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quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Dia de Reis no século passado e no presente

     Depois do Natal e da passagem de ano, chega a vez do Dia de Reis.

    Já lá vai o tempo em que a festividade dos reis ficava abrangida pela pausa letiva (e ninguém ficou traumatizado ou aprendeu menos por isso). Hoje, é na vizinha Espanha que se dá importância aos ditos, com a troca de prendas natalícias precisamente na passagem da véspera para o dia de hoje. Faz sentido, atendendo ao facto de os três reis magos - Belchior, Gaspar e Baltazar - também terem levado, ofertado ao menino ouro, incenso e mirra.
     Há mais de um século, outros reis ofereceram ao menino "Futuro" a Democracia, o Socialismo e até mesmo o Niilismo. Trata-se de uma ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro, publicada no jornal A Paródia, à data de 7 de janeiro de 1904.

Os Reis (e os presentes), ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro (1904)

   Numa alusão aos Reis Magos, Bordalo Pinheiro recriou o episódio do Novo Testamento, num paralelismo com os monarcas da Europa do início do século passado. Montando camelos, vão adorar o "Futuro". Levam-lhe 'ismos' de cariz muito ideológico: o rei de Inglaterra (Eduardo VII) leva o socialismo e a democracia; o czar da Rússia (Nicolau II), o neocristianismo e o niilismo; Francisco José da Áustria, o socialismo; o Kaiser Guilherme II da Alemanha, a social-democracia; o rei de Itália (Vítor Manuel III), o anarquismo e o socialismo; Afonso XIII de Espanha, o cantonalismo e o iberismo; o rei sueco, o separatismo. 
   Um não é soberano: o presidente francês (Loubet).  Oferece o cosmopolitismo e o socialismo. Digamos que, na procissão, este era um a fazer alguma diferença.
     Hoje, a diferença talvez residisse numa dádiva mais comestível:

Os três reis magos e o outro, que não é mag(r)o - tradução e adaptação VO

     Há reis que sabem aproveitar a oportunidade! 

    Não sei se o Futuro ficou bem servido com estes reis (mais um presidente). Hoje diria que o monarca maior seria aquele que presenteasse a atualidade com mais humanismo, sentido de justiça e saúde.

domingo, 12 de abril de 2020

Páscoa com ovos cracovianos

     Em tempos próximos de clausura, vive-se uma Páscoa diferente.

    O confinamento e o distanciamento social não são muito compatíveis com o espírito da celebração. Agradeça-se, porém, a condição salutar em tempos de doença e anseie-se por um novo dia. Será esta, por ora, a "passagem" mais esperada e desejada.
Mais um "Grande Ovo do Coração"
     Ficam os votos da melhor Páscoa possível, com tudo o que de bom se possa lembrar dos bons velhos tempos, inclusive daqueles quando, na infância, a diversão era pintar simples ovos cozidos, com sóis, estrelas, caretas, flores, cores, linhas e pintas tão festivas! Talvez seja, hoje, mais uma atividade para "ocupar" os dias; mais uma oportunidade para manusear o renascimento da vida - afinal, aquilo de que o ovo é símbolo desde épocas bem anteriores ao Cristianismo (a troca de ovos no Equinócio da primavera, a 21 de março, era tradição para marcar o fim do inverno ou o início da primavera, para não mencionar que alguns deles eram enterrados, na crença de que, assim, se assegurava bons cultivos e boas colheitas).
    Chegada a Páscoa cristã, a cultura pagã foi integrada na celebração da Semana Santa, passando o ovo a simbolizar o renascimento, a ressurreição de Cristo.
     Em tempo de ovuladas amêndoas e adoçados ovos,  interessa deixar, de momento e à semelhança do ano passado, um outro ovo cracoviano, trazido da praça principal de Cracóvia (Rynek Główny); um "Grande Ovo do Coração", para, com afeto, colorir estes dias muito cinzentos.

    Uma boa Páscoa para todos e que se cultive a paz, a segurança, a saúde, para se poder colher, de novo, a vida e fazer a passagem para felicidade(s) maior(es).

sábado, 11 de abril de 2020

Nem sempre quem vence é o vencedor.

        Ontem foi tempo de ver Maria, Rainha dos Escoceses.

    Na TV-Cabo, no canal NOS Studios, foi hoje exibido o filme "Mary, Queen of Scots", da realizadora Josie Rourke (2018). Nele se aborda, em paralelo, dois percursos reais: o de Mary Stuart, chegada de França, depois de enviuvar do rei Francis II; o da imperiosa Isabel I de Inglaterra. 
       No meio do poder e do jogo político-religioso dos finais do século XVI, duas mulheres assumem protagonismo carismático, com Mary (Saoirse Ronan) a reivindicar o seu direito ao trono inglês (enquanto bisneta do rei Tudor Henry VII) e Isabel (Margot Robbie) a ver a sua soberania ameaçada. De forma diplomática, entre a admiração pela rival e a afirmação do seu poder, ambas gerem uma autoridade a todo o tempo cuidada até que a segunda acaba por decretar a decapitação da primeira.

Maria, Rainha dos Escoceses (2018) - Trailer oficial legendado

       Mary Stuart acaba por ser um exemplo de vítima dos jogos políticos.
     É na situação de condenada que arranca o filme, até que, por analepse, se dá conta do regresso dela à Escócia. Representante de uma linha católica que se vira algo afastada da corte isabelina, Mary assume, na Escócia, uma postura de tolerância quanto à religião, mas não deixa de enfrentar a resistência crescente de movimentos protestantes, encabeçados por John Knox e por grande parte da nobreza escocesa. Num convívio contínuo com a influência francesa, numa política de casamentos que não é muito favorável à sua imagem pública, a filha de James V da Escócia acaba por ter de abdicar do trono e de se exilar junto da prima Isabel I. Esta última vai ser, a um só tempo, não só protetora da sua maior ameaça como também juíza do destino final. Protege-a, por forma a não acicatar os apoiantes da causa católica (de que a sua predecessora e irmã, Mary Tudor, fora representante maior), evitando uma revolução; acusa-a de traição, ao final de anos de auxílio, por causa de uma pretensa carta (assinada pela rival, mas que muitos assumem ter sido artimanha de conselheiros ingleses), na qual se conspirava e se propunha o termo da vida da rainha inglesa.
     Na luta dos interesses matrimoniais e na consolidação da independência de ação, estas duas rainhas foram, contudo, peças de um jogo maior: o da vida. Se Isabel I consolida o seu poder e afirma uma era de florescimento cultural durante o seu reinado, à hora da morte e sem sucessão declarada (algo que Mary repetidamente tentou obter), é James I, VI da Escócia, fruto do casamento de Mary com Henry Stuart (Lord Darnley, interpretado no filme por Jack Lowden), quem vem legitimamente a tornar-se Rei da Escócia e de Inglaterra. 
     Num circuito de intrigas palacianas, traições, revoltas e conspirações cortesãs, um trono e uma dinastia impõem-se (dos Tudor), mas o futuro rumo da história inglesa será ditado por uma outra linhagem soberana (dos Stuart).

