quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Interações 'muito' educativas

     Há tempos, um colega contava-me uma experiência de sala de aula, no mínimo, risível.

     No máximo, este apontamento é o reflexo crítico para uma das grandes preocupações que certos grupos editoriais têm em "facilitar" o máximo do trabalho aos professores. Põem-se no papel de facilitadores, quando deviam ser facultadores de instrumentos credíveis.
     Reza a história o seguinte: estava o professor a corrigir um exercício de Ciências - solicitado para resolução em aula -, quando, na interação posteriormente criada, vive este diálogo:

     - Vamos lá corrigir a tarefa. Que respondeste à questão X, Diogo?
     - Ah, essa é resposta aberta!
   (Se o aluno experiencia a certeza do sucesso, fica o professor incrédulo perante a incoerência da resolução, pois nada faz prever que se discuta a abertura ou o fecho de qualquer coisa que seja). 
     - És capaz de explicar o que te levou a dizer isso?
     - Está aqui nas soluções, professor.
     (E mostra o livro, com uma banda de soluções à esquerda).

    Assim se educa para melhores competências nas aprendizagens!
    Têm já sido várias as experiências de que mais vale não ter em conta o que se diz nessas bandas; que tão mau (ou pior) quanto apresentar soluções inúteis é induzir professores a errar ou a vivenciar situações absurdas junto dos estudantes; que nessas bandas muitas vezes se constroem desconcertos, para não dizer mesmo erros inquestionáveis. Entre vários, o último que encontrei foi o de se assumir a expressão "esta barca de tristura" (segmento vicentino do quadro cénico do Fidalgo, proferido pelo próprio no Auto da Barca do Inferno) como representativa de eufemismo! (Imagino a "suavização" que o termo 'tristura' sugere, comparando com tristeza, ou que a própria personagem condenada deve sentir). 
     Se houver alunos que pensem que os autores devem estar loucos (ao proporem o que não devem), mais vale explicar que pensar é ato mais seguro do que receber respostas, muitas vezes surgidas não porque os primeiros queiram, mas porque alguém acha que os manuais - encarecidos numa época crítica para todas as famílias - vendem mais por isso mesmo. Interesses pouco didáticos ou pedagógicos, portanto.

   Ilusões incompatíveis com a consistência do saber (que para alguém já não é, por certo, prioridade).

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Outras oralidades

     O dia terminou em beleza, com colegas cheiiiiiiiiiinhos de gentileza.

     A melhor forma de terminar um projeto de trabalho é à volta da mesa, com um grupo tão interessante para o convívio como o foi para o trabalho.
   A ação 'Ensino-aprendizagem da oralidade: princípios, campos de trabalho, estratégias e práticas avaliativas' teve, hoje, uma sessão extra muito voltada para outras oralidades. Com boa comida, boa bebida e boa companhia, a noite só podia ser interessante, ainda por cima junto ao mar (por mais que a escuridão já não o deixasse contemplar). "Da Salvatore", em Francelos, foi local (muito bem) escolhido - salvou-nos a todos, por momentos, destes tempos tristes, controversos e dissonantes que vamos vivendo e que poucos já suportam (alguns, ouvir; outros, sobreviver).
     Em "Concordância", um "Mundo pequenino" (ao som dos Deolinda) chegou-me ao regaço, acompanhado de um texto que tem tudo o que a gentileza genuína dá.
      No ritmo das palavras, nos instantes poéticos partilhados, houve risos, muita conversa e emoção.


    O bem-estar do reencontro, a simpatia do momento ficam por certo na memória de uma noite bem passada.

      Esta foi a melhor sessão (extra) de toda a formação, pois, além do exercício atento da profissão, houve oportunidade para se mostrar o que de bom as pessoas têm: construir comunhão.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Um tipo de projeto... sem piloto

     Antes que o projeto não passe apenas disso, orientemos o piloto para o que interessa.

     A questão surge ao preparar o material a dar na aula, a partir de uma proposta de trabalho que parece levantar mais problemas do que preparar soluções.

    Q: Segundo uma tabela que os alunos têm no livro, a palavra 'projeto-piloto' deveria ter como plural 'projetos-pilotos'. Mas, muito francamente, não me cheira... No entanto, a regra deveria ser essa! Podes esclarecer-me, p.f.?

     R: A reação à proposta de plural avançada faz sentido, pois o exemplo é, entre vários outros, um dos casos críticos que apresenta alguma ambiguidade de tratamento tanto em gramáticas (relativamente antigas ou com reprodução de informação da gramática tradicional) como em manuais.
    Tradicionalmente, as palavras compostas com 'Nome+Nome' ou 'Nome+Adjetivo' eram relacionadas com a construção do plural através da adição do sufixo (gramatical) 's' no final de ambos os termos. Todavia, os contributos linguísticos (morfológicos) mais recentes têm chamado a atenção para casos especiais de compostos designados como morfossintáticos subordinados - isto é, um composto cujo radical da esquerda é modificado por um outro colocado à direita. O processo de identificação destes compostos faz-se através da expressão 'X é um tipo de... [termo da esquerda]'. É o caso de projeto-piloto (que é um tipo de projeto); navio-escola (um tipo de navio); bomba-relógio (um tipo de bomba); peixe-espada (um tipo de peixe); escola-modelo (um tipo de escola). Nestes casos, é o termo subordinante ou nuclear da composição (o da esquerda) que admite o contraste de plural.
    A marca de plural colocada em ambos os termos é mais sistemático nas palavras compostas morfossintáticas conseguidas por coordenação - isto é, aquelas que são traduzidas pela expressão 'tanto é X como é Y' (ex: surdo-mudo, ator-encenador, cirurgião-dentista, rádio-gravador).

