quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Cumpre-se a tradição da quadra

     Nos últimos anos tem sido assim: com a saga do Hobbit.

     O Hobbit: a batalha dos cinco exércitos é a última (não só por ser a mais recente mas também por ser efetivamente a derradeira) aventura de Bilbo Baggins, na recuperação e reconquista do poder dos anões (anunciadas no primeiro filme). É o culminar épico da obra-prima O Hobbit, de J. R. R. Tolkien.
    Numa espécie de epílogo a  Desolação de Smaug, o início do terceiro filme desta saga dá conta da destruição de Laketown e de como o dragão cuspidor de fogo é atingido por uma seta apontada por Bard (Luke Evans). No Reino Sob a Montanha (Erebor), a tentação do poder e a sedução pelo ouro chegam. Thorin Oakenshield (Richard Armitage), tal como o avô Thror, fraqueja: isola-se, cede ao que é entendido como a maldição do dragão, uma doença do espírito que mais não é do que o veneno da ambição desmedida, da obsessão pelo conquistado (tomado como fim em si mesmo). Ainda assim, quando os valores da amizade e da liderança, o reino, a honra estão para ser perdidos, o rei dos anões acorda e faz-se guiar pela razão, dando continuidade e sentido a tudo o que fizera nos dois filmes anteriores. Juntamente com os anões (os de Erebor e os da Montanha de Ferro), os elfos (de Mirkwood) e os homens (de Esgaroth), enfrenta as forças das trevas, particularmente a monstruosa figura do orc Azog (de Dol Guldur) - vilão coadjuvado por Bolg (de Gundabad).

Trailer legendado do filme

     Na luta contra o mal, o sacrifício torna-se palavra de ordem. O bem, por mais que impere, não permanece igual ao ponto de partida. No seu percurso de vitória, muito se aprende (como o verdadeiro valor da casa e da honra), mas também muito se perde. Tinha de ser assim, para que um novo herói (Aragon) pudesse surgir em O Senhor dos Anéis.
     Na banda sonora, uma música se destaca, em jeito de despedida: 'The last goodbye', de Billy Boyd.


I saw the light fade from the sky
On the wind I heard a sigh
As the snowflakes cover my fallen brothers
I will say this last goodbye

Night is now falling
So ends this day
The road is now calling
And I must away
Over hill and under trees
Through lands where never light has shone
By silver streams that run down to the Sea

Under clouds, beneath the stars
Over snow one winter’s morn
I turned at last to paths that lead home
And though where the road then takes me
I cannot tell
We came all this way
But now comes the day
To bid you farewell
Many places I have been
Many sorrows I have seen
But I don’t regret
Nor will I forget
All who took that road with me

Night is now falling
So ends this day
The road is now calling
And I must away
Over hill and under tree
Through lands where never light has shined
By silver streams that run down to the Sea

To these memories I will hold
With your blessing I will go
To turn at last to paths that lead home
And though where the road then takes me
I cannot tell
We came all this way
But now comes the day
To bid you farewell

I bid you all a very fond farewell.

    Entre perdas e ganhos, Bilbo regressa a Bag End. Quanto ao espectador, retoma também ao ponto de partida da obra de Tolkien - o da trilogia de 'O Senhor dos Anéis'. A vontade é a de seguir a história e rever A Irmandade do Anel.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

N, A, T, A, L

   Letra a letra se compõe a escrita da palavra.

     Cinco sons, duas sílabas, uma só palavra.
     Do muito ao essencial; do plural à comunhão, à união. O uno.
   Na procura do caminho a fazer, não interessa contar as várias pedras calcorreadas; só o sentido a atingir.


        A fantasia que ilumina o dia não apaga o conjunto de estrelas que, à noite, vela.
        Depois do escuro manto, uma outra e nova luz brilha.
        Quer-se a paz. 
        Nem sempre o mundo a dá. 
        O Homem procura-a e não raras vezes a desfaz.

      Que este seja o momento para nascer a esperança. Que seja esta a noite anunciadora de um novo tempo: o dia no qual se dê à luz a felicidade ansiada. O dia de Natal.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

De 'Feed the world' a 'Heal the world'

      É umas das canções do século XX já com várias versões. E na letra diz que é de Natal.

     Resultando da articulação do (espírito de) Natal com causas sociais, aí está uma melodia ajustada a várias gerações.
   A versão original é do grupo Band Aid, uma comunhão de músicos britânicos e irlandeses organizada em 1984 pelo irlandês Bob Geldof (vocalista dos Boomtown Rats) e pelo escocês Midge Ure (guitarrista dos Ultravox). O objetivo era a obtenção de fundos destinados à causa da fome que vitimava a Etiópia. Assim foi lançado "Do They Know It's Christmas?"


It's Christmas time, and there's no need to be afraid 
At Christmas time, we let in light and we banish shade 
And in our world of plenty, we can spread a smile of joy 
Throw your arms around the world at Christmas time 

But say a prayer to pray for the other ones 
At Christmas time, it's hard, but when you're having fun 
There's a world outside your window 
And it's a world of dread and fear 
Where the only water flowing is the bitter sting of tears 
And the Christmas bells that ring there 
Are the clanging chimes of doom 
Well, tonight, thank God it's them instead of you 

And there won't be snow in Africa this Christmas time 
The greatest gift they'll get this year is life 
Where nothing ever grows, no rain or rivers flow 
Do they know it's Christmas time at all? 

Here's to you, raise a glass for everyone 
Here's to them underneath that burning sun 
Do they know it's Christmas time at all? 

Feed the world 
Feed the world 

Feed the world, let them know it's Christmas time 
And feed the world 
let them know it's Christmas time 
And feed the world 
let them know it's Christmas time 
And feed the world 
let them know it's Christmas time...

    Cinco anos depois, surgiu nova versão com a designada 'Band Aid II', numa continuidade da ação solidária para combater nova onda de fome na Etiópia. Novas vozes deram-se a ouvir, tais como as Bananarama, Cathy Dennis, Jason Donovan, Kevin Godley, Glen Goldsmith, Kylie Minogue, The Pasadenas, Chris Rea, Cliff Richard, Lisa Stansfield, Technotronic e Wet Wet Wet, entre muitos outros:


      Mais quinze anos e aparece nova versão, com a 'Band Aid 20', intentando chamar a atenção para a região de Darfur. 2004 foi o ano para integrar músicos como Daniel Bedingfield, Justin Hawkins (The Darkness), Chris Martin (Coldplay), a par de veteranos como Bono (U2), George Michael e Paul McCartney.