      Um filme, inspirado na obra homónima de John Guy (Queen of Scots: The True Life of Mary Stuart, de 2014), mostra como os vencedores nem sempre são os que detêm o poder ou os que vencem momentaneamente causas discutíveis.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Revendo 'A Lista de Schindler'

     Foi dos filmes mais marcantes do final do século XX, obra-prima de Steven Spielberg.

    Já há um tempo andava com vontade de rever este filme. As interpretações de Liam Neeson (Oskar Schindler), Ben Kingsley (o contabilista judeu Itzhak Stern) e Ralph Fiennes (o comandante alemão Amon Goeth) são marcantes, bem como produção feita a preto e branco maioritariamente (só aqui e ali com uma nota de cor). No enredo, situado entre 1939 e 1945, revê-se a Polónia nazi, o genocídio dos judeus, a Checoslováquia da fábrica e do campo de concentração de Schlinder (Brünnlitz). Em mais de três horas, retratam-se, de forma mais ou menos ficcionada, episódios de vida de um Justo entre as Nações mais o périplo de um povo que, na II Grande Guerra, viveu mais uma etapa trágica na sua diáspora.

Compacto de A Lista de Schindler (1993)


    Inspirado no livro homónimo de Thomas Keneally, é seguramente um dos filmes da minha vida, desde que há mais de vinte e cinco anos ficaram imagens fortes como a da irritante criança loura que assiste ao desfile de judeus nas ruas polacas e grita "Goodbye, Jews!"; a do professor de História e Literatura que não é considerado "trabalhador essencial", mas acaba por o ser quando diz ser "polidor de metais"; a dos soldados alemães que discutem se a música tocada por um outro é da autoria de Bach ou de Mozart, enquanto ocorre o fuzilamento de vários judeus; a da criança vestida de vermelho, que se esconde do exército nazi, mas acaba junto de outros corpos; a do intolerável comandante Amon Goeth a fazer "tiro ao alvo" da sua varanda para alguns judeus que se encontram no campo de concentração de Płaszów; a de crianças que se escondem nas sanitas conspurcadas, na esperança da sobrevivência; a de uma outra criança insuportável a simular, com a mão, o corte de pescoço para as mulheres que chegam ao campo de Auschwitz-Birkenau; a do banho ameaçador das mulheres numa câmara que, em vez de água, bem podia ter sido de Zyclon B; a do comovente Schindler a chorar por não ter conseguido salvar mais judeus. O percurso deste povo é representado na pior das agonias.
     Mais significado ganha o filme quando, apesar da distância no tempo, se contacta com os locais nele retratados: a fábrica de Schindler e a judiaria, em Cracóvia; o campo de Auschwitz-Birkenau.

Praça Bohatérow Getta (ou dos Heróis do Gueto), no distrito de Podgorze, 
no gueto judaico de Cracóvia, com Monumento das Cadeiras, diz-se, pago por Roman Polanski
 (local onde eram selecionados os judeus para os campos de concentração) - Foto VO

Fachada da fábrica de Schindler, em Cracóvia - Foto VO

Janela à entrada da Fábrica de Schindler 
(com fotos e nomes dos trabalhadores judeus) - Foto VO 

Monumento Judeu junto ao bairro Kazimierz, onde este povo vivia na cidade, antes da II Guerra
(colocação de pedras como prática nas sepulturas judaicas, lembrando a época do Antigo Testamento) - Foto VO

Pórtico da Sinagoga Remuh, ao fundo do bairro Kazimierz
(nome a lembrar o rei Casimiro, fundador do espaço judaico na Baixa Idade Média) - Foto VO

    O bairro Kazimierz foi local da gravação cinematográfica, tendo-se, a partir desta última, conseguido a recuperação do espaço (dado o interesse turístico que o tem marcado). Quem por ele passeia não deixa de sentir o peso da História, os sinais da tragédia, o espírito de uma revolta contra quem pôde alguma vez defender o genocídio judeu, o holocausto.
      Na confluência de sentimentos, quando percorri estes locais, dizia para comigo que tinha de rever A Lista de Schindler. Entre a revolta do vivenciado com as políticas antissemitas e a admiração por um homem, no meio de outros iguais, dominou um sentido de compaixão e de gratidão muito forte. A cena final do filme (homenagem dos judeus salvos por Schindler junto à campa, em Jerusalém, no Monte Sião) é a representação maior da figura dessa gratidão, uma espécie de pacto ou princípio que, aliás, atravessa toda a película, ainda que numa multiplicidade de sentimentos bem difusos: o de Schindler para com Stern, no reconhecimento do trabalho deste; o de Amon para com Schindler, enquanto parceiros de negócios pautados por suborno e contrabando; o de Schindler para com uma judia, beijando-a num dos aniversários dele, quando lhe é ofertado um bolo; o dos judeus para com Schindler, à hora da rendição alemã incondicional, oferecendo-lhe um anel a partir de um dente de ouro fundido, a partir dos bens de muitos, e trabalhado à hora do final da guerra.
        Hoje o Ser Humano não pode deixar de estar, quase por ironia, agradecido a um partidário inicialmente nazi, o único que tem sepultura em território judeu, pelos mais de mil que ajudou a salvar.

