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domingo, 8 de junho de 2025

Eruditismos... (credo!)

    ..., já que não se trata de erudição!

    Perdoe-me o leitor por iniciar este apontamento (quase escrevia 'post') com um termo que, não estando dicionarizado, é o que me apetece escrever de momento, para reagir negativamente a algo que uma amiga me endereçou e para me referir à pretensa erudição de alguém que se encontrava a apresentar um livro, junto de um público tão sorridente, seleto e entusiasmado.
     O orador lembrou(-se) de tanta coisa interessante! Contudo, esqueceu-se de distinguir duas palavras bem diferentes na língua: folhear e desfolhar.

Como diria o abade Remédios, "não havia necessidade" 
(vídeo partilhado pela AC, com o devido agradecimento)

     Diz o senhor apresentador que "desfolhava" (por duas vezes, uma delas ainda que involuntária) o livro. E, assim, só por milagre não destruiu o livro! Isto de tirar ou arrancar as folhas dos livros, das revistas ou dos jornais não está com nada, muito menos quando, pelos vistos, se cruzam tantas comparações de qualidade (no âmbito da arquitetura, história, música, culinária). Já a imagem de marca da apresentação não tem salvação possível.
     Foi, portanto, um momento em ato de incultura linguística / lexical, no mínimo.

Siga-se a dica esclarecedora, com imagem, para se aprender melhor.

    Fico na expectativa de que a Livraria Lello não tenha uma baixa significativa no seu acervo bibliográfico, caso haja mais apresentações destas, com livros desfolhados. Protejam-nos! São um bem precioso, pelo saber que transmitem. Ninguém os deve desfolhar. 

   Folheemos os livros. Não há palimpsestos que resistam, nem intertextos ou intratextos, se persistirmos em os desfolhar.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Ao que chega diminuir - tudo reduzido a diminutivo!

    Isto de ver o programa "Cuidado com a Língua" (na RTP2, numa reposição do que já foi tratado na RTP1 em 2017) antes do jantar é hora crítica (para não dizer do assunto tratado).

    Quando se procura exemplificar a formação do diminutivo com uma sistematização que muito tem que se lhe diga (e ainda por cima acompanhada de uma voz-off a clarificar - será? - o sistematizado), tudo se perde.

Imagem do episódio hoje repetido na RTP2 (o 12º da temporada 9, de 2017)

   Primeiro de tudo, ver esta sistematização como a explicação da formação do "diminutivo" (conforme o proposto no programa) é, no mínimo, inusitado, para não dizer incorreto. Assumido como resultado do processo de derivação (por sufixação) ou do de redução / contração, é demasiado estranho ver o grau diminutivo explicado neste segundo processo como se de uma abreviação se tratasse. 
      Depois, ouve-se no programa que o diminutivo serve para traduzir pequenez, apoucamento, diminuição de tamanho ou valor, além de sugerir valorização afetiva. Aceita-se isto, em termos genéricos; contudo, ver as reduções ou contrações nominais da direita como exemplificativas dessas leituras não é, por certo, nem linear nem aceitável: 'Nando' tem como diminutivo 'Nandinho' e 'Zé', 'Zezinho' (e, por que razão não, 'Gabizinha' para Gabi?).
     Confundir abreviação com 'diminutivo' é risível, tanto quanto ver na diminuição da forma do nome (por truncação ou por amálgama) um sinónimo do grau, quanto ao sentido.
       Por fim, exemplificar a sufixação com '-inho' através da palavra 'mãezinha' é desconhecer, por um lado, que 'inho(a)' e 'zinho(a)' são sufixos distintos (o primeiro empregue em bases radicais; o segundo, em bases palavras); por outro, que 'ito(a)' e 'zito(a)' têm mais um sentido avaliativo do que propriamente diminutivo.
    Assim sendo, um programa com o título que tem requer mais "cuidadinho" (um diminutivo irónico) com a língua - tal e qual como o "Bom Português" que, por vezes, também deixa muito a desejar

      Uma base de consulta linguística mais credível não ficaria mal para um programa como este. É um serviço de interesse público (para o qual todos os telespectadores pagam)!

domingo, 15 de setembro de 2019

Polissemia

      Quando o dever não dá lugar a pagamento.

