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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

No dia dos namorados, fui ao "Jardim dos Poetas"

       Acima de tudo, dia e tempo(s) que precisam de afetos.

    Na sequência de um projeto numa turma de 1º Ciclo, fui convidado para inaugurar o 'Jardim dos Poetas'. O dia é marcante, o projeto é artístico. Não há como recusar. Daí à ideia de trabalhar uma oficina poética com crianças do 3º ano (turma A da Escola Básica Integrada Sá Couto - EBISC) foi um pequeno passo.
     Um canteirinho com plantas para cuidar deixava ver alguns poemas entre o colorido natural. Assim se faz florescer o "namoro" com os poetas e a poesia. Entre os reconhecidos, inclusivamente o patrono da escola, havia outro que só o é por lidas bem distintas do labor poético.

O "Jardim dos Poetas" construído sobre livros e leituras do 3A da EBISC

      Inaugurado o "Jardim dos Poetas", houve partilha de poemas lidos a uma e duas vozes, com nomes que o tempo notabilizou: Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade, Rosa Lobato Faria, Luísa Ducla Soares, entre outros.
    Não podia deixar de corresponder. Pensada a construção de um poema para a ocasião, a produção de um separador para lhes ofertar, tudo começou com a distribuição aleatória de palavras (as finais de cada um dos versos produzidos) entre as crianças. Tiveram de explicar se elas mantinham ou não relação com o "espaço" inaugurado. Trabalhou-se vocabulário, exploraram-se universos de referência, desenvolveram-se raciocínios e procuraram-se afinidades entre as palavras: as que se aproximam, as que se distanciam, as que rimam, as que têm sentidos múltiplos, as que revelam combinatórias sugestivas.
     Foi a turma posicionada aos pares, na ordenação do texto, de modo a que todos os alunos lessem quadras - um para cada verso findado com a palavra detida na distribuição feita. Apresentaram-se, no total, cinco quadras do poema oferecido.
     Como são vinte as crianças, a sexta estrofe (quadra final que sobra) vai ser minha - com a minha leitura passar-lhes-ei o desafio de serem elas próprias poetas do e no jardim inaugurado.

Das palavras ao poema (no "Jardim dos Poetas" do 3º A da EBISC)

Separador com "toque poético" na combinação de palavras... e não só.

    Produzindo uma quadra, poderão plantá-la junto daqueles que, no canteirinho, aspira(ra)m a um mundo melhor, mágico, artístico, onde os afetos, as emoções jogam com razão, coração e imaginação.

     Com o agradecimento à S. F. que lançou a semente no "jardim". Assim passou a lição no meu melhor momento do dia: a de um namoro possível com o jogo poético, com a poesia.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Revivalismos infantis... ou de infância

     Há momentos que se revelam pelo insólito.

    É o caso de se estar a apresentar o mito de Tristão e Isolda, falar-se de que há várias versões da história, nomeadamente as que estão para lá dos livros - por exemplo, as de filmes.
    Quando se propõe a verificação deste cenário com outras grandes obras literárias, entre os múltiplos exemplos, vem à coleta a referência a Alexandre Dumas e Os Três Mosqueteiros (1844). A par das personagens Athos, Porthos e Aramis, não fica esquecido D'Artagnan, o quarto mosqueteiro, que o romancista francês tornou famoso numa trilogia narrativa (com o já citado romance, mais Vinte Anos Depois e O Visconde de Bragelone), cuja intriga versa os reinados de Luís XIII, Luís XIV e do período da Regência instaurado entre estes monarcas. Surge, assim, a menção a alguns exemplos cinematográficos, até que, num registo cómico, aparece a adaptação televisiva infantil do D'Artacão (e dos três moscãoteiros).
     Foi o mote para, lembrados da série tão comum a várias gerações, os alunos fazerem ouvir o trautear de uma melodia que lhes é familiar:

Genérico da série infantil "D'Artacão e os Três Moscãoteiros" (dos anos 80 do século XX)

      Recordados o lema do 'Um por todos, todos por um' mais o amor da Julieta, deu para rir; também para lembrar a música, a animação, o prazer desses instantes.

     No inesperado de uma aula, foram revividas memórias - que, por certo, deram alguma felicidade. Soube bem trazê-las para o presente.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Cantigas... com música (pois está claro!)

      É o que pode ser feito para não se ficar pela letra.

     Quando tanto se fala de cantigas de amor e de amigo e se fica pela letra (poema), nada como apresentar algumas propostas cantadas, para que a noção da poesia enquanto texto e música seja validada.
   Com um breve registo fílmico, compõe-se a exemplificação de quatro trechos musicais, com sonoridades medievas:

Quatro cantigas da lírica trovadoresca (de amor e de amigo)

     Solicita-se a audição na base de algumas pré-questões:
     (i) identificação da cantiga (pelo verso inicial) e do autor;
     (ii) classificação quanto ao género;
     (iii) indicação sumária do assunto tratado;
   (iv) caracterização da melodia escutada (recorrendo a adjetivos sugestivos, a construções do tipo 'Esta música parece-me X', ou outra);
   (v) sentimentos vivenciados pelos alunos aquando da audição e devida justificação.

     Tomadas as notas devidas, conduz-se o resultado para a construção de uma apreciação crítica (isto depois de se ter exemplificado este género textual, com a leitura de um exemplo e a sistematização dos aspetos mais relevantes).
      Passa-se do modelo à planificação de um texto a produzir: um parágrafo com a descrição objetiva do objeto (a atividade de escuta das melodias abordadas em i-iii); outro com o comentário crítico (associado às tarefas iv-v); um final, numa espécie de balanço acerca da atividade dinamizada.
      Segue-se a textualização (a ocorrer na modalidade de oficina; a acontecer em tempo complementar, com a definição de um intervalo de tempo razoável para produção e posterior entrega).
       E assim se dinamiza um trabalho que pode ser intitulado "Notas medievais em pleno ano 2021" ou "Aura medieval em plena aula do século XXI".

