quinta-feira, 30 de junho de 2011

Exames, poesia, Pessoa(s) e girassóis

     No meio de tanta escrita, leitura e correcção, houve que parar.

    No enjoo, no desespero e na agonia por muitos partilhada, e como forma de minimizar tanto mal-estar, houve encontro, partilha, convívio, trabalho, oferendas e ainda houve quem avançasse com uns versos inspirados em Pessoa(s) e Flor(es).

Pessoa(s) e Girassóis

À beira-rio
Estavam os dois sentados:
Lídia e Ricardo Reis.
As mãos desenlaçadas,
No meio, um girassol.

Caeiro, de pé, cajado na mão, ausente do rebanho
Seguia o curso do rio,
Evitando assim o papel constrangedor do tradicional pau-de-cabeleira.
Perto, um cordeiro balia…
Balido tangido nos girassóis que,
Por entre faias altas,
Amareleciam as margens.

Pessoa dormia à sombra de uma faia.
Sonhava com Álvaro de Campos perdido no labirinto da cidade,
Numa mansarda, donde via, também em sonhos,
Crianças brincarem em sacadas altas,
Por entre vasos de flores…

(Seriam também elas girassóis?)

E o sonho de Pessoa impregnava-se do sonho de Campos,
De tal modo que já não se percebia onde começava um
e onde terminava o outro…
Os sonhos e os homens!
Todos se confundiam…

E eu, que não fazia parte do quadro irreal e bucólico,
Saltei para dentro do poema
E roubei três girassóis!

E assim a fantasia ensolarou a realidade entediante de 55 provas
Cheias de uma literatura mal percebida
E muito pouco sentida!


IA, Gondomar e Porto, 30 de Junho 2011


  Porque nos entendemos mais neste universo criativo ou porque buscamos nele o bem que a realidade não está a dar, o diálogo surgiu, depois da oferta de três girassóis que deram alegria e cor a um dia soalheiro, de calor e com muitas provas para corrigir.

Foto de Vinicius Weide



IDEIAS para o DIA de um PASTOR

Foi à soleira da porta,
entre o vim e o vou
(no anunciar de um vaivém repetido),
que um Caeiro, sem cajado e sem rebanho,
se abrigou do sol e das nuvens que simplesmente não estavam no céu
- tinham fugido, como as ovelhas, à procura de um verde desterrado pelo azul.

Na madeira de um chão que já fora empedrado de uma varanda
(aberta ao calor de uma tarde que se punha, ainda quente),
cumpria-se o instante de um homem que se quis junto das ideias,
para que a invenção fluísse na cadência de um momento
composto da eterna novidade das coisas.

..........................................................................

O tempo só o foi porque o homem encontrou as ideias e as perdeu...
E nesse vivido instante, por mais que as nuvens não estivessem no céu,
(também não estavam com o rebanho que, na imaginação do pastor, em campo seu
nunca pastara - Ai! Como poderia!), ameaçavam elas, em lugar de escarcéu,
um girassol colhido na poesia, mas que Caeiro, sem demora, esqueceu.
Em carreirinha, quais árvores de fruto em plantio ou letras escritas em linha,
lá estavam elas, uma nuvem atrás da outra, fazendo pensar quem olhos tinha
(duas janelas para uma mente que evitava o pensamento; ele, porém, teimoso vinha).
Quebrada a harmonia, nessa tarde em que o azul se mantinha,
o girassol reinava junto às nuvens que ensombravam uma ribeirinha...
... aquela que, não existindo, podia matar a sede de tanta ovelhinha!

Assim, a amarelejada flor trazia o verde que o rebanho não comera;
que o céu, na sua cerúlea e límpida cor, também não dera.
Mesmo o mar, sem norte, sem rosas, em pleno Sul... também não o fizera!

Foi então que Caeiro olhou o capítulo e se fixou na riqueza das grandes pétalas.

Céu e girassol são o verde de um rebanho que sobreviveu...
Não é deles, vosso, nosso, seu, teu, meu...
De ninguém! Nem de Caeiro, que, ao fim desse dia, se fez esquecido das nuvens e se 

                                                                                                                  [recolheu.

Vigilante, toda a noite, ficou o girassol (que à escuridão um toque de ouro deu).


(Rua da Zorra, 
no último dia de um junho 
de muita leitura e muito pouca literatura)
     

   E, assim, por momentos, a alternativa surgiu, pelo menos até que o virtual deu, de novo, lugar ao triste real.

     Amanhã é dia para continuar.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Sinto-me drogado...

    No meio de tanto papel, de tanta coisa a fazer... olho para o tudo e fico suspenso no nada.