    O dever de obrigação (deôntico) difere do de probabilidade (epistémico). Também há o dever das tarefas solicitadas, o do reconhecimento, mais o das dívidas a pagar (não sendo obrigação, bem que o podiam ser em qualquer dos casos, para evitar a falta, o silêncio e a injustiça). E na confluência de todos, vem o cómico:

Cartoon colhido do 'Facebook'

     Se ao primeiro se associa a atribuição e o reconhecimento (daí 'dever' ser sinónimo de 'atribuir-se'), ao segundo é dado o significado do pagamento ('estar em dívida'). É o que dá o termo ser polissémico (ou, então, o sentido de crise andar muito apurado).

    Mais uma razão para se diversificar o vocabulário nas interações, não vá um aluno pretender brincar com a situação (e o significado das palavras).

      

segunda-feira, 18 de março de 2019

Mutações

      Sempre desconfiei dos descontos e das promoções.

    Há quem venda gato por lebre, mas fazer do frango porco (ou vice-versa) é novidade do "Continente" (a par de muitas outras, já reconhecidas neste blogue). Para quem não creia em tal, segue-se a prova:


      Confundir um galiforme com um suíno é caso para dizer 'Aqui há gato!' - nada como juntar um felídeo para a confusão ser bem maior (daqui a pouco, em vez de supermercado, teremos um zoo, com alguma variedade animal). Entre cacarejo e guincho, alguma coisa há de resultar (talvez um cacarincho ou um guincharejo, em modo de amálgama); porém, isso não impede de constatar que a bicharada anda louca com tanta mutação (e não é do preço que falo, obviamente).
     É um verdadeiro bico de obra (para bem do frango que o tem). Mas como só da perna se trata, o superpreço deve ser o reflexo de um combinado: em vez de duas pernas de frango vai só uma, com uma só outra de porco para compensar.

     Metade do preço para um dois em um - num cozido à portuguesa até dá jeito.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Brexit - uma amálgama tornada salgalhada política

    É mesmo 'exit', ainda que seja mais para a Inglaterra (England) e Gales (Wales) do que para o Reino Unido (com a Escócia e a Irlanda do Norte a demarcarem-se).

    O dia acorda com a notícia de que o Reino Unido (mais desmantelado do que unido) se decidiu pelo sim, pela saída da União Europeia, com cerca de 52% dos votos. É a maioria, de facto, para um ainda grande registo de 'nãos' (48%). Mais do que convicção, lê-se desunião.
Cartoon de Ben Garrison, no The Telegraph
     Os representantes das instituições eu-ropeias mostram-se dececionados, pesa-rosos, angustiados com um resultado que parece ser en-tendido mais como traição do que lição. Por mais que a insularidade e o "mais vale só" bri-tânicos sejam dados a considerar no re-sultado deste refe-rendo, é verdade que não é menor o "orgulhosamente nós" com que a "Great Britain" sempre se deu a ver na sua posição eurocética, dividindo para reinar, nessa atitude de realeza muito ligada ainda à herança de uma época imperial (se não anterior) revisitada num modo de estar "snobish" e tipicamente "british". Se os mais moderados ainda buscaram compromissos ou ainda viram nas diferenças uma hipótese de reconstrução daquilo que mais os unia (David Cameron assim o parece ter tentado), o espaço dos extremistas, dos mais radicais e nacionalistas acabou por se impor, vincando o que os separa, pelo desgaste de não se verem significativamente unidos ou representados nos princípios de uma estrutura / instituição que não tem dado respostas às debilidades surgidas a afetar muitos países (a bem de um mercado que não traz ninguém feliz, feito de desemprego, de impostos, de austeridade sem recuperação); que tem desrespeitado orientações e políticas nacionais, sobrepondo as estas últimas uma ideologia e um conjunto de interesses que trucidam a sobrevivência dos mais desfavorecidos e de todos aqueles que se mostram crescente e socialmente desesperançados.
    A par de tudo isto, e não menos relevante, estão os discursos, as tomadas de decisão e a visão centralizadora de uma União Europeia que tem vindo a produzir publicamente mais dissensos do que consensos, em nada ajudando no caminho a fazer a vinte e oito - a partir de hoje vinte sete. Entre burocratas e tecnocratas mais preocupados com o universo financeiro do que com a dimensão humana (culturalmente rica, diversa e solidariamente comprometida), a realidade hoje vivida não deixa de ser uma reação e uma posição expectáveis, para não dizer ameaçadoramente alastráveis.
    Entre os muitos cenários que se antecipam (desvalorização da libra, desintegração do Reino Unido, independência da Escócia, integração da Irlanda do Norte na república do 'Eire', entre outros), fosse esta a oportunidade de a Europa se rever na sua união, no seu projeto, no foco a dar à dimensão humanista e humanizadora dos princípios que presidiram à sua constituição. A não ser assim, uma ideia e um projeto europeu caem definitivamente.

