermão do Bom Ladrão, proferido por Padre António Vieira em 1655, na Misericórdia de Lisboa (quando o queria ter feito na Capela Real):

    Não são só ladrões, diz o santo [São Basílio de Magno], os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. — Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: — Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes? De um, chamado Seronato, disse com discreta contraposição Sidônio Apolinar: Nou cessat simul furta, vel punire, vel facere: Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. — Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.

      Nem quatrocentos anos (e pelos vistos não são muitos!) para se continuar a ler tão atuais palavras! A evolução, se a houve, foi na subtileza do furto... que deu fruto. Se Adão se fez ladrão recebeu o inferno; mas há ladrões maiores que, por não serem ou não se acharem Adões, conseguem chegar ou andar pelo paraíso.

    E assim se pode dizer que dos ladrões ou dos "reis" deste mundo já há muito reza a história, com exemplos vindos da Antiguidade (a roubar províncias ou a comportarem-se como ladrões grandes - a roubar e despojar os povos). Qualquer semelhança com a realidade não é pura ficção.

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