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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

A propósito de 'lerdismo'

      Assim alguém falava de (outro) alguém ou algo que não atava nem desatava.

      Foi então o momento de se questionar a origem da palavra. 
    Diga-se que não a encontro dicionarizada, mas faz parte daquela criatividade e potencialidade da língua, morfologicamente motivada até!
   O sufixo 'ismo' permite formar nomes abstratos tradutores do sentido de 'teoria', 'doutrina', 'movimento (artístico, estético, filosófico, político, entre outros)', 'tendência'. E porque não se trata propriamente de algo singular, é de considerar que há vários implicados na questão ou situação, mesmo quando de individualismo se trata (são muitos os que defendem este último e cada vez mais, a julgar pelo que se vai vendo a cada dia). A par da 'lerdeza' e da 'lerdice' (também nomes) ou do 'lerdíssimo' (grau superlativo absoluto sintético do adjetivo), tomaria o 'lerdismo' como mais um derivado sufixal nominal (revelador de uma tendência ou movimento caracterizador dos que são 'lerdos').
     Daí que, para se entender o potencial 'lerdismo' se recorra à base 'lerdo': caraterística depreciativa daquele que é pouco ativo, preguiçoso, que se movimenta lentamente, de modo pouco diligente. No que à inteligência e ao rasgo intelectual dizem respeito, não se distingue muito de quem se assume como parvo, estúpido, tonto, tolo; ou seja, nada esperto.
Entre a preguiça e o caracol, alguém que diga de sua justiça!
      Para quem recorre ou cria a palavra, parece que há alguns assim, ao ver que as coisas sucedem de forma vagarosa, pesada, lenta, numa espécie de inação declarada.
   Entre a hipótese dúbia de que 'lerdo' vem do castelhano trecentista, sinónimo de 'bobo'; do itálico 'lordo', a significar sujo ou porco; do francês quinhentista 'lourd', para referir o que é pesado e estúpido, não andará longe a fonte etimológica latina que, em 'lordus', apontava para movimentos lentos, numa variante de 'lurdus', isto é, aquele que tropeça, que vacila ao andar”, ou de 'luridus', cujo significado inicial era “sujo”.

      Em síntese, fiquemos pelo termo criado para denotar algo que não é desejável, mas que alguns partilham nessa condição do que ou de quem nada faz avançar, mudar, transformar, resolver o que se impõe. Contrariemos a tendência, pois!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Grande Mês!

    Depois de um janeiro que nunca mais acaba(va), começa o mês mais pequeno de todos, mas muito proverbial.

    É o costume: quando se é a menos nalguma coisa, apuram-se outras qualidades.
    Fevereiro é pequeno no número dos dias, mas grande nos provérbios (e nos saberes que se lhe associam):

Se o inverno não faz o seu dever em janeiro, fá-lo em fevereiro.

Quer no começo, quer no fundo, em fevereiro vem o entrudo.

Quando não chove em fevereiro, nem bom prado nem bom centeio.

Os dias bons de janeiro enganam o homem em fevereiro.

O sol de fevereiro matou a mãe ao solheiro.

Neve em fevereiro é mau para o celeiro.

Luar de janeiro faz sair a galinha do poleiro; lá vem fevereiro que leva a galinha e o carneiro.

Lá vem fevereiro, que leva a ovelha e o carneiro.

Janeiro geoso, fevereiro nevado, março frio e ventoso, abril chuvoso e maio pardo fazem o ano abundoso.

Fevereiro quente traz o diabo no ventre.

Fevereiro coxo, em seus dias vinte e oito.

Fevereiro afoga mãe no ribeiro.

Chuva de fevereiro vale por estrume.

Bons dias em janeiro enganam o homem em fevereiro.

Até ao Natal salto de pardal, de Natal a janeiro salto de carneiro e de janeiro a fevereiro salto de outeiro.

Água de fevereiro mata onzeneiro.

      Depois disto, registe-se também que 'fevereiro' vem do latim (februarìu-), «o mês das purificações», de februáre, «purificar; fazer purificação religiosa»). Há quem defenda que era tempo dedicado a "Februus", a quem os romanos dedicavam sacrifícios para compensar / evitar a escassez do ano.
     Ao estudar o calendário egípcio, no qual constavam 365 dias, Júlio César trocou o calendário lunar pelo solar. Janeiro e fevereiro foram colocados no início da contagem e o imperador distribuiu os dez dias de diferença face ao calendário anterior por vários meses. Claro que julho (o mês de 'julius') não podia ser menor do que outros; mas o de César Augusto também não (agosto). Na alternância dos trinta e dos trinta e um dias nos diferentes meses, dois sucessivos ficaram com trinta e um (os imperiais); o mais pequeno ficou fevereiro, que, de quatro em quatro anos, tem vinte e nove dias, por o ano solar ser um pouco maior do que 365 dias.
      As mudanças de calendário, entre os cálculos precisos dos astrónomos (considerados entre dois equinócios solares) e as decisões dos imperadores romanos ou as dos papas, marcaram fevereiro sempre como o segundo mês (introduzido com o inicial janeiro) num arranjo temporal que nunca se revelou equilibrado nas alternâncias ou no número de dias contados. 