      Se "o que não nos mata nos torna mais fortes" é o pensamento orientador do presidente do conselho europeu, Donald Tusk, só espero que a força e a determinação europeias não criem situações análogas à hoje vivida. A Europa, acima de tudo, faz-se com as pessoas que querem ver respeitada a sua identidade cultural, social, de soberania nacional, numa representação que não se veja invadida por jogos e interesses e iniquidades só a privilegiar ou a desculpabilizar os "maiores" - e entre estes há sempre um ou outro que gosta de se mostrar "superior" e que até pode desafiar qualquer "suprema" instituição (quanto mais não seja por ser uma das maiores economias europeias e/ou do mundo).

domingo, 31 de janeiro de 2016

Não diria melhor...

     Ao final do primeiro mês do ano,...

    Tem sido tanta a loucura dos últimos dias que parece só haver um conselho a dar - pois não se vislumbra outra saída:


     Se isto é convite que se faça!
    Crescer na loucura vai dar em insanidade completa, não tenho dúvidas. Porém, como o fruto dos tempos tem seguidores que levam tudo para a frente e empurram todos para o ritmo correntoso dos dias, a palavra de ordem é nova: juntam-se partes de 'enlouqueça' com 'cresça', numa assimilação de sons tónicos / sílabas comuns, e assim se chega a uma amálgama - o que sempre dará para exemplificar um processo irregular de formação de palavras.
       Depois venham dizer-me que é preciso tratar da saúde!

   ... e ainda a procissão vai no adro (ainda bem que há algumas estrelas na escuridão do 'enloucrescimento') ou "na praça" (como diria o narrador do Memorial do Convento).
     

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Enquadrar a questão...

    A dúvida precisa de ser enquadrada.

   Tudo a ver com 'quadro(s)', claro está.

  Q: A propósito do estudo das relações entre palavras, em concreto a homonímia, posso exemplificar com a palavra 'quadro'?

     R: A consulta de um dicionário apresenta uma resposta negativa a esta questão. As várias aceções listadas para o termo dependem de uma só entrada etimológica. A palavra está relacionada com a origem latina 'quadrum', independentemente dos diferentes significados associados.
       Por esta razão, trata-se de um bom exemplo de polissemia e não de homonímia, na medida em que esta última se traduz na convergência gráfica para significados marcadamente distintos, decorrentes de étimos latinos dissemelhantes. Daí os homónimos serem apresentados com entradas diferentes no dicionário, representativas de origens etimológicas distintas.


      Desde a forma de quadrilátero à obra de arte; desde os elementos de uma empresa (quadro de efetivos) ao conjunto de botões que compõe um painel de funcionamento de um sistema (quadro elétrico); desde a visão ou perceção de um grupo ou estado de coisas (quadro dantesco) à subdivisão de um texto dramático (quadro cénico); desde a estrutura de um velocípede (quadro de bicicleta) à exposição gráfica de um conjunto de dados (quadro sinótico); desde o conjunto de sintomas de um paciente (quadro clínico) ao funcionário qualificado (um alto quadro), é o campo semântico da palavra 'quadro' que está em questão, numa conjugação de traços ou zonas de significado aproximado / comum.

      Neste sentido, 'quadro' é uma palavra fortemente polissémica, sustentada num só étimo latino. Deixe-se a homonímia para casos como rio (< 'rivum', curso de água) / rio (< 'rideo', forma verbal de 'rir'); livro (< 'liber', obra publicada) / (< 'libero', forma do verbo 'livrar'); dó (< italiano 'do', nota musical) / dó (< latim 'dolus', para dor, luto), só para mencionar alguns entre muitos pares de palavras com origens bem diferenciadas.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Uma questão de cápsulas... nem sempre pequenas

      De tão comum que é o termo, a história (da língua) dá-lhe uma outra visão.

      Alguém coloca uma dúvida que diz ser existencial. Seja! A bem da existência (duvido, logo existo).

     Q: Dúvida existencial: podemos considerar cápsula como um exemplo de extensão semântica, uma vez que o seu significado se expandiu em relação ao étimo latino?

