terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Tretas do 'Bom Português'

     Quando se fala do que não se sabe dá nisto!

    Uma coisa é a brincadeira ou a comédia, num registo em que quase tudo vale (mesmo que nem sempre se aceite):

Excerto do trailer "O Leão da Estrela" (remake de 2015)

Imagem do "Bom Português" (programa difundido hoje na RTP1, às 07:23)
   Outra bem dife-rente é a situação objetivada na informação e no ensino de alguma coisa. Caso para dizer que, assim, é preciso ter "cuidado com a língua" (só para citar um título de um outro programa televisivo preocupado com o uso correto da mesma). Isto de a repórter / entrevistadora ir perguntando aos transeuntes se 'antissocial' é uma ou são duas palavras nem ao diabo lembra. E já nem falo de o hífen (sinal gráfico) ser designado como "um traço". Pior ainda é quando, por indução de quem lhes faz a pergunta, quase todos os entrevistados repetem "duas palavras" (veja-se os dois dedinhos da interlocutora, na imagem, a evidenciar o dito). Lamentável, em toda a ordem!
     Se o cómico do excerto fílmico resulta pelo facto de todos saberem que 'im' não é uma palavra (por mais que a personagem a apresente como tal), é triste que alguém ligado a um programa orientado (pretensamente) para o "bom português" esteja a pensar (e a dizer) que 'anti' é uma palavra. Por mais variáveis que sejam os critérios para a definição desta última, não é aceitável o desconhecimento de que 'anti' é um afixo, constituinte morfológico tipicamente usado no processo de derivação e colocado à esquerda de uma base derivante. Não se trata de uma palavra composta, definitivamente.
     Antissocial é, efetivamente, uma palavra complexa derivada de uma base ('social') à qual se adicionou o prefixo ('anti').

    É impressionante (uma palavra complexa derivada por sufixação, registe-se, já agora) como a televisão contradiz tanto professor de Português. Logo, não é serviço público de bom exemplo para ninguém. E não se pode dizer que seja a primeira vez!

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O Leão (que não o é) da Estrela (que era Branca)

    Depois de O Pátio das Cantigas, chegou O Leão da Estrela, com a Canção de Lisboa já anunciada.

   Por mais que se ouça no filme que tudo o que é inusitado se parece com um filme de 1947, o remake de Leonel Vieira pouco tem a ver com o original, tal como já havia acontecido com O Pátio das Cantigas (1942).
    A comédia de enganos portuguesa, a preto e branco, de Arthur Duarte, ressurge quase setenta anos depois, não com António Silva - Anastácio, administrativo adepto do Sporting a preparar-se para um 3 a 1 contra o Porto (que se fica por 2-1) no estádio do Lima, mas, desta feita, a cores, com Miguel Guilherme - Anastácio funcionário das finanças, adepto dos Leões de Alcochete a sofrer a derrota por 2-1 contra o Inferno Futebol Club num estádio alentejano.


Um dos trailers de 'O Leão da Estrela' - Novos Clássicos (2015)

    Na deslocação para assistir ao jogo (num estádio "lindo" de um pequeno clube local), Anastácio leva a sua família para terras alentejanas, ficando esta alojada na casa de uma família rica (ironicamente, Barata) cujo filho (André Nunes) é "amigo" de Facebook de Jujú (Sara Matos). Realidades para um tempo novo, moderno, afastado da década de quarenta do século passado e das tradicionais rivalidades (clubísticas e de sotaque) entre Lisboa-Porto.
    O fim interrompido do filme atual (sabe-se lá como correrá a vinda dos Barata a Alcochete, para dar o aval ao casamento do filho com Branca, que foi Estrela) é uma revisão da sugestão de pedido de casamento não pronunciado do comandante aos pais de Jujú no final do clássico português (dado que não comparece na versão atual, para além de os papagaios de outrora terem sido substituídos por um peixinho laranja, que acaba por morrer). Filipinho permanece motivo de riso em ambas as películas. A comédia instala-se nalgumas (poucas) cenas, nalgum (previsível) nonsense e nalguns (repetidos) tiques de personagens, nomeadamente os de registos de língua cruzados com pronúncias muito marcadas, seja a dos alentejanos seja a do novo-riquismo afetado (de que a forma de tratamento "você" é mero exemplo).