    Olhar parado. 
    Ausência de pensamento
    ...
    Vontade de fazer um disparate (no meio de tanto que já li).
    Perguntar-me o que ando (andamos) aqui a fazer.
    Perguntar-me se valeu a pena (por mais que Pessoa já tenha respondido a isso).
    Lembrar-me, então, da canção já antiga dos "The Verve", numa versão orquestral, capaz de fazer levantar a pele. A voz de Richard Ashcroft, as guitarras deste e de Nick McCabe, o baixo de Simon Jones e a bateria de Peter Salisbury são acompanhados por um friso de violinos que dá cor a esta música, acima de tudo, de amor.


THE DRUGS DON'T WORK

All this talk of getting old

It's getting me down my love
Like a cat in a bag, waiting to drown
This time I'm comin' down

And I hope you're thinking of me
As you lay down on your side
Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

But I know I'm on a losing streak
'Cause I passed down my old street
And if you wanna show, then just let me know
And I'll sing in your ear again

Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

'Cause baby, ooh, if heaven calls, I'm coming, too
Just like you said, you leave my life, I'm better off dead

All this talk of getting old
It's getting me down my love
Like a cat in a bag, waiting to drown
This time I'm comin' down

Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

'Cause baby, ooh, if heaven calls, I'm coming, too
Just like you said, you leave my life, I'm better off dead

But if you wanna show, just let me know
And I'll sing in your ear again

Now the drugs don't work
They just make you worse
But I know I'll see your face again

Yeah, I know I'll see your face again
Yeah, I know I'll see your face again
Yeah, I know I'll see your face again
Yeah, I know I'll see your face again

I'm never going down, I'm never coming down
No more, no more, no more, no more, no more
I'm never coming down, I'm never going down
No more, no more, no more, no more, no more


    Resta a consolação de eu me sentir drogado, mas, por certo, haver muita gente que anda (mais do que) pedrada.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Predicado e estrutura argumental: que relação?

      As palavras têm significados que precisam de ser bem contextualizados.

     É o que se pode depreender da utilização dos predicados de uma pessoa, do predicado de uma frase e da palavra como predicado(r).

      Q: Há alguma relação entre o predicado e a estrutura argumental? Tenho alguma dificuldade em a ver, embora já tenha lido que ela existe.

     R: Há quem entenda o predicado com o sentido de dote ou de virtude. Na gramática da vida fico-me pelo primeiro por me parecer mais funcional na própria gramática. Trata-se de uma espécie de dote, se a imagem assim mo permitir, aplicado ao domínio da gramática. Não serão os bens que a noiva leva para o casamento, mas os elementos de que uma categoria necessita para completar o seu significado lógico.
     A noção de predicado tem sido tradicionalmente utilizada segundo duas acepções:
    i) um, tomado da lógica e da semântica e que se relaciona com a estrutura argumental (com implicações de selecção) das palavras com valência própria, argumentos ou lugares vazios, sejam estas verbos, nomes, adjectivos, advérbios, preposições;
    ii) outro, de natureza sintáctica e que designa a função desempenhada pelo grupo verbal (isto é, a expressão gramatical cujo conteúdo atribui uma propriedade ou se relaciona com o sujeito da frase.
   Está para este segundo caso a con-sideração do grupo verbal sublinhado na frase 'Ontem os alunos apresenta-ram as dúvidas ao professor' (constituí-do por um verbo principal, o comple-mento directo, o complemento indirecto e o modificador do predicado).
    De acordo com a primeira acepção, o predicado (ou elemento predicador) da frase é o verbo 'apresentar', que denota uma acção que requer a concorrência de três participantes: um agente, que leva a cabo a acção (os alunos); um tema ou objecto (as dúvidas surgidas) e um destinatário, aquele a quem se destina a acção (ao professor). Estes três elementos, que intervêm na noção predicativa, são normalmente designados "argumentos" ou "actantes" (à semelhança dos papéis atribuídos aos actores nas representações dramáticas). Costuma chamar-se 'estrutura argumental' ao conjunto (ordenado ou não) dos argumentos seleccionados pela palavra superior hierarquicamente. Há, assim, uma relação de dependência, de valência lógica e semântica, e também sintáctica, entre a palavra central, nuclear, subordinante e os elementos que com ela participam no quadro de referência lógico-semântica (por exemplo: o nome 'pai' implica que este seja pai 'de alguém', pelo que 'pai' é acompanhado de um complemento de nome; o adjectivo 'interessado' implica que se esteja interessado 'em alguma coisa', pelo que há que fazer seguir o termo de um complemento do adjectivo; o verbo 'comer' selecciona um agente e um objecto ou tema).
   No caso de um verbo, a sua estrutura argumental prende-se com a noção de sujeito (exterior ao predicado), a de complementos / predicativos (sempre que estes sejam requeridos pelo primeiro) e a de modificador do predicado (por se tratar de um elemento não seleccionado / requerido pela palavra nuclear).