      2014 tem a Band Aid 30:


[One Direction:]
It's Christmas time, there's no need to be afraid
[Ed Sheeran:]
At Christmas time, we let in light and we banish shade
[Rita Ora:]
And in our world of plenty we can spread a smile of joy
[Sam Smith:]
Throw your arms around the world at Christmas time
[Paloma Faith:]
But say a prayer and pray for the other ones
[Emeli Sandé:]
At Christmas time it's hard but while you’re having fun
[Guy Garvey:]
There’s a world outside your window and it’s a world of dread and fear
[Dan Smith:]
Where a kiss of love can kill you
[Angelique Kidjo:]
Where there’s death in every tear
[Chris Martin:]
And the Christmas bells that ring there are the clanging chimes of doom
[Bono:]
Well, tonight we’re reaching out and touching you

[Seal:]
Bring peace and joy this Christmas to West Africa
[Ellie Goulding:]
A song of hope where there’s no hope tonight
[Sinéad O'Connor:]
Why is comfort to be feared, why is to touch to be scared?
[Bono:]
How can they know it’s Christmas time at all?

[One Direction:]
Here’s to you
[Olly Murs:]
Raise a glass to everyone
[Bastille:]
Here’s to them
[Sam Smith:]
And all there is to come
[Rita Ora:]
Can they know it’s Christmas time at all?
[All:]
Heal the world
Let them know it’s Christmas time again

    Uma nova letra, com outra roupagem melodiosa para um velho êxito musical; com vozes que - ora vindas do passado (Bono participou já na primeira versão) ora afirmadas no presente (One Direction, Rita Ora, Ellie Goulding, Seal, Sinéad O'Connor, entre outros) - dão novo grito ao "Feed the world". São estes os "Band Aid 30", desta feita voltados para uma epidemia mais atual: a do Ébola.

     Boas razões haveria se não houvesse nova versão para esta canção. Assim seria mais Natal.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Se promover se escreve com 'o',...

     Uma aluna fez-me chegar uma fotografia do melhor que há no 'português errado'.

     Escreveu ela: "Professor Vítor Oliveira, veja como não sou só eu que dou erros. Promoção com 'u'. Sinceramente, professor, estão a precisar de ir para a escola aprender a escrever."
     Não posso concordar mais. Até ela fica espantada com o que lê:

Foto enviada por uma aluna espantada com tamanha 'criatividade' ortográfica
(com agradecimento à Soraia Miranda)

     A não ser que se trate de um mecanismo de publicidade (pela negativa), fica mais um registo de como a inconsciência ortográfica e morfológica grassa pelas montras deste país. Bastaria pensar um pouco na família de palavras para chegar à escrita correta.
      Há quem esteja deveras a necessitar de assistência técnica na escrita do anúncio publicitário deste ginásio. Com tal publicidade, até eu desconfio da mensalidade, para não falar do serviço e da sua qualidade. Se é verdadeiro o lema 'Mente sã em corpo são', então neste ginásio o corpo deve andar pelas ruas da amargura. Porque da mente e do saber ortográfico nada mais escrevo.

      É por estas e por outras que não vou comprar lá nada. Prefiro uma prOmOção que valha a pena ser lida.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Hipóteses da idiotice ou do ridículo

     Um antigo aluno envia-me uma mensagem e um vídeo. O convite é para me divertir.

      Há diversões que nem ao diabo lembram:

Excerto de programa televisivo da TVI ('Ora acerta'), pela madrugada.

     Não é que a rapariga acredita piamente que 'Amor' tem mais do que quatro letras!
    Escrevê-lo-á com 'h'? Ou será com 'e' final, para marcar bem o sentimento 'à puorto'?! Também pode ser francófona e acha que 'amour' é termo universal para as línguas; ou, então - quarta hipótese - ainda escreve à forma alatinada de 'mm' geminados.
    O adiantado das horas a que o programa é emitido deve ser razão menor, por certo, para tanta falta de tudo.
   E intitula-se o programa 'Ora acerta'! Era bom que acertasse (mais) na qualidade dos produtos e dos apresentadores.

     Pelo formato do programa, não se trata de grande coisa. Mas, enfim,... se processassem a estação pela evidência pública, podia ser que houvesse maior seleção nos apresentadores e nos programas. É o que se aprende na nossa televisão, asneira atrás de asneira, erros de palmatória, além provérbios trocados à conveniência de alguém (diferente dos concorrentes que acertam).

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Fala tão bem!

      Não basta o facto de o tema já ser repugnante, de tanto nele se centrar a televisão.

    Todo o tempo se fala de BES; daqueles que não sabiam nem quiseram saber (ainda que estivessem sempre prontos para receber); dos que usaram e abusaram da confiança, do dinheiro de muitos; dos que ainda puderam comprar a sua liberdade e andam a pavonear-se num país que lhes dá sustento.
      E, no meio de tudo, chegam as "pérolas":


    Começa bem o deputado José Magalhães, construindo adequadamente o verbo 'interVIR' no gerúndio (interVINDO); mal fica Manuel Fernando Espírito Santo, ao desconhecer - entre várias coisas relativas ao BES e ao grupo Rioforte a que presidia - a conjugação do mesmo verbo no pretérito perfeito. 
     'InterVIM' era o que se devia ouvir, quando o próprio fala na primeira pessoa; 'interVEIO' era o que se devia dizer a propósito da sociedade Escom.
     Caso para pensar que se alguém interVIESSE com correção na língua talvez recebesse maior crédito no dito (porque, com o mal já feito, as suspeitas estão mais do que instaladas).
    No meio de tanto erro, apetece dizer que os milhões "desaparecidos" teriam sido melhor empregues numas aulas de português.

       Há pessoas que não deviam sequer abrir a boca, porque desta só sai asneira e afeta os melhores dos ouvidos.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Cinco palavras a morrer

      No blogue 'Certas Palavras', lê-se que há palavras a morrer.

      Assim se fica a saber:

    Cinco palavras portuguesas 
    que estão a morrer


        Ósculo
   Provavelmente, esta palavra não está a morrer: já morreu. Muitas pessoas já nem saberão o que quer dizer - e não me parece que alguém chore por esta morte, pois é um pouco estranho misturar a ideia dum beijo com uma palavra que lembra algum tipo de bicho estranho.

        Deveras
    Será ainda uma sobrevivente em certos discursos mais inflamados ou em paródias dum estilo antigo. Mas na vida do dia-a-dia não há quem diga “deveras”. Pelo menos sem que outros torçam o nariz a esta palavra com ar de outros tempos.