Pormenor do cartaz 'Novos Clássicos' (com réplicas do filme)

      É verdade que é comédia (embora, para mim, os bloopers finais tenham resultado melhor do que o sorrisos surgidos ao longo do filme); usa-se e abusa-se dos enganos, tal como no original (desta feita mais deslocados para a influência do par Anastácio - Jujú), mas não posso dizer que o resultado seja extraordinário, mesmo por comparação com o resultado da adaptação de O Pátio das Cantigas. Valham as interpretações de Miguel Guilherme (Anastácio), José Raposo (Barata), o mecânico Miguel e a "criada" Rosa (Aldo Lima e Dânia Neto), mais Alexandra Lencastre e Manuela Couto (Srª. Barata e Carlota) num contraste tão concertado (e sem concerto) que se constrói no seio de tanto logro a saltar à vista (e ao ouvido) do espectador entre as máscaras (re)criadas.

   Conclusão: como diria Anastácio, "isto das mentiras é uma coisa lixada. Um gajo perde-se nisto"! Venha o terceiro (que, pelos vistos, antigamente, foi o primeiro de todos).

sábado, 26 de dezembro de 2015

No coração do mar

    Título de filme atual baseado numa obra que retrata um facto inspirador para um épico da literatura oitocentista norte-americana.

   Aquela obra que Nathaniel Hawthorne considerou ser um exemplo moderno da epopeia homérica aplicada à literatura norte-americana nasceu a partir do sucedido e relatado neste filme.
    Não se trata propriamente de uma adaptação cinematográfica de Moby Dick, de Herman Melville (1819-1891), mas, antes, das condições de produção desse romance pelo escritor norte-americano. Daí este aparecer, na intriga da película, como personagem, pesquisando os motivos que viriam associar-se à construção desse mito literário identificado com uma baleia branca (ou albina) - verdadeira metáfora do poder animal e natural contra o interesse humano da altura (aproveitar-se da gordura animal para um sinal da modernidade do mundo de então: a iluminação a óleo das cidades e o comércio associado à caça baleeira). 
   O filme adapta a obra homónima de Nathaniel Philbrick (publicada no ano 2000), que narra a verdadeira história dramática vivenciada pela tripulação do navio Essex, em 1820 - facto que também resultou na realidade inspiradora do romance Moby Dick (1851).

Trailer do filme (2015)

      Sob a realização de Ron Howard (o mesmo de “O Código Da Vinci”), assiste-se a uma história na perspetiva do velho Thomas Nickerson (Brandan Gleeson), traumatizado com o que vivera como jovem navegador (Tom Holland) do baleeiro Essex. Em analepse, é ele que dá a conhecer a Melville (Ben Whishaw) o vivido e por longos anos silenciado, por os acontecimentos se pautarem pelo que há de mais terrífico, trágico e simultaneamente heroico. Quer o escritor quer o espectador ficam a saber como sucedeu o naufrágio do Essex, a par do confronto da fúria animal em alto mar com o interesse dos homens; do conflito aceso entre o capitão George Pollard Jr. (Benjamin Walker) e o imediato Owen Chase (Chris Hemsworth), que aspira a ser comandante de um baleeiro; da questionação que os sobreviventes revelam acerca de tudo aquilo em que acreditavam (desde a dignidade e honra pessoais ao verdadeiro sentido e valor da vida humana) mal se veem à deriva durante meses em pleno mar, aflitivamente lutando contra forças que os dominam. Impõem-se a experiência marítima e um instinto de sobrevivência que supera os limites de qualquer código moral, ético ou pessoal. Se uma tempestade não destruiu por completo a embarcação, viria a fazê-lo uma baleia, numa resposta à teimosa ousadia do Homem. Quando este para, também aquela deixa de atacar.
     No final do filme, a crença na palavra de Chase e na lealdade (ainda que infrutífera) para com o amigo que deixa numa ilha à espera da salvação; o reconhecimento de Pollard face aos acontecimentos vividos e não aos que comerciantes e companhias de seguro queriam fazer crer por imperativos financeiros; os silêncios que são ultrapassados para se viabilizar uma ficção inspirada na realidade são a constatação de que Moby Dick é uma possibilidade apenas para a certeza de que o Homem tem nas suas mãos o cumprimento das promessas que faz, a afirmação da verdade vivida e a vontade de não querer repetir aquilo que aconteceu e se aviltou.
     Esperando mais dos efeitos fílmicos (nomeadamente no que aos conflitos com a baleia diz respeito), não nego a qualidade dos grandes planos (essencialmente focados nas forças naturais) e os picados que minimizam o poder dos homens. Ainda assim, o drama da vida parece estar mais nos conflitos criados pelos humanos do que nos confrontos propostos pela natureza (e que, mais cedo ou mais tarde, desaparecem).