Sistematização in CARDOSO, Ana et al. (2011: 25) - Com Textos 11, Porto, Asa
  R: Enquanto processo irregular de formação de palavras tratado no âmbito da lexicologia, entende-se por extensão semân-tica a aquisição de um novo significado por parte de uma palavra ou expressão, face a realidades e contextos novos que criam necessidades de designação, referência (e que conduzem ao recurso de termos já existentes na língua).
      Se considerarmos o sentido etimológico de 'cápsula' (termo proveniente do latim, capsula, com o significado de 'pequena caixa'), houve já extensão semântica quando se passou a designar desse modo o formato do glóbulo gelatinoso ingerível que encerra um medicamento (para um domínio mais específico); o invólucro metálico que cobre a parte cimeira do gargalo de uma garrafa (para um objeto chamado de tampa, carica - ou chapinha, para os brasileiros -, que nada se parece com caixa); a parte principal tripulada de uma aeronave (que, por mais caixa que pareça, para ser tripulada, deve ser algo bem maior do que 'pequena').
      Ainda há pouco tempo (cerca de três anos) foi noticiada a iniciativa de afundar memórias do Porto em alto mar, para serem desvendadas em 2112. Assim se depositaram livros, fotos, joias, brinquedos, poemas, garrafas de vinho, utilitários dos nossos dias e de outros já passados, dentes, cabelos e outras coisas mais no que se chamou uma cápsula do tempo. Também esta era enorme e lá está no reino de Neptuno à espera do próximo século.

      Não falei ainda das cápsulas de detergente da louça ou da roupa (que dão muito jeito), nem das de café (que tanto aprecio). Muito menos dos vasos arredondados dos laboratórios de química. É tanta a extensão semântica quanto o plasma (matéria física moldável) ser também líquido onde se encontram os glóbulos do sangue e da linfa ou um ecrã de aparelho televisivo "fino".

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Tudo a dobrar

    A questão decorre de uma dúvida levantada por uma posição extremada na escrita de uma palavra pouco comum, mas já com algum uso.

     Este é um dos casos que o uso vai já impondo alterações. Provas de que a língua está viva.

    Q: A palavra 'duplex' leva acento no 'u'? Disseram-me que essa é a forma correta de escrever a palavra.

      R: Na verdade, sempre encarei a escrita "duplex" como correta. Instalada a dúvida, pesquisei em alguns dicionários e acabei por chegar à conclusão de que ambas as formas, acentuada e não acentuada, são aceitáveis. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, regista as duas formas (dúplex e duplex), o mesmo acontecendo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Igual situação pode ser ainda encontrada no Vocabulário Ortográfico do Português (ILTEC).
    Uma nota, contudo, deve ser tida em consideração: o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa não deixa de registar que 'duplex' é a forma mais usada, mas não a preferida por outros dicionários. Estes seguem a versão acentuada, numa fidelidade à origem etimológica do termo latino (duplex, ĭcis), com o significado de "duplo, dobro, dobrado" e com a sílaba [du] mais longa / intensa do que [plĭ].
      Estamos, portanto, perante mais um caso de alguma deriva na língua portuguesa, à semelhança do que já acontece com outras palavras que apresentam oscilação de pronúncia (Oceania / Oceânia, pudico / púdico, tulipa / túlipa) e entradas dicionarizadas com ambas as formas.
      Para a tendência do uso 'duplex' não será certamente estranha a vulgarização / frequência em função da forma reintroduzida e emprestada do inglês, também grafada sem acento:


     Ora, a tendência da pronúncia estará para assumir a palavra mais como aguda do que grave; daí o 'duplex'. Quem quiser ser mais etimológico que vá pelo 'plex' e pela respetiva fonética - no mínimo incomum pela sonoridade de palavra grave. Em qualquer dos casos (o do uso, o da etimologia), haverá sempre razão para a constatação da língua viva, em constante evolução.
    

domingo, 26 de outubro de 2014

Porque há siglas que podem ser acrónimos

      Regressa-se aos acrónimos, desta feita na sua distinção face às siglas.

      Há conceitos que, por mais que se queiram diferenciar, têm zonas de contacto. Os próprios estudos assim o demonstram, por mais que haja razões para os querer em campos opostos.