      De oportunista interessado em ganhar dinheiro a herói tomado pela humanidade (sem escolha) ao salvar judeus, Oskar Schindler fica para a memória de muitos como um dos protagonistas da Sétima Arte, num filme que recebeu sete óscares, um deles o de Melhor Filme (1994). E foi tudo, na base inspiradora, tão real!

sábado, 28 de dezembro de 2019

Dois Papas (ou uma realidade cruzada com ficção)

       Título para um filme da Netflix com alguma inspiração na realidade.

      Histórias do Vaticano e das vivências dos Papas ou a visão crítica do poder institucional pontifício têm sido fonte inspiradora para a produção de longas metragens na Sétima Arte. Dois Papas, pelo brasileiro Fernando Meirelles (que conta com produções como Cidade de Deus e Ensaio Sobre a Cegueira), é mais um desses exemplos, no registo de uma dessacralização e humanização louváveis. Apoiado num roteiro do neozelandês Anthony McCarten (de A Teoria de Tudo), baseado no livro O Papa, o filme propõe uma intriga construída a partir de conversas ficcionalmente verosímeis entre o Papa Emérito Bento XVI e o cardeal de Buenos Aires, Bergoglio - hoje o Papa Francisco.
    Recuando aos tempos da eleição de Ratzinger (2005) e de Bergoglio (2013), há dados de "acontecimentos reais" cruzados com ficcionalidade tão plausível quanto os Papas serem humanos, Joga-se mais com os homens do que com a posição santificada que ocupam - homens que dançam tango, comem pizza, torcem por equipas de futebol e falam sobre os ABBA (quando Bergoglio trauteia 'Dancing Queen'), tudo é verdade tão convincente quando a ficção instaurada. A ser verdade, este conjunto de episódios resulta tão caricato que aproxima e familiariza as personalidades representadas de todos os que as conhece(ra)m e delas têm uma imagem com a qual mais ou menos se identificam.

Montagem de Trailers do filme de Fernando Meirelles (2019)

       O dado mais real é o da renúncia factual de Bento XVI e a ascensão do argentino Jorge Mario Bergoglio a Santo Padre. A ficção mais evidente é a da crítica aos sapatos desatacados de Borgoglio, quando foram os vermelho de Bento XVI mais contundente e veridicamente comentados; a do confronto de duas personagens, entre a mais dogmática e erudita e a mais progressista e pragmática, interpretadas por Anthony Hopkins (Bento XVI) e Jonathan Pryce (Francisco), a espelhar vivências e visões de mundo bem distintas, ainda que complementares e convergentes na resolução de uma crise eclesiástica crescente e resultante de sucessivos escândalos (como é o caso dos abusos sexuais, a corrupção moral e financeira, as relações com regimes ditatoriais, entre outros).
     O sigilo do que se passa na Capela Sistina à hora da eleição cardinalícia é de alguma forma desvelado, numa encenação marcada por rituais e formalidades que pairam em registos dispersos a que ninguém, para além dos purpurados, assistiu, mas que foram ora tornados públicos ora sucessivamente desmentidos. No talvez seja, a fronteira entre o ser e o não ser resulta frágil; no filme, é tratada como uma possibilidade de encenação de jogos de influência. Não bastam as relações do poder político com o religioso (e vice-versa); as ascendências e os influxos internos à instituição da igreja são uma imagem bem evidente do(s) poder(es) convocado(s), distinta do sentido religioso mais espiritualmente virtuoso.

Cena do filme 'Dois Papas' (2019), de Fernando Meirelles

       O espírito final do filme, com ambos os papas em amizade estreita, é o da reconciliação, o do perdão, o do reconhecimento que é mais forte e humano o que (n)os une do que as ideias que (n)os possam separar - se é que estas alguma vez foram assim tão diferentes, a julgar pelo espaço que um Papa dá a outro. Afinal, a confraternização e a celebração de um jogo do mundial são pontes de uma aproximação que se faz noutros capítulos da vida, como nos da fé. É possível que os contrários se atraiam, que os diferentes se juntem e que os opostos busquem plataformas de entendimento.

       Entre as reflexões sérias e as confissões fortes das conversas mantidas, há também espaço para o cómico, o caricato, o inusitado e o inesperado - ingredientes necessários à identidade feliz e inteligente da vida humana.

domingo, 3 de novembro de 2019

Será que a Amélie vem aí?

        Dizem que a tempestade está para chegar a Portugal.

     Podia ter sido uma promessa, para afastar a anunciada intempérie; foi apenas um passeio para afastar as más energias, o cansaço e alguns sintomas doentios que persistem. E, agora, dizem que está a vir depressão! Coisa escusada! São ventos e chuvas que chegam para derrubar qualquer homem. Era bom que se dissipassem.
       A força da natureza está à vista: depois do sol tímido de um sábado e domingo, muda a cor do céu, a névoa surge, o vento esfria e o mar alteia. De longe, o branco das ondas ameaça pintar as paredes de uma capela, erguida sobre um rochedo, de costas voltadas para as fortes ondas. Em Miramar, a capela barroca do Senhor da Pedra não mira o mar; mira a terra. Impõe-se mais do que Pedro: é pedra sobre rocha, local de culto e peregrinação que, segundo um dos painéis de entrada, está erguido num espaço que terá remotamente recebido cultos pagãos de povos pré-cristãos. Persiste essa natureza natural e panteísta, pela envolvência do mar, da terra e do céu.

Capela do Senhor da Pedra, em Miramar (freguesia de Gulpilhares) - Foto VO

      Construída nos finais do século XVII (1686), a igreja é Património Mundial da UNESCO desde 1996. A sua forma hexagonal e a balaustrada exterior circundante, frequentemente rodeadas pela subida das marés, contribuem para um imaginário singular: o de um escolho santificado. A força da crença cruza-se com alguma sobrenaturalidade. Segundo os antigos, uma imagem de Cristo terá sido trazida pelo oceano: “Que num belo dia pousou sobre aquela pedra onde, mais tarde, veio a ser erguida a capela” (lê-se num outro painel, numa espécie de justificação do nome: “Senhor da Pedra”). No registo da lenda, quando os locais se preparavam para construir uma ermida ao Senhor da Pedra num terreiro conhecido por arraial, frequentemente era vista uma luz sobre os rochedos. A cada noite a luz misteriosa brilhava, pelo que os habitantes começaram a acreditar num sinal enviado do Céu. Assim, o ponto luminoso à beira-mar passou a ser o local de construção da capela. 
      O fantástico e o sobrenatural são ainda sulcados pelo espiritual e pelo religioso: na rocha, por atrás da capela, está incrustada uma marca semelhante a uma pegada de boi, que os habitantes da terra dizem ser de um animal bento (o boi que aquecia Jesus na manjedoura) que, também, por ali havia passado.