       Cassete
       Não morreu, mas está muito velhinha: uma palavra que ainda há poucos anos andava nas bocas do mundo… É bem provável que, muito em breve, siglas como CD, DVD e outros que tais se juntem à cassete nesse lar da terceira idade das palavras.

       Obséquio
      Uma palavra galante, mas cada vez mais rara. Ainda soa bem e não deixa de ter a sua graça, mas ninguém a ouve por essas ruas fora. Mas tiremos-lhe o chapéu, que merece o nosso apreço.

       Cosmonauta
     Nestes tempos em que a Rússia está mais interessada nas Crimeias desta vida do que na conquista do espaço, já poucos se lembrarão que os astronautas, por aquelas bandas, são cosmonautas. Nunca se sabe se não será esta uma palavra a ressuscitar muito em breve. Por enquanto, talvez seja bom recordar que um astronauta chinês é um taikonauta.

       Conhecem mais palavras que estejam a morrer?

      Até que eu gostava de responder, para que não seja debalde formulada esta questão. Mas para que os cinco vocábulos apontados não caiam em desuso, registo o seguinte: não procrastinemos! Osculemo-nos para que não haja deveras o desaparecimento de tão insignes ou egrégias palavras nem o olvido de usança tão propícia a relações humanas salutares e edificantes.

      E para que não vades sem galanteria, por obséquio, sede felizes. Votos de um repousante fim de semana.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Uma nova estrela.

      Depois das estrelinhas recolhidas do mar, desta feita foi-me atribuída uma grande estrela.

   Prestes a terminar um período letivo, fui honradamente condecorado com uma estrela produzida à pressa (disseram-me), mas com a qualidade distintiva e merecida de uma mais que ponderada estrela Michelin. E como não há "chef" do ano que sobreviva a tudo sozinho, tinha ao lado a "funcionária do mês", com outro exemplar tão primorosamente concebido e tão provocador da boa disposição de quem nos via com a condição, espetada ao peito, de 'garçon' e 'garçonette', em pleno exercício de serviço de cafetaria.
      Claro que há que sublinhar as diferenças: eu, "do ano", ora pois então. Como alguém o apontou, e bem, tudo em conformidade com o sexismo que se impõe: o ano e a posição de 'chef' para o masculino; o mês e o estatuto de funcionária para o feminino.
    Com duas estrelas na copa, muitas outras ficaram por dourar: todas aquelas que ajudam num projeto tão caro à escola - o Bar Solidário - e que alguém, certo dia, teve a ideia de partilhar e testemunhar, dando corpo ao manifesto. Hoje, com uma simples maquinazinha da Buondi, cumpre-se plenamente o pedido de cafezinho, pingo, meia de leite, descafeinado, a que acrescentamos sempre o molete, papo seco ou vulgar pão, com queijo, manteiga, fiambre e/ou marmelada, conforme as combinações desejadas (sem esquecer o requintado pãozinho de nozes que, à sexta-feira, a nossa prestimosa "funcionária do mês" nos oferta).
    Todavia, além destas figuras, e desde o início, muitas outras há a merecer o estrelato, inclusivamente todas aquelas que reagiram muito galhofadamente à entrega destes 'galardões' e se assumiram logo como "gatas borralheiras". Que seria da história sem elas? Não existiria, por certo. 
    Há quem diga que o atendimento é 5 estrelas, de meter inveja a qualquer Clooney (que está para descobrir, saber o verdadeiro sabor do café da ESG, na sala de professores). Ainda assim, a constelação é bem mais real e visível no facto de, em cerca de três meses, todos estarmos prestes a atingir a quantia de dois mil euros, para auxiliar uma família que viu a sua estrelinha um pouco mais apagada no brilho que irradiava.


     Entre os muitos que ajudam e os outros tantos que consomem, contribuem e dão razão a tudo isto, há que agradecer o gesto. É fácil ser 'Chef' e ser 'Funcionária(o)', quando há uma causa grande (a da Maria do Céu) e muitos colegas espetaculares, solidarizados no espírito e nos atos para que tudo corra pelo melhor. Além disto, dá-se sempre utilidade a um espaço morto de uma escola "nova", restaurada e disfuncional, que se vai ajustando e procurando sentidos para manter a vida e a esperança.

      Na brincadeira em que tudo isto resultou, houve um dia de escola para lembrar.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Prenda de Natal, em poema declamado

    Pediram-me um filme. Dei-lhes poesia em vídeo.

    No final de um período de aulas, antes da última aula e porque estamos a trabalhar Alberto Caeiro, repeti a experiência da partilha do poema VIII de 'O Guardador de Rebanhos' - uma visão do Natal; para mim, do poema mais bonito de Natal:

Declamação do Poema VIII de 'O Guardador de Rebanhos' (Alberto Caeiro), pelo ator Pedro Lamares,
no 'Porto de Encontro', pelos 125 anos do nascimento de Pessoa 
(30 junho de 2013, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett)

    Ouviram a declamação, escolheram versos, justificaram-se na escola e disseram se gostaram ou não do poema (porque esta  possibilidade também existe e é bom que surja, desde que fundamentada).
    Foram tantos os versos escolhidos! Alguns comuns; outros singulares. Os motivos da seleção foram tão variados quanto a razão do insólito, da estranheza, da diferença, para uns; da desconstrução dos rituais e dos dogmas para outros; do choque e da falta de decoro, para outros alguns. Tal como se ouve no vídeo, há quem fique chocado; há quem ache lindo.

     A experiência aconteceu. Fico feliz por já não ser possível dizer que os meus alunos desconhecem a existência do "Poema do Menino Jesus" - numa fé e numa religião tão próximas de cada um de nós, tão dessacralizadas que fazem acreditar num menino Jesus de carne e osso, menos boneco, mais real e natural.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Generosidade de quem dá e para quem dá mais

   Voltando à causa da Maria, sem nunca a deixar de considerar.

