quinta-feira, 23 de julho de 2020

Café com tempo(s) e Pessoa(s)

        Eles sabem quem são e como fica(ra)m no coração.

           Fechou-se um ciclo; um outro estará prestes a abrir. 
        Tem sido insólito este tempo: impede aquilo a que se tem direito depois de tanta entrega e trabalho conjuntos. Fica o agridoce dos afetos, que não puderam ser expressos pelo que de mais natural têm: a proximidade do abraço, o beijo na face, o toque da mão (tudo merecido e, por segurança, negado); ainda assim, o convite, a presença.
        Ficou o olhar. O sorriso, incompleto (porque vedado pela máscara), viu-se ainda no brilho  dos olhos. Ficou o (re)encontro num local tão familiar quanto diferente de tudo o que antes foi vivido e agora (re)lembrado. 
          Ficaram as palavras também tornadas atos, no que estes puderam ser.

Uma lembrança em palavras, pessoal e pessoana, com um "cotovelo gigante" (Foto VO)

      Chegou uma lembrança para recordar outras tantas de uma "bagagem invisível" (cito as palavras gentis de um postal tão manual quanto feito de entrega) que todos levamos deste encontro de três anos. Na minha, há uma jornada conjunta, remando contra adversidades; construindo compromissos, cumplicidades, identidades. Conquistas comuns.
       Foi muito bom o ciclo cumprido. Melhor ainda o reconhecimento recebido, ao ler "Todos nós sentimos que, através da sua paixão pela nossa língua, pela literatura, pelo ensino, aprendemos e crescemos enquanto alunos e, principalmente, enquanto pessoas. Consigo descobrimos que a escrita, partindo de nós, apenas vive connosco temporariamente, sendo o propósito último a partilha". Os meus olhos retêm o pensamento, tão oportuno! Como lhes ensinei isto, não sei bem. Sei que não foi com nenhuma planificação, nenhuma grelha ou nenhum plano prévio. Ou talvez com isso tudo e muito mais (bem mais importante): foi a cada dia, com a vontade de estar e o desejo de que me dessem o que de melhor tinham. E todos tinham! Uns mais, outros menos; uns dias mais felizes, outros nem tanto; com mais ou menos dúvidas; entre respostas fantásticas e outras que davam oportunidade para ensinar e aprender. No meio da postura séria, da responsabilização, do "puxar de orelhas", do riso e da gargalhada comuns aos cúmplices, assim se compuseram dias, semanas, meses e anos, dando tempo e atenção a todos.
        Lê-se, no pires, "o perfeito é o desumano". Espero ter conseguido ser deveras imperfeito! 
      (Ai aquele PS - «Nunca esqueceremos o lema 'Trabalho, trabalho e mais trabalho!'» - faz-me lembrar qualquer coisa...!). 

      Tempo de encher a chávena e beber um café, sem açúcar, mas com a doçura e o cheirinho já das saudades. Obrigado pelo tempo dos saberes, dos sabores e dos afetos. O nosso tempo.

sábado, 11 de julho de 2020

O "Arcus" do céu

    Ao final do dia, a imagem do céu era estranha.

  Mais propriamente via-se nele uma nuvem tão diferente do comum! Era uma espécie de rolo entrelaçado, vindo das profundezas do mar, subindo ao ar e esticando-se no sobrevoo da terra.

O 'Arcus' nos céus de Espinho (Foto VO)

  Tempos houve em que se podia falar de um monstro ou de uma serpente marinha, pronto(a) a tragar marinheiro, pescador ou humano que desafiasse domínio que não é naturalmente seu.
    Hoje diz-se que é um fenómeno atmosférico geralmente associado a uma nuvem baixa e horizontal, tipicamente surgindo como “frente de rajada” à saída de uma tempestade. Só que não havia tempestade. Apenas um dia quente, com alguns sinais aqui e ali de uma trovoada seca.

    Era tempo de final de dia, com uma brisa de mar agradável e as marcas de que um belo dia de praia não está livre dos sinais das intempéries.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Um dueto com "olhos de Deus"

        Uma versão musical que, em dueto, resulta numa peça singular.