    Purificado ou não, este é mês diferente: "dos gatos" como popularmente se diz; pequeno quanto baste para cedo se chegar à primavera, apesar do inverno que faça sentir.

domingo, 7 de agosto de 2022

O elogio (que foi o) de ser filho da mãe

      As palavras têm muito que se lhe diga... e muito para contar.

    Nem tudo o que parece é, por certo. Se o que é tomado por insulto começou por ser elogio, razões houve para que o uso assim o determinasse.
    Conta-o e esclarece-o Sérgio Luís de Carvalho, na base do aconselhamento de um livro (Elogio da Palavra, de Lamberto Maffei) e na explicação que dá a propósito da expressão "filho da mãe":

História do Filho da Mãe (ou de como do elogio se faz insulto)

    Quem diria que, não obstante a condição de bastardia, estaríamos a referenciar relações em que realeza e espiritualidade se cruzaram. Longe desses universos (dos tempos de D. João V e das suas  frequentes paixões freiráticas), atualmente estamos mais para a expressão do insulto, do ofensivo (que uns focam no filho e outros na mãe, para não falar nos que se sentem ofendidos por ela e por si mesmos, alegando ainda assim a defesa apenas da primeira). Um outro claro caso de deriva, variação, evolução na língua, portanto.

      Prova de que as palavras, em particular, e a língua, em geral, são fruto da circunstância de quem a(s) usa, a quem a(s) dirige, quando e onde a(s) utiliza, com a intenção visada. Fale-se de pragmática e, inclusivamente, de pragmática histórica, marcando a variação temporal dos usos.

domingo, 19 de junho de 2022

Fatiga, fadiga... que cansaço!

       Tempos de canseira.

      Perguntavam-me há dias se o nome associado a quem anda fatigado é fadiga ou fatiga. Respondo que são os dois (e para quem anda cansado é questão que já pouco interessa). Digam ou escrevam como quiserem.
        Claro que o mais habitual é falar ou ler sobre "FADIGA" (mesmo que o adjetivo esteja mais para 't' do que para 'd' - fatigado). Dizer-se 'fadigado' não é impossível, até pela derivação que decorre de 'fadiga' (nome) e 'fadigar' (verbo), isto é, causar ou sentir fadiga ou cansaço; logo, o 'fadigado' torna-se mais do que compreensível.
          Fatigado está mais para o sentido etimológico, que atesta o verbo latino 'fatigare' e o nome 'fatigo'.
     Entre 't' ou 'd' direi que o primeiro está mais para a origem; 'd' para a variação evolutiva, nomeadamente a sonorização que se evidencia na posição intervocálica de [t], com o som surdo lábiodental inicial a ganhar o traço sonoro por influência vocálica. Foi já o que analogamente sucedeu com totu(m) > todopotes > podes, na passagem do latim para o português, só para mencionar exemplos nos quais, também e pelo mesmo motivo, [t] evoluiu para [d]. 
         E, assim, 'fatiga' chega a 'fadiga'. Fica a primeira pela via erudita; vem a segunda por via popular. Reconhecida esta última, se ficarmos por aquela também não está mal. Explica-se, portanto, a possibilidade do apontamento lido nos destaques noticiosos da Microsoft Edge:

Colhido do Microsoft Edge, em "Notícias ao Minuto"

         Com ou sem Boris Johnson, é um dado que a guerra Rússia-Ucrânia já cansa. Bastariam Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky para nos atormentar a mente com o conflito que a todos aflige. Vem também o primeiro ministro britânico contribuir, com a citação feita, para o desalento, afadigando o espírito com sinais dos perigos que não dão esperança.

      Fadiga ou fatiga, o tempo é declaradamente, e por vários motivos, de cansaços (lembrando Campos e "Sobretudo cansaço").

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Quando um ou outro são ambos

        Aquele momento em que te perguntam se é X ou Y e...

    ... a resposta correta compreende os dois termos - situação em que o 'ou' não pode ser, portanto, disjuntivo ou de exclusão dos mesmos.

        Q: É 'parquímetro' ou 'parcómetro'?

      R: Ambos. Caso para dizer que "Venha o Diabo e escolha", que é sempre expressão para admissão de duas hipóteses num cenário de difícil resolução. Reconheça-se, nas palavras questionadas, um processo de composição, no qual a vogal de ligação ('í' ou 'ó') pode ser indiciadora ora de algum motivo etimológico na formação da palavra ora de alguma deriva associada à própria mudança e à utilização dos falantes da língua.
     Tipicamente a vogal de ligação é, nestes casos, uma pista do marcador casual na composição de palavras com radicais latinos ou do grego antigo. Justifica-se, assim, o recurso a duas vogais de ligação: 'o' e 'i'. A última remete para um radical da direita com origem latina e representa uma estrutura de modificação (sem alteração da classe de palavras):

           [fratr] i [cid]a
                                                   [agr] i [cultor]

        Já a primeira escapa à descrição anterior:

                                                   [polític] o [económic]o
                                                   [lus] o [brasileir]o

      Estas tendências generalizantes são, porém, contraditas por exemplos em que 'o' antecede radical de origem latina (ex.: [gen] [cíd]io), em confronto com '[reg] i [cíd]io') ou 'i' é seguido de radical de origem grega (ex.: [veloc] í [metr]o, em contraste com [flux] ó [metr]o).
    Além disto, casos há na língua em que uma mesma palavra composta admite ambas as vogais de ligação, conforme verificável nos seguintes casos: 'organigrama' / 'organograma'; 'parquímetro' / 'parcómetro'; 'taxinomia' / 'taxionomia'. Estes últimos pares de exemplos propõem, por um lado, alguma relativização da consciência etimológica dos falantes; por outro, a consideração de outras lógicas fundadas mais na frequência e na analogia da composição, em particular, e da formação de palavras, em geral.