     O sentido de predicado, quanto à estrutura argumental, não se associa apenas a verbos (e ao respectivo grupo verbal); relaciona-se também com nomes, adjectivos, advérbios ou preposições, os quais também seleccionam constituintes para cumprimento / saturação do respectivo significado. À excepção dos verbos auxiliares, praticamente todos os outros têm uma estrutura argumental; em contrapartida, apenas um conjunto reduzido das restantes categorias requer semanticamente um ou mais argumentos para completar o respectivo significado.

domingo, 26 de junho de 2011

Parassíntese? Nem por isso! Variação na História.

     A formação de palavras nem sempre é o que parece.

   Impõe-se o trabalho de consulta de um dicionário, quando a tentativa não vai mais longe do que olhar apenas para a palavra. 

     Q: A palavra 'alugar' é um exemplo de parassíntese? A palavra-base não é lugar?

    R: Olhar para uma palavra e proceder à sua "desmontagem", ou segmentação, nem sempre dá conta dos seus constituintes. A nossa consciência sincrónica pode ser redutora, caso esta não seja cruzada com outros conhecimentos e/ou documentos referenciais que a sustentem (ou não).
   No caso concreto, a palavra em questão ganha uma dimensão completamente distinta com dados associados à História da Língua e à Etimologia, o que motiva uma plataforma de abordagem da formação de palavras com, pelo menos, estas duas áreas de conhecimento. 
    Pela consulta de um dicionário com referências etimológicas, é possível verificar que este verbo tem origem na forma latina 'allocāre' (no sentido de «colocar», «situar», «estabelecer»). Assim, à semelhança de muitas outras palavras, trata-se de um caso que entra na língua portuguesa directamente do latim, com indicadores de evolução diacrónica e fonética - nomeadamente a apócope do som final, a sonorização de [k] pela localização intervocálica (> [g]), entre outros ajustamentos sonoros.
      
    A mediação ou intercessão de vários domínios da Linguística constitui um olhar mais integrador de saberes, capaz de dar resposta a casos que se apresentem como estranhos ou não se tomem por tão sistemáticos quanto outros.

sábado, 25 de junho de 2011

Relevo: sim ou não?

     Podia dizer que é muita areia para a minha camioneta.

     Outros há que afirmam que "Namoro de praia se enterra na areia".
     Também se sabe que em "Ano de cheia, areia cheia".
     Porém,  quando vejo isto...
                                                                             
Espinho (VO), para esquecer alguns espinhos da vida

     ..., não me sai da cabeça a imagem de uma ampulheta, com os grãos de areia a cair... e o tempo a passar...
     Como é possível pensar em tal, quando observo o que podia ser um belo e bom exemplo de planície e serrania?!

     É o que dá ter areia na cabeça.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Erros morfológicos

       Há práticas docentes que motivam algumas dúvidas; há tipologias de erros que lançam outras mais.

    Na base de uma tipologia de erros e na redefinição das áreas linguísticas segundo o Dicionário Terminológico para os Ensinos Básico e Secundário (DT), a questão impõe-se:

    Q: O que é um erro morfológico? É o caso da má construção do conjuntivo?

    R: À luz da definição do DT, a morfologia é a "Disciplina da linguística que descreve e analisa a estrutura interna das palavras e os processos morfológicos de variação e de formação de palavras". Os erros que possam estar aqui inseridos são os que se relacionam, então, com a palavra e os seus constituintes morfológicos; a morfologia flexional e os processos morfológicos de formação de palavras (derivação, composição).
     A título de exemplo, cabem aqui casos de: 

. má formação ou deformação na base das palavras (ex.: *gramamática, em vez de gramática; *perca por perda; *interviu, por interveio; *manteu, por manteve; *deia, por ; * tou, *tamos, *tão, *tava, *teve, *tivemos ou *tiveram, por estou, estamos, estão, estava, esteve, estivemos ou estiveram);

. seleção indevida de afixos (ex.: *aprovamento, no lugar de aprovação; *treinagem, em vez de treino / treinamento; *planeação em detrimento de planeamento; *premiação, para prémio);

. desconhecimento quanto aos constituintes sufixais nos contrastes de género / número (ex.: *profeta no feminino em detrimento de profetisa; *palavras-chaves em vez de palavras-chave; quaisqueres, por quaisquer; *sabião, em vez de sabiam; *tu fizestes, no lugar de tu fizeste ou *presidenta por presidente);

. desrespeito da integridade da palavra no seio da família de palavras (ex.: *previlégio, por privilégio; *previlegiado, por privilegiado e desprevilegiado, por desprivilegiado);

. desconsideração de especificidades ou irregularidades morfológicas na flexão de tempos e modos (ex.: *cabo, por caibo ou *saiem por saem; *fazerá, em vez de fará ou *trazeria, em vez de traria; *subinde ou *subei, por subi);

. não reconhecimento de estruturas complexas de conjugação e flexão verbal (ex.: futuro e condicional em construções pronominalizadas, como em *faria-se, em vez de far-se-ia; *direi-o, em vez de di-lo-ei).