        No mínimo, ouviram-se músicas para as tão faladas "cantigas", que vinham só com texto.

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Uma releitura de 'O Carteiro de Pablo Neruda'

       Termino o mês com um recomeço... de leitura.

     Refiro-me à releitura de uma obra que li há já muitos anos, depois de, muitos mais ainda, ter assistido a um filme que apreciei bastante. O título do filme era homónimo da obra (O Carteiro de Pablo Neruda), mas as semelhanças são poucas no que ao enredo diz respeito. Entre pormenores aqui e além bem distintivos (o nome do protagonista, a localização temporal e espacial, a relação familiar Rosa-Beatriz, o percurso de Pablo Neruda, o contexto político representado), o final do livro nada tem a ver com o do filme realizado por Michael Radford (com mortes bem distintas).
      Uma outra adaptação cinematográfica pode ser encontrada na realização de Antonio Skármeta - uma versão mais fiel à obra e ao contexto chileno representado. Curiosamente, esta versão cinéfila acontece em Portugal (entre a zona da Figueira da Foz e Mira), aquando do exílio do autor por terras lusas. 

Versão fílmica apresentada na Alemanha em 1984 (a partir do roteiro de Antonio Skármeta)

        Desta feita, apoiando-me mais no livro e menos nos filmes, o prólogo chamou-me mais a atenção, destacando-se o anúncio da linha progressiva da intriga (do entusiasmo à profunda depressão), da "geografia erótica do poeta" (e não só), da identificação do herói, do tempo gasto na produção escrita (catorze anos), da fronteira de ficção e de realidade (tanto no contexto político representado como nas personagens construídas). São janelas e portas de entrada na leitura do designado ora romance ora novela, segundo classificação do próprio António Skármeta, escritor agraciado com prémios literários de renome (Prémio Internacional de Literatura Bocaccio e o Prémio Nacional de Literatura do Chile).
         De resto, foi a oportunidade de relembrar o há muito conhecido incipit da obra:

    Em Junho de 1969 dois motivos tão afortunados como triviais levaram Mário Jiménez a mudar de ofício. Primeiro, o seu desamor pelas lides da pesca que o arrancavam da cama antes do amanhecer, e quase sempre quando sonhava com amores audaciosos, protagonizados por heroínas tão abrasadoras como as que via no écran do cinematógrafo de San Antonio. Este talante, juntamente com a sua consequente simpatia pelas constipações, reais ou fingidas, com que se escusava em média todos os dias a preparar os apetrechos do bote do seu pai, permitia-lhe retouçar debaixo das nutridas mantas chilenas, aperfeiçoando os seus oníricos idílios, até o pescador José Jiménez voltar do mar, encharcado e faminto, e ele aliviava o seu complexo de culpa preparando-lhe um almoço de estaladiço pão, sediciosas saladas de tomate com cebola, mais salsa e coentros, e uma dramática aspirina que engolia quando o sarcasmo do seu progenitor o penetrava até aos ossos:
      - Arranja trabalho. - Era a concisa e feroz frase com que o homem concluía um olhar acusador, que podia durar até dez minutos, e que de qualquer modo nunca durou menos de cinco.
       - Sim, pai - respondia Mario, limpando as narinas com a manga do colete.
     Se este motivo foi o trivial, o afortunado foi a posse de uma alegre bicicleta marca Legnano, valendo-se da qual Mário trocava todos os dias o diminuto horizonte da calheta dos pescadores pelo quase mínimo porto de San Antonio, mas que em comparação com o seu casario o impressionava como faustoso e babilónico. A simples contemplação dos cartazes do cinema com mulheres de bocas turbulentas e duríssimos parentes de havanos mastigados entre dentes impecáveis, deixava-o num transe do qual só saía após duas horas de celulóide, para pedalar desconsolado de volta à sua rotina, às vezes sob uma chuva marítima que lhe inspirava épicas constipações.

      Ao longo de O carteiro de Pablo Neruda, cruzam-se os sonhos e as expectativas de Mario Jiménez com a descoberta do poder das palavras, das metáforas e da poesia, para quem delas precisa. Acresce a aprendizagem e a conquista da amizade (com Pablo Neruda) e do amor (por Beatriz). A par destes ingredientes, há também o retrato político da década de 70 no Chile, assim como a recriação da vida política e poética de Pablo Neruda, o Nobel da Literatura no ano de 1971.
    Entre a luta contra um confinamento ou determinismo social a que o protagonista parecia votado e a afirmação do sentido poético da vida, respira-se nas páginas da narrativa a vontade da libertação, que aparece ameaçada no final do livro (com o golpe militar e a revolta política; a deslocação do poeta até à janela para ver o mar agitado; a doença e morte de Neruda; o controlo e a "prisão" de Mario).

    Uma obra que apela ao sentimento, à ousadia e ao humor, à plasticidade da língua (entre os registos mais coloquiais, familiares e os poéticos), à consciência política que (pode) traz(er) o perigo de uma agitação coletiva.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Gestos de quem se gosta

      Fecha-se um ciclo, um tempo feito de muitos momentos...