      A baleia albina é uma força; os homens são outra. Por mais que estes se queiram sobrepor, é aquela que sobrevive para se tornar mito. A humanidade tem, porém, sempre a hipótese de se recompor, caso não se renda àquilo que não quer ou à mentira declarada. Nisso, o filme apresenta uma mensagem de esperança, por mais que esta se situe no plano da ficção.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

P'ra cima!

    No dia de Natal, há que elevar o espírito.

    Para isso, nada melhor do que uma música positiva, com energia em crescendo e uma mensagem estimulante.
     Assim o diz o título, a letra e o fecho da canção.

Montagem com compacto de 'Up&Up' dos Coldplay 
(a partir da reprodução de Tito TiVi)

    Up&Up

fixing up a car to drive in it again
searching for the water hoping for the rain
up and up, up and up
down upon the canvas, working meal to meal
waiting for a chance to pick your orange field
up and up, up and up
see a pearl form, a diamond in the rough
see a bird soaring high above the flood
it’s in your blood, it’s in your blood
underneath the storm an umbrella is saying
sitting with the poison takes away the pain
up and up, up and up it’s saying

we’re going to get it get it together right now
going to get it get it together somehow
going to get it get it together and flower
oh oh oh oh oh oh
we’re going to get it get it together I know
going to get it get it together and flow
going to get it get it together and go
up and up and up

lying in the gutter, aiming for the moon
trying to empty out the ocean with a spoon
up and up, up and up
how come people suffer how come people part?
how come people struggle how come people break your heart?
break your heart
yes I want to grow yes I want to feel
yes I want to know show me how to heal it up
heal it up
see the forest there in every seed
angels in the marble waiting to be freed
just need love just need love
when the going is rough saying

we’re going to get it get it together right now
going to get it get it together somehow
going to get it get it together and flower
oh oh oh oh oh oh
we’re going to get it get it together I know
going to get it get it together and flow
going to get it get it together and go
up and up and up

and you can say what is, or fight for it
close your mind or take a risk
you can say it’s mine and clench your fist
or see each sunrise as a gift

we’re going to get it get it together right now
going to get it get it together somehow
going to get it get it together and flower
oh oh oh oh oh oh
we’re going to get it get it together I know
going to get it get it together and flow
going to get it get it together and go
up and up and up

oh-oh oh, oh-oh oh oh oh oh

fixing up a car to drive in it again
when you’re in pain
when you think you’ve had enough
don’t ever give up
don’t ever give up

    Com músicas destas até o dia fica melhor, na evocação do espírito resistente, resiliente. Não é preciso uma típica cantiga de Natal, por mais que também as haja ao estilo do grupo.

   É por estas e muitas outras (canções) que Coldplay (banda que tem estado à altura dos acontecimentos) anda comigo no carro, até para manter "A Head Full of Dreams" (título da sétima compilação de músicas recentemente editada). Dá para esquecer alguns pesadelos.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Uma história de natal... muito "frozen".

      Em época natalícia, quando o espírito é outro...


     No meio de tantos votos, mensagens e motivos de Natal, rendi-me à partilha de um pequeno filme com o boneco de neve Olaf (de Frozen), para que a quadra não passe em branco - por mais branco que o frio cenário do evento convoque:

Funny Frozen Xmas
(in https://www.youtube.com/watch?v=jwrHom-Wepw)

     Com a nota de algum cómico, formulo, portanto, os votos de um Natal feliz para todos os que passeiem nesta carruagem e nela encontrem algum calor e espaço / tempo de viagem nesta vida.

      ..., talvez seja melhor rir, para alguma alegria mostrar.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Aproxima-se o Natal ou o natal

      Este é o natal que eu não queria.