     Naturalmente,  há casos que remetem para múltiplos focos de abordagem, no que toca às áreas ou disciplinas implicadas na análise do erro. Por exemplo, os já mencionados '*sabião / sabiam' ou '*previlégio / privilégio' andam a par de questões ortográficas e de deturpações fonéticas, tal como os casos de flexão morfológica se conjugam necessariamente com o domínio da sintaxe (ex.: colocação do pronome na conjugação pronominalizada; flexão em número e flexão / variação em género na construção de coesão frásica, entre outros).
     No que toca ao conjuntivo, convém sublinhar que este pode apresentar-se como um caso crítico e relacionar-se com a morfologia no já referido exemplo '*deia / dê'; também pode associar-se a problemas de ordem ortográfica, sintáctica e /ou fonológica (ex.: ganhe-mos / ganhemos, faça-mos / façamos).
    Daí a pertinência de plataformas com outros domínios ou outras disciplinas a bem da análise/ocorrência de certos erros (ex.: disse-mos / dissemos e poder / puder motivam falhas com implicações em termos morfofonológicos e morfossintácticos).

     É por esta e outras questões que sou a favor de plataformas de entendimento, de negociação e de moderação (nomeadamente na Linguística e na rede de entendimentos, de perspectivas, bem como de contributos das suas áreas ou domínios de estudo, sempre que tal se revele proveitoso em termos didácticos).
     

Véspera de São João... renovação, purificação e protecção

     Festividade do Porto, ao santo escolhido por coração.

    Do padroeiro Pantaleão à padroeira Vandôma, o Porto vive hoje a noite do seu santo de coração: a noite de São João.

Noite de São João, tela de  Alberto da Veiga Guignard (pintor fluminense), 1961

                                     Às Herodíades e aos Herodes
 desta vida


    Com cores e calor de fogo,
    voa na noite um balão;
    cheira-se o manjerico
    passando a palma da mão.
    Os copos escorrem vinho;
    há sardinha assada e pão;
    romaria e alho-porro
    são sinais da tradição;
    martelinhos na cabeça
    completam a animação.
    Natureza mais o Homem
    - na vontade e na união -
    têm motivos dobrados
    para tal celebração.
    Populares saúdam santos,
    enlevando o pagão.
    Na cascata, corre a água
    do baptismo no Jordão
    - acreditar no Messias
    é ver dor e salvação;
    na figura do cordeiro,
    há sacrifício e paixão.
    Na cidade, a orvalhada
    aviva a manhã de verão.
    Vai-se a escuridão do demo;
    vem o dia de S. João.

                                                                   Espinho

   Passe a noite, chegue o dia; corra o ano, cumpra-se o ciclo e prepare-se a festa: a do fim e do início do Mundo; a da natureza humana em transgressão.

    Enquanto houver caldo verde, broa e sardinha, há sempre razão para o São João.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Cantilenas do antes e do depois!

     De novo o Acordo Ortográfico, por causa das cantilenas.

     É verdade que as cantigas mudam com o tempo. Grandes êxitos viram-se adaptados, na letra, porque o tempo, os usos e os costumes mudaram; na música também, à espera de atrair novos destinatários ou para explorar novos ritmos.
     O mesmo parece que querem fazer às cantigas que ajudam a ensinar e a aprender.

 Q: Colega, eu costumava dar uma cantiguinha quando ensinava os meus meninos a escrever. Dizia-lhes "Antes de p ou b escrevo um m em vez de n". Isto já não faz sentido com o Acordo, pois não?

    R: Continua a fazer todo o sentido. Só não o faz nos casos da queda do 'p' surdo (não lido). De resto, mantém toda a pertinência, pois os alunos continuarão a escrever palavras como 'campo', 'amplo', 'comportamento', 'sarampo', entre outras. É bom, portanto, que continue com a cantilena, se esta cumprir o objectivo de ensino-aprendizagem pretendido.
     Creio que se quer referir apenas às situações em que 'p' (consoante surda) se encontra numa sequência do tipo 'mpç' e 'mpc, como é o caso de palavras como 'assumpção', 'assumpcionista', 'peremptório' ou 'sumptuoso'. Ao eliminar-se o 'p' (por não ser lido), deixa de fazer sentido, nestes casos (repito), a regra ortográfica de escrever 'm' antes 'p'. A inexistência de 'p' conduz à grafia de um 'n' para marcar a nasalidade da vogal anterior: 'assunção', 'assuncionista', 'perentório'. Vai também nesta linha a ortografia de palavras como 'suntuoso' no português do Brasil.
     Todavia, estes casos são tão circunscritos e tão pouco frequentes que considero pertinente continuar com a sua "cantiguinha". Também (ora cá está outro 'm' antes de 'b') lembro (mais um) e relembro (outro) a cantiga sempre (outro ainda) que encontro erros que não gostava de ver (e sou professor do terceiro ciclo e do secundário).
    
