Uma amiga comentava hoje uma situação que aparece relatada num apontamento 'postado' no blogue Mariana: 'Será isto (a)normal?'.
Mais tarde, foi a minha vez de comentar o assunto com a gestora do blogue (é 'gestora', mas só ganha - e cada vez pior - como professora).
Entre a realidade e a ficção (até porque a língua é já uma parte dessa ficção, pela transposição que procura fazer do real para o código com que comunicamos), alguns dados foram (re)criados. Ainda assim, os comentários surgem. O ponto da reflexão conduz-se para a questão da formação: profissional, pessoal...
Tudo começa por uma jovem docente dizer que há professores, com mais de cinquenta anos, que preparam aulas (e, pelos vistos, terão de passar a fazê-lo até aos 67). Perguntaria eu: qual é a novidade ou o insólito da afirmação? Temo, contudo, que começo a entender o espanto de quem é tão jovem.
Na tentativa de justificar como percebi o dito, prefiro ficar-me pela dimensão pessoal (como a "minha gestora" adiantou), por acreditar que muito desta é transportado para a visão profissional que se constrói. Também é verdade que, por causa da primeira, a segunda não é, por vezes, compreendida no que tem de melhor. Infelizmente, o que se diz muitas vezes da profissão tem a ver com as experiências de vida que se tem, e quando estas são as dos nossos tempos - tão imediatas, tão para ontem e tão quantificadas (a ponto de terem de fazer parte da ditadura de uns números, de umas grelhas e de umas estatísticas que muita gente gasta tempos infinitos a construir e a ler, sem ir ao ponto essencial da questão ou sem dar solução aos problemas que existem há muito) - ficam-se pela constatação do que se lhes figura, à partida, como incompreensível. Como se não houvesse uma outra forma (melhor) de fazer as coisas.
Sem me querer colocar na posição do experiente, do sabedor, do formador, do que tudo sabe sobre a profissão docente ou dos profissionais que ainda preparam aulas, vou dizer simplesmente que... enfim: é jovem e no "salto alto das suas botas" deve ter sido uma das professoras que, atualmente e para sobreviver, deve dar aulas em todos os sítios e mais alguns; tem níveis tão diferentes que nem sabe para que ponta se há de virar e não tem tempo para conhecer a escola (na sua organização e nos recursos humanos especializados de que dispõe), muito menos as pessoas que os alunos são; tenta fazer, por certo, o melhor que pode e espanta-se que ainda haja professores com tempo para preparar aulas. Não pode entender de outra forma, porque não lhe dão condições para que o faça de modo diferente.
Por mim, reconheço que, cada vez MAIS, tenho MENOS tempo para preparar as aulas (pelo menos, como eu gostaria que elas fossem). Também... estão a encher as turmas com um número de alunos que não cabe nas salas (recentemente intervencionadas, pelo menos até quando houve algum dinheiro)! Qualquer dia, para ceder o lugar a um estudante, tenho de dar a aula no amplo corredor (que mais parece o de um hospital, até porque, por instruções superiores, não se pode fazer nada que o anime, por ir contra o originalmente definido arquitetonicamente).
Além disto, eu sei... também tenho culpa. Estou a perder a faculdade da juventude: cada vez gasto mais tempo a corrigir testes (à média de 15/20 minutos para cada um, que fará uma turma de trinta!?! E logo eu tenho quatro! Não me posso queixar. Há quem tenha sete e oito). São horas infindáveis, que não cabem num dia nem numa semana. Só de saber que ainda faltam as composições, as fichas e os trabalhos que não tenho coragem de recusar (porque ainda há alunos que gostam de mostrar os escritos que produzem por livre iniciativa), já acaba o período letivo e ainda tenho coisas por fazer...
'The last but not the least' - isto de ser profissional na educação e no ensino já teve muito melhores dias. Hoje há profissionalizações que chegam ao ponto de se fazer num semestre e sem prática letiva. Tudo o resto que a escola é, quando muito, deve ser tema de um seminário que fica lá para o meio de muitas outras temáticas, muitas delas sem proveito direto para o desempenho profissional docente.
Não sei se este vai ser um exemplo de professora a precisar de fazer um exame para entrar na carreira, mas na constatação do sucedido, com maior ou menor ficção, como eu gostaria de acreditar que o mesmo não viesse a ser repetido nas próximas décadas!
Um caso conhecido para muitos outros exemplos que não são nem foram assim (ainda que, também, não tenham ou recebam qualquer diferenciação, ou contrapartida, pelo melhor que foram ou são). No dia em que as escolas deixarem de ter os profissionais que ainda fazem diferente (preparar aulas, por exemplo, e com o sentido que essa preparação deve ter), talvez se descubra que as críticas de hoje às políticas educativas em curso fazem todo o sentido, face às anormalidades criadas.
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