    Depois de encontros, de serões, de atividades e momentos solidários, coloca-se em rede virtual mais uma iniciativa para uma causa mais do que justa e urgente, a bem do conforto possível que se possa facultar à Maria do Céu.
    Na sequência da generosíssima oferta do Sr. Fernando Neves, temos um quadro para leiloar - "Encontro de planetas - III" (óleo, com 70X50 cm):

Encontro de Planetas- III, de Fernando Neves (foto VO)

    Trata-se de uma obra que esteve exposta nos 25 anos de iniciativas com artesãos e artistas de Gondomar - ARGO (Festas do Concelho 2014) e figura no respetivo catálogo de divulgação, onde constam nomes como Albertino Valadares, Aurélio Mesquita, Aurora Rodrigues, Hélder Mau, João Ferreira, Linda Correia, Manuel Lima, Zulmiro de Carvalho, entre outros.
   Quem der mais receberá a tela. A generosidade concedida não se fez acompanhar de base de licitação. Começo eu: por cinquenta euros o óleo é meu e já tenho parede para o colocar. A todo o tempo será divulgada a oferta maior, a fazer até ao último dia de fevereiro.

Montagem: imagens do catálogo da Exposição da Associação de Artistas de Gondomar (2014).

    Que este seja o passo primeiro para uma quantia que se quer tão grande quanto a causa que nos move. À imagem de cada um de nós como planeta, fica o voto de que cumpramos o "encontro de planetas", no maior número possível para alimentar a esperança.

     À espera do futuro e dos que contribuírem para a causa, a última palavra só pode ser para o agradecimento mais do que reconhecido ao Sr. Fernando Neves e a firme vontade de que se consiga também valorizar um trabalho que em tudo merece também pelo gesto assumido. Muito obrigado.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Nas origens da nossa língua

     A propósito de pronúncia (e particularmente do Norte) muito há a dizer. Por isso, fica aqui mais um registo, em modo de "apuntamentu du Nuorte, carago"!

    Tudo começa pelo registo noticioso dado a ver e a ouvir pela TVI (e, já agora, apresentado por uma mulher do Norte que, por razões profissionais, se deixou naturalmente padronizar pela variedade centro-sul do português):

Reportagem da TVI no Jornal das 8

     O facto é que as provas estão à vista e são linguistas que o dizem (conforme o expõe o Professor João Veloso, do Centro de Linguística da Universidade do Porto). Poderíamos mesmo recorrer a um dos primeiros gramáticos da língua (João de Barros) que, no século XVI, na consciência da função social e pedagógica das línguas vernáculas, defende para o português o louvor atribuído ao latim como língua transmissora de conhecimento. Daí a construção de um projeto pedagógico-didático com uma gramática, uma cartilha para aprendizagem da leitura e da escrita, mais dois debates dialogados entre um pai e um filho, intitulados "Diálogo da Viciosa Vergonha" e "Diálogo em Louvor da Nossa Linguagem". É neste último que, em 1540, já se pode ler o seguinte, numa das réplicas do Pai:

Retrato de João de Barros, gramático quinhentista
  "A mim, muito me contentam os termos que se conformam com o latim, embora sejam antigos: cá destes devemo-nos muito prezar, quando acharmos não serem tão corruptos que sua menção lhes faça perder a autoridade. E não somente dos que achamos nas escrituras antigas, mas de muitos que se usam entre o Douro e o Minho, conservadores da semente portugue-sa, os quais alguns indoutos desprezam, por não saberem a raiz de onde provêm."

     Ainda que a extinção da escola literária galaico-portuguesa se conjugue com a deslocação do centro de domínio da língua para o eixo Coimbra-Lisboa (e a consequente distinção deste como núcleo de uma norma instituída por razões políticas e culturais - a que a fixação da Universidade ora em Lisboa ora em Coimbra não é estranha), é um facto que a variedade entre o Douro e Minho se reconhece como estando na origem do Português, que se estendeu para sul, por ação da reconquista cristã, e nesse domínio geográfico viria a encontrar o espaço de consolidação da sua norma padronizada. Da variedade original, assumidamente mais conservadora, há estudos que sublinham como alguns dos seus traços fonológicos e morfossintáticos podem ser revistos em variedades continentais europeias e não-europeias da língua (como, por exemplo, Rosa Virgínia Mattos e Silva o adianta em obras como O Português Arcaico - Fonologia ou ainda Estruturas Trecentistas: elementos para uma gramática do português arcaico).

    Reside aqui a importância e a autenticidade do(s) dialeto(s) nortenhos: no característico conservadorismo mais próximo da génese da língua portuguesa e na projeção desta pela península e pelo mundo com alguns desses traços originais - dados que a variedade padronizada não deve ignorar (por dele[s] também derivar) e os "indoutos" destes tempos não podem esquecer.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

No final de um feriado

     São tão poucos (os feriados) que têm de ser bem aproveitados.  Contudo, no final,...

   ... fica sempre aquela sensação de saber a pouco, tal como qualquer fim de semana a dar lugar a uma segunda-feira.
     Assim, a poucas horas de um sono (que dará lugar a mais uns dias de trabalho) e já cansado (por antecipação), recordo os versos de Pessoa:


      A par da poesia, a melodia.
   Já cantados por Zeca Afonso e Cristina Branco, os versos dão lugar a versões (musicais) - duas interpretações para tempos que o poeta da Geração de Orpheu não viveu, mas que, como qualquer ser humano, pôde espelhar nalguma da insatisfação progressiva (de qualquer era) que o poema traduz:
     Assim se ouviu o poema na voz de um cantor de intervenção:


     Na rememoriação de abril, fica a mesma letra com outra entoação e nova emoção - ainda com a repetição da primeira estrofe, fazendo lembrar, na canção, que sempre é possível mudar o cansaço e o "sono" com o espírito da revolução:


    Seja em tempos de ditadura seja nos da democracia, seja ainda no fim de um tempo ou instante feliz que um feriado representou, fica a forte consciência desta metafórica regressão da e na vida: não há bem que sempre dure. Se a viagem de comboio é sinónimo de passagem, sintomático é o processo de progressivo apagamento, cansaço e adormecimento, na descendente animação dos viajantes. Depois da euforia ruidosa (marcada nas sonoridades consonânticas, nos risos e no entusiasmo sugeridos na estrofe inicial), a contenção e a moderação surgem nos silêncios criados (na estrofe segunda) até que a ironia se impõe (na estrofe final e, particularmente, no verso "Mas que grande reinação!"), lembrando que o tudo também dá em nada. Assim se prossegue nesta metáfora da vida: euforia, moderação, disforia; força juvenil, moderação adulta e velhice tão próxima da infância.
     Mudanças no espírito (e também no físico); trajetos, percursos, viagens, numa viagem que se faz também com o tempo e em qualquer idade.