     Vendo os que correm atrás da(s) última(s) compra(s), são também visíveis os que não saem à rua nem vão atrás dela(s); os que não correm porque permanecem deitados sobre um cartão (talvez de uma caixa de encomendas desses bens que outros compram numa loja qualquer), na melhor das hipóteses sob um cobertor, a esconder o frio, a fome e a vergonha.
     Então recordo a voz de Paulo de Carvalho, a música de Fernando Tordo e os versos de Ary dos Santos:

 
Vídeo de Fernando Filipe, para uma versão de "(Natal) Quando o Homem Quiser"

       QUANDO UM HOMEM QUISER

Tu que dormes à noite na calçada do relento 
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento 
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento 
és meu irmão, amigo, és meu irmão 

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme 
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume 
e sofres o Natal da solidão sem um queixume 
és meu irmão, amigo, és meu irmão 

Natal é em Dezembro 
mas em Maio pode ser 
Natal é em Setembro 
é quando um homem quiser 
Natal é quando nasce 
uma vida a amanhecer 
Natal é sempre o fruto 
que há no ventre da mulher 

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar 
tu que inventas bonecas e comboios de luar 
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar 
és meu irmão, amigo, és meu irmão 

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei 
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei 
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei 
és meu irmão, amigo, és meu irmão 

Ary dos Santos, in As Palavras das Cantigas
([1989] 1995)

     Outras versões (e outras vozes) noutros tempos... e permanece o natal que já antes existia:

Versão do projeto musical 'Rua da Saudade'
(Gentes da Gente, numa montagem de César Azeitona)

     E, afinal, este natal persiste (há muito)...

     E não devia.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Complemento... qual?

    Mesmo a fechar o período letivo, a sintaxe ainda é preocupação de alguém.

    A questão surge na pertinente constatação de que há realizações linguísticas que ultrapassam as situações mais comuns.

    Q: Professor, no conto "A Aia", de Eça de Queirós, aparece a seguinte frase: "A leal escrava a ambos cercava de carinho igual". Podia dizer-me a função sintática do sublinhado?

Capa do conto queirosiano (ilustração de E. T. Coelho)
  R: Trata-se de um complemento direto (CD), conforme se pode detetar pelo teste de pronominalização (> A leal escrava cercava-os de carinho igual), numa realização do verbo 'cercar' próxima de 'cobrir' (> cobria-os de carinho igual) e com a preposição 'a' - de "a ambos" - numa ocorrência facultativa.
   Por estranha que possa parecer a identificação desta função sintática, é de relembrar que o complemento direto admite contextos preposicionados. Além disso, é de sublinhar que um desses contextos vai ao encontro da própria caracterização da personagem 'aia' - marcada por uma perceção ou um entendimento sagrados quer relativamente aos seus senhores quer no que respeita ao próprio filho. O príncipe por ela salvo e o filho dela são as duas entidades referenciadas pelo pronome indefinido (correspondente ao uso pronominal de um quantificador) 'ambos', numa articulação clara do enunciado e do CD com um sentido religioso do tipo "Amar a Deus" (com "a Deus" igualmente a funcionar como complemento direto).
     Acresce ainda o facto de o teste da interrogação ([A] Quem é que a leal escrava cercava / cobria de carinho igual? > [A] Ambos) apontar para a conclusão atrás considerada (com a pronominalização), tal como a construção passiva viabilizar a colocação do complemento direto da frase ativa no sujeito da passiva (Ambos eram cercados / cobertos de igual carinho pela leal escrava).

     Na base deste esclarecimento, espero que esteja afastada a previsível noção de um complemento (o indireto), por, no caso, o sublinhado não poder ser substituído por "lhes" (na ocorrência de terceira pessoa).

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Regressões, regressos e algo mais.

     Praticamente a fechar o período letivo, tudo acontece.

