Já que tenho de ficar em clausura, que o faça com alguma utilidade (esperemos!).
Passo a dar corpo virtual a um espaço de perguntas-respostas que, sem qualquer identificação de quem questiona, é genericamente identificado com alunos, colegas com quem trabalho diretamente, além de muitos outros que se têm cruzado comigo neste meu caminho profissional.
Passo a dar corpo virtual a um espaço de perguntas-respostas que, sem qualquer identificação de quem questiona, é genericamente identificado com alunos, colegas com quem trabalho diretamente, além de muitos outros que se têm cruzado comigo neste meu caminho profissional.
Q: É possível defender-se a regra ortográfica, como li num manual, de que as palavras com os diminutivos '-inho' e '-ito' se escrevem com 'z'?
R: Desconheço essa regra e suspeito que haja nela o cruzamento de elementos que não são necessariamente semelhantes nem estão no mesmo plano de análise. Sem exemplificação, não tenho possibilidade de exercer sentido crítico preciso sobre a afirmação proposta. Contudo, avanço com os seguintes cenários:
i) famoso > famosito
ii) vaidoso > vaidosinho; vaidosozinho / vaidosito; vaidosozito
iii) vaso > vasinho; vasito / vasozinho; vasozito
iv) bom > bonzinho / bonzito [ou bem > benzinho / benzito)
v) menino > menininho; meninozinho
vi) gosto > gostinho; gostozinho / gostito; gostozito
vii) papel > papelito; papelzito / papelinho; papelzinho
viii) gato > gatito; gatozito / gatinho; gatozinho
ix) livro > livrito; livrozito / livrinho; livrozinho
x) pijama > pijamita; pijamazito / pijaminha; pijamazinho
Bastaria ler i), ii) e iii) para verificar como a regra citada não se aplica generalizadamente.
Pela dupla possibilidade das derivadas em ii) e iii), v), vi) e vii), viii) a x), outros dados se antevêem.
O par sufixal '-inho' / '-zinho' bem como o '-ito' / '-zito' apontam para regularidades morfológicas que podem ser traduzidas nas seguintes orientações gerais:
. enquanto os primeiros termos de cada par se associam a radicais (vaidos-> vaidosinho; gat-> gatito), os segundos fazem-no relativamente a palavras (gosto > gostozinho; gato > gatozito);
. nos primeiros casos, o índice temático da palavra derivada é o mesmo da derivante (livro > livrinho); já nos segundos, há um índice temático próprio relacionado com o género da base derivante (pijama > pijamazito, pijamazinho).
Estas são orientações para se poder defender que '-inho' e '-zinho', ao contrário do que é defendido tradicionalmente, são sufixos distintos; o mesmo sucede com '-ito' e '-zito'. Mais ainda: 'z' não tem estatuto de consoante de ligação como muitas vezes se lê (a este propósito, consulte-se as páginas 958-961 da Gramática da Língua Portuguesa, coordenada pela Prof. Mira Mateus, da Caminho). Daí também alguma da imprecisão na regra mencionada.
Acrescente-se o facto de a reduplicação dos sufixos poder ser tomada como indicador de diferenciação (um pinguinhozinho); para além deste dado, outros poderiam cruzar-se no estudo dos pares de sufixos em apreço, como os que se prendem com: a forma como termina a palavra derivante; a comparação da acentuação fónica das palavras derivantes face às derivadas por sufixação; os contrastes de género entre as palavras derivantes e as derivadas.
Muito discutível é a regra partilhada, tal como muitas generalizações morfológicas e ortográficas que por aí grassam, muitas vezes em manuais escolares e/ou gramática ditas pedagógicas. Isto sem falar em casos muitas vezes encarados como resultantes de sufixação, nunca o podendo ser: nem sardinha vem de 'sard-' nem grande galo dará 'galão'.
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