    O que podia ser uma simples viagem de comboio (o que ficaria sempre bem nesta "carruagem") resulta numa leitura outra - a de um viajante que, por ora, está "à janela" (a ver passar), "nem sim nem não", talvez à espera de chegar... Onde? Quem sabe, a Portimão ou ao período de férias que não cabe num feriado, não! 

sábado, 6 de dezembro de 2014

Estrelinhas que me guiem...

      É o que dá caminhar junto ao mar.

   Colhe-se, no areal, o que o oceano não quer, dá-se-lhe um retoque e a obra nasce (sem que propriamente o homem queira ou Deus tenha feito sonhar):

As estrelas da casa - foto VO

   Talvez sejam precisas todas estas estrelas para me guiarem num caminho que faço muitas vezes sem destino. Assim, nada como as trazer para casa, juntar umas conchas e pedras espalhadas na areia, numa tábua de madeira com alguma pintura feita de pôr-de-sol, de noite e de mar.

    Já que não dá para ter um Matisse, um Degas, um Van Gogh ou um Picasso, fica mais um Oliveira (muito "estrelado") pelas paredes da casa.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Um espaço... na capital do "reino"

      Na sequência de uma visita de estudo, entrei no que se diz ser o espaço do povo ou do cidadão.

     No circuito de visitantes ao Palácio de S. Bento - antigo convento da Ordem Beneditina para os monges negros de Tibães -, muitos foram os espaços dados a conhecer. O hemiciclo das sessões plenárias tem sempre a magia que um pequeno aparelho televisivo não dá (por mais que este último o mostre quase diariamente). A guia responsável pela visita insistia (e bem) no sentido simbólico de muitos dos sinais da História e da Cultura Política nele presentes.
      As curiosidades do espaço são muitas:             Salão Parlamentar da Assembleia da República (Foto VO)
. de mosteiro a prisão, foi ainda aqui mantido durante muito tempo o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, na sequência do Terramoto de 1755;
. a forma semicircular da sala de sessões plenárias resulta de uma reconstrução feita num espaço retangular anterior a um incêndio dos finais do século XIX (1895);
. a sala das sessões parlamentares atual apresenta uma luneta a encimar a estátua da República, com uma ilustração da primeira sessão das Cortes Constituintes (pintada por Veloso Salgado), tendo esta ocorrido não no Palácio de São Bento, mas no Convento das Necessidades, em 1821, de onde resultou o primeiro documento constitucional português: a Constituição de 1822;
. em torno da luneta, encontram-se escudos / brasões dos distritos e das antigas províncias ultramarinas, em lembrança das circunscrições eleitorais representadas pelos deputados da I República;
. a bancada do governo, inexistente no tempo do Estado Novo (por o governo ditatorial não comparecer no parlamento), foi colocada na sala em 1976 (estando localizada entre a tribuna dos oradores e a assembleia dos deputados);
. junto às galerias do público, encontram-se seis estátuas em gesso, representando a Constituição, a Diplomacia, a Lei, a Jurisprudência, a Justiça e a Eloquência;
. na antecâmara à sala das sessões - na Sala dos Passos Perdidos -, é possível ver telas pintadas por Columbano Bordalo Pinheiro, evocando grandes figuras estadistas nacionais; a encimar as portas deste espaço, encontram-se leões em gesso patinado, representando a Força.

Estátua da 'Eloquência' no Salão Parlamentar (de Júlio Vaz Júnior) - Foto VO

     A sala foi dos visitantes. Ainda bem, porque assim houve condições para apreciar o lugar e não ficar distraído por alguns "famosos" (por vezes de razão mais do que discutível). Deputados, nem sombra deles. Estavam a trabalhar noutros espaços, disse-se. Seja. Que trabalhem bem e muito, para contrariar a imagem pública que se vai tendo de muitos e que, nos últimos tempos, em nada é abonatória dos bons serviços prestados - particularmente, quando há cartas de jovens (tão coincidentes com outros registos de quem já se cruzou com representantes da nação) a denunciar como neste salão parlamentar também se faz muito do que não é devido nem esperado:

Excerto televisivo do Jornal das 8, do passado dia 1 de dezembro, na TVI

       Tantas situações... tanto bom exemplo em local errado! Depois venham dizer que somos pouco produtivos e que não podemos gozar tantos feriados (só para lembrar o que ontem foi absurdamente retirado do calendário)!
      A julgar pelos exemplos mencionados, até os que pretendem e tudo fazem para cumprir ficam sem chão.

    Na sequência da atividade (extra)letiva levada a cabo, fica o apontamento respeitoso e agradecido para os dinamizadores e participantes na visita; para quem tão simpática e eficientemente os guiou; para a dignidade de um espaço político de relevo - do espaço, sublinho, porque por certas pessoas (nomeadamente algumas que nele circulam e se mostram a representar - mal - o cidadão) nem sempre grassa a admiração nem o respeito dos representados. Como diria Padre António Vieira: "Não é isto verdade? Ainda mal."


domingo, 30 de novembro de 2014

No dia da morte...


   Nesse dia (corria o ano de 1935), por certo a morte chegou cedo ("Pois breve é toda a vida"), para citar algumas das palavras do autor da Geração de Orpheu.
    Antes do momento final, houve ainda tempo para escrever sobre ela:




       Por mim, continuo a preferir outra imagem:


Montagem da pintura de Xico Fran com um excerto da obra pessoana
 
     No caminho feito, chegou a curva. A pergunta mantém-se à espera de resposta. Prefiro fazer as malas, para a viagem.

sábado, 29 de novembro de 2014

Exemplos...

    O que é verdadeiramente triste é saber que alguns animais dão o exemplo.

    Lamentavelmente, são poucos os humanos que seguem o testemunho dado por estes dois:

Colhido do Facebook e da página KQ105

   A prova de que os mais pequenos e os menos fortes são os que mais frequentemente se mostram solidários (e sem receio de o fazerem ou de se magoarem!) está à vista.
   Pode sempre problematizar-se se o maior e o mais forte não está apenas a aproveitar-se de uma situação que facilmente poderia ver resolvida. Todavia, isso só abona em favor da tese de que realmente este último não faz (ou não quer) fazer nenhum; ou de que a ave é verdadeira ou ingenuamente altruísta. Talvez por isso consiga "voar mais alto".
    O pensamento é demasiado generalista, eu sei. Resulta dalguma descrença no que se passa neste mundo, por certo neste país, com os maiores e mais fortes a quererem que os menos fortes e mais pequenos sejam pequeninos... mínimos... nada.

     Fica a esperança de que o canino descubra a melhor forma de agradecer ao columbiforme. Quanto aos humanos, era bem melhor que fizessem jus ao nome que têm.
     

domingo, 23 de novembro de 2014

Podia ser 'beautiful', mas é 'let me be'

      Portuguesinha, sim. E portuense.