     A motivação foi dada por uma turma de artes que deixou o seu registo no quadro, entusiasmada com a pausa que se anuncia. Ocupada a esquerda do quadro duplo branco, os alunos de humanidades não quiseram ficar atrás. Preencheram então a direita com a inspiração do momento, um tanto ou quanto influenciada pela sensibilidade que a leitura de um Ricardo Reis impôs.
     No final, ficou a fotografia para memória futura:

Era uma vez um quadro branco... (foto VO)

   O gozo de escrevinhar e desenhar, quais meninos a marcar a sua presença no quadro, surgiu tão instintivamente que, por momentos, nem dava para acreditar que a sala era ocupada por finalistas ou pré-universitários. Eram, por certo, seres feitos de vontade, (re)nascidos num momento libertador colorido de verdade e de realidade.
    Captado o breve instante (quatro minutos), ...

                                                                                                       Aos alunos do 12ºF

     Vi um foco de luz num embrião.
     Anuncia o nascimento. Razão
     Para neste mundo vivo lembrar
     Que a volátil vida, ao passar,

     Urde passado e presente num fio
     com amanhã de um mar feito de rio.

     Depois disto, a aula (porque o lema é "trabalho, trabalho e mais trabalho"), até ao toque da campainha.

    Assim se regressou, por momentos, ao tempo de infância (numa nostalgia que lembrou Pessoa ortónimo). Até pode ser uma regressão, mas foi uma forma de libertar sorrisos e caminhar para uma  atenção feita de inconsciência, de um ideal renovado, de uma utopia com um toque de recreação e (re)criação.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Tanto se fala... e o que se acerta?

    É um dado que, mal são publicados os rankings das escolas, não se fala de outro assunto.

    Seja para dizer quem está à frente ou atrás seja para discutir a (in)utilidade dos dados divulgados, há muita conversa e quase nenhuma decisão que permita alterar o estado de coisas.
   Pior do que isto é chegar-se à conclusão de que este instrumento (entendido por muitos como avaliador da qualidade e das práticas das escolas pelos desempenhos dos alunos nos exames nacionais) vale o que vale.
     Neste sentido, sorrio por causa da imagem seguinte:


    O sentido de justiça é questionado, por certo, pelo que se dá a ver; a lógica do "quase-mercado educativo" parece instalar-se no que às escolas diz respeito. Competem entre si, induzindo e/ou construindo mecanismos de seleção de alunos (pelo que, mais do que estes ou os respetivos EE poderem escolher as escolas, parece que são estas últimas - ou pelo menos as que têm condições para tal - a definir critérios ou procedimentos seletivos para os estudantes que as querem frequentar); assumem nos projetos educativos conceitos-chave como os de eficiência, eficácia, performance e produtividade, como se de uma empresa voltada para o produto se tratasse; algumas sentem a vulnerabilidade inevitável face à localização geográfica, às políticas locais, ao contexto social e económico, para além da(s) ideologia(s) subjacente(s) às orientações dos diretores de escola; outras dizem-se muito exigentes e rigorosas; muitas colocam a ênfase nos resultados, particularmente nos de exame.         
   Não longe deste retrato, antevê-se, um pouco na linha de Lawrence Berg e Michael Roche ("Market metaphors, neo‐liberalism and the construction of academic landscapes in Aotearoa/New Zealand", in Journal of Geography in Higher EducationVolume 21, Issue 2, 1997, pp. 147-161), como a educação é perspetivada segundo um discurso típico da racionalidade económica, produzindo vencedores e vencidos, numa aceitação de que interessa investir nos que oferecem mais garantias de sucesso.
     Quero acreditar que a ação da escola está muito para além disto, até pelo sentido educativo de integração, formação que procura desenvolver junto dos alunos em geral. Por isso, relativizo estes rankings que nada dizem das contingências que marcam as escolas, procurando apenas ver a ação delas espelhada num instrumento que não é sequer nela construído nem atenta na diversidade de aprendizagens e de sucesso(s) muitas vezes conquistado(s) ao longo de vários meses e anos - e que não cabem numas horas de exame. É neste momento que não desejo ver as organizações escolares a resultar em ações para uns poucos desprezando a qualidade de muitos e/ou para todos. E as diferenças que existirem entre critérios / instrumentos / atividades / avaliações contínuas e formativas / práticas endógenas ao processo de ensino-aprendizagem de algumas instituições  que sejam assumidas como tal, pois não podem compaginar-se com discussões entre aproximações e distâncias face a critérios / instrumentos / avaliações sumativas externas ou exógenas às condições em que o ensino-aprendizagem se processa, não individualizando nenhum projeto de ação.