     As marcas nos penedos são uma constante nas lendas de cariz religioso. Natureza e fé são motivos para dar cor às religiões. A Amélie tem nome que (além de título para filme) dá para depressões.
      

domingo, 21 de abril de 2019

Ovo de Páscoa cracoviano

     Regressado a tempo para a Páscoa
"Grande Ovo do Coração (Foto VO)
     Diretamente de Cracóvia, chega o ovo pascal.
  Na praça central de Cracóvia (Rynek Glowny), encontrei uns ovos de Páscoa ('Os Grandes Ovos do Coração"), símbolo da amizade, do amor e da alegria pascal. Uma dádiva aos olhos dos transeuntes e visitantes de boa vontade na região de Koprivnica-Križevci, à semelhança de exposições análogas em galerias e praças de outras cidades do mundo (Nova Iorque, Pittsburgh, Milão, Ferrara, Roma Bruxelas, Klagenfurt, Graz, Slazburg, Viena, Brno, Bratislava, Lendava, Zagreb, entre outras). Um projeto de pintura em estilo naïve, levado a cabo pelos artistas Josip Gregurić, Đuro Jaković, Stjepan Pongrac e Zlatko Štrfiček.
      Ao Papa Emérito Bento XVI foi oferecido um destes ovos, em 2010; eu trouxe um, em registo fotográfico (claro está!), comigo. Apanhei-o de "passagem", em pleno espírito de Páscoa - esta palavra, na sua origem hebraica (Pessach), significa isso mesmo - “passagem” -, a marcar, na mais natural das religiões panteístas, o final do inverno e a chegada da primavera. Para os cristãos, a Páscoa é a festa da ressurreição de Cristo, ocorrida três dias após a sua morte na cruz - também uma "passagem" para uma nova vida.

     Seja este Ovo de Páscoa o nascimento para um novo ciclo da vida. Boa Páscoa para todos.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Céu de fogo

        Aquecido o dia, o final de tarde foi alaranjado.

     É como se mar e céu se rendessem ao fogo e ao calor da tarde e, antes de a friagem da noite chegar, houvesse tempo para lembrar um verão que, não sendo o de S. Martinho (porque a destempo), foi o do santo hoje celebrado: Santo Alberto Magno. 

Céu de fogo (Foto VO)

     Dizem que foi soldado, devoto de Virgem Maria e que seguiu a vida cristã, dedicando-se por completo ao estudo e ao apostolado. Apaixonado e dedicado à vocação, teve como discípulo São Tomás de Aquino. Escreveu mais de trinta obras e ensinou a viver em equilíbrio, graça e fé.
    Por ora, era o que mais queria: equilíbrio (em tempos de pico de trabalho), graça (para quebrar a rotina dos dias e ter a capacidade de aproveitar algum do tempo que me é dado) e fé (nem que seja a de que tudo isto vai passar).
    Creio que ando a precisar de todos os santos; não só um.

    E saber que laranja é cor que traz sucesso, agilidade mental; atrai boa sorte e prosperidade; desencoraja a preguiça. Era bom, era!

sábado, 2 de dezembro de 2017

Lutero

     A propósito de uma minissérie no canal público de televisão.

Estátua de Martinho Lutero frente à 
Igreja de Nossa Senhora (Frauenkirche), Dresden
Foto-VO
    Quando o rogo feito a Deus não é escutado (nem que seja por causa de um jogo de bola) ou quando os homens da igreja, a troco de indulgências, concedem o perdão, a fé surge necessariamente instrumentalizada. Resta a um homem caminhar no sentido da reforma da igreja, questionando-a e afastando-a das fraudes e dos logros criados. Foi o que Martinho Lutero fez.
     A Reforma de Lutero, minissérie em dois episódios hoje transmitida pela RTP1, é uma produção alemã da UFA Fiction - ZDF a ilustrar bem o que há 500 anos (1517) fez um sacerdote agostiniano revolucionário com as suas 95 teses acerca das indulgências: conseguiu que a poderosa Igreja Católica fosse abalada pelo movimento protestante do início do século XVI. 
     Do título original 'Reformation' e com a realização de Uwe Janson, a estreia televisiva denuncia como a máxima 'Quando o dinheiro cai na caixa, a alma voa para o Céu' se tornou na maior das contribuições dos fiéis para uma instituição que se afastava em muito do espírito cristão que a funda(menta)ra. A fé e a crença de um homem marcaram a diferença, na oposição aos dogmas da igreja a que pertencia; em favor da verdade, da piedade e da misericórdia para todos (nomeadamente na língua que dominavam e não no latim que desconheciam). Afinal de contas, ler permite construir o conhecimento que só alguns controlavam - logo, nada como traduzir as fontes para a língua que todos entendam.

      Trailer promocional da série, transmitida pela RTP1

    Martinho Lutero (interpretado por Maximilian Brückner) é o professor de Teologia que, na Universidade de Wittenberg e no início do século XVI, assina escritos contra a venda de indulgências, consciencializando os crentes de que nenhum homem deve pagar ou comprar a sua liberdade. Numa primeira conferência de Teologia em alemão, permitiu o acesso direto e generalizado à palavra de Deus, ultrapassando-se o espaço reservado apenas a quem sabia latim. Conquistada a população, enfurecido o Arcebispo, Lutero recebeu uma bula papal que o obrigava a retratar-se com as suas teses, sob pena de excomunhão. 
        O jogo agora era outro; a bola estava do lado do poder institucional e de um homem - o Papa - que, para Lutero, valia tanto como um porqueiro. Deus continuava a não parecer ouvir o rogo do seu 'pastor'. Daqui à destruição da bula e à afirmação de que "há uma Igreja falsa e uma Igreja real", Lutero faz o caminho, perante o Arcebispo, o Imperador e os príncipes alemães, que o levará a reafirmar as suas teses, a traduzir a Bíblia e a implantar uma nova igreja no seu país.