     Continue-se, pois, com as cantigas. Até porque quem canta seus males espanta.

terça-feira, 21 de junho de 2011

O estado de coisas (na saúde da língua)

      Chegou-me há tempos à caixa de correio.

      Disseram-me que se encontrava num centro de saúde.

                                                                                  Foto  tirada a partir de telemóvel (com agradecimento à VS)  
   
     Por certo que não era o da língua, mas bem que poderia ser pelo estado de coisas com sintomas muito críticos: na fronteira da palavra (ACASA), na concordância (SR. Utentes), na pontuação (A vírgula do vocativo? E a que antecede o 'mas'?), na construção / selecção (a pronominalização esperada? - 'deixem-na ficar'),  na forma de agradecimento (Obrigadas!!!), para não dizer no que se implicita a partir do "mas" (Que utentes, meu Deus!).

      Assim vai a saúde (da língua e das mentalidades) neste país!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Um hotel... de quantas estrelas?

     Não é de estranhar que um hotel apresentado como de cinco estrelas, afinal, fosse de quatro.

     Por mim, no que toca à utilização da língua, dar-lhe-ia bem menos.

Um hotel a precisar de certificação linguística (Fotografia VO)

  Em dia de exame de Língua Portuguesa (9º ano), no qual os alunos tiveram que manifestar conhecimentos sobre casos críticos da língua (como a conjugação verbal do verbo 'obter' no pretérito perfeito simples do indicativo; de 'trazer' no futuro do indicativo; de 'parar' no pretérito imperfeito do conjuntivo; de conjugações pronominais no condicional), diria que bem precisava este hotel de umas explicações suplementares para ter sucesso nas comunicações e/ou na publicidade que faz.
    Assim, registe-se que:
i) as formas verbais conjugadas na primeira pessoa do plural seguidas de pronominalização apresentam a queda do 's' final ('preocupamo-nos'; 'comprometemo-nos');
ii) o determinante possessivo ('seu') só é grafado com maiúscula em contexto de referência a uma entidade divina e da religião cristã católica (o que não é caso do humilde cliente, qualquer que ele seja);
iii) o termo 'estadias', mais adequado a barcos, seria de substituir por 'estadas';
iv) 'Por favor' deverá ser seguido de vírgula;
v) a utilização de uma subordinada não finita ('Colocar este cartão na cama' / 'Colocando este cartão na cama') não pode fazer esquecer que ela funciona sintacticamente como sujeito; daí a impossibilidade de utilização de vírgula antes de 'significa'; 
vi) é grave escrever 'água' com acento grave (só os casos de contracção da preposição 'a' com o determinante artigo definido 'a[s]' ou os demonstrativos 'aquele[a][s]', 'aquilo' o admitem).
    Enfim. É verdade que a versão em inglês (também) não é das melhores; porém, o exemplo em português é deplorável.

   É por situações destas que seria bom dar emprego a pessoas com formação linguística para este tipo de anúncios / comunicados. A não ser assim, lembro uma amiga e um dos seus ditos para avaliar, irónica e humoristicamente, pérolas como esta da nossa língua: "Para isto só tenho um adjectivo: gostei!"

domingo, 19 de junho de 2011

Generalizações... nem sempre válidas.

     O que me faz confusão na diversidade e na mudança é a estratégia de generalização. Não por esta em si mesma, mas pelas consequências que pode trazer.

     É certo que se trata de uma das estratégias que nos permitem sobreviver neste mundo, perante tanta variedade; mas, no que toca à língua, ainda bem que se vão partilhando algumas dúvidas e algum saber (outra estratégia mais feliz).

     Q: Agora já não é preciso colocar acento circunflexo no verbo 'pôr', pois não?