     Para alguns talvez mais do que para outros: há quem tenha vivido um ciclo de três anos; quem se tenha ficado por dois ou, ainda, quem não passou além de um só. Independentemente disso, o dia foi de intensa e comum despedida sentida por e para todos.
     Houve rosa sem espinhos; houve postais escritos a mostrar que, no afeto, há mais do que correção; houve lembrança dedicada a quem quis ensinar a todos, sem exceção; houve recordação de palavras, de vivências, de reações de um antes que deu lugar a um depois tão diferente! Houve ainda a foto para memória futura, aquela que já faz sentir saudades de tudo o que se experienciou aula a aula e fora dela (quando se pôde e quando se quis).
    Num ano particularmente difícil, continuei a ter a felicidade de estar acompanhado daqueles que, dia-a-dia, me souberam respeitar; me tiveram em mente, apesar de algumas ausências; me fizeram sentir grato, ganhar forças e ver que, na medida do possível, colaboravam com o lema do "trabalho, trabalho e mais trabalho". Uns pela qualidade demonstrada, outros pelas descobertas conseguidas, uns mais pelos erros cometidos que também ajudavam a ensinar, outros ainda pelos comentários que (no fundo da sala, em surdina, mas com voz bem reconhecida) permitiam construir cumplicidades e afinidades além do estatuto e do papel devidos, sem esquecer os que reservada e timidamente assistiam ao espetáculo de todos... esta foi a soma construída que nos foi aproximando.
     Ouviu-se "Queremos ficar aqui! Não queremos ir embora!" (Como?!); "Vou ter de ir mais vezes à Carruagem 23!" (O que fazem as saudades!); "Que dia tão triste!" (Não, senhor! É bonito!).
    Circularam T-shirts que deixaram de ser apenas brancas - simples, do clube desportivo da terra ou da junta de freguesia -, para ter dedicatórias que, em jeito de finalistas, revelavam sentimentos, desejos que o tempo (re)fez e fará recordar. 
     Citaram-se alguns versos de uma ode camoniana (Ode IX):

«Porque, enfim, tudo passa;
Não sabe o Tempo ter firmeza em nada;
E nossa vida escassa
Foge tão apressada
Que quando se começa é acabada.»

      Quando tudo parecia chegar ao fim, veio o "Sabe, eu queria um abraço!"
      À distância, foram-se abrindo os braços, como se fosse possível sentir toque apenas com o que se vê. Um íman parecia estar em cada um de nós. Por maior que a sala fosse, o campo magnético fez-se de vontades humanas (se Blimunda soubesse, vinha colhê-las para o seu frasco, a fim de que a Passarola voltasse a voar).
    Chegado a casa, pouso os livros, um ou outro caderno (com quadrículas, números, nomes, notas, apreciações, registos), a pasta, um romance... Releio um pequeno texto que me foi entregue a medo, não houvesse alguma falha: "Esperamos ter marcado tanto a sua vida como o professor marcou a nossa". Ficaram felizes quando lhes disse que não havia nenhum erro. Não podia, simplesmente. Era uma pequena grande frase.

       É tão clara a certeza do que é esperado! Obrigado, por terem estado comigo. (E mais não digo, porque sabem bem quem são).

sábado, 22 de maio de 2021

Hoje, depois de ontem, com versos de séculos

     Ontem foi o Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento; hoje fica a lembrança da celebração.

      A ocorrência do dia celebrado a 21 de maio, segundo proclamação da Assembleia Geral da ONU há dezanove anos (com a "Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural", onde se reconhece esta última como património comum da humanidade), deve repetir-se a cada dia pelo significado que tem para o bem-estar de todos em todos os tempos. 
    Celebrar a diversidade cultural é respeitar e defender valores fundamentais como a liberdade, a democracia, a tolerância, a igualdade, a não discriminação, o respeito pelo estado de direito, os direitos humanos, a solidariedade entre povos, o sentido de paz e de fraternidade harmoniosas.
  Enquanto imperativo ético, no respeito pela dignidade humana e pela aceitação de valores diversos e multiculturais, sublinha-se com esta efeméride a aprendizagem do que é a vivência conjunta, integrada e inclusiva; a luta contra estereótipos culturais, preconceitos e fundamentalismos, num diálogo contínuo enquanto garante de um generalizado desenvolvimento sustentável.
      Assim também o pensou Camões, como o sugere, por exemplo, "Endechas a Bárbara Escrava":

Montagem de imagens e declamação do poema camoniano "Endechas a Bárbara Escrava".

     Uma composição poética contraposta às tendências dominantes dos padrões de beleza num tempo clássico, quando os traços da pele clara e dos cabelos louros se impunham; a singularidade de uma "Pretidão de Amor", de uma negritude que, afinal, não é bárbara (por mais que desta tenha o nome próprio). Assim se marcava a diferença nessa expressão versificatória da corrente tradicional, bem distinta da medida nova (mais superlativizadora do ideal feminino dos "Ondados fios de ouro reluzente"):

Padrões de beleza camoniana bem contrastivos 
("Endechas a Bárbara Escrava" e o soneto "Ondados fios d'ouro reluzente")

    Numa versão musicada por Zeca Afonso e interpretada por Sérgio Godinho, a conhecida trova escrita em redondilha menor progride numa melodia que se vai intensificando na harmonização sonora, sem deixar de sublinhar a excecionalidade da figura retratada.

Interpretação de Sérgio Godinho, para a letra de Camões e a música de Zeca Afonso

     O canto poético quinhentista traduziu um pensamento que se mostra atual, contemporâneo, liberto de preconceitos, feito dessa universalidade revista num "Todos diferentes, todos iguais". Nada melhor para literariamente relembrar o dia que passou.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Fragilidade da vida

      Tema mais do que atual face aos tempos pandémicos que se vivem.