        A letra de Pedro Abrunhosa e o canto de Ana Moura são combinação perfeita para um fado-canção que ganha também com a interpretação do compositor. Assim se apresentou televisivamente (na TVI, primeiro, na RTP-1, hoje, em "A Casa d'Amália") esta composição tão genuína nas sonoridades e no texto:

Versão em dueto de "Tens os olhos de Deus" 
(emissão televisiva da TVI)

TENS OS OLHOS DE DEUS

Tens os olhos de Deus
E os teus lábios nos meus
São duas pétalas vivas
E os abraços que dás
Rasgos de luz e de paz
Num céu de asas feridas
E eu preciso de mais
Preciso de mais

Dos teus olhos de Deus

Num perpétuo adeus
Azuis de sol e de lágrimas
Dizes: fica comigo
És o meu porto de abrigo
E a despedida uma lâmina
Não preciso de mais
Não preciso de mais

Embarca em mim

Que o tempo é curto
Lá vem a noite
Faz-te mais perto
Amarra assim
O vento ao corpo
Embarca em mim
Que o tempo é curto
Embarca em mim

Tens os olhos de Deus

E cada qual com os seus
Vê a lonjura que quer
E quando me tocas por dentro
De ti recolho o alento
Que cada beijo trouxer
E eu preciso de mais
Preciso de mais

Nos teus olhos de Deus

Habitam astros e céus
Foguetes rosa e carmim
Rodas na festa da aldeia
Palpitam sinos na veia
Cantam ao longe que sim
Não preciso de mais
Não preciso de mais

Vídeo oficial do original (no álbum "Moura", de 2015)

         O cruzamento com a boa música portuguesa tem acontecido a diferentes tempos, mas com zonas comuns de reconhecimento. A voz de Ana Moura tem sido uma das constantes.

          Do álbum "Moura" (o sexto, da fadista - 2015) vem o original. Cinco anos depois, está aí umas das composições, com novas interpretações.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

(Ainda) Vale a pena corrigir

   Há cerca de um mês denunciava um erro.

   Via uma placa de proibição de estacionamento com um erro ortográfico, fotografava-a e revelava a minha insatisfação por ver um sinal proibitivo linguisticamente com muito a desejar - quase a justificar a infração pela falta de legitimidade na força de autoridade (em virtude da fragilidade de quem não se parecia responsabilizar pela má escrita).
    Agora, sim, "bate a cara com a careta": proibição bem escrita, sem o acento gráfico indesejado (no primeiro 'i' de proibido):

Um sinal renovado, com a ordem (ortográfica) reposta (Foto VO)

    Ou seja, nova placa, em local certo e com escrita correta (a multa já não dá direito a reclamação, por ter mau uso da língua).
     Reposta a ordem (ortográfica), é favor respeitar / cumprir a proibição anunciada.

     Hoje aplaudo a correção feita. Do melhor exemplo que se possa a dar (claro está)!

segunda-feira, 6 de julho de 2020

(Mais) Um romano para o mundo, com " O Amor a Portugal"

          Começou o dia com o anúncio da morte de Ennio Morricone.

      Não se pode dizer que seja inesperado, para quem já tinha 91 anos, mas a juventude e a força reveladas um ano antes, no concerto do Altice Arena (Portugal), faziam prever que ainda havia resistência suficiente para construir novas melodias ou conduzir outros espetáculos.
     Falar de Ennio Morricone é sinónimo, entre outras coisas, de música no cinema. O compositor e maestro italiano, nascido e falecido na sua cidade natal (Roma), é uma figura mundialmente conhecida, pela projeção que teve, e ainda tem, com as bandas sonoras de filmes como Era uma vez na América (1984), A Missão (1986) ou Cinema Paraíso (1989), só para citar alguns dos títulos mais sonantes.
       Dizer que ele deixou música para a vida é afirmação demasiado simplista, porque foram / são várias as melodias que estão gravadas na mente: das mais de quatrocentas partituras que compôs para cinema e televisão, há ainda a acrescentar mais de uma centena de obras clássicas. 
      As cinematográficas são, efetivamente, as de maior projeção. São mais do que reconhecíveis sonoridades como...

Banda sonora de "Era uma vez na América" (1984)

          ... ou...