     Conclusão: há perguntas que apontam para respostas bem complexas, em termos de informação morfológica. Mais inclusão do que exclusão; mais conjunção do que disjunção.

domingo, 2 de janeiro de 2022

Previsão falhada

    Esperemos que não se concretizem os números apontados, até porque a previsão já falhou.

    Para não variar, o final e a abertura do ano dão lugar a balanços e/ou previsões a alimentarem o espetáculo televisivo. Na "ciência" dos dados, há erros que são mais do que evidentes, a julgar pelos rodapés noticiosos:

Previsões que falham - é preciso ter falta de visão na correção da língua.

    A brincar, costumo dizer que para 'ver' há dois olhinhos (apesar de alguns, não os tendo, verem mais do que quem os tem), pelo que dois 'e' fazem a diferença. O contraste 'vêm' (do verbo vir) / 'veem' (ver) é bem distintivo. Etimologicamente, os dois 'e' são a prova de uma síncope que os juntou, até que se processou a contração-crase (vedere > veer > ver).
     'Vem / vê' (terceira pessoa do singular) e 'vêm / veem' (terceira pessoa do plural) são formas verbais, respetivamente, de vir / ver - casos críticos na ortografia, mas que qualquer comunicador deverá reconhecer e usar com correção.

    Com falhas destas, não há peritos que possam resistir. Assim, o que preveem deixa de ter impacto (pela deslocação da atenção de quem lê para o erro). Há quem precise de ficar confinado a ler regras ortográficas.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Certeza escusada (e mais do mesmo)!

     Desta feita, temos uma de catálogo!
Um erro tão desnecessário! 
(com agradecimento à G.V.)   
   É de catálogo, porque está num (Catálogo 20 anos do El Corte Inglês - pág. 44), conforme o apresentou uma amiga, depois da sua leitura de jornal de fim de semana e de ter visto o meu apontamento sobre o 'A PARTIR DE'.
   É por estas e por outras que, quando me dizem 'COM CERTEZA', pergunto logo a seguir "Tudo junto ou separado?" Felizmente, têm respondido acertada-mente na maioria das vezes, mas fico com dúvidas quanto à segurança dos respon-dentes, ai isso tenho! Ficam tão perturbados com a inusitada pergunta que, não sei se por esta se por dificuldade na resposta, mostram alguma incerteza.
    Bastaria pensar que 'SEM CERTEZA' (nunca grafado junto) é o contrário de quem a tem (também com escrita separada).
     Um pontapé na escrita (sem que haja ponta de pé), que dói aos olhos e à mente.

     Depois das aféreses dos nossos dias, não andamos longe das aglutinações históricas que resultaram em 'embora' (< em boa hora), 'vinagre' (<vin acre), 'aguardente' (< água ardente) ou 'fidalgo' (< filho de algo'), só para mencionar algumas das mais conhecidas.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Não é "d'oiro", mas é "doirado"

     Tudo em busca da base da palavra (embora eu preferisse o "oiro").

     Siga-se o raciocínio de onde uma palavra vem, e lá chegaremos ao resultado final.

      Q: Olá, Vítor. Qual é o processo de formação da palavra "doirado"?

O doirado da paisagem, com o doirador responsável ao centro.

    R: Olá. A palavra "doirado" é o particípio passado do verbo "doirar", sendo esta última a palavra base. Embora se trate mais de um caso de flexão do que propriamente de formação, a passagem "doira(r) > 'doirado" ilustra a consideração de afixos gramaticais no final da palavra (sufixos), de modo a construir, a partir da forma do infinitivo, a que surgirá como forma verbal de particípio passado e/ou adjetivo.
     Pelo raciocínio exposto no primeiro parágrafo, fica identi-ficada a base (verbal), a partir da qual se processa a sufixação. Trata-se de sufixos de natureza estritamente gramatical (para as categorias da forma parti-cipial verbal e do contraste de género).
      Não se veja, portanto, o oiro como a origem de tudo na nossa língua, mas o que permite "doirar" e, por sua vez, esta palavra ver o doirado, nomeadamente o que a talha da natureza por momentos ganha (sem ouro; com sol).

     Ou seja, "nem tudo o que doira vem de oiro", pelo menos em termos da natureza. "Doirar" entrou historicamente na língua portuguesa pela forma latina "deauro, -are", estando já aqui assumida a palavra base (doirar), a qual virá a dar lugar a 'doirado'.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Não perceber patavina!

      Assim o dita a expressão, quando ninguém percebe nada de nada.