     R: É, sim. 
    É verdade que há alterações no Acordo relativamente à acentuação gráfica, em geral, e ao acento circunflexo, em particular; todavia, o caso particular do 'pôr' não diz respeito a nenhuma alteração a considerar.
        Ao nível do acento gráfico em questão, regista-se o seguinte:
      a) a natureza facultativa da sua utilização em palavras paroxítonas (ou graves), como dêmos (verbo na primeira pessoa do plural do presente do conjuntivo), distinta da forma demos, no pretérito perfeito do indicativo; fôrma (nome), distinta de forma (nome; verbo 'formar' na terceira pessoa do singular do presente do indicativo ou na segunda pessoa do singular do imperativo);
       b) não utilização do acento nas formas verbais paroxítonas que contêm um e tónico oral fechado em situação de hiato com a terminação '-em' da terceira pessoa do plural do presente do indicativo / conjuntivo: creem, deem (conjuntivo), desdeem (conjuntivo), leem, preveem, releem, reveem, veem;
       c) não utilização do acento (seja o agudo seja o circunflexo) no contraste de palavras graves que, tendo respectivamente vogal tónica aberta ou fechada, são homógrafas de palavras proclíticas - não se diferenciam, portanto, 
            - para [a] (forma do verbo 'parar') de para [ɐ] (preposição); 
          - pela(s) [ɛ] (forma verbal de 'pelar') de pela(s) [ə] (contracção pela combinação latina pere la(s))
        - pelo [ɛ] (forma do verbo 'pelar', na primeira pessoa do presente do indicativo) de pelo [e] (nome ou contracção resultante da combinação pere lo(s))
            - polo(s) [ɔ] (nome) de polo(s) [o] (contracção, pela combinação latina, arcaica e/ou popular pore lo(s)), entre outros.

       Distinga-se, assim, 'por' (preposição) de 'pôr' (verbo), por serem palavras agudas (não cabendo nas palavras paroxítonas, as contempladas na mudança ortográfica em questão). Contudo, no que são verbos derivados deste último, respeite-se a antiga ausência do sinal gráfico distintivo (compor, depor, impor, pressupor, repor, supor...).

Algum tempo depois...

       Passou um ano.

       Assim o registei nessa altura: caiu no céu.
     Hoje, na cerimónia pública de homenagem ao nobel da literatura português, sublinhou-se a simplicidade de uma oliveira e de um banco colocados frente à Casa dos Bicos - Fundação Saramago. Depositados os restos mortais junto às raízes dessa árvore, cumpriu-se o desejo, a vontade (tão simples) final do autor.
      É verdade que, no Memorial do Convento, as últimas palavras são para um homem (maneta) cuja alma não subiu às estrelas porque à terra pertencia. O mesmo será dizer que nesta se cumprem ou se formulam as vontades; nela importa que se firmem as almas, para que não só do corpo seja ou esteja ocupada. Desta forma, sol e lua, Baltasar e Blimunda, matéria e espírito se cumprem no mundo que é nosso.
Foto de Daniel Mordzinski
      No Ano da Morte de Ricardo Reis, a abertura do romance "Aqui o mar acaba e a terra principia" não deixa de se reiterar no final, no momento de Ricardo Reis "dar o grande grito": "Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera".
     No documentário José e Pilar,  Saramago dizia querer ser árvore na próxima reencarnação: para estar com as raízes agarrada à terra - esse mesmo lugar que esperou pelas cinzas do escritor e recebeu o cumprimento de uma vontade que na terra se (a)firmou.
      Cumpriu-se também a memória.

    "Somos habitados pela memória", disse-o Saramago. Hoje deixei que a memória saísse deste meu habitáculo e abraçasse a vontade, para que se cumpra na terra o que já se fez no mar; se descubra, junto ao nosso nariz, o que parece estar longe dos olhos; se faça da memória um ingrediente para um futuro melhor.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Fernando... António ... Pessoa(s)

      É Fernando... e qual deles?!

     O santo é disputado pelas cidades que o honram: Lisboa, no nascimento (15 de Agosto de 1195); Pádua, na hora da morte (13 de Junho de 1231). Professada a vida religiosa na Ordem de Santo Agostinho, o padre Fernando de Bulhões tornou-se num franciscano reconhecido pelos seus poderes de oratória, de pregação e de erudição. Doutor da igreja, canonizado por Gregório IX (1233), tem as suas relíquias depositadas na Basílica e Catedral (Duomo) de Pádua.
Basílica de Santo António (Pádua)
    Num relicário do século XIV, conservam-se o queixo do Santo; noutro, do século XV, a língua (hoje muito deteriorada enquanto objecto de particular devoção dos fiéis), esse órgão que tanto o notabilizou no exercício argumentativo que os homens tanto quiseram ouvir como desejaram silenciar. Língua de Santo, de orador, de homem atento ao seu tempo e aos vícios que neste grassavam.
  Dele falou Vieira, tomando-o como exemplo e modelo. Um agostinho e franciscano a moldar um missionário humanista e jesuíta seiscentista, que foi falado por Pessoa - também Fernando, também António.
   No cruzamento de tantas pessoas, ficam a língua, a arte, a poesia e a religião em união; num círculo composto da raiz '-lig-' que, etimologicamente, aproxima os 'diligentes' ou 'inteligentes' com 'le-', 'lec-', '-leg-' de 'ler', 'leccionar', 'eleger'; do prefixo 're-' que sugere a repetição, a reciprocidade, a intensidade e a retoma.
   Ora, na harmonia das pessoas, dos saberes, das palavras e das emoções, os poetas sempre foram os eleitos na sugestão, na sensação, na libertação de uma existência e de uma consciência que nos enleiam.