       Para a semana há mais (o segundo episódio), para conhecer melhor um dos religiosos mais influentes na reforma da igreja católica na Europa.

domingo, 29 de janeiro de 2017

Silêncio

    Não é ordem nem convite; antes constatação ou necessidade.

   Inspirado na obra do escritor católico japonês Shusaku Endo (1966), Silêncio é um filme a não perder pelas imagens, pela representação e pela referência cultural, mais os dilemas e desafios desconcertantes que propõe. Realizado por Martin Scorsese, retrata a epopeia nessa diáspora de jesuítas portugueses pelas missões no Oriente (nomeadamente no Japão) no século XVII. 
    No contexto da apostasia (negação da fé) e do inquietante reencontro de dois padres (Rodrigues e Garupe) com um terceiro (Ferreira) - que havia sido mentor na formação cristã deles e de muitos outros e que parecia ter renegado tudo o que ensinara -, o espectador confronta-se com os limites da fé e a necessidade (mais ou menos forçada) de abdicar de tudo aquilo em que se acredita quando o martírio (próprio ou dos outros) surge:

Trailer legendado do filme "Silence", de Martin Scorsese

     O silêncio de quem assiste às atrocidades, ao martírio e ao sacrifício pode ser expressão de impotência; o silêncio, por não haver resposta ou por se instalar a dúvida, constitui-se mais como um desafio, uma oportunidade de (re)construção para o bem comum, se não der lugar à espera do que apenas está para além de cada um de nós.
     Voltados para a educação, a catequização, a divulgação da palavra de Deus em terras nipónicas, o silêncio marca o percurso dos jesuítas representados, colocando-os sob o dilema surgido entre a crença, a fidelidade à fé e a sobrevivência dos próprios e dos que os seguem. A procura da resposta implica a questionação, a reflexão, inclusive alguma adaptação às situações. Isto é particularmente demonstrado no caminho feito pelos padres Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Cristóvão Ferreira (Liam Neeson), tornados testemunhos de uma resposta para uma realidade que, por norma, se revela incompreensível, estranha, "estrangeira" diferente.
      Procurar apenas no exterior a resposta para os dilemas vividos não é a solução. Esta passa pela interioridade, pelo silêncio, pela consciencialização de que o bem ao próprio e aos outros admite ir ao encontro de algo / de alguém; afastar de modelos / exemplos de partida; estar atento a fatores contingenciais e a processos de enculturação, de tradução de práticas e crenças que não podem deixar de se focar no bem do outro e do que ele tem de distinto.
     A articulação de Silêncio e A Missão (1986), de Rolland Joffé, são inevitáveis, no que ao missionarismo diz respeito, bem como à posição frágil a que os jesuítas missionários acabaram por ficar votados quando confrontados com o poder, nomeadamente o da própria Igreja; Silêncio vai ao ponto de explorar as forças e as fragilidades que o Homem vive na sua fé. A missão aqui é a do próprio ser humano, que necessita de procurar, encontrar em si mesmo, no silêncio e na ausência, a resposta e a presença do bem. A fé por nós acolhida é em nós que se (re)constrói, sem que ela acabe negada - e, assim, a luz brilha na escuridão.

    À entrada, o título do filme até podia convergir com o pedido do silêncio; no final, não há a banda sonora usual, nem a necessidade de se saber quem canta o tema principal. Há o silêncio que diz e significa muito mais do que qualquer outro som, ruído.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Da noite para o dia de... Reis

      Hoje trabalhei e amanhã devia ser feriado. Tenho dito (ou melhor, escrito).

     Sou do tempo em que o início do segundo período letivo só acontecia depois desta celebração. Creio que não perdi muito com isso; hoje, acho que ganharia uns dias de descanso que a pausa letiva de Natal não deu. Ao menos, o dia de manhã - era uma boa forma de começar os feriados no novo ano.
    Na tradição católica cristã e segundo o Evangelho de S. Mateus (2: 1), Cristo recebeu a visita dos magos do oriente logo após o seu nascimento. Ora, a noite de 5 para 6 de janeiro homenageia este evento, num costume que data do século VIII. Belchior, Gaspar e Baltazar (sacerdotes para uns, magos para outros, sábios para alguns, reis para muitos mais) são três. Há quem diga que tenham sido mais; todavia, a bem dos três presentes oferecidos a Cristo (ouro, incenso e mirra), ficou tudo reduzido a uma tríade, nomeadamente os magos - que o Venerável Beda (monge inglês do século VIII) regista como sendo, respetivamente, um velho de setenta anos, um moço de vinte e um mouro de quarenta.
      Em Espanha, a troca de prendas natalícias acontece nesta noite. Em Portugal, anteciparam-se as ofertas para a noite de 24 de dezembro. Resta, agora, comer o bolo-rei (hoje já sem brinde nem fava - na família, quem encontrasse esta última devia trazer o bolo de Reis do ano seguinte) e ouvir "as janeiras" ou as "reisadas" (cantar de reis), de grupos que cantam músicas populares e tradicionais de porta em porta, algumas das quais com poemas singelos alusivos:

Dia de Reis

Vieram os três Reis Magos
Das suas terras distantes
Guiados por uma estrela,
Cujos raios cintilantes
Os levaram ao Deus Menino
Que, a sorrir de bondade,
Recebeu os seus presentes
E os acolheu com amizade.



Os Três Reis Magos

Já os três reis são chegados
À lapinha de Belém
A adorar o Deus Menino
Nos braços da Virgem Mãe.

Os três reis do Oriente
Vieram com grande cuidado
Visitar o Deus Menino
Por uma estrela guiados.

A linda estrela os guiou
Até à sua cabaninha
Onde estava o Deus Menino
Deitadinho na palhinha.

Venho dar as Boas Festas
As Boas Festas d' Alegria
Que vos manda o Rei da Glória
Filho da Virgem Maria.


     Nalgumas localidades do interior português (Vale de Salgueiro, em Mirandela), há tradições que se cruzam, nomeadamente a católica cristã com a celta. Daí o registo de algumas práticas hoje encaradas como singulares:

Registo da RTP1 sobre a tradição dos Reis em Vale de Salgueiro

     Há quem chame a esta festividade "Epifania". Eu só queria que a revelação fosse a de que amanhã é feriado! Essa seria a manifestação suprema!