     Q: Caro colega, como classificar, quanto ao processo de formação, as palavras OIM (Organização Internacional para as Migrações) e SOS? Ambas as palavras se podem pronunciar como uma palavra só. 
         De acordo com o dicionário terminológico, e com os exemplos apresentados, surgiu-me a dúvida.
        "Acrónimo: Palavra formada através da junção de letras ou sílabas iniciais de um grupo de palavras, que se pronuncia como uma palavra só, respeitando, na generalidade, a estrutura silábica da língua."
      "Sigla: Palavra formada através da redução de um grupo de palavras às suas iniciais, as quais são pronunciadas de acordo com a designação de cada letra.".
        Aproveito a oportunidade para lhe dar os parabéns pelo Blog e agradecer os esclarecimentos, sempre tão claros.

         R: Caríssima colega, é com prazer que lhe respondo à dúvida, além de, desta forma, também poder agradecer as palavras simpáticas dirigidas à CARRUAGEM 23.
          Começando por citar Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos (em Inovação Lexical em Português, ed. Colibri, APP, 2005, p. 46), é de sublinhar que "aquilo que distingue uma sigla de um acrónimo é apenas a sua concordância/não-concordância com a estrutura silábica da língua em causa. Uma unidade como ONU é uma sigla (porque é formada pela primeira letra de cada uma das palavras que constituem a designação — Organização das Nações Unidas), mas é também um acrónimo (porque a sua estrutura silábica é conforme à estrutura do português). Por seu turno, unidades como CGTP ou UGT (União Geral de Trabalhadores) apenas podem ser consideradas siglas."
            Neste alinhamento, é possível afirmar que a grande distinção prende-se com o seguinte: ´
. sempre que a palavra é formada apenas pelas iniciais de uma expressão, encontra-se a diferença entre sigla e acrónimo pela realização fónica, com o último a admitir uma realização silabada - o caso de TAP, NATO ou UNESCO, cuja leitura se faz na base de uma estrutura silábica e não por indicação letra a letra (cf. [TAP], [NA][TO] e [U][NES][CO]);
. é necessariamente um acrónimo toda a palavra que, já na sua formação, integra, total ou parcialmente, sílabas da expressão que lhe serve de base (exemplo de REFER, termo construído a partir das sílabas de 'REde FERroviária' Nacional).
        Atendendo aos casos concretos que solicita, assumo que, comummente, os falantes soletram cada uma das letras do 'SOS' (para se referirem ao sinal de emergência / perigo ou a situações críticas que requeiram intervenção urgente), nunca as lendo como se de uma sílaba se tratasse. Daí ser uma sigla. O mesmo sucede com OIM.

         Em síntese: entre a soletração da sigla e a silabificação do acrónimo fica a distinção de dois processos de formação irregular de palavras -  tão irregular quanto poderem coexistir os dois, atendendo à forma como os falantes pronunciam o termo em causa.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Cabisbaixo: uma questão de atitude?

     Não será apenas de atitude, mas a de algum fundamento e alguma consciência de irregularidades.

      É nesta linha que respondo à questão que me foi proposta por um colega.

     Q: Boa noite, colega. Depois de ler alguns dos seus 'posts' na Carruagem 23 sobre formação de palavras, gostava que me dissesse em que processo situava, por exemplo, "cabisbaixo". É um caso de composição? 

    R: Já tive a oportunidade de me referir a casos similares, alguns dos quais foram encarados tradicionalmente como exemplos de composição (ex.: vinagre, fidalgo). Numa perspetiva de consciência sincrónica, estes são casos, por certo, críticos, na medida em que qualquer segmentação dos termos - na tentativa de identificar os termos-base que concorreriam para a composição - levantaria problemas de identificação de um dos radicais, de uma das palavras ou bases.
      Ora, o mesmo sucede com "cabisbaixo" (< cabis?+baixo), descrito por alguns dicionários como de origem duvidosa e implicando processos de aglutinação e/ou supressão de segmentos fónicos; outros apontam para uma adaptação do empréstimo do castelhano cabizbajo
  Assim, perante o grau de complexificação de análise e a assistematicidade revelada na formação, vejo este como mais um caso de palavra lexicalizada, pela natureza atípica da sua construção morfológica em termos do falante comum.

     Neste sentido, mais do que o estudo morfológico do termo, entra mais aqui uma perspetivação lexicológica, capaz de equacionar dados ou contributos mais amplos do que os facultados pela morfologia.

segunda-feira, 3 de março de 2014

"À la française!" dá erro.

        Isto de escrever português "à la française" não é chique (a valer).