     Seja por se tratar da posição mais fácil (dizer que nada se percebe) seja porque a inteligência nem sempre o permite imediatamente (daí não saber 'patavina'), o desconhecimento é zona de entendimento comum na expressão em causa. Também há quem não ligue 'patavina', tanto por não querer saber (nem ter raiva de quem saiba) como por não dar qualquer importância ao que seja.
    Da 'patavina' relacionada com o 'nada', alguns etimólogos defendem tratar-se de termo ligado à cidade romana de Patavium (atualmente conhecida por Pádua). O nosso Santo António (que também dizem ser do mesmo local) terá certamente escapado a esta acusação, mas dizem que os habitantes da zona eram maus falantes do latim. Entre muitos erros e deturpações, a par de algumas marcas de regionalismo, eram eles acusados de 'patavinitas'.
     Tito Lívio (59 a. C - 16 d. C), orador e historiador latino também natural de Pádua, escreveu uma obra que se caracteriza por estar incompleta - História Romana - e que alguns críticos da época acusavam de estar repleta das tais 'patavinitas', dificultando a compreensão generalizada dos textos. Ou seja, nada se percebia da história contada.
    Pelo século XIII, dizia-se também que Pádua era reconhecida por ter uma das mais importantes universidades europeias, particularmente no ensino do Direito, só ombreada pela de Bolonha. Na época medieval, desconhecer a ciência jurídica originária de Pádua – ou seja, "não saber (a escola) patavina" - era o mesmo que não saber nada em tal matéria. Isto é, neste caso, 'patavina(o)', por um lado, não deixava de ser sinónima(o) de tudo; por outro,  nome ou adjetivo relativo aos habitantes de Patavium. Ou seja, juntou-se o 'tudo' ao gentílico, mencionando-se aqueles que eram referência na escola ou no saber jurídicos.
     Nas Bocas do Mundo (2010), editada pela Planeta, é obra de Sérgio Luís de Carvalho que propõe, ainda, que alguns frades de Pádua — os designados 'patavinos' — visitavam Portugal frequentemente, no período medievo. Quando falavam na rua, o povo naturalmente não os percebia - logo, e numa extensão do significado da palavra gentílica, não percebia "patavina". Um raciocínio semelhante associa-se a uma história localizada em tempos mais próximos: por alturas dos séculos XVIII-XIX. Aquando da reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, conta-se que o marquês de Pombal convidou Domenico (ou Domingos) Vandelli para vir ensinar Química e História Natural, para Portugal. Natural de Pádua e falando o dialeto da sua cidade (o 'patavi'), o naturalista italiano não se fazia entender junto dos alunos, pelo que estes afirmavam que 'não sabiam patavina' (talvez porque também não ligassem). E, assim, o Diretor do Real Jardim Botânico e lente universitário acaba por, no muito que foi nos tempos de D. Maria I, reduzir-se a (quase) nada.

Imagem do livro setecentista de Domingos Vandelli, oferecido a D. Maria I

      O sentido de nada ou coisa alguma predomina, conforme se faz saber a bom entendedor. De resto, ficam várias histórias. Versões distintas da narrativa contada podem estar na base da expressão em causa; não há verdades absolutas na construção de idiomatismos ou expressões culturalmente marcadas, como são as expressões idiomáticas (a bem de quem não queira ser muito 'patavina').

       Na zona do Minho e das Beiras, há quem entenda o termo como sinónimo de pessoa apalermada, pateta ou idiota. Entre o nada e o insulto, venha o Diabo e escolha!

sábado, 23 de janeiro de 2021

Evolução no significado das palavras

       Algumas perderem completamente o significado original ou etimológico...

       Rezam alguns manuais e estudos de língua que algumas palavras, desde a sua origem etimológica até à atualidade, evoluíram em termos de significado por múltiplas razões, ora numa evolução por restrição de sentido ora numa alteração por extensão semântica.
         Apresenta-se, na tabela seguinte, a exemplificação de alguns desses imensos casos:

Exemplificações para a evolução semântica de algumas palavras do Português (VO)

      Agora que estamos em época de eleições presidenciais, eis um outro termo que bem pode figurar na lista proposta: "candidato".

Excerto do programa televisivo "Cuidado com a Língua" (RTP-1)

          É questão de perguntar qual dos sete candidatos pode ser descrito etimologicamente, na base da caracterização proposta.

          ... (isto para não dizer que algumas vão mesmo no sentido oposto).

terça-feira, 5 de maio de 2020

Dia Mundial da Língua Portuguesa - Língua-Mar

     Enquanto idioma dos mais falados no planeta, já merecia a consagração de um dia.

   Hoje, por iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (UNESCO), celebra-se pela primeira vez o Dia Mundial da Língua Portuguesa. A partir daqui, o 5 de maio consagra o nosso idioma no panorama dos calendários internacionais, projetando-o numa comunhão e comemoração a todo o tempo renovadas, enquanto símbolo maior da comunicação e cooperação entre a comunidade lusófona. 

Imagem colhida do Portal de Promoção da Língua Portuguesa 
(Reitoria da Universidade do Porto)

     De origem no hemisfério norte, é a língua mais falada do hemisfério Sul; é uma das que, no mundo global criado desde os Descobrimentos, tem deixado marcas e palavras em línguas de outros países e povos; é uma das que se renova no conjunto de interações promovidas à escala mundial, no campo político, económico-social, educativo, cultural; é a que regista o tom da saudade com as cores da fraternidade, tanto voltados da terra para o mar como acolhidos dos que por este e por ela a nós venham.