      Camões, no final do canto I, reflete sobre esse tema, mencionando o "... Caminho de vida nunca certo: / Que aonde a gente põe sua esperança, / Tenha a vida tão pouca segurança". Enquanto "fraco humano" ou "bicho da terra tão pequeno", há forças que nos superam (no mar, na terra, no Céu). Não há domínio que nos deixe de testar, a ponto de a pergunta surgir: "Onde pode acolher-se um fraco humano, / Onde terá segura a curta vida...?" Mais do que interrogação (retórica), será a constatação da pequenez e da insignificância humanas face ao poder das forças que gravitam em seu torno, fazendo-as cair de um pedestal antinatural e a todo o momento questionável. E, assim, da temática quinhentista rapidamente se dá o passo para a contemporaneidade.
"Shattering", de Leon Keer
   Leon Keer, artista holandês reconhe-cido pela sua 3D Street Art - essa capacidade de trans-formar uma superfí-cie plana numa obra-prima multiní-vel -, criou um mural para o festival de arte de rua em Helsingborg, na Suécia. Retratando quatro chávenas de chá empilhadas de modo instável, aca-bou por descrever a obra conseguida com as seguintes palavras: "A vida é tão frágil quanto uma xícara de chá"; "Quero mostrar que a nossa vida pode mudar repentina-mente. Podemos perder um ente querido. Ou a nossa casa. Ou outros grandes artistas mundiais, expoentes da cultura. Por isso, nas xícaras de chá, pintei todos os cenários apocalípticos." 
       Desta forma, as chávenas que figuram no mural (as Rörstrand, uma conhecida marca de cerâmica centenária muito popular na Suécia) passam a representar uma realidade aumentada, cada uma delas a propor, metaforicamente, um episódio ilustrativo dos efeitos decorrentes, por exemplo, das mudanças climáticas; das falhas e das perdas que fazem com que a terra e o ser humano estejam prestes a "cair".

       Um caso evidente de arte pedagógica, consciencializadora, preventiva e intemporal na mensagem a transmitir. Na aproximação com Camões, Leon Keer é mais um exemplo contemporâneo de pintura a rimar com literatura.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Triangulações gramaticais

      Depois de dois a falar de gramática, interessa lembrar que, segundo expressão idiomática, não há dois sem três.

     O desafio é lançado por uma aluna que, neste contexto de ensino à distância, aproveita a oportunidade para dialogar comigo por mail:

      Q: Olá, professor. Boa noite. Estive a ajudar um amigo com uns exercícios de gramática sobre funções sintáticas e estamos ambos com dúvidas numa alínea. Nesta está escrito "Dói-me a cabeça" e é preciso indicar a função sintática de "me" e "a cabeça". Eu acho que "me" é sujeito e que "a cabeça" é complemento direto, mas o meu amigo diz o contrário. Pode fazer-me o obséquio de me dizer quem está certo? Boa noite, novamente, e obrigada por ler. :)

       R: Olá. Creio que não vou dar razão a nenhum (ai, ai, ai...).
      Nessa frase, 'a cabeça' é o sujeito sintático. Repara que eu poderia substituir esse grupo nominal pelo pronome 'ela' - 'Ela dói-me' > 'A cabeça dói-me'. É o melhor teste de identificação / comprovação.
     Quanto ao 'me' trata-se de um pronome com a função, neste caso, de complemento indireto. A cabeça dói a alguém. "A quem?" - esta seria a pergunta para obter a resposta do elemento que funciona como complemento indireto. Mais: sei que é o complemento indireto porque, no caso da primeira pessoa, é usado o 'me'; no caso da segunda pessoa, seria o 'te' (> Dói-te a cabeça) e, no caso da terceira, seria o 'lhe' (> Dói-lhe a cabeça). Ora, o 'me' aparece na mesma distribuição de um 'lhe' que, na terceira pessoa, é a marca pronominal do complemento indireto. Portanto, 'me' exerce esta função equiparada ao 'lhe'; 'a cabeça' é o sujeito (invertido) da frase.
       Lamento, mas nenhum dos dois está correto!
       Toca a fazer as pazes e façam o favor de ser felizes, com a gramática certa.
       Espero ter ajudado no raciocínio.
       Boa noite.

       Não ficando por aqui, prosseguiu o diálogo assíncrono nestes termos:

        Q: Obrigado pelo esclarecimento, professor.
       Mas ainda tenho uma dúvida: "A cabeça" poderia ser complemento oblíquo? Penso que dizer apenas "Dói-me" não está correto, pois falta algo.

     R: Não, não poderia. Tens razão quando pensas que falta algo. A verdade é que falta o sujeito sintático da frase, enquanto elemento normalmente presente numa oração. Alguma coisa dói; neste caso, a cabeça. Ela (o sujeito da frase, ainda que invertido, pois não se encontra no local típico de início de frase). É este teste de pronominalização que assegura estarmos perante o sujeito sintático.
       O que te deve estar a confundir, a ponto de ainda pensares em complementos, é a posição do sujeito na frase: não é a mais comum (normalmente abre uma frase), mas não te esqueças que há sujeitos invertidos na sintaxe do português. Na verdade, o verbo 'doer' é tipicamente intransitivo. Daí não selecionar obrigatoriamente nenhum complemento. No caso da frase que estás a trabalhar, esse verbo, porém, apresenta uma realização transitiva indireta, ou seja, uma realização na qual se assume um complemento indireto: o 'me' (que aparece no mesmo local de um 'lhe', na terceira pessoa).
       Espero ter satisfeito e esclarecido a tua dúvida.

      E fico-me por aqui, para não ter de explicar que o 'me', noutras frases e com outros verbos, assume também a função de complemento direto. Antes de dar nó, é melhor gerir a informação a transmitir. Não vá isto tornar-se no triângulo das Bermudas e ficar tudo em desgraçada confusão.

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Regresso às aulas

        O título faz lembrar campanha publicitária,...

        É tempo de recomeçar um período letivo que ficou suspenso.
     Ainda assim, houve quem trabalhasse para que a retoma se faça em condições que, não sendo as desejáveis, são as possíveis, para bem de muitos.
    Algumas orientações de partida podem ser a base para que todos se esforcem e tudo se faça para ultrapassar problemas.
       Colaboração e compromisso de todos, exploração de possibilidades, adaptação à situação e não fazer das falhas e faltas a impossibilidade de aprender - eis as palavras e as expressões de ordem destes tempos.
       Estas são algumas orientações essenciais:

(Produção dos Cursos Técnico-Profissionais da ESML)

       A partir de amanhã, volta-se a estar on e com a esperança de que vamos ficar bem.

      ..., mas não se trata disso. Há mais vida para além de redes e grandes empresas comerciais. A rede de educação tem (outros) valores que também interessa partilhar.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Dia de muitas perguntas...

     ... e eu a precisar de respostas!