       O contraste de número, em termos da flexão dos nomes compostos, sempre levantou algumas questões práticas, pelo que as regularidades deverão ser sempre planificadas, para que não se levantem polémicas nem se reproduzam situações mal resolvidas pela gramática tradicional (a maior parte delas entendidas como exceção a uma regra que muitos forçam e nem sempre - nem com o uso - se atualiza).

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Uma questão de prefixos no AO

     Há generalizações que não podem ser feitas.

       A questão surgiu e a cooperação (vem mesmo a propósito) estabeleceu-se.

     Q: Mantém-se o hífen nas palavras cuja vogal final do prefixo é igual à que abre a palavra seguinte, não é? Então fica "co-obrigação"?

      R: Resposta positiva para a primeira questão; não para a segunda.
      O prefixo 'co-' tem um estatuto especial, no Acordo Ortográfico, conforme se pode ler na observação da alínea b) do primeiro ponto da base XVI (acerca da hifenização). Aí se explicita que este prefixo normalmente aparece aglutinado à palavra-base, o mesmo sucedendo com as iniciadas por 'o'. 
       Aliás, a ocorrência (e lembrei-me, agora, também da "coocorrência") desse prefixo em várias palavras frequentemente utilizadas é uma constante: coordenação, cooperação (e termos da mesma família de palavras).
       Assim, há 'coobrigação' quando alguém é 'coobrigado' a cumprir algo. Sem hífen.

      O mesmo sucede com a cooptação, na coocupação ou na cooposição.

domingo, 27 de outubro de 2013

A televisão do nosso fim de semana...

       O dia foi de sol, até que a noite veio.

       E com ela veio o lixo televisivo. Depois de uma tarde que habitualmente é ocupada com espetáculos de uma qualidade muito discutível (quer por quem apresenta quer por quem programa o alinhamento), não há praticamente nada que dê alento a quem já só tem a consciência do final de um fim de semana sempre curto e tem de se preparar para uma semana de trabalho (o que, digamos, nos tempos que correm, já não será mau de todo).
        Triste é a constatação de que um filme como Ghandi (de Richard Attenborough, com a data de 1982 e protagonizado por Ben Kingsley) passa depois da meia hora, até umas horas incomportáveis para quem tem de trabalhar no dia seguinte; que O Leitor (de Stepehn Daldrey, 2008) concorre num canal da cabo, de novo em horário impróprio para trabalhadores. Dois exemplos que gostaria de rever e que ficarão para uma próxima oportunidade.
       Do balanço televisivo noturno fica apenas o exemplo do que, apesar do aliciamento para uma pretensa fama, ainda conta com o que o ser humano possa fazer de bom e de bem: cantar e com qualidade. Um exemplo: Teófilo Sonnemberg, no "Factor X", da SIC:


       Uma interpretação e uma voz negra em boca e rosto brancos, com "At last" (de Etta James); depois, um outro tema, a pedido do público já rendido, com letra e música portuguesas no que de melhor têm ("Chuva", de Jorge Fernando).

        Hoje não houve chuva, mas a música (que a canta) embalou-me até cair nos braços de Morfeu.

sábado, 26 de outubro de 2013

Matemática... chega a ser dramática!

      Fizeram-me um teste. Será que passei?

      Isto de me porem à prova (eu que não sou de Matemática!) acaba por render para o meu lado.
      Tinha eu de explicar o seguinte teste:


     Logo para começar, assumi que o teste era de pouca inteligência, a julgar pelo título. Estivesse ele escrito convenientemente e tinha mais credibilidade! 'Inteligência' tem acentuação típica de som fechado (o acento circunflexo, que o vulgo teima em chamar 'chapeuzinho' - com o diminutivo tradicional da afetividade, para não ser da pequenez ou de alguma ironia) para o caso das palavras assumidas como falsas esdrúxulas.
    Para terminar, no jogo do mais e do menos da inteligência, a matemática revela-se mesmo dramática: no resultado da soma dos fatores, o primeiro algarismo assume, primeiro, a diferença e só depois a adição.

   Por mais que seja mais, o resultado, primeiro, é menos; só depois é mais! Até a Matemática tira, primeiro, para depois dar qualquer coisa! Santa Paciência!

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

As coisas que um português aprende...!

     Dizem que esta é a divulgação que se faz de Portugal (turístico) no Brasil.

     Desconheço a fonte jornalística (a julgar pelo aparato gráfico), circula pelo facebook, mas não me espanta que se leiam coisas destas, quando já ouvi dizer que somos um "reino" (sem rei nem roque, acrescento) da Península Ibérica ou até de Espanha; que pertencemos à Madeira (talvez como canteiro ou jardim de um outro Jardim, sabe-se lá por quanto tempo); que temos a capital em Angola (possivelmente lá pelo Huambo que foi Nova Lisboa).


      Cá está um precioso texto, verdadeira peça artística para qualquer linguista, arquiteto, historiador (inclusive de arte), geógrafo ou qualquer outro ser interessado em cultura (que, de tão generalista, está liberta dos condicionalismos do tempo, do espaço e dos mitos fundacionais).

       Valha o facto de Lisboa estar em ascensão, porque, quando estiver em queda (será futuro?), já andará lá pelo Índico, como província da China e finalmente governada por D. Sebastião. Haja paciência (a bem do turismo)!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Evolução..., ou melhor, ... regressão.