    Pelo facto de, na língua portuguesa, haver empréstimos de origem francófona (os galicismos ou francesismos) não vem qualquer mal ao mundo, seja na forma da língua de origem seja na do idioma que integra o termo emprestado.
     Do abajur (< abat-jour), do champanhe (< champagne), do chofer (< chauffer), do desporto (< desport), do edredom (< édredon), do sutiã (< soutien), do garçon, da lingerie, da madame ou da vitrine já todos falam com maior ou menor obediência à sonoridade francesa. Muitos outros exemplos poderia ter dado, nomeadamente o croissant.

Croissants com defeito (Foto VO)

    Contudo, dizer que o croissant é FRANCÊS, em português que se preze, levanta questões ortográficas que não admitem aproximação com a língua da francofonia. Tais questões não surgiriam caso se escrevesse "en français", com 'ai'. Porém, e como se está em Portugal, o bolo pode até ter nome francófono, mas a escrita do adjetivo é à portuguesa e sem cedilha, pelas regras já aqui abordadas nesta "carruagem".
       Não são, portanto, permitidas interferências gráficas que, no português, comprometam o 'ç' (só passível de sequência vocálica com 'a', 'o' ou 'u').

       Estou aqui estou a propor que se institua um ramo linguístico na Autoridade da Segurança Alimentar e Económica (ASAE) ou, então, a solicitar um desconto por defeito no produto (ou na sua publicitação / designação). Tudo a bem do consumidor nacional!

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Entre acrónimos e amálgamas

     No domínio da lexicologia, há questões que se cruzam com processos (irregulares) de formação de palavras.

      A dúvida colocada centra-se em dois desses processos produtivos na construção neológica do léxico.

      Q: Vítor, quando puderes, esclarece-me, por favor, a seguinte dúvida: considerando as definições (do Dicionário Terminológico) para acrónimo ("Palavra formada através da junção de letras ou sílabas iniciais de um grupo de palavras, que se pronuncia como uma palavra só, respeitando, na generalidade, a estrutura silábica da língua") e amálgama ("1. Processo irregular de formação de palavras que consiste na criação de uma palavra a partir da junção de partes de duas ou mais palavras; 2. Palavra resultante do processo de amálgama"), em qual das duas se insere a palavra DECO? E, já agora, uma breve explicação. Muito obrigada.

      R: DECO é um exemplo de acrónimo, atendendo à recuperação das sílabas e/ou letras iniciais da expressão "DEfesa do COnsumidor".
        No caso das amálgamas, a consciência dos constituintes dos novos termos formados é bem mais ampla: as partes das palavras constituintes não se reduzem a letras ou a uma sílaba inicial (podem ser iniciais ou finais), para além de estarem implicados processos diversos de fusão / sobreposição / interseção / reconstrução / supressão simultânea de segmentos.
          A título de exemplo, nas amálgamas podem ocorrer processos como:
a) sobreposição de um denominador comum de segmentos - ex.: perFUME+FUMEgante > perFUMEgante;
b) junção da redução de duas ou mais palavras, compondo novo termo (sem ou com sobreposição dos termos reduzidos) - ex.: CRÉDIto para teleFONE > Credifone; MOTor hoTEL > Motel
c) junção, com inversão, da redução de uma palavra (com múltiplas sílabas) face a uma segunda palavra - ex.: 'taxa [E][CO]lógica' > Ecotaxa; buro[CRA][TAS] [EU][RO]peus > Eurocratas
d) fusão, numa expressão, de sílabas iniciais com finais, com supressão simultânea de outros segmentos - ex.: SEnhOR(a) douTOR(A) > Setor(a); DICIOnário e encicloPÉDIA > Diciopédia
e) eliminação, por sobreposição, de letras / sons - ex.: Não e sIM > Nim.
      Em suma, na diferenciação dos dois processos, interessará sublinhar que, no caso dos acrónimos, não se pode propriamente falar de interseções, misturas, sobreposições, o que faz da amálgama um processo distinto, que alguns estudiosos também designam de 'contaminação' na formação neológica de uma língua (como, por exemplo, o caso do inglês quando formou o termo 'smog' < SMOke+fOG).
      Espero ter sido esclarecedor.

     Um caso de estudo, por certo, para marcar como a formação de palavras é uma área de trabalho no entrecruzamento de várias perspetivas de análise da língua (não apenas da morfologia).

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Prefixo?... Não. Só evolução...

      Quando a simples segmentação da palavra dá a resposta...