    Eu a entrar na sala, a vê-los sentados e a procurarem o meu olhar; a senti-los em ânsia... à espera do melhor momento. E, mal puderam,...
     - Não vai haver mais aulas?
     - Vamos todos para casa?
     - E o teste vai ser presencial?
     - Agora, o que fazemos? Quando é que recomeçamos?
     - Sempre é verdade?
     - Afinal, fecha ou não fecha? 

     Com tanta interrogação, respondia eu com reforço positivo: 
     - Boa pergunta, sim senhor!
     - Respondo-te já, pode ser?
     - Muito bem! Aguarda.
     - Duas perguntas?!... Estás curioso(a)? Também eu!
    - Ah se eu soubesse o que é a verdade! À Caeiro, diria que a verdade é o sol, mas também há a mentira, que é a noite.
     - Essa vai ser respondida à Ricardo Reis.

     Quando começavam a rir, agradeci-lhes o melhor dos sorrisos que me deram, apesar da máscara.
    Dei-lhes, então, a resposta, dizendo que o ia fazer de forma poética, citando as palavras de Ricardo Reis:

Uns, com os olhos postos no passado,
Veem o que não veem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, veem
O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto —

A segurança nossa? Este é o dia,

Esta é a hora, este o momento, isto

É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora

Que nos confessa nulos. No mesmo hausto

Em que vivemos, morreremos. Colhe

O dia, porque és ele.


28-8-1933

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) 

Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994). 

 - 154

"Colhe / o dia, porque és ele"

      Perguntei-lhes, então, se tinham percebido a resposta. Um disse logo que sim: que não nos devíamos preocupar demasiado com o passado ou com o futuro (um porque já passou, outro porque está por vir). Nada como viver o presente, o que está perto, passo a passo, para não o perdermos.
     Conclusão: para que fazem eles perguntas, se já sabem a resposta. É esta uma estratégia de sobrevivência de todos nós, para não nos deixarmos levar por recordações, memórias nem por ansiedades.

        Nestes tempos, Ricardo Reis, como te percebo (percebemos)!

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Da imprescindibilidade de um dicionário

        Sou do tempo em que se pedia um, em suporte livro, para cada sala de aula.

    Hoje, basta um computador ou telemóvel para facilmente se ter acesso ao dito material imprescindível para qualquer aula (de língua ou não).
     Direi que, quando falo de ósculos ou amplexos, os alunos julgam que os estou a insultar. E estou a ser tão afetivo! Só não o sou quando sistematicamente usam o verbo 'meter' onde não devem ou dizem para eu esperar 'um bocado'. Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Pintura do poeta Bocage 
no Palacete do Conde de Carcavelos (Braga)
    «Conta-se que Bocage, ao chegar a casa, um certo dia, ouviu um barulho estranho vindo do quintal. Chegando lá, constatou que um ladrão tentava levar os seus patos de criação. 
 Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o a tentar pular o muro com os seus amados patos, disse-lhe:
-Oh, bucéfalo anácrono! Não te interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo... mas, se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada!
    E o ladrão, confuso, diz:
    - Doutor, afinal levo ou deixo os patos?»

      Sinto-me qual ladrão sem saber o que fazer. Não quero roubar ninguém, mas vou tratar de ir à procura de algumas palavras tão eruditas, tão arcaicas e (neo)clássicas.

      Neo..., sim, seja pelo tempo representado em que foram supostamente ditas (na segunda metade do século XVIII) seja por aquele em que podem vir a ser recuperadas. Amplexos!

domingo, 17 de janeiro de 2021

Dúvidas na planificação da gramática

       Tanta coisa há a resolver que, às vezes, escapa a todos o essencial.

     Perguntavam-me há dias algo sobre a planificação de conteúdos gramaticais nas "Aprendizagens Essenciais" do Português, no nível secundário:

      Q: Olá, Vítor! O complemento do advérbio faz parte das Aprendizagens Essenciais (AE)? E o valor temporal? Agradecia que me esclarecesses, por favor, pois achava que não.

    R: Olá. A leitura das Aprendizagens Essenciais, quanto ao domínio da gramática, no ensino do Português do nível secundário, propõe algumas especificidades para cada um dos anos de escolaridade (10º, 11º e 12º anos). Fazendo uma abordagem comparativa dos conteúdos propostos, é possível verificar o conjunto de dados seguinte:

Leitura comparativa do domínio gramatical nas Aprendizagens Essenciais de Português (Secundário)

      Este é o "programa" gramatical referenciado para os três anos de escolaridade do secundário (10º à esquerda; 11º ao meio; 12º à direita).
      Ora, quando no ano terminal deste nível de ensino se lê "Realizar análise sintática com explicitação de funções sintáticas internas à frase, ao grupo verbal, ao grupo nominal, ao grupo adjetival e ao grupo adverbial", uma função sintática interna ao grupo adverbial é precisamente a do complemento do advérbio. Pode mesmo indicar-se que há uma progressão, complexificação neste ponto do domínio, pois, no 11º ano, interessa "Sistematizar o conhecimento dos diferentes constituintes da frase (grupo verbal, grupo nominal, grupo adjetival, grupo preposicional, grupo adverbial) e das funções sintáticas internas à frase" (ao nível superior da frase, portanto), enquanto no 12º o foco se situa ao nível interno dos grupos, para além do da frase. De referir, ainda, que já no 10º ano se prevê o trabalho do complemento do nome e do adjetivo (isto é, funções sintáticas internas ao grupo nominal e adjetival, respetivamente).
        Quanto ao valor temporal (depois da abordagem dos valores modais, no 10º ano, e dos aspetuais no 12º), não se poderá dizer que desapareceu do "programa" (se confrontarmos com o que acontecia nas Metas de Aprendizagem). Trata-se de um conteúdo gramatical que acabará por, implicadamente, ter de ser abordado a propósito dos processos de coesão textual contemplados no 11º e 12º anos (nomeadamente, quando se tem de utilizar / abordar / explicitar a correlação de tempos na construção de enunciados e a localização das situações nestes referidas).
        Uma leitura comparativa mais completa das Aprendizagens Essenciais, iniciadas há dois anos no 10º ano de escolaridade e alargadas ao 12º no presente ano letivo, pode ser encontrada aqui, de acordo com os domínios de aprendizagem considerados no ensino secundário.