    Estar certo ou corrigir o que não interessa (para harmonizar e pôr bem o que não esteja como tal), por vezes, são situações que interessaria compatibilizar (até pela polissemia associada no verbo 'acertar'), não fosse haver enviesamentos que fazem com que frequentemente nem uma nem outra ocorram. Parece mesmo que, todos os anos, vemos uma montanha a parir um rato. Também este podia figurar na imagem (já agora)!
       

sábado, 12 de dezembro de 2015

Há cem anos...

     Um século passado e a voz não se apagou.

    Considerado por muitos como "The Voice", Frank (Francis Albert) Sinatra nasceu em 1915. Foi caso de sucesso pela década de 40 desse século, popularizando géneros musicais como o swing, o blues, o jazz, saídos dos salões, bares e locais em que habitualmente se ouviam para os espaços de espetáculo mais abrangentes, menos seletivos. Hoje poucos são os ouvidos que não tenham escutado algumas notas dos seus êxitos.
    "Night and Day" (1932), "Let it Snow" (1945), "Fly me to the moon" (ou "In other words", 1954), "Moon river" (1961), "My way"(1967), "New York, New York" (1977) são muitos entre os variadíssimos títulos musicais que frequentemente se lhe associam, mesmo tratando-se (apenas) de versões que o "mister blue eyes" acabou por celebrizar (mais do que os cantores originais). 


Música de Henry Mancini e letra de Johnny Mercer
(óscar para a melhor canção do filme Breakfast at Tiffany's, interpretada por Audrey Hepburn)

       MOON RIVER

Moon river, wider than a mile
I'm crossing you in style some day
Oh, dream maker, you heart breaker
Wherever you're going
I'm going your way

Two drifters, off to see the world
There's such a lot of world to see
We're after the same rainbow's end
waiting, round the bend
My Huckleberry friend
Moon River, and me

     "Come Fly with Me" (1958), "Strangers in the Night" e "Something Stupid" (1966) são outros êxitos de uma lista infinda que coube na voz dessa estrela (ainda) à vista dos transeuntes no Passeio da Fama. Aí se lembra não só o que Sinatra cantou mas também o que representou (na vasta filmografia que compõe a sua carreira).

    "The best is yet to come" (1959) foi a última melodia cantada em público - de novo uma versão. Figura esse título-pensamento na lápide do cantor (falecido em 1998), como se a morte não impedisse o anúncio do futuro.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Toca a andar!

        Em tempos em que apetece parar, ainda há quem esteja preocupado com 'andar'.

        Para a pergunta vinda, ponho já a resposta a andar.

        Q: Há alguma hipótese de considerar o verbo 'andar' como um verbo copulativo?

        R: Naturalmente que sim.
        Trata-se de um verbo com grande versatilidade em termos de classificação. Desde logo, a oposição verbo auxiliar / verbo pleno é um dado a considerar. No primeiro caso, 'andar' antecede o verbo principal (mediado por preposição) e associa-se a uma natureza temporal-aspetual evidente, encarada pela sua iteratividade ou duração num dado intervalo de tempo:

     i) Ultimamente, os jovens andam a ver muitos filmes violentos.

        No segundo, o de verbo pleno, está em causa um verbo com o traço semântico de movimento:

       ii) Andei cerca de três quilómetros, hoje.

       A realização enquanto verbo copulativo faz com que 'andar' associe ao sujeito sintático uma propriedade / caracterização (sintaticamente tomada como predicativo do sujeito):

      iii) Os alunos andam distraídos com coisas que não interessam para nada.

          De referir que o sentido durativo e repetitivo (num intervalo temporal) é um traço aspetual comum às três realizações (auxiliar, pleno, copulativo), até pelo que se implica no sentido do verbo pleno (ii), enquanto atividade levada a cabo em diferentes fases / etapas / passos (que não só apenas dados com os pés).

