quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Quino: criador, crítico, cartoonista

      A morte chegou aos oitenta e oito anos e vai ficar na memória pela criança que criou.

    É incontornável a associação do argentino Joaquín Salvador Lavado (Quino) à criação da Mafaldinha, essa figura imaginada para um anúncio publicitário (que não chegou a ser difundido) a uma marca de eletrodomésticos. Não publicitou nada, mas acabou por conquistar o mundo da BD e do cartoon.
      Nascido em Espanha, aos dezoito anos (1954) Quino passou a viver em Buenos Aires, em condições que se diz terem sido precárias; cerca de dez anos depois veria algum sucesso com o nascimento dessa criatura infantil na idade, mas adulta nas reflexões - uma menina que quer ser tradutora da ONU (para transformar, no governo do mundo, os insultos em elogios); odeia sopa; idolatra os Beatles; gosta muito da paz, dos direitos das crianças e de ler.
      Com os olhos e as falas desta desconcertante personagem, sábia e contestatária, emerge muito do pensamento do autor, numa reflexão atenta e crítica da atualidade não só argentina como também internacional, com temas como a (des)ordem e o (des)governo do mundo; a luta de classes, o capitalismo e o comunismo; a pobreza e as injustiças sociais; a liberdade e a reivindicação de direitos, entre outros.
        Em tempos de gripes e de contágios, uma tira do diálogo Mafalda-Filipe é bem exemplificativa de uma atualidade e pertinência evidentes:

Tira da Mafalda 1 - Quino

        Ao contrário do Filipe, hoje gostaria de evitar algumas "modernices" nos sacrifícios que se nos impõem. Apetece-me ser Mafalda e gritar:

O grito da revolta da Mafalda em tempos de contágio

    Distinguido com o Prémio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades (2014), eis um crítico do mundo a ver a balbúrdia deste e a reconhecer que não deixa de valer a pena nele viver. RIP.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Tempo de algumas cores

    Novo dia começado... 

   Chegaram, de novo, as cores. Não são tão nítidas ou brilhantes quanto as do verão, mas traduzem algum do calor outoniço, acompanhado de um vapor aquoso e aromado, que não deixa de se fazer sentir neste final de setembro.

Um pôr do sol com sinais de bruma e frescura marinha no aroma (Foto VO)

     No desfecho da tarde, caminhando paralelamente ao horizonte, há um cheiro refrescante, de intensidade marinha que, de quando em vez, nos faz inspirar, sorver o ar para a profundidade do nosso ser. É como se o quiséssemos armazenar em nós - um aroma salgado, húmido, capaz de lavar alma e cérebro.

     No ir e no vir, foi-se o alaranjado tom, para que um turvo crepúsculo vespertino abrisse caminho a uma noite cada vez mais antecipada nessa sua chegada. Encurtam os dias e fechamo-nos à vontade de fazer mais.

sábado, 26 de setembro de 2020

Da gaivota...

       Depois da chuva, um tempo de acalmia na nublada e acinzentada natura. 

Saber que da terra, da areia e da rocha se faz ar...
Saber que aproximar é motivo para voar...
Saber que ter asas é condição para libertar...
Saber a brisa criada, agitada, ao altear...

O voo da gaivota (Foto VO)

Não te pude agarrar; pé ante pé, fiz-te ficar
Presa a uma imagem, ainda sem céu para planar.
Seguiste um sem-rumo para te desembaraçar
Do perigo; do medo e dos fantasmas te afastar.

Vem a onda, vai-se a ave. Movimentos do olhar.

        Eis a gaivota do final de tarde que eu gostaria de ser: portador da luz do dia, em tempos demasiado cinzas. Quando não há sentimento bom, nada como preparar a partida... para onde se (e)s(t)eja mais feliz.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Uma ponte de cores

        No enlameado estaleiro da avenida, via-se uma ponte de cores.

       Ao final de uma tarde, ainda com sol, mas a chuva anunciada e os trovões a rasgar o céu, surgiu um arco-íris para chamar a atenção e fazer esquecer o cinza das nuvens que se impuseram:

O estaleiro da avenida 8 de Espinho dominado pelas cores do arco-íris - (Foto VO)

      No mar caíam os relâmpagos; nos ouvidos entrava o som retardado das descargas elétricas. E neste espetáculo natural, parecia que estavam a chegar sinais dos deuses para uns tempos que não estão fáceis.

      Íris, que nas suas tarefas de mensageira deixava um rastro arqueado e colorido no firmamento, foi uma espécie de arauto divino, segundo a mitologia grega. Bom seria que nos deixasse novas tão multicolores quanto o brilho do pote de moedas de ouro maciço, da mitologia irlandesa, a representar os sonhos que todos temos.

        Prestes a terminar o verão, os sinais outoniços vieram mais cedo.


terça-feira, 15 de setembro de 2020

Fogo na língua!

        Em época de incêndios, há fogos muito destrutivos.

        Têm sido alguns os que têm assolado Portugal nos últimos anos, a maior parte deles noticiada e reportada como sendo exemplo das maiores catástrofes da Europa.

         No meio dos registos que se fazem, outros "incêndios" surgem: os da língua. O último passa em horário nobre (noturno), em pleno telejornal:

Emissão do telejornal da noite, na RTP1, com legenda que "queima" (Foto VO)

         Quando na manhã se difunde o "Bom Português", o mesmo canal televisivo, à noite (sublinho, À NOITE), dá o pior dos exemplos. Em cerca de dois minutos, lê-se a mesma legenda, com o mesmo erro... persistente:

Emissão do telejornal da noite, na RTP1, com legenda que continua a "queimar" (Foto VO)

         Devia ler-se 'à tarde', claro está! A expressão de tempo em causa não implica duração, mas sim a indicação de um turno preciso do dia (à tarde). Só no caso de expressão de duração (do tempo já decorrido) faria sentido escrever com 'h'.

         Assim se faz a comunicação no "Somos o primeiro!", em serviço público. A desgraça do incêndio é acompanhada da desgraça na língua. (Com agradecimento à T. de J.)