       Hoje em dia, a preocupação é capacitar os professores de competências digitais (até se responde a um inquérito que visa diagnosticar os níveis de competência docente nesse domínio). Anuncia-se formação futura para tal, como prioritária; esquece-se que pouco disso vale, quando a formação didática e específica é tida como algo mais do que adquirido, do tipo "o ar que respiramos".

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Rubricas de (avaliação para) aprendizagem : domínio da oralidade (produção oral formal)

       Fica a sugestão de um trabalho para a avaliação da oralidade (produção oral).

     Vem este apontamento a propósito da preparação de uma atividade de oralidade (produção oral formal), na disciplina de Português (nível secundário), planificada segundo a matriz de uma rubrica de aprendizagem. Contempla esta última: (i) indicação da tarefa; (ii) condições de operacionalização; (iii) critérios de sucesso a considerar; (iv) associação dos critérios a descritores e níveis de desempenho; (v) práticas de auto e heteroavaliação. 
      Perante o propósito de levar uma turma de 12º ano a produzir um discurso autónomo, completo, planificado e estruturado para um público (ainda que familiar), orienta-se a tarefa para um projeto de trabalho assente em pensamentos do semi-heterónimo pessoano e, na base do Livro do Desassossego, na formulação de um posicionamento concordante ou discordante sobre um pensamento / uma frase de Bernardo Soares. Em vez de se indicar mais um livro, para além das obras já propostas no programa, propõe-se que cada aluno se posicione face a um pensamento selecionado, relacionando-o com a vida, a leitura, a arte, os conhecimentos do mundo, entre outros. 
     Ainda que no cruzamento de vários domínios (nomeadamente, a leitura e educação literária e, eventualmente, a escrita), sai destacado o da oralidade, cujo processo de recolha de informação estará centrado na própria produção oral (a ser observada por professores e alunos).

     Planificação de uma rubrica de avaliação para aprendizagem na oralidade

     Explicitada a tarefa (pela sua instrução), os passos e as condições da sua operacionalização, encaminha-se a turma para a definição dos critérios específicos da atividade, enquadrados pelos que dizem respeito às Aprendizagens Essenciais do Perfil à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO).

Critérios e níveis de desempenho associados ao domínio da oralidade (formal), 
a partir das Aprendizagens Essenciais do PASEO

       Dado estarem já considerados níveis globais de desempenho (N1 a N4), segundo decisão do agrupamento escolar, aplicam-se estes últimos aos critérios específicos associados à tarefa, configurados em descritores que permitem ora preparar desempenhos mediante o explicitado (no âmbito das expectativas) ora proceder à avaliação do processo segundo esses mesmos (no âmbito da consecução), sem fechar um cenário de negociação / reformulação de algum aspeto, à medida que a atividade decorre.

Critérios específicos para a rubrica construída 
(com descritores e níveis de desempenho)

     Planificada e estabilizada a rubrica (instrução, procedimentos no processo, critérios e níveis de desempenho), podem os alunos orientar-se progressivamente na concretização das etapas que conduzirão à produção / expressão oral frente à turma.
      Na consciência e na transparência da avaliação a fazer, podem os discentes, a todo o momento, ser confrontados com o caminho feito e o planificado, mais os critérios considerados. Com ou sem ajustamento destes últimos, a mensagem de que a produção oral será avaliada em função deles é sempre a oportunidade de exemplificar o que deve ou não fazer-se nesse momento. Será também a ocasião para a negociação de alguma reformulação e, mesmo, a preparação do que virá a ser a auto e heteroavaliação, funda(menta)da nos critérios / descritores / níveis de desempenho definidos.
      A rubrica aqui desenhada tende, naturalmente, para uma conceção de avaliação pedagógica orientada para a aprendizagem, pelo que ela tem de explicitação da tarefa e do que esta implica, em termos de conhecimentos, procedimentos e atitudes / valores previstos ou planificados. A etapa final, na súmula do processo levado a cabo e do produto apresentado, constituirá um momento de registo mais focado em indicadores precisos, dados decorrentes dos critérios, a que não escapa também a consideração de atitudes e valores - desde logo os que decorrem do cumprimento ou não da tarefa (com os passos intermédios e/ou finais); da atenção e da persistência no tratamento informativo; da adequação ou não do discurso; da disponibilidade e da colaboração para com o auditório; da autonomia maior ou menor face ao processo produzido e/ou face a outros suportes; do respeito pelo tempo destinado ao trabalho e/ou pelo auditório para o qual se discursa. A integração é natural na avaliação pedagógica, em suma.

       E sublinho o sentido da palavra 'avaliação'. Quanto à classificação final, o assunto é já outro - mais focado no produto, nos indicadores colhidos no momento da execução / produção oral, numa quantificação, nota que não deverá deixar de contemplar as diferentes etapas associadas à tarefa.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Um compacto... à semelhança da vida poética

      Depois de um registo mais amplo, um compacto para uma atividade de escuta ativa.

    Tal como a vida do poeta (tanta poesia para tão curta vida), fica aqui um compacto do essencial da biobibliografia daquele que, na Geração de Orpheu, foi visto como o mestre dos mestres:

(montagem a partir da RTP-Ensina)

       De Cesário Verde se fez lembrança e motivo para avaliar oralidade (compreensão oral e léxico).

      Chegado o fim de semana, apetece-me dizer "Não quero nada. Deixa-me dormir!"

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Café com tempo(s) e Pessoa(s)

        Eles sabem quem são e como fica(ra)m no coração.