Interpretação de uma das músicas de Ennio Morricone, 
no filme Cinema Paraíso (1989)

      A sua primeira indicação para Óscar ocorreu em 1979, pela banda sonora de Days of Heaven (Terrence Malick, 1978); a segunda, por A Missão (Rolland Joffé, 1986); outras se seguiram, até que, em 2007, recebe, a título honorífico e pelos contributos na música da Sétima Arte, o Óscar Honorário. Em fevereiro de 2016, finalmente, acaba por ganhar seu primeiro Óscar competitivo, por The Hateful Eight (Quentin Tarantino).
        A ligação do compositor a Portugal, para além dos espetáculos cá conduzidos, faz-se também com a voz de Dulce Pontes. Com o álbum Focus (2003), materializou-se uma colaboração da cantora portuguesa com o maestro italiano: ela a cantar alguns dos clássicos dele, que se tornou seu admirador na voz.
         E entre os clássicos, apareciam alguns originais - um deles intitulado "O Amor a Portugal":

Versão orquestral de "O Amor a Portugal", de Ennio Morricone

O AMOR A PORTUGAL 

O dia há de nascer
Rasgar a escuridão
Fazer o sonho amanhecer
Ao som da canção e então

O amor há de vencer
E a alma libertar
Mil fogos ardem sem se ver
Na luz do nosso olhar
Na luz do nosso olhar

Um dia há de se ouvir
O cântico final
Porque afinal falta cumprir
O amor a Portugal
O amor a Portugal

        Se a música é símbolo de harmonia, Ennio Morricone muito contribuiu para ela(s). RIP.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Função sintática do 'que'

         E na base do estudo vem a dúvida: o 'que' tem função sintática!!! Como chegar a ela?

       São necessárias algumas dicas, para garantir alguma eficácia de resposta. "Gostava de acertar", dizem alguns. Outros dizem que não acertam mesmo, já na desistência. Há mesmo quem diga "Não percebo!"

      Q: Não percebo muito bem como é que um 'que' pode ter função de sujeito. A de complemento direto ainda entendo, mas a de sujeito...!!!

       R: Primeiro de tudo, interessa saber o seguinte: o 'que' tem função sintática enquanto pronome relativo, não como conjunção. Esta última pode fazer parte de uma oração subordinada que, toda ela, assume uma determinada função (não o "que" conjuncional):

         i) Penso que esta matéria é fácil
           ('que': conjunção subordinativa completiva > 'que esta matéria é fácil': função de complemento direto)

    Quando se está perante o pronome relativo (a retomar um antecedente), ele sozinho desempenha uma função na oração subordinada.
    Para chegar a tal função, interessa fazer o seguinte percurso: (i) assinalar a subordinada, (ii) verificar o elemento retomado pelo 'que', (iii) reconstruir a oração subordinada com princípio-meio-fim, mais o elemento retomado, (iv) identificar a função do elemento retomado pelo 'que' nessa reconstrução (é essa a função sintática do 'que').
       Veja-se o raciocínio para um primeiro caso:

     (i) Frase com subordinada sublinhada: 'O miúdo aproximou-se do cão que ladrou.'
      (ii) 'que' retoma 'o cão'
      (iii) A oração subordinada, com o elemento retomado, ficaria 'O cão ladrou'
      (iv) Como 'O cão' é o sujeito da oração subordinada, então o 'que' desempenha a função de sujeito (dessa oração subordinada; ou seja, um sujeito sintático de segundo nível de análise).

      Repare-se, agora, noutro exemplo:

      (i) Frase com subordinada sublinhada: 'O exame que os alunos vão resolver pode ser fácil.'
       (ii) 'que' retoma 'O exame'
      (iii) A subordinada com o elemento retomado, ficaria 'Os alunos vão resolver o exame'
      (iv) Como 'o exame' é o complemento direto da oração subordinada' o 'que' tem essa mesma função (na subordinada, sublinho).

     Deve, portanto, considerar-se que, neste tipo de questão, está em jogo um segundo nível de análise das funções - não ao nível da oração subordinante, mas, sim, da subordinada. Por sua vez, e porque o 'que' é um pronome (relativo), este desempenha uma função nessa subordinada (que deve ser objeto de reconstrução com o elemento retomado da subordinante).

      Ler a instrução do que vai ser resolvido é demasiado importante, para todas as situações e neste caso em particular. Não se trata de classificar a oração subordinada (toda), mas apenas de uma palavra nela incluída: o "que". Caso para dizer que um 'que' (pronome relativo) pode fazer a diferença.