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Coincidências...

     Isto de o 13 de maio ser a uma sexta-feira resulta estranho, no mínimo.

    Quando se celebra a primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, em 1917, sobre uma azinheira da Cova da Iria, aos pastorinhos (Lúcia dos Santos, Francisco e Jacinta Marto), tudo inspira uma questão de religiosa e respeitosa fé... exceto o facto de, neste ano, o dia coincidir com uma sexta-feira 13.
    Em tempos de tão propagado "milagre do sol" (há fiéis que, há cerca de uma semana, afirmam e descrevem um clarão mais intenso do que o sol, a piscar e girar velozmente, no momento em que a Imagem Peregrina da santa deixa a igreja matriz de Ourém), esta sexta-feira 13 até parece profanação: é a história do milagre português a par de um episódio da Igreja com um Papa e um rei francês (Clemente V e Filipe IV, respetivamente) envolvidos numa maquiavelice e num pacto de contornos muito suspeitos - tanto para eles como para uma ordem religiosa (Templários) que parece ter usado e abusado do poder recebido; é juntar uma santa à bruxaria de Friga (conforme o cristianismo a ditou).
     Estas coincidências parecem sacrílegas. No meio de tanta alvura e intensidade de luz sagrada, o dia também se cumpre com o que de mais pagão e gentio tem a lembrar - como se entre Deus e o Diabo houvesse interseções que escapam à perceção humana, mais preocupada em ver gatos pretos heréticos (tal como Inocêncio VIII, no século XV, os fez constar nas listas do Index inquisitorial) do que felinos de espírito amigável, sociável e identificáveis numa extensão do próprio Homem.
     No discorrer destes pensamentos, outros dois se cruzam:
      - o do autor de Memorial do Convento (1982), entre muitos outros romances;


         - o de uma personagem do mesmo romance, que falou, por certo, como o narrador-autor quis.














 Sábios pensamentos estes, nomeadamente o de Deus que nos visita pelas ações que possamos fazer "cá" - mais do que estarmos preocupados em o ver "lá", nesse campo desconhecido, sem que o melhor seja feito naquele (em) que todos (vi)vemos.

     Fica a hipótese de, para algum azar, hoje poder haver um milagre, como se destas dimensões tão antagonicamente encaradas não resultasse uma complementaridade tão comum quanto a morte e a vida, a tragédia e a comédia, o mal e o bem, o preto e o branco, perder e ganhar. 

sábado, 14 de novembro de 2015

Afinal, sempre foi dia de azar... (bem pior do que isso!)

      Refiro-me ao dia de ontem - uma sexta-feira treze (de terror) que deu num sábado catorze (com dor).

    Vitimada pelo terrorismo, Paris acordou com a dor de uma noite sofridamente vivida e atrozmente marcada com mais de uma centena de mortos, na sequência de vários ataques a tiro e de bombistas-suicidas. O dia de azar deu em noite de terror. Entre reféns, feridos e mortos, o estado de emergência impôs-se no país que deu a conhecer ao mundo os valores da Liberdade - Igualdade - Fraternidade e que (re)descobriu o terror perpetrado pelo Estado Islâmico com sete ataques violentos em diferentes zonas da capital francesa.
     Discutem-se os motivos desta barbárie, pergunta-se em nome de quê toda esta tragédia, canta-se o hino francês (mais a parecer um grito de guerra já anunciado), marcha-se em homenagem aos que pagaram com a vida inocente (eternos desconhecidos, subitamente lembrados como mártires dos grandes valores e das grandes causas políticas), ouvem-se os discursos solidários dos que se dizem condoído (ainda que apenas pelo politicamente correto). Tanto assunto, tanta conversa para tão pouca ação!
    Aponta-se a diferença religiosa como a causa da catástrofe, esquecendo que qualquer crença, contrariamente a alguns homens (de tão diferentes credos), coloca o bem da vida acima de tudo:

     
      Comenta-se com facilidade aquilo que não é sentido nem vivido, salientando o medo que gera mais medo, numa irracionalidade em que só falar e nada fazer parecem ser as soluções para tudo (manter como está, para o bem de alguns poucos):


      Procura-se o que ninguém parece saber onde encontrar ou como lá chegar:

  
     E no meio de tudo isto sempre o Homem, dominando: o seu poder, a sua visão, os seus interesses e um sentido de vida que soa (cada vez) mais a destruição do que a realização.

      Por isso, no momento, só me apetece lembrar John Lennon e Imagine, no desejo de que o mundo "will live as one" - de novo a música como alternativa ao mundo infernal que vivemos (pena que seja só imaginação!)

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Festas de um pecador pescador

     Chegou o tempo das festas de S. Pedro.

    Ainda que celebrado por muitas outras localidades, em Espinho há uma capela de onde parte toda a animação para um dos três santos mais populares (Sto. António, S. João e S. Pedro). Não fosse esta uma zona com forte tradição piscatória, todos os anos neste dia, a povoação festeja o seu santo Padroeiro e Patrono com uma procissão que percorre as principais ruas locais.

O S. Pedro cá da malta
Está embrulhado num véu
É o pai dos pescadores
Que traz as chaves do céu.

   Ainda que de nome original Simão, no Evangelho Segundo São João, Cristo chama-o Kepha, que em aramaico significa "pedra", "rocha". Daí para o latim 'Petrus' foi um passo, com o mesmo significado.
    Edificada a igreja cristã sobre essa "pedra", Pedro foi o primeiro bispo de Roma; portanto, o primeiro dos Papas. Contudo, antes de se tornar num dos doze discípulos, Simão era pescador em Cafarnaum. Junto com o irmão, o também apóstolo André, era "empresários" da pesca e tinham sua própria frota de barcos, em sociedade com Tiago, João e o pai destes, Zebedeu. 
    Segundo S. Lucas (V:1-11), Pedro conheceu Jesus quando este lhe pediu uma das suas barcas, para pregar a uma multidão que o queria ouvir. No final, grato pela concessão, Jesus orientou o que viria ser seu discípulo e apóstolo para que fosse pescar com as redes em águas mais profundas. Contra as expectativas, a pescaria foi bem sucedida. Então Pedro prostrou-se humildemente diante do Messias e disse-lhe para que se afastasse dele, dado ser um pecador. Jesus preferiu vê-lo como "pescador de homens" para a fé cristã.