    São vários os exemplos de como a língua evoluiu no significado das palavras.

    Só se tiver sido mudança no significado, apenas. Porque, no que toca a evolução, parece que a questão é bem mais ao contrário. Vejamos:

   "MAESTRO" vem do latim "magister" que, por sua vez, provém do advérbio "magis" (significando "mais" ou "mais que"). Na Roma Antiga, o "magister" era o que estava acima dos restantes, pelos seus conhecimentos e pelas suas habilitações. "Magister dixit" era a máxima utilizada para não se duvidar da palavra dada, por exemplo, a de um mestre ou professor. Um "magister equitum" era um chefe de cavalaria e um "magister militium" era um chefe militar.

    "MINISTRO" vem do latim "minister", termo que, por sua vez, provém do advérbio "minus" (a significar "menos" ou "menos que"). Na Roma Antiga, "minister" era o servente ou o subordinado; aquele que apenas tinha habilidades ou era jeitoso.

      A julgar pelos exemplos políticos atuais, a regressão é notória. As habilidades ministeriais de hoje são de outro tipo (que jeitosos que eles são!)

     Quero voltar aos tempos do latim, quando os 'parvos' eram sinónimos de crianças, inocentes que diziam as verdades.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Quando a sintaxe não chega

      É um dado: por mais que haja quem goste, a sintaxe não chega.

    Sob pena de alguns sinais que nos chegam aos olhos resultarem estranhos (sintaticamente falando), há quadros de análise e de entendimento da língua bem mais enriquecedores, capazes de ultrapassar o que superficialmente se toma como erro e propiciadores de compromissos da língua com o seu utilizador (numa ativação de dados contextuais e cotextuais reequacionadores do que de mais estrutural e formalizador a língua tem).
       O generativismo de Chomsky (na década de sessenta) demonstrou como a estrutura superficial de uma língua pode ser enganadora, apontando-se para uma dimensão semântica diferenciadora de segmentos estrutural e sintaticamente iguais: "John is easy to please" / "John is eager to please" é o exemplo inglês canónico para distinguir frases similares, mas com adjetivos de natureza menos agentivos ou ativos / mais agentivos ou ativos; "O jovem sofreu um choque" / "O jovem provocou um choque" é o contraste português evidente para frases sintaticamente equivalentes e verbos que selecionam sujeitos ora pacientes (sofreu) ora agentes (provocou).
      Para lá da dimensão semântica, é o modelo de análise pragmático que explora outras mais possibilidades, menos lineares e/ou formalizadas das realizações linguísticas.
     Por exemplo, o que se lê na grande maioria das caixas multibanco é uma dessas situações: a incorreção sintática ('caixa', no feminino, não concorda com 'automático', masculino) não invalida o reconhecimento pr(agm)ático de que se está perante uma caixa de pagamento (ou de crédito) automático. Seja pela ligação com pagamento seja pela articulação com crédito (ou mesmo, ainda, com multibanco), o adjetivo em questão e a sua configuração gráfica com 'caixa', ambos a verde, causam a estranheza de qualquer leitor; suscitam o compromisso do utilizador da língua, no sentido de este explorar possibilidades interpretativas e/ou combinatórias ajustadas ao contexto e ao saber enciclopédico que aquele detenha. Viabiliza-se, assim, alguma forma de regulação adequada e/ou aceitável.
      Outra ocorrência é a do anúncio à esquerda: a discordância mantida entre 'peixaria' nome feminino) e 'aberto' (adjetivo masculino) não se impõe tanto num raciocínio capaz de recuperar, ativar o conhecimento de que a peixaria em causa é um estabelecimento comercial, o qual se encontra aberto de terça a domingo. Nesta linha a incorreção de concordância é transformada num mecanismo de recuperação de pressupostos, de implícitos, de pré-construídos que potenciam a regulação discursiva no que o anúncio dá a ler.

      É por esta e outras razões bem mais complexas que vejo a pragmática enquanto área de análise integrada e integradora das condições de produção, receção e reprodução, numa perspetivação mais completa das possibilidades que língua promove na relação assumida com os falantes / utilizadores..

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Conclusão de uma ação, com oralidade na poesia

      Que a poesia, desde a sua origem, tem o registo da oralidade já não é nenhuma novidade!

      Desde os primórdios poéticos, música e canto acompanham os poemas. Na literatura portuguesa, a existência das cantigas (de amor, de amigo, de escárnio e maldizer) e a dos cancioneiros provam-no. Se ler uma notícia de jornal não é o mesmo que ler um poema, é porque a modulação da voz e a impressão de um ritmo (musical) se impõem.
      Além de tudo isto, uma das entradas para o entendimento de um texto há de sempre ser a representação da voz que corre no pensamento, mesmo na mais silenciosa das leituras.
     Este foi o desafio criado com o separador que distribuí na última sessão do "Ensino-Aprendizagem da oralidade: princípios, campos de trabalho, estratégias e práticas avaliativas". A escolha poética incidiu sobre Jorge de Sena e dois dos seus poemas marcados pelo experimentalismo linguístico que moldou, por exemplo, a produção dos quatro poemas a Afrodite Anadiómena. Um deles, "Pandemos" (o primeiro dos quatro, publicado em Metamorfoses ou Poesia II), foi inicialmente apresentado no formato da prosa e sem identificação da autoria:


     Ler com os sinais que a escrita convencionou é seguramente pouco quando a disposição gráfica ganha outra orientação e recupera outros códigos que a literatura potencia:


     No final, pela forma de soneto e com a identificação do verdadeiro autor, houve palmas para a voz que leu; que fez dos sons, da intensidade, da entoação, do ritmo e da fluência um potencial significado.
   Assim que este último foi perguntado, a questão foi devolvida para recreação ou recriação, sem esquecer as palavras que o poeta deixou a propósito, conforme se pode ler numa citação que Gastão Cruz faz das palavras do próprio Sena:

      “O que eu pretendo é que as palavras deixem de significar semanticamente, para representarem um complexo de imagens suscitadas à consciência liminar pelas associações sonoras que as compõem."