    Q: Na relação amigo / inimigo, como se explica o aparecimento o 'i' depois do prefixo de negação?
James Cagney, em 'Inimigo Público' 
(filme de 1931)
   R: A palavra 'inimigo' não é segmentável em 'in-' mais 'imigo'. A consulta de um dicionário com informação etimológica dá a perfeita noção de que o termo é proveniente do latim (pela forma 'inimīcum'). Assim, não é no plano da formação de palavras (morfologia) que a palavra revela interesse de análise.
      É um caso claro de contraste lexical.
    Eventualmente, pode haver interesse na exploração da evolução diacrónica do termo (do latim para o português) e referir os processos fonéticos implicados nessa evolução - como a apócope do [m] e a sonorização de [k] > [g], pelo contexto intervocálico.   

     Caso para dizer que não interessa criar inimizades com a língua, colocando no plano do morfológico aquilo que ele não pode ter.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Polissemia: ser ou não ser...

     Na sequência de um comentário, um contributo para a polissemia e outras relações mais no domínio da Lexicologia.

     Foi-me sugerida a consulta do blogue de Filipe Simões, do qual apresento a imagem de abertura:

o header do blogue citado: http://polissemiaslevas.blogspot.pt/

     Trata-se de um perfeito exemplo, mais do que da polissemia anunciada, de como o título do blogue brinca com a homofonia do termo (Polissemias > Póli, se mias...) e de como este fenómeno não tem que se centrar apenas nas relações ao nível das palavras. Também ele se cumpre ao nível da construção frásica (cf. 'Com «sigo» nunca paro' > 'Consigo nunca paro' / 'Foi tudo debalde' > 'Foi tudo de balde' / '«Amaria» tem r' > 'A «Maria» tem r').
      Aliás, ao longo dos apontamentos desse blogue, encontram-se múltiplos exemplos de vários fenómenos relacionais (tanto no plano do significado como no do significante), alguns dos quais não têm relação com a polissemia.
      Se 'implantação' apresenta a mesma entrada / aceção no dicionário, tanto para o sentido de implantação de um regime político como para o de órgão fisiológico, o mesmo não sucede com 'decorar': se o sentido de 'ornamentar / enfeitar / adornar' está associado ao étimo latino 'decorāre', o mesmo não sucede com o sentido de 'memorizar, saber de cor' (proveniente do processo morfológico que, a partir de uma expressão, evidencia a sufixação com '-ar': de cor + ar > decorar). Assim, este último caso é um exemplo de homonímia e não de polissemia.
      O mesmo sucede com o vocábulo "sol", conforme as realizações propostas na ilustração. A etimologia é bem distinta: para o 'sol' estrela, há o étimo 'sol, sōlis'; para o 'sol' musical, a origem encontra-se na redução silábica do étimo latino 'solve'. De novo homonímia e não polissemia.
    Já o caso de 'adágio', face a andamento, tem uma relação que em nada apresenta de polissémico, tratando-se o primeiro de um tipo específico (lento) de andamento. A relação é, respetivamente, a de hipónimo para o hiperónimo.

     Não se pode, portanto, reduzir as relações do léxico (e não só) ao simples fenómeno da polissemia, que - na base de apontamentos anteriores - requer uma zona de significado comum. Esta aproximação de diferentes significações a uma só unidade lexical apoia-se numa só origem etimológica.

domingo, 7 de outubro de 2012

Branco e preto (ou a gramática da música)

      Por norma, opostos contrários...

      Diz-se de branco e preto que são termos antónimos, típicos de uma relação semântica de oposição. Se é verdade que esta em tudo se toma por contrária (como a do tipo  'quente / frio', 'cheio / vazio', graduável e admitindo termos intermédios nos polos contrastivos), tem também muito de contraditória (como em 'vivo / morto', 'presente / ausente', 'solteiro / casado', 'homem / mulher', não graduável e de exclusão complementar entre termos reciprocamente implicados), ao ganhar contornos de perfeita complementaridade.
      Pensar em expressões como 'pôr preto no branco', 'a preto e branco' para tal parece apontar, fazendo, contudo, esquecer que há cinzas (de vários tons), o moreno, o pardo, o fosco ou ainda o branco sujo.
      E, depois, complementaridade é sempre o que visualmente se impõe, ou não fosse exemplo disso o contraste de um piano e um vestido brancos com a possante voz e alma negras a perpassar nesta canção, interpretada por Alicia Keys:

   
      Lançada em 2004 e reinterpretada segundo várias versões, "If I ain't you" tornou-se êxito número um em vários continentes (América, Europa, Ásia) e fez com que a cantora ganhasse o Grammy de Melhor Voz Feminina do R&B.