    Assim se justifica que muitas regiões piscatórias tenham este santo como padroeíro, pelos motivos bíblicos que o associam à pesca e ao mar.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Em dia de São João...

     Não cumpre muito a tradição esta figura de S. João, com cordeiro e livro na mão.
Foto da escultura de São João, 
exposta no Museu Nacional Machado de Castro, 
em Coimbra (VO)
   Para lembrar o dia, é reconhecido o facto de este se relacionar com a celebração católica do nascimento do profeta João Baptista (para não mencionar as festas pagãs do solstício de junho, realizadas na noite mais longa do ano). O cruzamento religioso e pagão faz-se na figura bíblica que, no rio Jordão, batizou gentios e judeus e também Cristo, apresentado como o Messias e o "cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo". 
    A representação comum de João com um cajado e vestes de pastor cumpre o requisito biográfico do homem que, após a morte do pai, teve a mãe (Isabel, prima de Maria) a seu cargo e viveu, por opção, como asceta. Invulgar é a que se dá ver numa escultura que encontrei há dias, aquando da visita ao Museu Nacional Machado de Castro (Coimbra): São João com um carneiro e um livro na mão.
  Como profeta que foi e filho do sacerdote Zacarias, terá João Baptista contactado mais diretamente com o saber do seu tempo (metaforizado no livro) - ora ministrado pelo pai e pela mãe ora transmitido pelos mestres da educação dos nazireus, ou seja, dos seguidores da Torá hebraica - livro, instrução, lei seguida pelos fiéis à tradição judaica, também designado como Lei de Moisés.

    Fica, assim e neste dia sanjoanino, uma aproximação à leitura da escultura. Quanto à festa, talvez ela já reflita as feições do que Fernão Lopes, no século XIV, deixou escrito em crónica como uma grande festa vivida pelas gentes do Porto (para não dizer que até a moirama, segundo uma cantiga da época, se rendeu à festa do santo católico, numa expressão clara da união sem qualquer tipo de preconceito).

sábado, 10 de janeiro de 2015

Fanatismo, desunião e violência

      Três dias depois, o pesadelo começa a receber a resposta que devia ter sempre existido.

     O atentado - terrorista no ato, se não o for na dimensão ideológico-político-religiosa (a ver vamos quem o reclamará) - ao jornal Charlie Hebdo é traumático pelas vítimas provocadas; lamentável e perturbador pelos princípios que o possam ter motivado; ofensivo e crítico pelo desrespeito dos ideais atacados, tão marcantes para a história e cultura francesas como para o ocidente europeu (e não só). Os proclamados defensores dos valores de cidadania, de inclusão e integração, aceitação e multiculturalidade, liberdade, igualdade e fraternidade sentiram-se violentados, vitimizados.

Estátua do ardina, na cidade do Porto,
junto à Praça da Liberdade.

      O "Je suis Charlie" surge em todo o local e com qualquer pessoa de bem, numa identidade emotiva e virtuosa não só com a liberdade de expressão mas também com os valores mais universais do ser humano. Falta saber quanto tempo durará esta marca, para não falar de todos os dirigentes políticos que vão embandeirar-se com tal identificação, mesmo sendo capazes de originar outras formas de terrorismo. Valha o facto de se deixarem também consciencializar pelo que possa representar este triste e trágico momento. Era bom que a causa fosse mais persistente, consistente, abrangente. 
   Para amanhã anuncia-se um grande movimento solidário em Paris. Lá estarão os governantes, os partidários dos valores que nos unem, encabeçando uma iniciativa que devia alargar-se ao combate de toda e qualquer forma de terrorismo, nomeadamente a que mais se faz sentir quase todos os dias, afetando a dignidade humana (por decisões excessivas, mais do que contestadas, nos planos político, económico e social).

      Não é livre quem é fanático; não é igual aquele que, na diferença e diversidade, não busca o que nos faça ou possa unir; não é fraterno quem responde a lápis, canetas, palavras e ilustrações humorísticas com armas letais, atos violentos e mortes injustas. Onde estais vós, liberdade, igualdade e fraternidade?

         

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Luz musical

     É nos momentos de maior tristeza que se lembra mais a luz como forma de superar a escuridão.

     No Capítulo I versículo 5 do Evangelho Segundo o Apóstolo S. João, lê-se

  A luz brilha na escuridão 
e a escuridão não vencerá.

    Com esta mesma citação termina o filme "A Missão", de Roland Joffé (1986). Nele ganha relevo o papel da música na evangelização e construção de um mundo que tudo tinha para ser perfeito. Ainda assim, e por decisão errada do Homem e da Igreja por este superintendida, não houve um final (completamente) feliz. Restou a música que ficou, trazida pela corrente da esperança e que fez entender a possibilidade de se sobreviver.

(Montagem com excertos do filme " A Missão")

     Ela traz a luz, particularmente quando as notas marcam a harmonia que Ennio Morricone fez ouvir na banda sonora da película anunciada.

     Razão tinha Shakespeare quando, no tratamento de um "topos" clássico no seu Richard II, fazia da música porta de luz, para o combate da loucura; liberdade e forma de expressão para o que ainda faz do Homem o ser que, só, não será ninguém.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Entre Assis e Xavier, fica Francisco

       Hoje foi dia de fumo branco, pelo final da tarde - está eleito o novo Papa.