CRUZ, Gastão - “Jorge de Sena na poesia do seu tempo ou ‘a arte de ser moderno em Portugal’”
 in Relâmpago - Revista de poesia, Lisboa, nº 21, outubro de 2007, p.33-54.
     
     Assim se concluiu uma formação, na consciência das vantagens que o trabalho e a avaliação do oral incutem na aprendizagem das línguas (materna e estrangeiras).

domingo, 20 de outubro de 2013

Nasceu Rimbaud.

       1854: o ano no dia em que nasceu Rimbaud.

       O autor do poema "Voyelles" e "Une Saison en Enfer" (em verso livre) - na sua personalidade instável, cáustica, inquietante e libertina - acabou por se tornar num dos poetas mais influentes do simbolismo, graças à divulgação que o amante Paul Verlaine (autor de Les Poètes Maudis, 1884) promoveu, publicando a obra completa do jovem companheiro.
   Jean-Nicolas Arthur Rimbaud é comummente retratado como o poeta adolescente e o génio revolucionário, cedo desaparecido da vida (aos 37 anos). A sua obra, maioritariamente produzida na juventude (entre os 16-19 anos), é referencial para o movimento finissecular decadentista, além de ter inspirado muitos escritores, pintores, músicos das primeiras décadas do século XX (Modernismo). Quis experimentar tudo (um pouco à maneira do que o pessoano Álvaro de Campos quis - sentir tudo como se fosse todas as pessoas, numa existência encarada como universal), para se tornar no primeiro poeta do século. Morreu em 1891.
      O filme "Eclipse de uma paixão" (no original, "Total eclipse"), dirigido por Agnieszka Holland e datado de 1995, retrata o encontro entre o veterano Verlaine (David Thewlis) e o jovem Rimbaud (Leonardo DiCaprio), poetas que construíram uma amizade, descobriram o amor e produziram alguns dos mais importantes e famosos poemas franceses. 


     As amarras preconceituosas da sociedade, a intensidade da paixão entre os poetas, o choque de personalidades e idades destruíram a intimidade; ficaram, acima de tudo, as experiências e as vivências a matizar e a inspirar as palavras, os versos, rendidos a um encontro que marcou a grandiosidade artística, estética, literária desde o fim do século XIX.

       Rimbaud: mente original, controversa, sem limites. Uma visão de mundo a anunciar um modernismo literário que só podia ser visto como sinal de vanguarda para o tempo.

sábado, 19 de outubro de 2013

Espaço + Tempo = ???

      Isto é o que dá quando se quer fazer misturas.
   
     Quando a propósito de cronotopo (conceito que Michael Bakhtine, no estudo da narrativa, avançou para se referir à junção das duas categorias numa aproximação funcional e simbólica, por elas convocadas para a leitura literária e significativa assumida num conto, novela ou romance) alguém se lembrou da composição habitual do termo, a questão impôs-se:

      Q: Como é que se escreve espácio-temporal? Com hífen ou já o perdeu?

     R: Talvez já o tivesse perdido antes, ou talvez não. Na verdade, este é um dos termos compostos que introduz alguma instabilidade ortográfica, inclusivamente pelo uso que, anteriormente ao Acordo Ortográfico atual (datado de 1190 e com as alterações aprovadas em 2008), já admitia as grafias espaciotemporal e espácio-temporal (dependendo de se encarar, respetivamente, 'espacio' como redução do adjetivo 'espacial' ou o nome 'espácio' com entrada dicionarizada).
     Após o acordo, alguns dicionários têm optado por manter a  diferenciação: 'espaciotemporal' (Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, do Instituto Houaiss; Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora); 'espácio-temporal (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa).
      O facto de alguns destes dicionários adiantarem a entrada 'espácio' (como palavra autónoma) e a leitura do artigo primeiro da Base XV do Acordo são as razões para entender a última proposta (espácio-temporal) como a mais concordante com a letra do Segundo Protocolo Modificativo, aprovado na Assembleia da República em 2008 e a seguir transcrito (sendo o sublinhado da minha responsabilidade):

«BASE XV 
Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares 
1.º Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido: ano-luz, arcebispo-bispo, arco-íris, decreto-lei, és-sueste, médico-cirurgião, rainha-cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto; alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno, mato-grossense, norte-americano, porto-alegrense, sul-africano; afro-asiático, afro-luso-brasileiro, azul-escuro, luso-brasileiro, primeiro-ministro, primeiro-sargento, primo-infeção, segunda-feira; conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva

     Caso para dizer que, até lei em contrário, as categorias espácio-temporais se manterão hifenizadas, a bem da autonomia de 'espácio' contemplada por alguns dicionários de referência.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Um adjetivo... duvidoso

     Não é nenhuma categorização nova. A culpa nem é do adjetivo. Fiquei com dúvidas, pela simples formulação (ainda bem que não é nehum teste, pois nem sei o que responder).