        Assim sendo, faz-se caminho ao andar (verbo pleno); mas para quem anda cansado (copulativo) parece que se anda a fazer tudo (auxiliar) para retardar o descanso. Toca a andar para lá chegar o mais depressa possível! Onde? Ao descanso, claro está!

sábado, 5 de dezembro de 2015

Do rio para o mar: no caminho dos modernos

     Por várias vezes me cruzei com ele, mais propriamente com o que escreveu, para não falar da estátua-homenagem que, na Foz, vê o casamento do rio e do mar.
Monumento na Foz do Douro a Raul Brandão,
de Henrique Moreira e Rogério Azevedo (pelo centenário do nascimento) -  Foto VO
       Assim o li ou revi noutras formas de expressão artís-tica nele inspiradas.
   Há oitenta e cinco anos morria Raul Germano Brandão. Quase ninguém dele fala, até por causa dos oitenta anos de um outro contem-porâneo do autor de Húmus (1917) ou O Pobre de Pedir (1931) - refiro-me, naturalmente, a um Fernando Pessoa, que não apaga os demais, mas se impõe pela grandiosidade que deles também colheu.
     Do prosador, dramaturgo e pintor nascido na Foz do Douro (a 12 de março de 1867) ficaram soberbas páginas plenas de uma paisagem geográfica, física e humana que respeita e resiste ao mar (ou não fosse ele descendente de quem com este conviveu). Subscritor do manifesto "Nefelibatas" (que sai no Porto, no findar de 1891), "andou nas nuvens" pela idealização e reflexão construídas, numa alternativa a um contexto finissecular e a uma sensibilidade pessimista e decadente que se impunham no período da sua existência.
     Num pensamento focado sobre a condição humana, o sofrimento, a angústia, o mistério e a morte, várias são as personagens traçadas pelo negrume dos ofendidos e humilhados, de uns miseráveis que (de humildes e espezinhados) se revelam num grito de sensibilidade ferida pelo espetáculo degradante do mundo; pelo gosto literário novo da apreensão dos matizes da vida psicológica, na sua complexidade e evanescência.
      Aproximando a escrita poética e filosófica, muita da prosa brandoniana coloca em causa os modos de representação do real, sublinhando, preferencialmente, uma meditação sobre a metafísica da dor, o absurdo da condição humana. As categorias narrativas do tempo, do espaço, da ação / intriga e das personagens esboçam simbolicamente um universo mais abstrato do que concreto, como pano de fundo para o drama secular da luta do homem entre o sonho e a desgraça. Assim a vila / vida de Húmus se apresenta; a árvore, enquanto símbolo simultâneo de prisão terrena e ascensão celestial, se mostra sustentada de desgraça ("As suas raízes alimentaram-se deste húmus - a vida dos pobres, das prostitutas, dos gebos", in Os Pobres, de 1906); o discurso fragmentado se compõe e recompõe, refletindo o reconhecimento da densidade psicológica, divagante e divagadora no(s) tema(s) pensado(s); o pluricódigo literário, artístico se afirma, numa combinação de reflexão, sensibilidade e produção escrita orientadas para um discurso coerentemente sincopado, fragmentado, típico de uma existência (e por que razão não já dizer de um existencialismo avant la lettre) em crise, para um gosto estético do tempo.

      Na sua obra poética, Verlaine escreveu "Il pleure dans mon coeur / comme il pleut sur la ville
"; na vila / vida de Raul Brandão, "O Homem é tanto melhor quanto maior quinhão de sonho lhe coube em sorte. De dor também". Eis uma visão e conceção modernas, prenunciadas num tempo ligeiramente anterior ao Primeiro Modernismo português.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Predicações semelhantes em construções diferentes

     A questão vem na sequência de um apontamento sobre completivas, com funções oblíquas.

     Pergunta uma colega, já com uma afirmação em mente:

    Q: Já agora, que estamos no mundo das completivas, na frase "Considero que o jovem está correto", apesar de o verbo ser transitivo-predicativo, a oração completiva configura apenas um complemento direto, não é? (E já agora, para quando uma publicação - escrita - com estas dúvidas e esclarecimentos?)