        QUALQUER MÚSICA


Qualquer música, ah, qualquer, 
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer 
Qualquer impossível calma!

Qualquer música - guitarra, 
Viola, harmónio, realejo... 
Um canto que se desgarra... 
Um sonho em que nada vejo...


Qualquer coisa que não vida! 

Jota, fado, a confusão 
Da última dança vivida... 
Que eu não sinta o coração!


Fernando Pessoa, in Poesias I 
(Edições Ática)


       13 de junho é o dia celebrado por Padre António Vieira no seu Sermão de Santo António. O dia do santo chamado Fernando de Bulhões; o dia do poeta que ajudou a imortalizar aquela que foi a sua pátria: a língua portuguesa.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

10 de Junho: Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades

      Que dizer quando o dia de um país se conjuga com o de um poeta?

      Muitos dirão tratar-se de um país de poetas.
Túmulo de Camões no Mosteiro dos Jerónimos
      Para os muitos que desconhecem o facto de Camões estar entre os três poetas universais (a par de Homero e Virgílio), pode também ser estranho que o próprio poeta tenha sido motivo inspirador para muitas composições poéticas.
  Em conjuntura crítica contemporânea, relembro as interrogações de Gomes Leal, na composição poética, em quatro cantos, intitulada Fome de Camões (fosse este o título para o forte desejo de conhecer o poeta quinhentista e/ou à sua obra, e não tanto para a recriação dos 'tópoi' poéticos da pátria decadente e do poeta incompreendido):

"E a Lyra diz: O que fizeste, ó mundo! 
das grandes almas unicas, sagradas, 
das grandes frontes d'um sonhar profundo 
que eram as frontes as mais bem amadas? 
O que fizeste d'esse abysmo fundo 
de vontades mais rijas do que espadas, 
d'esses simples e santos corações 
que faziam chorar as multidões? 

O que fizeste d'essas linguas d'ouro 
que sabiam pregar como os prophetas? 
Como enxugaste o seu comprido chôro? 
Como arrancaste as ponteagudas settas?                
O que fizeste, ó mundo! do thesouro 
que vós homens mortaes chamais poetas: 
mas cujo nome d'harmonias bellas 
só o sabem as Cousas e as Estrellas?"
Lápide de Camões (ilustração em Com Textos 10, Edições ASA)

      Eram estes alguns dos versos produzidos por altura do tricentenário da morte de Camões (1880). A versão romântica de que o poeta morreu com a nação tomou a possibilidade como força real, a tempos retomada e reconfigurada numa linha de vida pobre e miserável tanto para o Homem como para o país; retratada numa lápide que teima fatalmente em ultrapassar o tempo e lembrar uma condição apresentada como um destino trágico, intemporal.

      Fazer da poesia e da língua a prece para a união dos povos, lembrando que um país pequeno se pode projectar no que de melhor há no Homem e no Universo: a crença de que as crises servem para nos testar e recriar o que não esteve à altura do que nos dignifica.

terça-feira, 7 de junho de 2011

À velha Europa.

      Assim são os tempos em que se impõe (alguma) novidade, sem que esta última por vezes o seja.

     Por ora, vai-se sabendo que há umas alterações na convenção ortográfica das maiúsculas e minúsculas, ainda que muitas vezes se tome por novo o que já é antigo.

    Q: Colega, continua-se a escrever a maiúscula de 'Europa'?

   R: Não estranho a pergunta, dada a preocupação que agora existe em saber o que dita o Acordo Ortográfico. As angústias e os cuidados são, para já, alguns; todavia, no próximo ano lectivo, serão maiores por certo.
    No que toca aos continentes, tudo permanece como está (ortograficamente falando; no resto, não o diria).
    Face à tradição, a novidade de utilização de minúscula em início de palavra reduz-se aos seguintes casos (Base XIX - 1º, 2º):
    a) meses (ex.: janeiro, fevereiro, março,...) e estações do ano (outono, inverno,...), à semelhança dos dias da semana;
   b) pontos cardeais e colaterais (excepto nos casos de abreviatura ou nos de referência absoluta, por contraste com as regiões de um país - ex.: Diz-se que os povos do Norte são mais dinâmicos e persistentes / O norte é mais verde do que o sul, em Portugal).