     O contacto foi tão simples quanto este:

     Q: Só para tirar uma dúvida: como classificas o adjetivo 'ortográfica' em 'revisão ortográfica'?
                      
                    Trabalho de Christian Robert-Tissot (1983)
   R: Falta-me naturalmente o critério da classificação. Pretendes classificação sintática? O segmento facultado não me chega; preciso de toda a frase. Será a classificação morfológica? Espero que sim, já que, face ao critério da classificação quanto à classe de palavras, está assumido (e bem) que a palavra é um adjetivo (pela propriedade que tem de caracterizar um nome, com o qual concorda em género e número).
     'Ortográfica' é um adjetivo relacional, na linha do já exposto em apontamento anterior. Tal como 'grafia > gráfica', ortografia é a base nominal para se formar o adjetivo 'ortográfica', pelo recurso ao sufixo adjetival '-ico / -ica'. A sua posição à direita do nome e a sua não gradualidade são pistas consistentes dessa classificação morfológica.

     Espero ter sido certeiro no critério. Caso contrário, aguardo maior especificação.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

"Apuntamentu du Nuórte"

      Circula no facebook uma imagem com algumas notas da "bariedáde" do "Puôrto", com a "debida internacionalizaçõue".

                                     Imagem da IllustrArt
       Algumas das expressões típicas  figuram na imagem, com uma pequena ilustração e a tradução, nem sempre fiel, do significado atribuído: o "c'a grizo" é mesmo a exclamativa "Que frio!", que também tem a variante do "que brióle!"; o "arrostar postas de pescada" é mais abrangente, para todo aquele que fala daquilo que não sabe. As restantes são mesmo típicas aos ouvidos do Porto.
       Claro que faltam os "bitorinos" (sapatos) para "dar de frosques" ou o também comum "bazar" ou "pôr-se na alheta"  (fugir). Nada de confundir com "abanar o capacete", porque isso só quando chega a hora da dança e nada como "pôr-se à coca" para apanhar o ritmo.
        Destas e muitíssimas outras expressões, nada como ler os Heróis à Moda do Porto (publicação da editora "Lugar da Palavra" e com a coordenação do professor João Carlos Brito), que bem podia ser à moda do Norte, para ser mais correto, pois tudo o que está para lá do Douro já é mouro.
        Para lá do escrito, nada como ouvir os Trabalhadores do Comércio, na clássica (já dos anos oitenta do século passado) cantiga "Ou tás quetinho ou lebas no focinho" (com letra imprópria para os ouvidos e os olhos habituados ao registo mais padronizado da língua):


TÁ QUETINHO OU LEBAS NO FOCINHO

Ou tás quetinho ou lebas no focinho (4x)
Ou tás quetinho e caladinho
Ou tás quetinho ou lebas no focinho

Já num quero mais comer
Já tou farto de ir p'à escola
O qu' eu gosto é de correr
E d' andar ao chuto à bola.

Eu num bisto mais calções
Nem bebam do qu' eu tenho
Não me deiam encontrões
Quando caio eu não saio.

Cala essa boca, não digas isso, isso é pecado
Olha c'o pai e o Jesus fica zangado.
Num custa nada pôr o sabudo a ser delicado

                                Refrão

Já tou farto de ir à missa e de rezar o Padre nosso
E num gosto que m' obriguem a comer do que num gosto
Só me impingem babozeiras
Só me querem magoar
E são tantas as asneiras mas eu tenho que calar.

Cala essa boca, não digas isso, isso é pecado
Olha qu' o pai e o Jesus fica zangado.
Eu só pergunto mas ele fica todo atrapalhado.

                                Refrão (x 2)


      Este apontamento ficou um hino ao linguarejar tripeiro, "p'ra ninguém mandar bire" (refilar, discutir, reclamar ou protestar).

        É o que faz ser um "hóme do Nuorte, carago!"

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Provérbio(s) polémico(s)

      Os provérbios têm destas coisas: adaptam-se às circunstâncias e associam-se a valores e a vivências culturais que, por vezes, contrastam em si mesmos.

      Nesta medida, entende-se que para o "Quem espera sempre alcança" também haja o "Quem espera desespera". À expectativa positiva do primeiro corresponde a negativa do segundo. E muitas vezes o que se espera não se encontra na esfera possível do nosso comum entendimento. Vem este apontamento na sequência de um pedido:

     Q: Gostaria que publicasse aqui uma explicação para a gaffe (ou não) da Manuela Moura Guedes, com o verbo "Dezembro frio... calor no esti(l)o".Tem gerado muita polémica e gostaria de ter a sua opinião como professor de Português. 