     Há quem diga que se trata da Alicia Keys portuguesa, nessa mania de que as grandes vozes são estrangeiras. Depois de muito se ter dedicado à dança e de ter participado como vocalista no grupo musical 'Mesa', ouve-se aí pela rádio, numa experiência a solo. 
      A canção "Let me be" é o single de apresentação do álbum 'Love' (depois de 'Start Stop'), o segundo trabalho lançado, por setembro, com o nome Mónica Ferraz:


       LET ME BE

I’m out of place, I’m out of time
I’m out of love, I’m out of rhymes
I’m out of pain, I dried my eyes
You were my partner in crime

Could it be I’m out of my mind
To leave it all behind
Just like the river flows
Tonight anything goes

Beautiful, you’re beautiful
Oh you, you’re beautiful
Tell me what you see
When you look at me
That is all I need
Just let me be
Just let me be

Some other time, some other place
I’ll put a smile upon your face
And we’ll be walking at the same pace
But could it be I’m out of my mind
To leave it all behind
Just like the river flows
Tonight anything goes

     A progressão do piano para orquestração e a sonoridade final a lembrar jazz não ficam nada mal, não senhor. É "beautiful"! Caso para dizer que deixem a rapariga brilhar, que ela merece.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Em tempo de "Folhas Caídas"

      É verdade que estamos em pleno outono...

    A polissemia da expressão "Folhas Caídas" pode ser explorada na evocação desta estação; na desorganização de registos em papéis dispersos (espalhados pelo chão); na metáfora e no anúncio do ciclo final de uma vida. De tudo isto se compõe o título da coletânea poética de Almeida Garrett, enquanto obra associada à expressão outoniça, serôdia do sentimento e vivência românticos.

Uma outra forma de ler Folhas Caídas, de Garrett, segundo a (cerc)ARTE

     Perante um "Ignoto Deo" (poema de abertura) a funcionar como prólogo de toda a compilação, prenuncia-se a temática de uma idealidade, de um misticismo e um pendor religioso a todo o tempo pautados pela referência a termos maiusculizados (Deus, Nada, Beleza, Verdade, Essência, Existência > Ignoto Deo), sugerindo a dimensão abstrata, ideal, perfeita. 
    Contrariamente a esta linha, há que considerar a menção à beleza, ao amor e ao prazer (minúsculos e com a adjetivação "real beleza", "puro amor"), a par da referência a um ser marcado por um "espírito agitado", que "Só vive do eterno ardor", a "olho nu", a enganar e a errar. Estes são conceitos-chave para traduzir uma experiência relacional do 'eu' com um 'tu', em tudo semelhante à vivência homem-mulher. Assim, a noção de um amor eterno, moral e idealmente equacionado dá lugar a uma realidade e experiência mais terrenas do que celestiais, naquilo que se resume como uma "combatida / Existência".
    Em síntese, encontra-se aqui a trajetória, o percurso do herói romântico: dramaticamente dilacerado pelos conflitos e pelas oposições entre o céu / a terra, a idealização / a realidade, o tu / o eu, o encontro / a despedida. Ao encontrar um amor, o sujeito romântico vivencia e alimenta a instabilidade, o desequilíbrio que colocam o sentimento na iminência de uma despedida ("Adeus"). Esta é a ironia romântica revista em poemas construídos com a narratividade própria de um "eu" que experiencia situações e sentimentos feitos de estados antitéticos (sonho / ausência de amor; realidade / presença do amor, acompanhados de dor). Leia-se "Quando eu sonhava", "Aquela noite" e "Anjo Caído" - três poemas feitos de uma narratividade que mostra o sujeito poético nessa condição conflituante.
    Surge, então, o ciclo dramático de toda uma sequência de outras composições líricas que sublinham a contínua inquietação do "eu", a mover-se no terreno da contradição, da tensão e da constante procura. E porque no percurso feito há perigo e sedução, fica essa nota com o poema e a canção:


     BARCA BELA

Pescador da barca bela, 
Onde vás pescar com ela? 
      Que é tão bela, 
      Ó pescador!

Não vês que a última estrela 
No céu nublado se vela? 
      Colhe a vela, 
      Ó pescador! 

Deita o lanço com cautela, 
Que a sereia canta bela... 
      Mas cautela, 
      Ó pescador! 

Não se enrede a rede nela, 
Que perdido é remo e vela, 
      Só de vê-la, 
      Ó pescador!

Pescador da barca bela, 
Inda é tempo, foge dela 
      Foge dela 
      Ó pescador!

      Depois da composição romântica, a evocação da memória e da experiência de leitura com as cantigas de amigo é inevitável, numa aproximação ao cenário das barcarolas ou marinhas, à estrutura de refrão e ao gosto romântico pelo imaginário medieval.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Confusão nos dentes... e ficar pelos cabelos.

        Já não basta haver quem confunda fio dental com fio dentário?!

    Ter o adjetivo 'dental' e 'dentário' na língua portuguesa já não é uma questão de moda: para não criar confusões, deixemos o primeiro para os fios que certas peças de roupa íntima sugerem (de tão finas que são, escondem-se entre algumas partes do corpo) e o segundo para tudo o que seja respeitante ao tratamento médico da dentição. Por mais que os dicionários ainda apontem 'dental' nos usos de 'higiene dental', a moda acabou por marcar a diferença, recuperando-se o étimo latino 'dentarius' para o contexto da medicina, do estudo ou do tratamento dos dentes. Daí a clínica dentária, a medicina dentária, a cárie dentária, a erupção dentária, a placa dentária. 
    Chegados ao fio dentário, resolvamos um problema na publicidade que grassa por aí nos supermercados da nossa praça, onde parece existir produtos muito originais e alternativos:


      Isto de criar um creme... pasta... dental!!! A não ser 'dentário' que seja 'dentífrico'. Melhor seria por certo, dado tratar-se ora do nome ora do adjetivo relativo aos produtos destinados à limpeza e ao tratamento dos dentes. Neste sentido, talvez também não fosse mau falar no 'fio dentífrico' ou na 'fita dentífrica' - mais sílabas, mas etimológico também.

       Todavia, isto de ter nos dentes uma proteção anticaspa será uma situação demasiado criativa (digo eu)! Talvez ainda venhamos a ter de tratar da cárie nos fios de cabelo. Santa paciência!