A lusa fraternidade linguística nos quatro cantos do mundo

       É som, é fala, é ato, em prosa ou em verso, banhado por mar e a espelhar o céu. É língua-mar:

Fotomontagem (VO) com poema de Adriano Espínola

     Também a minha; também uma voz plural que comunica, comunga, constrói as pontes e os laços necessários ao entendimento da humanidade.

      Que este seja o primeiro de muitos outros dias a celebrar, inclusive aqueles que vão fazer a cada novo ano chegar.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

A meio dos acontecimentos

     Tudo o que se faça para combater o vazio criado por este Covid-19 é bem-vindo.

     Quem está na frente da batalha ou quem se mantém na retaguarda são tão necessários como os que estão a meio. O efeito de onda, de trás para a frente ou vice-versa, é muitas vezes a fonte da persistência e da resiliência de todos. 
      Ao nível da educação, o contributo das aulas televisivas é um dado significativo para que o vazio não reine; para que haja algum sentido de oportunidade para divulgar, aprofundar, enriquecer quem nada tinha. Neste sentido, o #EstudoEmCasa (RTP Memória) e o #EstudarComAutonomia (RTP Madeira, para o ensino secundário) são apostas válidas.  Não pelo que faz lembrar do passado (a Telescola), mas pelo que pode ser uma iniciativa de resposta ao presente e de desafio para o futuro. É serviço mais do que público, porque centrado na educação, no ensino e nalguma aprendizagem. Talvez não a mais estruturante ou estruturadora, mas sempre aprendizagem... e para todos os que a ela queiram assistir.
     Há aspetos a melhorar, por certo, como em tudo na vida.
     Hoje assisti a uma aula sobre Os Lusíadas (9º ano) - uma variedade de materiais, suportes, a todo o tempo ativada para uma suposta motivação à obra camoniana e, quem sabe, para a exposição de um conjunto de conhecimentos referenciais a aproveitar, num breve momento, para o que venha a ser uma fase posterior de recuperação e sustentação de informação. A rapidez e o imediatismo televisivos não garantem a efetiva aprendizagem de uma só vez. O milagre não é tão grande assim. No processamento que se faça por input não há output linear. E no que diz respeito ao intake, a história é bem outra. A quem defende que o que interessa são as aprendizagens, é bom que se tenha em atenção o nível de aprendizagem a que se está a referir, porque o conceito é bem diverso, cobrindo o que se consegue a curto prazo e o que passa a constituir memória de médio e longo prazo.
    Valha o contributo face ao nada que existia. Melhorias podem seguramente ser feitas e estas só poderão surgir a partir do que se faz. É preciso trabalho e quem está nele tem o mérito de o agenciar.
   Bom seria que o deslumbramento pelos materiais / instrumentos fosse evitado, particularmente quando eles introduzem ruído. Foi o que sucedeu com a aula de Português em questão. Ora um vídeo a tratar a estrutura interna da epopeia lusa, ora um powerpoint com o mesmo e alguma coisa mais e, no entretanto, o primeiro refere-se à narrativa "in media res" enquanto o segundo mostra a versão "in medias res":

Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)

Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)

       Um 's' faz a diferença.
      A técnica que se pretende ilustrar é clássica, vem de Homero, que, nas suas epopeias, escolhia o ponto por onde começar a narrativa: já a meio dos acontecimentos. Horácio, na sua Arte Poética, ao teorizar a abordagem épica das narrativas homéricas, referia-se a "in mediās rēs", ou seja, as "ações que vão a meio". Com isto se defendia a arte de Homero captar a atenção dos leitores. No caso de Camões, a técnica passa pela opção de colocar os marinheiros (e Vasco da Gama) em ação a partir do momento em que são verdadeiramente descobridores no caminho marítimo para a Índia (o percurso do Atlântico já era conhecido e a passagem do Cabo das Tormentas já tinha sido cumprida, por Bartolomeu Dias). No final, a mesma técnica imitada pelo épico português, atento à influência grega (e, mais tarde, à latina de Virgílio).

    "In medias res", portanto, e não "in media res" (simplificando o registo latino, retirando o acento gráfico da vogal longa - ā -, por contraposição à breve - ǎ -, que também tinha um acento identificativo). Uma melhoria, digo eu, para o bem que se fez.

terça-feira, 31 de março de 2020

E vão passando os dias

       As línguas têm destas coisas associadas aos dias.

      Com a nova rotina dos dias, ao final de mais de uma quinzena, prossegue o tempo da quarenta.
      Na língua inglesa, há já quem conte os dias naquilo que têm de mais indiferenciado:

A indiferenciação dos dias - só com 'day' (by day)

      É todos os dias o mesmo!
    Já na língua portuguesa, excetuam-se o sábado e o domingo. De resto, fica tudo "feira" (sem segunda, nem terça, quarta, quinta ou sexta). Talvez por isso algumas pessoas teimem no passeio e nos encontros, sem distanciamentos.

      Fica a "feira" e perdem-se as horas da oração. Os nossos dias da semana parecem mais divertidos, mesmo em tempos de contenção.

sábado, 14 de março de 2020

Já vi ou li isto algures…

      E agora que alguma da nossa vida fica como suspensa, revisita-se uma leitura.