     R: Não tendo assistido à emissão do "Quem quer ser milionário" a que faz referência, tive já conhecimento de que uma concorrente falhou numa questão, quando lhe era solicitado que completasse o provérbio "Dezembro frio, calor no ...". Falhou a concorrente, mas, pelos vistos, não estava contemplada a hipótese mais consabida e/ou previsível na construção (estio). E, assim, entre as alternativas fornecidas (domicílio, aconchego, abrigo, estilo), pretendia a equipa responsável pelo concurso que a resposta fosse "Dezembro frio, calor no estilo". Soube ainda que a locutora reagiu à polémica entretanto surgida, alegando o facto de o patamar / nível (elevado) do prémio exigir uma versão menos conhecida do enunciado, a qual podia ser atestada em várias fontes, nomeadamente "o site da Literatura".
      Desconheço o alegado site (ainda por cima definitivizado, como se só houvesse um e/ou de reconhecida qualidade) e ponho em dúvida que possa ser um referencial fidedigno, a julgar pelos muitos sites que divulgam informação literária de credibilidade muito duvidosa. Conheço algumas variantes paramiológicas que apontam no mesmo sentido de contrastar o tempo frio com o calor, o inverno com o verão (é o caso de "Chuva em janeiro e sem frio dá riqueza ao estio"); sei ainda que um dos mecanismos mais comuns na construção dos provérbios é o recurso a sonoridades (aliterações, assonâncias) que (o) "estilo" quebra, por certo. Por rima interna, daria por certa a combinação frio / estio; e se estivesse no concurso, naqueles momentos / diálogos de explicitação do que vai no pensamento à hora da escolha, diria que nenhuma das alternativas correspondia a uma previsibilidade de resposta.

     Conclusão: dou por mais certa a chuva e o frio na combinação com o calor e o estio do que o estilo de qualquer pessoa que seja a querer impor o que uma construção linguística (também) não deixa antever. É que os provérbios são construções da língua, mais ou menos estabilizadas e com características que não se dão com um qualquer estilo de resposta, por mais variedade que possa existir (inclusivamente a da descontrução) e muito menos fora do habitual saber popular.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Intrigas... na sintaxe

     Isto é o que dá: quem se mete com intrigas...

     A questão é de sintaxe, tanto na função como na inversão.

     Q: Olá, Vítor. Como é que classificas "intrigante", em termos de função sintática, na frase "Nesse ano, os editores acharam intrigante que o acordo ortográfico mudasse tanto a escrita"?

    R: Viva. Trata-se de um predicativo do complemento direto, conforme se pode verificar pelos argumentos seguintes: é utilizado o verbo 'achar' enquanto transitivo-predicativo, sinónimo de 'julgar', 'considerar', 'avaliar'; a estrutura argumental deste tipo de verbos seleciona um complemento direto mais um predicativo (caracterizador desse complemento).
       Não sei se a dúvida se prende com a localização do adjetivo 'intrigante', mas a inversão é habitual nos contextos de complemento direto extenso na estrutura transitiva predicativa (nomeadamente com uma configuração oracional, como é caso da subordinada completiva da frase dada: 'que o acordo ortográfico mudasse tanto a escrita'). 

      A frase não é, por certo, alusiva à atualidade do acordo. Para mim, é o próprio enunciado que se revela intrigante.

domingo, 13 de outubro de 2013

Das notícias para um país sem futuro

    As notícias são graves, o descrédito é enorme. Triste do país que já não crê nos que o governam nem nos que o querem governar.

     De novo, os poetas falam mais alto, certeiros. 
     Não interessa onde vão, mas o que viram e o que encontraram (tão diferente do ponto de partida).

"Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?"

     Em que hei de pensar? Sei no que penso e no que não é por certo bom.
    Não sei no que hei de pensar, pois começo a não ver qualquer sinal de esperança, muito menos naqueles que só se governam, por já não governarem ninguém mais. Entre os que são desonestos, os que já o foram e falam (sem qualquer autoridade) na desonestidade daqueles, há ainda os que vendem a banha da cobra, para os que ainda estão à espera de soluções miraculosas.
    Nos versos de Álvaro de Campos (in "Tabacaria", 15 de janeiro de 1928), há pretérito tão presente que se revê no futuro que hoje vivemos, tão longe de ser diferente do que foi.
   Não há futuro com o presente constantemente ameaçado por quem se mostra cego, surdo e não mudo (porque fala de mais, antes do tempo e sem qualquer credibilidade).

     Sinais dos tempos (os que se vivem e os que estão para vir), mas que a poesia já encontrou, denunciou a todos os que a quiseram ler. Lembrando outro poeta, diria: não sei por onde vou, mas sei que não vou por aí.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Comida... para a fome de saber

     Andam por aí uns casos a complicar mais o que já é de si complicado.

     A questão prende-se com o ensino da formação de palavras.

    Q: 'Comer' é a base. Comida pode ser considerada derivação não-afixal? O livro tem o exercício e não vejo solução para ele.

   R: A forma 'comida' advém de um processo flexional (género feminino) aplicado a 'comido', termo atestado na língua desde o século XV. Ora, nesse estádio linguístico terá ocorrido a natural derivação sufixada ('com-' > 'com+ID+O), para construir a forma de particípio passado. A partir daí, a flexão de género permitiu a construção do nome (comida).
      O processo não pode ser entendido como derivação não-afixal, porque esta implica a construção de um nome deverbal (a partir de um verbo) pela troca, no radical da palavra, de um afixo de natureza verbal por um de flexão nominal, conforme se pode verificar nos sublinhados seguintes: 'rouba(r)' > roubo. Ora, não é isto o que sucede com 'comida', que já evidencia uma sucessão encadeada de processos derivacionais, em fases distintas.

      Espero ter ajudado e ter sido esclarecedor, para o encontro (outro termo de derivação não-afixal) com a solução.

domingo, 6 de outubro de 2013

Ser Português

     É com este título que acordo no fim de semana, a propósito do evento Escritarias.