    Entre as novidades (primeiro Papa oriundo da América Latina, primeiro Papa filiado na Companhia de Jesus), surge também o primeiro Francisco no historial do papado.
    A escolha do nome é marcante, seja na santidade evocada com São Francisco de Assis (fundador da ordem mendicante dos frades menores, séc. XIII) seja na de São Francisco Xavier (co-fundador dos missionários jesuítas, o "apóstolo do Oriente", no séc. XVI).
      A possível inspiração nestas duas referências eclesiásticas poderá estar na base de alguns dos gestos ora simples e despojados ora abrangentes e dedicados, que marcaram a apresentação do novo Sumo Pontífice ao mundo: a aproximação ao povo pelo toque humorístico (ao dizer que o foram buscar "ao fim do mundo") e pelo posicionamento humilde (submetendo-se à oração dos crentes e com estes; solicitando consideração e agradecendo ao seu antecessor); o apelo ao silêncio (conseguido); o sentido de maior serviço e de missão (numa lógica menor de poder) para com a comunidade e desta recebendo a bênção.
    De ambos os exemplos santificados, biograficamente associados a famílias abastadas, devia resultar ainda o desprendimento aos bens materiais, às riquezas mundanais. O Papa nada disso vai seguir, por certo, ao presidir a um dos estados com riquezas incalculáveis - de que o Museu do Vaticano é um pequeno exemplo, com os grandes salões de esculturas greco-romanas, de tapeçarias, de pinturas de vários séculos marcantes, entre outros.
     Resta ao sucessor de Pedro distinguir-se e deixar-se orientar pelo sentido de humanidade e pela preocupação social. Para já, passará a ter lugar no friso cronológico sucessório dos Papas visível no cimo das galerias da Basílica de São Paulo Extramuros.

Friso cronológico dos Papas nas paredes superiores das galerias (cimo)
Imagens dos Papas João Paulo II, do Papa Emérito Bento XVI e o círculo para o novo Papa Francisco (baixo) 



   Como se pode ver na imagem, ao fundo e à esquerda, lá está o espaço destinado a FRANCISCVS I.
     Trata-se de uma das cinco basílicas papais romanas (além da de S. Pedro, de S. João de Latrão, de Santa Maria Maior e de S. Lourenço Extramuros), localizada fora do Vaticano, mais precisamente na zona moderna de Roma, a que foi construída por Mussolini para a Exposição Universal de Roma (EUR) - evento que acabou por não se concretizar dado o início da II Guerra Mundial.

Um percurso por terras italianas - viagem por São Paulo Extra-muros (Roma)

     Em território laico, a jurisdição do espaço é, contudo, católica e papal. Encontra-se aí o que as escavações arqueológicas e as investigações de perícia têm identificado como o local do martírio e da sepultura de S, Paulo (este, por ser cidadão romano, foi decapitado, por ordem de Nero, fora das muralhas da cidade imperial).

     Ainda agora foi eleito o novo Papa e já lhe traçam um percurso junto de forças políticas e de interesses questionáveis, dúbios, no que aos valores católicos e cristãos diz respeito. A maioria está em grande expectativa e os sinais já dados nas breves comunicações produzidas, se forem continuados, anunciam uma ação evangelizadora e pastoral que pode ser significativamente marcante.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Non habemus Papam

    Hoje não se fala de outra coisa. O anúncio surgiu em latim.

    Bento XVI decidiu a data de três canonizações e, também o dia da sua renúncia: 28 de fevereiro.
    Os motivos aduzidos são os da idade, da associada e progressiva falta de vigor físico e espiritual, da doença que limita a ação do Sumo Sacerdote.
    Sem que tivesse concluído oito anos de pontificado, termina assim o ministério papal daquele que foi considerado o ideólogo religioso do Vaticano, o braço direito de João Paulo II. No desejo de se entregar à reclusão, pretende Bento XVI tornar-se um peregrino da oração, cumprindo na discrição o seu ofício espiritual de entrega à igreja que presidiu.


     Discute-se como poderá o Catolicismo conviver com a coexistência de dois Papas: um cessante e um outro em exercício. A cadeira do Pastor, do sucessor de Pedro parece não ter sido talhada para a vontade humana; só para os desígnios do Espírito Santo, que impõe um dever a findar com a morte e a dar lugar à sucessão de uma nova obrigação.
     Relembro, a este propósito, a atualidade do filme "Habemus Papam", de Nanni Moretti, e a vontade de ver o fumo branco para alguém com o espírito das "Sandálias do Pescador".

    Coincidência ou não, foi captada a imagem de um raio a tocar a cúpula da Basílica de S. Pedro. Uns dizem que foi mensagem do desagrado divino; outros, que foi um raio de luz sobre uma instituição que precisa de ser iluminada.

    

domingo, 11 de novembro de 2012

Magusto e Martinho

    O tempo é de magusto, para relembrar Martinho.

    O dia acordou soalheiro. Não é verão de S. Martinho, mas, depois da chuva dos últimos dias, cumpriu-se a abertura do clima para fazer rezar a tradição.
   Em época de crise, cruzei-me com um pequeno adereço, na montra de uma loja, a que não resisti - a foto não é das melhores, embora sirva para mostrar o clima dos convivas. Inspirador, por certo, para quem (antes, agora ou depois) consiga fazer desta quadra uma oportunidade para esquecer as inconveniências, as agruras, o mal-estar, os incómodos. Assim se (re)cumprirá a moral da história, que Bento XVI relembrou mais ou menos nos seguintes termos:

     Nascido numa família pagã da Panónia (atual Hungria), por volta de 316, Martinho foi orientado pelo pai para a carreira militar. Ainda adolescente, ele cruzou-se com o Cristianismo, tendo-se inscrito entre os que se prepararam para o batismo. Recebeu-o por volta dos vinte anos. Teve que permanecer ainda por muito tempo no exército, no qual deu testemunho do seu novo género de vida.
    Quando se retirou do serviço militar, deslocou-se a Poitiers (França) e junto do bispo Hilário, foi ordenado diácono e presbítero; escolheu a vida monástica e deu origem, com alguns discípulos, ao mais antigo mosteiro conhecido na Europa, em Ligugé. Cerca de dez anos mais tarde, os cristãos de Tours, tendo ficado sem pastor, aclamaram-no seu bispo. Desde então, Martinho dedicou-se com zelo fervoroso à evangelização no campo e à formação do clero.
    Sendo-lhe atribuídos muitos milagres, São Martinho é famoso sobretudo por um ato de caridade e fraternidade: quando era ainda jovem soldado, encontrou na estrada um pobre entorpecido e trémulo de frio. Pegou no seu manto e, cortando-o em dois com a espada, deu-lhe metade. Nessa noite apareceu-lhe Jesus em sonho, sorridente, envolvido naquele mesmo manto.

     E do manto se fez auxílio, e do manto se fez calor.






Peça em calcário (século XVI) 
no Museu da Fundação Calouste Gulbenkian

     O dia é de Martinho - com ou sem magusto, com ou sem castanhas, com ou sem moliço, com ou sem verão -, para humanizar.