     Chega aquele momento em que te lembras de ter lido uma passagem de um livro de ficção tão cheio de realidade! Na altura, era tudo tão carregado de referências históricas, culturais e científicas que chegava a duvidar se haveria presente ou futuro para reconfirmar o que acabava de ler:
Capa do romance Inferno
de Dan Bown (2013)
     "Langdon tentou afastar da sua mente as imagens da peste, mas não conseguiu. Sempre quisera saber como fora aquela cidade [Veneza] incrível no seu auge... antes de a peste a ter enfraquecida o suficiente para poder ser conquistada pelos otomanos e depois por Napoleão... quando Veneza reinara gloriosamente como o centro comercial da Europa. Dizia-se que não havia cidade mais bonita no mundo, que a riqueza e a cultura da sua população não tinham precedentes.
      Ironicamente foi o gosto da população por luxos estrangeiros que levou à sua queda - a peste mortal viajara da China para Veneza nas ratazanas transportadas nos navios comerciais. A mesma peste que dizimou uns abismais dois terços da população da China chegou à Europa e rapidamente matou um em cada três - jovens e velhos, ricos e pobres.
       Langdon lera descrições da vida em Veneza durante os surtos da peste. Com pouca ou nenhuma terra seca onde enterrar os mortos, os cadáveres inchados flutuavam nos canais, com algumas áreas tão densamente cheias de corpos que os trabalhadores tinham de os empurrar para o mar. Não havia orações que conseguissem diminuir a ira da peste. Quando as autoridades municipais perceberam que eram as ratazanas que estavam a causar a doença, já era demasiado tarde, mas Veneza ainda decretou que todos os navios recém-chegados tinham de ancorar no mar durante quarenta dias antes de serem autorizados a descarregar. Até hoje o número quarenta - quaranta em italiano - serve como lembrete sombrio das origens da palavra quarentena."
in Inferno, Bertrand Editora 2013, pág. 360

     O passado veste-se de presente e inquieta. O excerto é tão oportuno e coincidente com o que se vive hoje! É como se o Covid-19 fosse mais um exemplo da peste que veio dos finais da Idade Média, onde não faltam as máscaras - podiam ser as do Carnaval de Veneza, que, afinal, tudo tiveram a ver com a Peste Negra:
Máscara veneziana
      Langdon explicou rapidamente que, no seu mundo de símbolos, a única forma de máscara com um bico comprido era quase sinónimo de Peste Negra -  a peste mortífera que grassou na Europa no século XIV, matando um terço da população em algumas regiões. A maior parte das pessoas acreditava que a designação da peste como "negra" era uma referência ao enegrecimento da carne das vítimas por causa da gangrena e das hemorragias subepidérmicas, mas na verdade a palavra negra era uma referência ao profundo terror que a pandemia espalhou entre a população.
       - Essa máscara com um bico comprido - disse Langdon - era usada pelos médicos que tratavam a doença na época medieval, a fim de manter a pestilência longe das suas narinas enquanto cuidavam das pessoas infetadas. Hoje em dia, só são usadas durante o Carnaval de Veneza... uma lembrança sinistra de um período sombrio na história da Itália."
idem, pág. 63

     Não vou dizer que a obra Inferno, de Dan Brown, foi premonitória face ao tempo presente; mas que há coincidências demasiadas da contemporaneidade com a época histórica mencionada... isso é inegável.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Uma questão de eminência

    Seja forma de tratamento seja uma questão de altura, elevação ou superioridade, há que respeitar a base de palavra.

     Tudo a propósito de uma questão que alguém quis ver exclusivamente como resultante da formação de palavras:

     Q: Olá, Vítor. Li numa gramática que a palavra 'eminência' é derivada por sufixação. Não se trata de uma palavra base?

      R: Se me deres conta de palavras formadas a partir de 'eminência', assumirei que se trata de uma base para formar palavras derivadas ou compostas. Não se tratando disso, tenderei a assumi-la como palavra introduzida na língua portuguesa no decurso da evolução latina da forma 'eminentia' (a partir de um étimo), e que não é constituinte morfológico para novos termos.
       Assim sendo, numa perspetiva etimológica e recorrendo à história da língua, tomarei a origem do termo como vindo formado do latim, entrando diretamente na língua portuguesa por essa via e tendo sofrido processos de evolução fonética / fonológica no período do galaico-português. Não estão implicados, portanto, processos nem constituintes morfológicos. Trata-se, portanto, de um étimo ou termo etimológico. Qualquer formação, a ter existido, ocorreu no latim e não no Português.
    Na possibilidade de alguma coisa ter acontecido na nossa língua, terá sido o facto de a forma latina 'eminentia' ter sofrido mudanças ao longo do tempo por via popular e, no galaico-português, no quadro de um sistema consonântico medieval (mais complexo do que o atual) e na consequência de fenómenos como o da palatalização, ter convivido com realizações fonético-fonológicas novas relativamente ao latim vulgar (e que hoje podem ser equacionadas, por um lado, numa evolução marcada por simplificação sonora, mas, por outro, por maior complexidade na representação gráfica). O subsistema dos sons sibilantes e dos chiantes apontava, no período medieval, para realizações surdas que, correspondentemente, teriam também as sonoras, conforme se pode verificar na sistematização dada (focada nas sibilantes):

Subsistema das sibilantes (quatro sons distintos) no galaico-português

    Ora, a grafia 'ti' (seja de 'palatium' seja de 'eminentia') associar-se-ia a uma evolução que corresponderia a uma realização sonora do tipo [tsi], a qual viria a perder o elemento oclusivo inicial (daí a evolução oral de [tsja] para [sja]). 