    Fundado em 2007 na cidade de Penafiel, este sucesso cultural tem vindo a afirmar-se anualmente pelos discursos artísticos promovidos fora dos circuitos habituais associados à homenagem de autores da cultura, literatura e da língua portuguesa. Nomes como Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, Agustina Bessa-Luís, Mia Couto e António Lobo Antunes juntam-se ao de Mário de Carvalho, este ano o indicado como autor inspirador de um grande número de iniciativas pela cidade.
    A par dos grandes nomes literários, outros surgem como o do jornalista Mário Galego, premiado com a reportagem radiofónica "Ser Português" (Antena 1). A este propósito fica aqui o registo do que pode bem ser objeto de trabalho didático, em termos da compreensão oral (para escuta ativa) e/ou de eventual integração noutras dinâmicas de trabalho relativos ao ensino da língua (na sua relação com o escrito, por exemplo).

Registo disponível nos arquivos online da Rádio Antena 1 (in http://www.rtp.pt/antena1/index.php?t=Ser-Portugues-reportagem-de-Mario-Galego.rtp&article=6693&visual=11&tm=12&headline=13), última consulta a 07/09/2013 às 14:00)

     Em cerca de doze minutos, resume-se o percurso realizado pelos repórteres Rita Colaço e Mário Galego, durante o mês de junho, desde o Gerês até Vila Real de Santo António - sem deixar de passar pelos Açores e pela Madeira.
      Um caminho para a descoberta, tanto da inovação como da tradição, do que compõe esta condição de "Ser Português".

    Um contributo para a nossa identidade cultural e, daí, um bom documento para utilizar nas aulas de língua, de literatura e de cultura.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Um pacote de açúcar com muita...

     Nada como ser consumidor de café para saber algumas coisas acerca da língua.

     O pacote de açúcar trazia o necessário. Ainda que não o utilize para adoçar (digo eu, estragar) o café, a informação disponibilizada veio na hora:


     A expressão não é nada politicamente correta, mas lá tem de ser dita no dia de estreia para os atores e atrizes (para bem do espetáculo, claro está).

     Deve ser por isso que os ingleses preferem o "simples" «Break a leg!» (Bolas!)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Uma história com alguma realidade e outro tanto de ficção

    Uma amiga comentava hoje uma situação que aparece relatada num apontamento 'postado' no blogue Mariana: 'Será isto (a)normal?'.

     Mais tarde, foi a minha vez de comentar o assunto com a gestora do blogue (é 'gestora', mas só ganha - e cada vez pior - como professora). 
     Entre a realidade e a ficção (até porque a língua é já uma parte dessa ficção, pela transposição que procura fazer do real para o código com que comunicamos), alguns dados foram (re)criados. Ainda assim, os comentários surgem. O ponto da reflexão conduz-se para a questão da formação: profissional, pessoal...

    Tudo começa por uma jovem docente dizer que há professores, com mais de cinquenta anos, que preparam aulas (e, pelos vistos, terão de passar a fazê-lo até aos 67). Perguntaria eu: qual é a novidade ou o insólito da afirmação? Temo, contudo, que começo a entender o espanto de quem é tão jovem.
     Na tentativa de justificar como percebi o dito, prefiro ficar-me pela dimensão pessoal (como a "minha gestora" adiantou), por acreditar que muito desta é transportado para a visão profissional que se constrói. Também é verdade que, por causa da primeira, a segunda não é, por vezes, compreendida no que tem de melhor. Infelizmente, o que se diz muitas vezes da profissão tem a ver com as experiências de vida que se tem, e quando estas são as dos nossos tempos - tão imediatas, tão para ontem e tão quantificadas (a ponto de terem de fazer parte da ditadura de uns números, de umas grelhas e de umas estatísticas que muita gente gasta tempos infinitos a construir e a ler, sem ir ao ponto essencial da questão ou sem dar solução aos problemas que existem há muito) - ficam-se pela constatação do que se lhes figura, à partida, como incompreensível. Como se não houvesse uma outra forma (melhor) de fazer as coisas. 
    Sem me querer colocar na posição do experiente, do sabedor, do formador, do que tudo sabe sobre a profissão docente ou dos profissionais que ainda preparam aulas, vou dizer simplesmente que... enfim: é jovem e no "salto alto das suas botas" deve ter sido uma das professoras que, atualmente e para sobreviver, deve dar aulas em todos os sítios e mais alguns; tem níveis tão diferentes que nem sabe para que ponta se há de virar e não tem tempo para conhecer a escola (na sua organização e nos recursos humanos especializados de que dispõe), muito menos as pessoas que os alunos são; tenta fazer, por certo, o melhor que pode e espanta-se que ainda haja professores com tempo para preparar aulas. Não pode entender de outra forma, porque não lhe dão condições para que o faça de modo diferente.
    Por mim, reconheço que, cada vez MAIS, tenho MENOS tempo para preparar as aulas (pelo menos, como eu gostaria que elas fossem). Também... estão a encher as turmas com um número de alunos que não cabe nas salas (recentemente intervencionadas, pelo menos até quando houve algum dinheiro)! Qualquer dia, para ceder o lugar a um estudante, tenho de dar a aula no amplo corredor (que mais parece o de um hospital, até porque, por instruções superiores, não se pode fazer nada que o anime, por ir contra o originalmente definido arquitetonicamente).
     Além disto, eu sei... também tenho culpa. Estou a perder a faculdade da juventude: cada vez gasto mais tempo a corrigir testes (à média de 15/20 minutos para cada um, que fará uma turma de trinta!?! E logo eu tenho quatro! Não me posso queixar. Há quem tenha sete e oito). São horas infindáveis, que não cabem num dia nem numa semana. Só de saber que ainda faltam as composições, as fichas e os trabalhos que não tenho coragem de recusar (porque ainda há alunos que gostam de mostrar os escritos que produzem por livre iniciativa), já acaba o período letivo e ainda tenho coisas por fazer...
    'The last but not the least' - isto de ser profissional na educação e no ensino já teve muito melhores dias. Hoje há profissionalizações que chegam ao ponto de se fazer num semestre e sem prática letiva. Tudo o resto que a escola é, quando muito, deve ser tema de um seminário que fica lá para o meio de muitas outras temáticas, muitas delas sem proveito direto para o desempenho profissional docente.
     Não sei se este vai ser um exemplo de professora a precisar de fazer um exame para entrar na carreira, mas na constatação do sucedido, com maior ou menor ficção, como eu gostaria de acreditar que o mesmo não viesse a ser repetido nas próximas décadas!