           Fechou-se um ciclo; um outro estará prestes a abrir. 
        Tem sido insólito este tempo: impede aquilo a que se tem direito depois de tanta entrega e trabalho conjuntos. Fica o agridoce dos afetos, que não puderam ser expressos pelo que de mais natural têm: a proximidade do abraço, o beijo na face, o toque da mão (tudo merecido e, por segurança, negado); ainda assim, o convite, a presença.
        Ficou o olhar. O sorriso, incompleto (porque vedado pela máscara), viu-se ainda no brilho  dos olhos. Ficou o (re)encontro num local tão familiar quanto diferente de tudo o que antes foi vivido e agora (re)lembrado. 
          Ficaram as palavras também tornadas atos, no que estes puderam ser.

Uma lembrança em palavras, pessoal e pessoana, com um "cotovelo gigante" (Foto VO)

      Chegou uma lembrança para recordar outras tantas de uma "bagagem invisível" (cito as palavras gentis de um postal tão manual quanto feito de entrega) que todos levamos deste encontro de três anos. Na minha, há uma jornada conjunta, remando contra adversidades; construindo compromissos, cumplicidades, identidades. Conquistas comuns.
       Foi muito bom o ciclo cumprido. Melhor ainda o reconhecimento recebido, ao ler "Todos nós sentimos que, através da sua paixão pela nossa língua, pela literatura, pelo ensino, aprendemos e crescemos enquanto alunos e, principalmente, enquanto pessoas. Consigo descobrimos que a escrita, partindo de nós, apenas vive connosco temporariamente, sendo o propósito último a partilha". Os meus olhos retêm o pensamento, tão oportuno! Como lhes ensinei isto, não sei bem. Sei que não foi com nenhuma planificação, nenhuma grelha ou nenhum plano prévio. Ou talvez com isso tudo e muito mais (bem mais importante): foi a cada dia, com a vontade de estar e o desejo de que me dessem o que de melhor tinham. E todos tinham! Uns mais, outros menos; uns dias mais felizes, outros nem tanto; com mais ou menos dúvidas; entre respostas fantásticas e outras que davam oportunidade para ensinar e aprender. No meio da postura séria, da responsabilização, do "puxar de orelhas", do riso e da gargalhada comuns aos cúmplices, assim se compuseram dias, semanas, meses e anos, dando tempo e atenção a todos.
        Lê-se, no pires, "o perfeito é o desumano". Espero ter conseguido ser deveras imperfeito! 
      (Ai aquele PS - «Nunca esqueceremos o lema 'Trabalho, trabalho e mais trabalho!'» - faz-me lembrar qualquer coisa...!). 

      Tempo de encher a chávena e beber um café, sem açúcar, mas com a doçura e o cheirinho já das saudades. Obrigado pelo tempo dos saberes, dos sabores e dos afetos. O nosso tempo.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

A meio dos acontecimentos

     Tudo o que se faça para combater o vazio criado por este Covid-19 é bem-vindo.

     Quem está na frente da batalha ou quem se mantém na retaguarda são tão necessários como os que estão a meio. O efeito de onda, de trás para a frente ou vice-versa, é muitas vezes a fonte da persistência e da resiliência de todos. 
      Ao nível da educação, o contributo das aulas televisivas é um dado significativo para que o vazio não reine; para que haja algum sentido de oportunidade para divulgar, aprofundar, enriquecer quem nada tinha. Neste sentido, o #EstudoEmCasa (RTP Memória) e o #EstudarComAutonomia (RTP Madeira, para o ensino secundário) são apostas válidas.  Não pelo que faz lembrar do passado (a Telescola), mas pelo que pode ser uma iniciativa de resposta ao presente e de desafio para o futuro. É serviço mais do que público, porque centrado na educação, no ensino e nalguma aprendizagem. Talvez não a mais estruturante ou estruturadora, mas sempre aprendizagem... e para todos os que a ela queiram assistir.
     Há aspetos a melhorar, por certo, como em tudo na vida.
     Hoje assisti a uma aula sobre Os Lusíadas (9º ano) - uma variedade de materiais, suportes, a todo o tempo ativada para uma suposta motivação à obra camoniana e, quem sabe, para a exposição de um conjunto de conhecimentos referenciais a aproveitar, num breve momento, para o que venha a ser uma fase posterior de recuperação e sustentação de informação. A rapidez e o imediatismo televisivos não garantem a efetiva aprendizagem de uma só vez. O milagre não é tão grande assim. No processamento que se faça por input não há output linear. E no que diz respeito ao intake, a história é bem outra. A quem defende que o que interessa são as aprendizagens, é bom que se tenha em atenção o nível de aprendizagem a que se está a referir, porque o conceito é bem diverso, cobrindo o que se consegue a curto prazo e o que passa a constituir memória de médio e longo prazo.
    Valha o contributo face ao nada que existia. Melhorias podem seguramente ser feitas e estas só poderão surgir a partir do que se faz. É preciso trabalho e quem está nele tem o mérito de o agenciar.
   Bom seria que o deslumbramento pelos materiais / instrumentos fosse evitado, particularmente quando eles introduzem ruído. Foi o que sucedeu com a aula de Português em questão. Ora um vídeo a tratar a estrutura interna da epopeia lusa, ora um powerpoint com o mesmo e alguma coisa mais e, no entretanto, o primeiro refere-se à narrativa "in media res" enquanto o segundo mostra a versão "in medias res":

Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)

Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)

       Um 's' faz a diferença.
      A técnica que se pretende ilustrar é clássica, vem de Homero, que, nas suas epopeias, escolhia o ponto por onde começar a narrativa: já a meio dos acontecimentos. Horácio, na sua Arte Poética, ao teorizar a abordagem épica das narrativas homéricas, referia-se a "in mediās rēs", ou seja, as "ações que vão a meio". Com isto se defendia a arte de Homero captar a atenção dos leitores. No caso de Camões, a técnica passa pela opção de colocar os marinheiros (e Vasco da Gama) em ação a partir do momento em que são verdadeiramente descobridores no caminho marítimo para a Índia (o percurso do Atlântico já era conhecido e a passagem do Cabo das Tormentas já tinha sido cumprida, por Bartolomeu Dias). No final, a mesma técnica imitada pelo épico português, atento à influência grega (e, mais tarde, à latina de Virgílio).