      Mais uma exemplificação de como a plataforma da morfologia com a etimologia e a história da língua permite evitar generalizações de algumas gramáticas escolares.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Troca de palavras

       Bem que se justificava uma troca de palavras com o Sr. Palmeirim!

      Até aprecio o desempenho, o espírito cómico do homem nos programas televisivos que apresenta. Já no que toca aos reparos de seriedade que constrói, nem sempre a coisa cumpre o registo da correção. É demasiado brincalhão e a troca de palavras (não no sentido de conversação, mas de permuta, substituição) acontece de modo errado. 
     Hoje, no programa Joker (RTP1), a seriedade não condisse com a verdade dos factos linguísticos (pode mesmo dizer-se que, quanto a isto, não há novidade face aos apontamentos aqui produzidos sobre o concurso).
      Perante as hipóteses de escolha, a concorrente não é feliz (inclusivamente convocando para o jogo o Acordo Ortográfico, que nada tem a ver com a opção devida). Dizer que "Quezília" é a palavra mal grafada não tem sentido. A explicação do locutor, orientada para a opção correta, não é, porém, a melhor, ao associar 'obcecado' à palavra 'obsessão', chegando mesmo a proferir que «o substantivo obsessão leva o 's', mas quando passamos a 'obcecado' é verdade... [é com 'c']». Deus meu! Qual a relação?!
     Não é por colocar os olhinhos bem arregalados que o dito se torna facto (isto para não falar mesmo daquela classificação gramatical de 'substantivo', já um tanto desajustada em termos terminológicos).
    Obsessão (nome) corresponde ao adjetivo 'obsessivo' (não obcecado), senhor Palmeirim. Obcecado (adjetivo) está para o nome 'obcecação', não 'obsessão'. São famílias de palavras distintas e, nessa medida, justifica-se que a escrita com 's' se verifique em obsessão, obsessionar, obsessivo, obsessivamente; já o 'c' surge em obcecado, obcecador, obcecação, obcecadamente, obcecante, obcecantemente.
     Sem entrar pelo critério morfológico, este contraste de palavras obsessivo / obcecado justifica-se pela etimologia latina: o primeiro advém de 'obsessio, -onis'; o segundo de 'obcaecatus' (relacionado com 'cego', do latim 'caecus, -um'). História da língua, portanto.

       Pois é, senhor Palmeirim! Não tem que saber latim; porém, não aproxime o que, ortográfica e morfologicamente, não tem razão de ser.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Como?! Assim?!

       Isto de fonética e fonologia tem tudo a ver com SONS.

       Não com letras!
      Os grafemas estão para a escrita. Os sons estão para a oralidade. E se uma letra admite vários sons (veja-se a letra 's' que admite quatro realizações sonoras: [s] em 'sapato', [z] em 'rosa', [ʃ] em 'espinho' ou [Ʒ] em 'as batatas'), quando se faz o estudo da fonética e da fonologia é ao nível sonoro que tudo interessa. Portanto, há que distanciar da escrita e da tirania que esta apresenta quando se fonética e fonologia se trata.

         Q: A passagem de 'assi' para 'assim' pode ser um exemplo de paragoge?

        R: Claramente não. Trata-se de um exemplo perfeito de nasalização.
          Ninguém lê 'assim' como [ɐ'sim], mas sim como [ɐ'sĩ]. Ou seja, não é o som [m] que está em causa, mas sim a nasalização da vogal 'i' (que deixa de ser apenas oral para passar a oral nasal). É a aparência da grafia que parece apontar para o adição final de um som; contudo, não é isso o que acontece. É a vogal final que adquire um traço diferencial (de ressonância nasal) na sua produção.
         A letra 'm' pode ser lida como o som [m] em 'mesa' ou 'acima'. Por sua vez, em 'assim', 'fim' ou 'importar', a escrita não pode confundir o som transmitido - e que é sonora ou foneticamente a representação feita por um til ([ɐ'sĩ], ['fĩ], [ĩpur'tar]), a marcar o traço da nasalidade.

         Mais um caso que mostra que nem tudo o que parece é (não é processo fonológico de adição, mas sim de alteração na natureza da vogal oral que já lá está /estava e que passa / passou a ter um traço novo - o da nasalidade).

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Enquadrar a questão...

    A dúvida precisa de ser enquadrada.

   Tudo a ver com 'quadro(s)', claro está.

  Q: A propósito do estudo das relações entre palavras, em concreto a homonímia, posso exemplificar com a palavra 'quadro'?