    Um caso conhecido para muitos outros exemplos que não são nem foram assim (ainda que, também, não tenham ou recebam qualquer diferenciação, ou contrapartida, pelo melhor que foram ou são). No dia em que as escolas deixarem de ter os profissionais que ainda fazem diferente (preparar aulas, por exemplo, e com o sentido que essa preparação deve ter), talvez se descubra que as críticas de hoje às políticas educativas em curso fazem todo o sentido, face às anormalidades criadas.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Um outubro outoniço, como se impõe.

       Com outubro em curso, as amareladas cores, os cheiros dos assadores de castanhas e a brandura de um enevoado frio são mais que familiares.

     A cada outubro outoniço reveem-se os sinais que nos afastam do calor estival; nos fazem ganhar consciência da anunciada invernia.
    "Canção de Outono" foi o título que Nikolay Bernard atribuiu a uma das dozes peças para piano encomendadas ao russo Pyotr Ilyich Tchaikovsky - composição destinada ao mês de outubro, conforme se pode encontrar em "Les Saisons".


       No melancólico e elegíaco toque, na contenção a evocar aconchego, no recrudescimento que cede perante o lento e suavizado final, adormece o tempo num silenciado instante, ao qual se seguirá a troika (infeliz palavra!) representada por novembro.

     Assim se compõem as estações, com o registo clássico tchaikovskiano para uma canção que celebra o mês ontem começado.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Regresso à oralidade e às sonoridades originais

   Na primeira sessão de "Ensino-aprendizagem da oralidade: princípios, campos de trabalho, estratégias e práticas avaliativas", regressou-se às origens.

      Iniciei hoje mais um programa de formação para o Agrupamento de Escolas de Gondomar nº 1, desta feita sobre o ensino-aprendizagem da oralidade. Vinte horas para um grupo de cerca de também vinte formandos, interessados em reflectir sobre o âmbito do trabalho, as orientações pedagógico-didáticas a ele associadas, mais as práticas avaliativas.
     Para abrir a sessão de trabalhos, e focando o nível da compreensão oral, propus um exercício que consistiu na escuta ativa de uma brevíssima história. A pré-tarefa era clara: registar uma lista de palavras que, no ritmo da escuta, era  (no indicativo para ser mais factual) possível captar. Preparação feita, discurso escutado, os primeiros risos impuseram-se.
      Insistência na escuta (há que apurar o sentido auditivo). À segunda, surgiram as tentativas de listagem (umas mais extensas do que é outras, para não falar daquelas que se ficaram pelo vazio). Na verificação da tarefa, surgiu a pergunta: significado? Como os destinatários são professores de línguas, obviamente os sons ouvidos foram associados a palavras do inglês, do alemão, do neerlandês, do latim; mas houve quem dissesse que era uma algaraviada irreconhecível; quem tentasse reproduzir sons que não entendia. Alguém chegou a acusar uma colega de ter inventado uma língua; uma outra proposta foi a de se passar o registo do fim para o princípio; por fim, não deixou de aparecer a observação "Que é isto?" Resposta: "Há de ser alguma coisa".
      As primeiras tentativas de reproduzir sons, quando se é bebé, não andará longe do que se passou nesta experiência, por mais que já sejam ativados (re)conhecimentos e aproximações que um público especializado domina por certo. Este último só não sabia que estava a ouvir a língua das origens: uma versão do proto-indo-europeu (PIE), um idioma que investigadores e linguistas têm vindo sucessivamente a reconstruir e a atualizar em termos de som.
     A revista nova-iorquina Archaeology divulgou a contribuição mais recente do que seria a sonoridade deste idioma (extinto) falado há cerca de cinco mil anos:


     Confrontados com a versão escrita em inglês e o título, chegou-se ao reconhecimento do latino 'equus' (cavalo), quando a língua escutada corresponde a um estádio bem anterior.
       Assim reza a narrativa escutada, traduzida em inglês, segundo o que foi escrito pelo linguista alemão August Schleicher (1868):

                                           The Sheep and the Horses

      A sheep that had no wool saw horses, one of them pulling a heavy wagon, one carrying a big load, and one carrying a man quickly. The sheep said to the horses: "My heart pains me, seeing a man driving horses." The horses said: "Listen, sheep, our hearts pain us when we see this: a man, the master, makes the wool of the sheep into a warm garment for himself. And the sheep has no wool." Having heard this, the sheep fled into the plain.

     Falantes de línguas que descendem do PIE, todos experienciaram a dimensão material, fonética (percetiva e articulatória) de um continuum cujo significado não é (ainda completamente) partilhado.

      Assim se iniciou o percurso na "oralidade" que nos une na diversidade linguística que nos carateriza como herdeiros de um passado (por mais remoto que seja).