     R: O exemplo proposto dá conta de uma realização do verbo 'considerar' num enunciado com a seguinte configuração semântico-sintática: X CONSIDERAR que F (sendo X o argumento externo, identificado com o sujeito sintático, e F o argumento interno, com a frase / oração subordinada introduzida pela conjunção completiva 'que'). 
      "Que o jovem está correto" é, efetivamente, o complemento direto de um predicado que tem como núcleo um verbo transitivo (e não transitivo-direto). O que acontece é que há um mesmo significante léxico para realizações sintático-semântica distintas: uma com complemento direto (CD); outra com CD e predicativo do CD. É neste último caso que se fala de um verbo transitivo-predicativo.
          Comparando as duas construções em análise (I e II) -


- , é possível concluir que a segunda (transitiva-predicativa) é uma versão condensada da primeira (a qual apresenta explicitamente em F a estrutura predicativa 'Nome + SER / ESTAR + Predicativo' integrada numa substantiva completiva). A redução desta última em II é o que faz dizer que a construção transitiva-predicativa integra uma oração curta (sem explicitação do verbo copulativo 'estar').

     E, já agora, quanto à publicação, se houver uma editora interessada em publicar estes contributos (e não tanto em formatar a cabeça de professores com exercícios e respostas / soluções já prontinhos, de modo a não terem que pensar muito - como se para ensinar e aprender tal não fosse necessário), até pode ser uma hipótese a considerar.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

É bom que nos comportemos!

     Chegou a hora de nos comportarmos. Se bem se mal, logo se verá!

     Não se pretende que este seja um apontamento de etiqueta ou de regras de comportamento. Ainda assim, convirá que seja tido em mente.
       
   Q: Vítor Oliveira, por favor diz-me que "portar-se bem" ou "portar-se mal" se encaixa na classificação perífrase factitiva, sendo que não devemos analisar a função dos elementos separadamente. Obrigada.


     R: Digo que sim. Ainda assim, é preciso fazer alguns reparos.
      Desde logo, a questão do termo 'factitiva'. Este designa um mecanismo de redução sintática, redução da transitividade, com apagamento do agente / instrumento / causador e a apresentação da marca 'se' a configurar esse mecanismo. Assim se obtém uma construção incausativa (ex.: 'A chave abriu a fechadura' > 'A fechadura abriu-se'). Não vejo como 'portar-se bem / mal' possa ser representativo disso.
      Percebo o uso da 'perífrase', embora não entenda como a expressão pode dar lugar a uma só palavra (no cumprimento de que a perífrase é o recurso a uma expressão longa ou de várias palavras que podem ser substituídas por uma só).
     De resto, é de assumir que o verbo '(com)portar-se' é um exemplo de lexema complexo, pertencente ao conjunto dos chamados verbos intrinsecamente pronominais, tal como 'abster-se', 'apaixonar-se', arrepender-se', 'condoer-se', 'queixar-se' e 'suicidar-se'. Numa composição do verbo com o pronome, este último não desempenha qualquer função sintática; é usado com uma forma de pronome pessoal concordante em pessoa e número com o sujeito, mas sem qualquer valor semântico ou sem possibilidade de substituição por um complemento direto lexical ou pronominal (ex.: *'O José apaixonou o António / -o pela Carla').
       A unidade da expressão '(com)portar-se bem / mal' é ainda justificada pelo facto de '(com)portar-se' remeter para um predicado com um só argumento, não dois - isto é, em termos semânticos, não se denota uma relação binária entre entidades, mas um “predicado complexo”, de valor claramente intransitivo (só com um argumento externo). Numa frase do tipo 'A jovem portou-se bem / mal', não se relaciona a entidade designada por 'a jovem' com uma outra designada por 'mal'; o advérbio reflete uma das modalidades possíveis do predicador '(com)portar-se', numa interdependência entre o verbo e o termo ou a expressão de maneira nele implicado, mas sem valor referencial (de entidade, de localização temporal ou espacial). 
     Assim, à semelhança de 'cheirar bem / mal', 'vestir bem / mal', 'saber bem / mal' (no sentido percetivo, gustativo), 'sair-se bem / mal' e 'sentir-se bem / mal', o verbo contém uma dimensão do modo / da maneira que surge explicitamente transmitida no advérbio. O mesmo pode ser revisto em combinações do tipo 'bater certo', 'deitar fora', 'fazer bem / mal', 'ir longe', cujos 'predicados complexos' são representativos de lexicalizações associadas a algumas derivas semânticas.

       Dito isto, "não devemos analisar a função dos elementos separadamente". Agora, vou 'vestir-me elegantemente' (cá está mais uma situação), perfumar-me para 'cheirar bem' (mais outra), para 'me sair bem' (não há duas sem três) e 'me sentir feliz' (afinal havia outra).