     R: A consulta de um dicionário apresenta uma resposta negativa a esta questão. As várias aceções listadas para o termo dependem de uma só entrada etimológica. A palavra está relacionada com a origem latina 'quadrum', independentemente dos diferentes significados associados.
       Por esta razão, trata-se de um bom exemplo de polissemia e não de homonímia, na medida em que esta última se traduz na convergência gráfica para significados marcadamente distintos, decorrentes de étimos latinos dissemelhantes. Daí os homónimos serem apresentados com entradas diferentes no dicionário, representativas de origens etimológicas distintas.


      Desde a forma de quadrilátero à obra de arte; desde os elementos de uma empresa (quadro de efetivos) ao conjunto de botões que compõe um painel de funcionamento de um sistema (quadro elétrico); desde a visão ou perceção de um grupo ou estado de coisas (quadro dantesco) à subdivisão de um texto dramático (quadro cénico); desde a estrutura de um velocípede (quadro de bicicleta) à exposição gráfica de um conjunto de dados (quadro sinótico); desde o conjunto de sintomas de um paciente (quadro clínico) ao funcionário qualificado (um alto quadro), é o campo semântico da palavra 'quadro' que está em questão, numa conjugação de traços ou zonas de significado aproximado / comum.

      Neste sentido, 'quadro' é uma palavra fortemente polissémica, sustentada num só étimo latino. Deixe-se a homonímia para casos como rio (< 'rivum', curso de água) / rio (< 'rideo', forma verbal de 'rir'); livro (< 'liber', obra publicada) / (< 'libero', forma do verbo 'livrar'); dó (< italiano 'do', nota musical) / dó (< latim 'dolus', para dor, luto), só para mencionar alguns entre muitos pares de palavras com origens bem diferenciadas.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Confusões... nada históricas (na língua, pelo menos)!

     Quando se procura abordar questões de História da Língua, na sua evolução fonética, dá nisto.

     Particularmente, tudo acontece porque frequentemente se confunde o domínio fonético (som) com o da grafia (escrita) e há a tendência para reproduzir erros.

   Q: A propósito dos fenómenos fonológicos de adição, a palavra 'home' é um bom exemplo para dar conta de uma paragoge do 'm' (home > homem)? Obrigado.

      R: Naturalmente, não é um bom exemplo, porque nem caso de adição (ou de inserção) se trata.
        Tomando como ponto de partida 'home' (que na forma arcaica da língua também teve a variante 'ome'), o que sucede na evolução 'home > homem' não é um caso de acrescentamento sonoro, mas a consideração de um traço de nasalidade na sequência vocálica final. Quando muito trata-se de um processo de nasalização - alteração de uma vogal / sequência vocálica final (coda silábica), a ponto de ganhar o traço nasal [~].
       Nesta medida, o 'm' é um simples grafema (letra) para registar, em termos de convenção ortográfica, a nasalidade presente no que poderia ser a representação fonética da palavra: [ˈɔmɑ̃j]

       E depois disto interessa-me dizer que da forma arcaica 'ome' para 'home(m)' também não houve nenhuma prótese (até porque o grafema 'h' não traduz nenhuma dimensão sonora como, por exemplo, no inglês, marcado pela aspiração).

sábado, 31 de outubro de 2015

Halloween is back!

     É em inglês que se anuncia o apontamento, ou não fosse a festividade dominantemente das culturas de língua inglesa.

Ryan Conners, com Cesar Perez Mgal 
(Dark and fantastic arts)
   "Trick or treat!", "Chill the blood", "Best witches", "Just say Boooo" ou "To put a spell on you" são algumas das expressões que se ouvem no dia (ou melhor, na noite), para além do cruzamento com abóboras alaranjadas de bocas dentadas, mortos-vivos de olhos esbugalhados e faces pálidas escorridas de sangue, bruxas de chapéu alto e pontiagudo, seres decepados ou remendados, coxos e de negro vestido.
    Entre o diabólico e o fantasmagórico, assim se cumpre a festividade outrora sem relação com bruxas. Tratava-se de uma tradição do calendário celta irlandês: o festival de Samhain, a marcar o fim do verão e a dar culto aos mortos e à deusa YuuByeol (símbolo antigo da perfeição celta). Para os celtas, o lugar dos mortos era um lugar de respeito, honra, felicidade e perfeição, sem fome nem dor. Esta festa era presidida pelos sacerdotes druidas, intermediários entre os vivos e os antepassados mortos - uma aproximação, portanto, ao dia que hodiernamente principia novembro (o de Todos os Santos).
    Na tradução para o inglês, a noite que antecedia a homenagem a Todos os Santos era designada All Hallow’s Eve, passando diacronicamente pelas formas evolutivas All Hallowed Eve e "All Hallow Een". Daí a palavra contemporânea "Halloween".
     Atualmente, em Portugal, mais para o concelho de Vinhais (em Cidões), ainda se celebra a prática celta da Cabra e do Canhoto ("Quem da cabra comer e no canhoto se aquecer um ano de sorte vai ter" - diga-se, o novo ano celta, que começava pouco após a festividade), com um druida a preparar a poção (uma aguardente) e a população a queimar um bode num largo tronco velho de árvore (destruir o mal, representado pelo animal). 
Cartaz alusivo à comemoração nacional
da "Cabra e do Canhoto"

   Quem disto (do que é nacional) sabe? Poucos. Já do Halloween quase ninguém escapa. Globalizações!