      ... por vezes, complemento um do outro.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Escrita estranha...

    Com o novo Acordo Ortográfico, as estranhezas impõem-se. Tem sido sempre assim.

     Q: Como é que agora escrevo assímptota?


    R: A estranheza pode surgir, mas a nova grafia limita-se a isso mesmo: nova grafia. Daí aplicarem-se as convenções ortográficas já conhecidas (e mantidas) a par das que sejam introduzidas pelo novo documento. 
      Se este último indica que as consoantes não lidas (mudas) desaparecem da escrita, não há razão para manter a já familiar regra da escrita de 'm' para o som vocálico nasal que as antecede. Como só se escreve 'm' antes de 'p' ou 'b', passe a 'n' a letra que assinala a nasalidade. Assim ficam as "assíntotas".

     É tão estranha a 'assíntota' como o "Egito" (a par do 'egípcio'), a 'receção', a 'aceção', a 'exceção', o 'excecional', a 'contraceção', o 'espetáculo', as 'atas' e os 'atores'. E quando alguém se quiser 'retratar' de uma posição ou de um dito que não pense que é uma questão de fazer uma foto para o retrato.

domingo, 4 de março de 2012

Tratar da saúde

     Não resisto a "roubar" esta preciosidade a um 'post', no Facebook, da colega Elisabete Ferreira.

     Ora vamos lá tratar da saúde a quem precisa:


   Remédio para muita doença. Medicamentos que recomendo, para utilização continuada. Faltam, contudo, os 'quantifiers' (quantificadores) e alguns 'determiners' (determinantes), pois só figura o subtipo dos artigos.
     Registo ainda que, para certas maleitas, são aconselháveis (pela complexidade implicada) uns 'pack' com a designação de 'phrase', numa combinação de alguns destes componentes básicos.

     Numa farmácia, perdão, gramática perto de si. Também comercializado em "livrarácias", estabelecimentos neológicos, especializados em amálgamas.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Polissemias...

     Mais um exemplo gramatical na BD da Mafalda.

   Já foram aqui utilizados alguns exemplos de como a banda desenhada reflete dados linguísticos de interesse.
     O próximo parece-me demasiado atual, em termos do contexto crítico que todos vivemos:


     Pela zona comum de significado, numa proximidade semântica que deixa antever uma origem etimológica igual, a designação do dedo e o dado informativo que serve de indicação, guia ou roteiro são um caso a considerar na abordagem da polissemia.
     O mesmo vale para o domínio químico, no qual também se utilizam indicadores (substâncias utilizadas para conhecer a natureza de um elemento quanto ao seu carácter de ácido-base ou de óxido-redutor).
     
       Diria, em síntese, que há indicadores tão ácidos que mais parecem indicaDORES.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Questões do outro lado do oceano (IV)

      Porque há dúvidas que fazem sentido, mas há que distinguir os domínios.

   Quando a questão do significado interfere com a construção do sintagma, podem surgir dúvidas desta natureza.

      Q: 4) Em "Ele não é tão inteligente quanto ela", o grau é comparativo de igualdade?

      R: Para uma resposta afirmativa (em termos de sintaxe), acrescento a polaridade negativa que, semanticamente, a frase apresenta. O que acontece é a negação do grau comparativo de igualdade, mas é efectivamente este o que está configurado na frase, atentando nas marcas comprovativas desse grau (tão+Adj.+quanto / como).
      Relembro que as formas de expressão do grau comparativo dos adjectivos, na língua portuguesa, são tipicamente configuradas através de construções sintácticas, evidenciadas pelos seguintes elementos:
       a) grau comparativo de superioridade: mais + Adj. + (do) que;
       b) grau comparativo de inferioridade: menos + Adj. + (do) que;
       c) grau comparativo de igualdade: tão + Adj. + como / quanto.
     Alguns adjectivos admitem a construção do grau comparativo por via do léxico, como é o caso de algumas realizações de natureza etimológica (ex.: bom > melhor; mau > pior; grande > maior e pequeno > menor).

     Pelo exposto, creio ser razoável admitir que a expressão do grau dos adjectivos tem muito mais de sintáctico do que de morfológico (à excepção do grau superlativo absoluto sintético). Às vezes, tem algo de lexical. Quanto à dimensão semântica, não deixa de estar apoiada no que a linearidade ou o sintagma dão a ver.