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Ontem foi dia "interestelar"

      Mais um filme para abordar a questão apocalíptica da terra...

      Este é o assunto de apresentação para "Interstellar", filme de Christopher Nolan, que encontrou no cenário da ficção científica e no contexto apocalíptico do planeta terra (dominada por pragas, nuvens de poeira, doenças, fugas de habitantes) mais um pretexto para ir em busca da esperança; construir a base de uma crença humana capaz de se afirmar além do material visível; compor um hino à vida e à(s) possibilidade(s) ilimitada(s) do(s) saber(es) e do(s) afeto(s).
     Numa história de amor, de família - onde os laços mais estáveis dos sentimentos permitem ir além do tempo e do espaço alcançados pela nossa consciência -, os limites, por mais que estes existam, nunca são um fim em si. Constroem-se pontes entre o perigo e a salvação; um planeta devastado e uma estação (Cooper), construída à imagem e semelhança do paraíso que ele podia ter sido; a distância e a proximidade; a crença e a realidade.


    Na força da crença e da potencialidade que pode evitar a extinção da Humanidade, bem como na busca de um mundo onde a vida possa ter continuidade, um engenheiro viúvo (Cooper, interpretado por Matthew McConaughey) vive o difícil dilema de participar numa viagem perigosa (de retorno mais do que duvidoso) ou de permanecer junto dos dois filhos.
   A inevitabilidade do fim é um desafio, com fortes motivações para que este último possa ser superado.
     Vai no mesmo sentido o poema do escritor galês Dylan Thomas: "Odeia, odeia a luz que começa a morrer". Citado pelo professor John Brand (interpretado por Michael Caine), um físico da NASA, fica o convite para se viver com intensidade, na crença que permite esgotar as possibilidades e encontrar respostas para o projeto de uma vida (no caso, a resolução do mistério último da gravidade, viabilizador dessa esperança de salvar a Humanidade de uma iminente ameaça).
    Os testemunhos que abrem o filme permitem, pela técnica de flashback, constatar os problemas que existiram; o final sugere a possibilidade de vida numa outra dimensão, mesmo que esta possa estar ao alcance do conhecimento de uma estante - a que separa um pai de uma filha, mas que pode resultar no elo de ligação que um relógio (também) pode criar: o do tempo feito de afetos.
   À medida que ia vendo o filme, ia-me lembrando de A Fórmula de Deus, de José Rodrigues dos Santos, e dos diálogos entre a personagem Tomás de Noronha e o pai deste; ou das interações criadas com uma mulher iraniana. Em ambos havia explicações para as grandes teorias científicas do tempos contemporâneos - como a Teoria da Relatividade Restrita de Einstein, que assume uma ligação entre o espaço e o tempo encarados como relativos; a Teoria da Relatividade Geral, que resolve as questões da gravidade e estabelece o espaço como sendo curvado, encarando que a massa dos objetos distorce o espaço e o tempo; a Teoria do Tudo, unificadora de abordagens e entendimentos acerca das forças da natureza, inspirada também na Teoria Quântica, apostada na reconstrução dessas forças e dos movimentos associados a partículas invisíveis aos olhos comuns; a Teoria do Caos, enquanto modelo matemático evidenciador de como pequenas alterações nas condições iniciais podem provocar, numa espécie de progressiva onda, alterações substanciais nas condições finais - num efeito equiparado ao bater de asas da borboleta que provoca a imprevisibilidade num ponto mais distante.
       Muitos saberes, muita inteligência à espera de que a vida lhes dê oportunidade de vingar, para a construção de uma maior consciência de tudo. E na continuidade das gerações está a possibilidade de se progredir.

     Ver a vida não como um fim em si mesmo, mas como o meio para permitir aproximações, acessos a outras formas de desenvolvimento de inteligência e consciência é um sentido de leitura para uma existência que possa manter continuidade com a seguinte, numa espécie de cadeia ininterrupta que ganha maior sentido pela energia emotiva e afetiva que a una. Neste sentido, a vida é "interestelar".

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

E já que estamos na formação de palavras...

     Isto nem sempre é como as marés - há aquelas que dão para tratar sempre do mesmo assunto.

     Desta feita é uma questão de relevo, tanto no interesse como no assunto em causa.

     Q: No manual com que estou a trabalhar no oitavo ano, aparece 'montanha' como exemplo de palavra derivada por sufixação. Está certo? Existe o sufixo 'anha'?

    R: Cara colega, não aconselho que siga esse exemplo nem a resposta da autoria do manual. Basta consultar um dicionário para atestar esta minha posição.
    Na verdade, a palavra montanha já entrou no léxico português (à semelhança de 'alugar', 'beleza',  'encarnado', '(im)possibilidade', 'prematuro') formada na própria língua latina. tendo ocorrido apenas evolução fonética.
      Assim, 'montanha' vem da forma latina 'montanea' (feminino de 'montaneus'), que evoluiu para o português através de um processo comum de palatalização do [ni] em [η].

    Caso para dizer que 'quem muito alto sobe' muito corre o risco de, a todo o tempo, cair. Lamentável para quem ainda confia nessa ideia vendida por alguns de que manuais "certificados" contêm a "verdade da ciência". Enfim! Antes se caminhasse pela ou junto à montanha e a qualidade (de vida) seria bem melhor.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Gerúndio...forma não finita?

       A questão é levantada por um colega interessado em distinguir formas finitas de não finitas.

      Tudo por causa de formas verbais e sua implicação nas orações.

     Q: Não consigo perceber por que razão o infinitivo é uma forma não finita. Consigo conjugá-lo. O gerúndio tem mais razão de ser para uma forma não finita. Se puderes, esclarece-me. Obrigado.

    R: Ainda que, classicamente e na gramática tradicional, o infinitivo (a par do gerúndio e do particípio passado) seja considerado uma forma verbal sem conjugação, efetivamente há um infinitivo flexionado em termos da categoria pessoa (infinitivo pessoal - ex.: 'para eu fazer > tu fazeres > ele fazer > nós fazermos > vós fazerdes > eles fazerem). Esta flexão não se compagina, contudo, com a possibilidade de a forma verbal infinitiva ser exclusiva numa frase simples nem se projetar numa conjugação em termos de tempo  (contrariamente às formas finitas do indicativo, conjuntivo, condicional, imperativo).
       Em termos de realização padronizada da língua, é verdade que o gerúndio é mais limitativo neste aspeto (e, por isso, a maior aceitação enquanto forma não finita).  Contudo, também já se encontram estudadas algumas realizações de conjugação pessoal do gerúndio em variedades do português do Brasil e mesmo do europeu (no sul de Portugal). É o caso de enunciados como “Em querendos isso, trabalha” ou “Em comendem a sopa, podes pensar na sobremesa”, com uma espécie de flexão evidenciada na segunda pessoa do singular e na terceira do plural, numa aproximação a expressões gerundivas como "Em acabando o dinheiro, não se compra mais nada" (sinónima de "Quando acabar o dinheiro, não se compra mais nada") adaptadas à pessoa em causa ("Em tendos dinheiro..." ou "Quando tiveres…"; "Em tendem dinheiro..." ou "Quando tiverem...").

