Parece Platão e a teoria do conhecimento, inspirada no Mito da Caverna.
Leves reminiscências do que não vi - o resultado da observação das primeiras fotos desse espectáculo que o InSkené-gTag levou a cabo no passado sábado, no Auditório Municipal de Gondomar.
Cada vez fica mais a sensação de ter lamentavelmente perdido algo imperdível.
A sombra de um Pessoa... de um Nininho escrevendo à sua Ofélia, num pequeno passo da representação de "Tudo em Pessoa(s) - Com sentido (ou consentido)":
"Meu amorzinho, meu Bebé querido:
São cerca de 4 horas da madrugada e acabo, apesar de ter todo o corpo dorido e a pedir repouso, de desistir definitivamente de dormir. Há três noites que isto me acontece, mas a noite de hoje, então, foi das mais horríveis que tenho passado em minha vida. Felizmente para ti, amorzinho, não podes imaginar. Não era só a angina, com a obrigação estúpida de cuspir de dois em dois minutos, que me tirava o sono. É que, sem ter febre, eu tinha delírio, sentia-me endoidecer, tinha vontade de gritar, de gemer em voz alta, de mil cousas disparatadas. (…) Estou cheio de frio, vou estender-me na cama para fingir que repouso. Não sei quando te mandarei esta carta ou se acrescentarei ainda mais alguma cousa.
Ai, meu amor, meu Bébé, minha bonequinha, quem te tivesse aqui! Muitos, muitos, muitos, muitos, muitos beijos do teu, sempre teu
Fernando"
Carta de Fernando Pessoa a Ofélia, pelo Dia dos Namorados (19/02/1920)
Restam-me as sombras... já que não posso nem pude ter acesso às imagens originais do dia da representação. Talvez quando for filósofo... ou poeta.
Depois de ler isto, de reler, de tornar a ler o já lido, caramba, o tipo tinha o «corpo dorido» de quê? Não procurem no Poeta mais do que o poema, nisso era bom, era óptimo, desconfio que até sacrificou o «corpo dorido» à poesia,desconfio que a Ofélia ficou a perder, ficou sem «corpo dorido», se calhar corpo «velido», tadinha, embora não tenha a certeza. Caramba, se eu pudesse continuar, explicar... Mas corro o risco das «mil cousas disparatadas»... Aparentemente. Feliz Natal!
ResponderEliminarP. S. Do Pessoa só os versos. O resto nada me interessa. Lembro o Octávio Paz: a biografia dos poetas está nos seus versos. No caso Pessoa é a nossa própria biografia. Onde me não reconheço é nestas ofelices. Coitada: ficou na história da literatura... sem a cama...
O "corpo dorido" é do próprio Pessoa, conforme poderá ser verificado pela fonte citada. Pessoa lá saberá porquê. Só importa porque o escreveu e assim figurará citado no enquadramento que o poeta lhe quis dar: escrevendo a Ofélia e lá sabendo o que lhe queria transmitir com isso.
Eliminar"Só os versos" é o que comummente se conhece de Pessoa. Felizmente, ele escreveu também bastante em prosa e alguma com muito que se lhe diga, até pelas relações que mantém com os versos (que o diga, o pseudo-heterónimo Bernardo Soares).
Quanto a Ofélia (e as ofelices), sem cama ou com cama é uma das que contribuíram para a criação...