   Lê-se no Acordo que os casos de logradouros públicos, templos ou edifícios admitem emprego opcional na maiúscula / minúscula (ex.: Avenida dos Aliados / avenida dos aliados; Igreja dos Clérigos / igreja dos clérigos). O mesmo sucede com os domínios de saber, cursos ou disciplinas (ex.: Matemática / matemática; Química / química), as formas de tratamento associadas a reverência, cortesia, hierarquia (ex.: Senhor Doutor / senhor doutor; Vossa Santidade / vossa santidade) e as palavras mediais dos títulos (ex.: Jangada de Pedra / Jangada de pedra; Ano da Morte de Ricardo Reis / Ano da morte de Ricardo Reis).    
 
    Assim, as grandes massas contínuas de terra permanecem como Europa, África, Ásia, América e Oceânia, por mais que "flutuem" na crusta.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Um convertido... à poesia.

     Assim se fala de alguém que foi antimonárquico, republicano; escritor de tendência satírica e panfletária.

     Diz-se que nasceu a 6 de Junho de 1848, em Lisboa.
    Assumido na sua pose de poeta boémio, satânico e janota, cumpriu o percurso comum a alguns poetas parnasianos, decadentistas, simbolistas e finisseculares.
     Eis um dos seus poemas, em homenagem a Eça de Queirós:

Declamação do poema 'O Visionário (ou Som e Cor)'

      Um exemplo poético do inadaptado, do sensacionista ou do que, nas palavras do autor, "um belo dia", encontrou "a sua estrada real de Damasco, como Saulo" - a exemplo de um percurso em que "a cegueira dos olhos se cure e dissipe enfim" (in "A Senhora da Melancolia").

      No final da vida, assumiu a sua conversão à monarquia e ao catolicismo.

Não poder ser (ou não)... eis a questão!

       Retoma de casos, daqueles que não deixam de levantar dúvidas.

      Q: Na frase 'O Pedro está em casa doente', «em casa» e «doente» não podem ser os dois predicativos de sujeito, um deve ser modificador de predicado. Como se distinguem?

    R: Já me pronunciei sobre uma questão próxima da presente.
    Segundo o que aí anotei, este é um caso que muitos estudiosos consideram como exemplificativo de predicativos de sujeito sindética ou assindeticamente coordenados, contíguos. O argumento apoia-se no seguinte raciocínio: um mesmo comportamento sintáctico determina a existência de uma mesma função, aferida por testes sintácticos comprovativos.
      Ora, assim sendo, na linha do que se lê na frase, teríamos:
      a) O Pedro está em casa.
      b) O Pedro está doente.
      c) Teste sintáctico da coordenação: O Pedro está em casa e doente.
     Uma realização assindética da frase resultaria na inicialmente proposta, eventualmente com uma vírgula a separar 'em casa' de 'doente', mas com um predicativo do sujeito de natureza locativa e outro de caracterização qualificativa.

     Variedade na constituição dos grupos predicativos (preposicional / adjectival) e na sua natureza semântica (locativa / qualificativa) não corresponde necessariamente a diferenças sintácticas.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Junho não começa bem...

     Na memória dos tempos românticos, este foi o dia do desespero (para citar o título de um filme de Manoel de Oliveira).

     A fuga romântica, a constatação do insuportável e do insuperável não deixam ver além do muro.
     Entre infortúnios, inconformismos, certamente perguntou, mais do que uma vez, Onde está a Felicidade? (narrativa publicada em 1856). Entre Lisboa e São Miguel de Ceide (ou Seide), passando por Vila Real, Ribeira de Pena e o Porto. Talvez em nenhum dos locais.
       As escolhas foram sempre difíceis, algumas discutíveis aos olhos de um tempo que fazia do adultério (ou das influências dos traídos) motivo de prisão e, no caso concreto, condição para a própria criação romanesca.
      Em Camilo Castelo Branco sobressai a passionalidade, a revolta, o retrato de costumes, a espontaneidade dos registos linguísticos, a construção romanesca feita de personagens que, no contraste social e nas cumplicidades oportunas, criam laços solidários, alternativos às convenções e aos preconceitos do tempo.
     Este repete-se no balanço de uma cadeira, num avanço e recuo constantes, numa espécie de autismo à vida, pelo culto à morte.

     1 de Junho de 1890 - chegava o fim antecipado, o gesto ousado a dar lugar ao nada, ao vazio, à negação. Restava a coragem dos que ficavam para suportar a dor da perda. Ficou a herança de uma escrita que se revê a todo o tempo e momento, sempre que qualquer leitor o quiser.