       Não sendo uma construção da norma padrão, estas realizações estão aí tanto na boca do falante comum quanto na de utilizadores instruídos e cultos, nem que seja numa adequação ou adaptação ao discurso de pares convivas, no dia-a-dia. Ainda assim, a projeção da flexão fica-se  pela pessoa; não pelo tempo. Daí o gerúndio ser uma forma não finita.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Formar palavras em português... e não só.

     Nem de propósito, a questão surge prematuramente face ao calendário.

    Diz-se que o dia dos prematuros celebra-se a 17 de novembro. Falta menos de uma semana, mas a dúvida instala-se e não é, por certo, por ocorrer antes do tempo.
   Em contexto de sala de aula, a palavra em estudo é 'prematuramente' e quer saber-se qual o processo de formação a ela associado. A orientação vai no sentido de ser uma derivada por sufixação, até que alguém insiste que também vê lá o prefixo 'pre' e, assim, quer ver o cenário da derivação por prefixação e sufixação.
  Não sendo incompreensível a situação e compreendendo o interesse do raciocínio revelado, não pode ser dada razão a quem não a tem e por vários motivos:
. primeiro, a palavra que dá origem a 'prematuramente' é 'prematuro' e não 'maturo', pelo que é o termo segundo a constituir a base derivacional, à qual se acrescenta o sufixo 'mente';
. segundo, a consideração do prefixo faria sentido quando se quisesse abordar a formação de 'prematuro' (a partir de 'maturo', base a que se acrescentaria o prefixo 'pre');
. terceiro, o reconhecimento da origem latina do termo 'prematuro' (praemātūrus, praemātūrum) permite afirmar que, a haver alguma formação prefixada, esta aconteceu no próprio latim, não no português.
. quarto, qualquer dicionário com informação etimológica e descrição morfológica dará conta da construção 'prematuro + mente'.
    Se 'prematuro' pode ser lido como o que não está maduro, é de registar ainda a própria presença do som [t] na palavra em estudo, uma pequena pista da origem de tudo (mais um dado comprovativo da origem latina do português), na qual já aparecia incorporado o prefixo (que, a sê-lo, só pode ser entendido na formação da palavra no próprio latim).

      Assim, fiquemo-nos pela derivação por sufixação recorrentemente presente no português para a  formação de advérbios a partir de adjetivos (deadjetivais).

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

No caso de alguém querer...

     Há quem circule pela cidade a oferecer abraços gratuitamente. Houve já quem oferecesse beijos.

      Aqui ficam uns em verso. São mais poéticos!


                               BEIJOS

«Beijar!» linda palavra!… Um verbo regular
Que é muito irregular
Nos tempos e nos modos…


Conheço tanto beijo e tão dif’rentes todos!…


Um beijo pode ser amor ou amizade
                        Ou mera cortesia.
E muita vez até, dizê-lo é crueldade,
                       É só hipocrisia.

O doce beijo de mãe
É o mais nobre dos beijos,
Não é beijo de desejos,
Valor maior ele tem:
É o beijo cuja fragrância
Nos faz secar na infância
Muita lágrima… feliz;
Na vida esse beijo puro
É o refúgio seguro
Onde é feliz o infeliz.

Entre as damas o beijo é praxe estab’lecida,
Cumprimento banal – ridículos da vida:


(Imitando o encontro de 2 senhoras na rua)


– Como passou, está bem? (Um beijo.) O seu marido?
(Mais beijos.) – De saúde. E o seu, Dona Mafalda?
– Agora menos mal. Faz um calor que escalda,
Não acha? – Ai Jesus! Que tempo aborrecido!…


Beijos dados assim, já um poeta o disse,
Beijos perdidos são.


(Perder beijos! que tolice!
Porque é que a mim os não dão?)


O osculum pacis dos cardeais
É outro beijo de civ’lidade;
Beijos paternos ou fraternais
São castos beijos, só amizade.
As flores também se beijam
Em beijos incandescidos,
Muito embora se não vejam
Os ternos beijos das flores.
Há outros beijos perdidos:
Aqui mesmo,
Há aqueles que os atores
Dão a esmo,
Dão a esmo e a granel…
Porque lhes marca o papel.


– Mas o beijo d’amor?


Sossegue o espectador,
Não fica no tinteiro;
Guardei-o para o fim por ser o «verdadeiro».
Com ele agora arremeto
E como é o principal,
Vai apanhar um soneto
Magistral:


Um beijo d’amor é delicioso instante
Que vale muito mais do que um milhão de vidas,
É bálsamo que sara as mais cruéis feridas,
É turbilhão de fogo, é espasmo delirante!


Não é um beijo puro. É beijo estonteante,
Pecado que abre o céu às almas doloridas.
Ah! Como é bom pecar co’as bocas confundidas
Num desejo brutal da carne palpitante!


Os lábios sensuais duma mulher amada
Dão vida e dão calor. É vida desgraçada
A do feliz que nunca um beijo neles deu;


É vida venturosa a vida de tortura
Daquele que co’a boca unida à boca impura
Da sua amante qu’rida, amou, penou, morreu.


(Pausa – Mudando de tom)

'O Beijo', de Gustav Klimt (1907-1908)
Desejava terminar
A beijar a minha amada,
Mas como não tenho amada,
(A uma espectadora)
Vossência é que vai pagar…
Não se zangue. A sua face
Consinta que eu vá beijar…

……………………. 

(atira-lhe um beijo)

Um beijo pede-se e dá-se,
Não vale a pena corar…


                                                       in Poesia - Mário de Sá-Carneiro
                                                            organização de Fernando Paixão,
                                                            São Paulo, Editora Iluminuras, 2001

      Por aqui me fico, não sem lembrar esse saber popular que diz que "À honra dos santos se beijam as pedras".

      E para os menos "santos", deixo a versão mais secular e profana: "À boca que se beijou nunca mal se desejou".