Tudo o que se faça para combater o vazio criado por este Covid-19 é bem-vindo.
Quem está na frente da batalha ou quem se mantém na retaguarda são tão necessários como os que estão a meio. O efeito de onda, de trás para a frente ou vice-versa, é muitas vezes a fonte da persistência e da resiliência de todos.
Ao nível da educação, o contributo das aulas televisivas é um dado significativo para que o vazio não reine; para que haja algum sentido de oportunidade para divulgar, aprofundar, enriquecer quem nada tinha. Neste sentido, o #EstudoEmCasa (RTP Memória) e o #EstudarComAutonomia (RTP Madeira, para o ensino secundário) são apostas válidas. Não pelo que faz lembrar do passado (a Telescola), mas pelo que pode ser uma iniciativa de resposta ao presente e de desafio para o futuro. É serviço mais do que público, porque centrado na educação, no ensino e nalguma aprendizagem. Talvez não a mais estruturante ou estruturadora, mas sempre aprendizagem... e para todos os que a ela queiram assistir.
Há aspetos a melhorar, por certo, como em tudo na vida.
Hoje assisti a uma aula sobre Os Lusíadas (9º ano) - uma variedade de materiais, suportes, a todo o tempo ativada para uma suposta motivação à obra camoniana e, quem sabe, para a exposição de um conjunto de conhecimentos referenciais a aproveitar, num breve momento, para o que venha a ser uma fase posterior de recuperação e sustentação de informação. A rapidez e o imediatismo televisivos não garantem a efetiva aprendizagem de uma só vez. O milagre não é tão grande assim. No processamento que se faça por input não há output linear. E no que diz respeito ao intake, a história é bem outra. A quem defende que o que interessa são as aprendizagens, é bom que se tenha em atenção o nível de aprendizagem a que se está a referir, porque o conceito é bem diverso, cobrindo o que se consegue a curto prazo e o que passa a constituir memória de médio e longo prazo.
Valha o contributo face ao nada que existia. Melhorias podem seguramente ser feitas e estas só poderão surgir a partir do que se faz. É preciso trabalho e quem está nele tem o mérito de o agenciar.
Bom seria que o deslumbramento pelos materiais / instrumentos fosse evitado, particularmente quando eles introduzem ruído. Foi o que sucedeu com a aula de Português em questão. Ora um vídeo a tratar a estrutura interna da epopeia lusa, ora um powerpoint com o mesmo e alguma coisa mais e, no entretanto, o primeiro refere-se à narrativa "in media res" enquanto o segundo mostra a versão "in medias res":
Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)
Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)
Um 's' faz a diferença.
A técnica que se pretende ilustrar é clássica, vem de Homero, que, nas suas epopeias, escolhia o ponto por onde começar a narrativa: já a meio dos acontecimentos. Horácio, na sua Arte Poética, ao teorizar a abordagem épica das narrativas homéricas, referia-se a "in mediās rēs", ou seja, as "ações que vão a meio". Com isto se defendia a arte de Homero captar a atenção dos leitores. No caso de Camões, a técnica passa pela opção de colocar os marinheiros (e Vasco da Gama) em ação a partir do momento em que são verdadeiramente descobridores no caminho marítimo para a Índia (o percurso do Atlântico já era conhecido e a passagem do Cabo das Tormentas já tinha sido cumprida, por Bartolomeu Dias). No final, a mesma técnica imitada pelo épico português, atento à influência grega (e, mais tarde, à latina de Virgílio).
"In medias res", portanto, e não "in media res" (simplificando o registo latino, retirando o acento gráfico da vogal longa - ā -, por contraposição à breve - ǎ -, que também tinha um acento identificativo). Uma melhoria, digo eu, para o bem que se fez.
Subscrevo
ResponderEliminarObrigado pela leitura e pela mensagem.
EliminarCumprimentos.