    "In medias res", portanto, e não "in media res" (simplificando o registo latino, retirando o acento gráfico da vogal longa - ā -, por contraposição à breve - ǎ -, que também tinha um acento identificativo). Uma melhoria, digo eu, para o bem que se fez.

domingo, 1 de março de 2020

Amor de Perdição (versão compacta)

       O filme é antigo (1943), a preto e branco, mas ainda com a cor e o tom cómicos da atualidade.

      A versão fílmica aqui apresentada é um compacto para dar a conhecer a intriga geral de uma história que, enquanto narrativa a ser lida no ensino secundário (11º ano), está mais desarticulada nas orientações programáticas da disciplina de Português do que qualquer outra forma de encontrar algum fio condutor para a obra camiliana dos programas de Português - Secundário.
     O melhor é sempre ler o livro na íntegra. A ter que dar alguns textos soltos, ao menos que se perceba em que sequência da ação narrativa se encontra o excerto a abordar.
     Apresentar a estrutura global da obra, por exemplo, é sempre um ponto de referência para qualquer localização do segmento a ler:

Slide 1: a estrutura global da obra Amor de Perdição
(Powerpoint acerca da narrativa camiliana) 

Slide 2: o título e subtítulo da obra camiliana
(Powerpoint acerca da narrativa camiliana) 

      A estratégia de ver o filme (numa das suas versões, na íntegra ou em compacto) permitirá enquadrar a leitura de qualquer excerto narrativo na intriga, na consideração do que acontece antes / depois do texto lido. Vai neste sentido o compacto proposto.

Compacto fílmico de Amor de Perdição 
(na versão cinematográfica de 1943)

        Entre os vários aspetos que possam ser focados no visionamento, sugerem-se os seguintes:
     a) a evolução do comportamento no protagonista Simão;
     b) a construção romântica do par Simão - Teresa;
    c) o discurso epistolográfico na construção da intriga (qual carta, de quem, para quem, qual propósito comunicativo, que referências deíticas associadas à sua produção escrita); 
     d) o(s) sentido(s) de vida representado(s) no percurso dos protagonistas;
     e) força(s) opositora(s) na vivência dos protagonistas.

      Relacionar o que foi visto com a leitura de uma ou duas das cartas dos protagonistas na relação amorosa (Simão-Teresa) é uma extensão natural da proposta c), tomando o género e formato textual como marca relevante da incidência romântica da obra.

       Mais do que romântica, diria mesmo ultrarromântica - num excesso que resulta em paródia, se for considerada a dimensão interartística que resulta do visionamento de uma versão cinéfila dos anos vinte do século passado

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

O Violino de Auschwitz

      Não é o conhecido título do livro de M. Àngles Anglada (romancista catalã), mas uma atividade escolar (e educativa) que fez relembrar um passado trágico.

 Uma conferência-concerto multimédia, promovida pelo grupo disciplinar de História da Escola Secundária Dr. Manuel Laranjeira (ESML - Espinho), contou com a presença / dinamização do violinista / relator / investigador Maurizio Padovan. No Dia Internacional dos Direitos Humanos, este homem-espetáculo lembrou, a toda uma plateia de alunos e professores, um tempo que não pode ser esquecido. 
      Como contador de histórias e da História, comunicador eficiente e cativante, executante de peças musicais da época do holocausto, o professor Maurizio compôs a sua apresentação de uma forma tão impressionante e entusiasmante que a concentração do público era tão notória quanto respeitosa para a memória de todos aqueles que foram vítimas de outras concentrações - bem mais terríficas e fatais (as dos campos de genocídio nazi).
       Numa amplitude diversa de registos (do mais sério ao mais irónico e cómico; do mais grave ao mais anedótico), a História fez-se ouvir no que de mais grotesco, hediondo tem para a Humanidade, mesmo que mascarada, disfarçada de ilusões, na forma mais propagandística que os regimes fascistas também puderam construir. 
      Se a moda das meias de vidro (lançada a 27 de outubro em 1938, na Feira Mundial de Nova Iorque) abrilhantou, com grande sucesso, a beleza feminina, a Segunda Guerra Mundial não deixou de ver no nylon o material adequado para o fabrico bélico de pára-quedas, pneus, tendas, cordas, fatos impermeáveis. Quase fez com que, praticamente, desaparecesse a produção de meias. A fronteira do belo e do grotesco é tornada ténue. Se a música é arte de sons, melodias, harmonias e ritmo no e para o(s) tempo(s), é também prática cultural humana matizada de efeitos e sentidos inusitados - que o digam o 'tango da morte' ou a 'música da mentira'. São memória de um drama humano em várias línguas (alemão, checo, hebraico, iídiche, polaco, romeno), tantas quantas a tortura e o sofrimento fizeram ouvir. 

Demonstração-vídeo de "Violino de Auschwitz" (conferência-concerto na ESML)

      Se ouvir música / cantar fazia enfrentar e relativizar a sensação de fome e dor; se trazia notas de uma esperança a todo o tempo ameaçada, também com ela se anunciava a morte e se disfarçava o futuro irrevogavelmente fatídico na forca, nas valas ou nas câmaras de gás. Na condição de prisioneiros condenados à morte pela raça, ideologia e/ou religião, inúmeros judeus, ciganos, "diferentes" cavaram fundo, nas suas almas e na busca de inspiração, para criar e interpretar pautas de absurdo e de abismo, frequentemente culminadas em crematórios ou valas de morte.
     Aristides de Sousa Mendes não deixou de ser lembrado - um português nos "Justos entre as Nações" e nessa luta que foi a de salvar judeus e outras potenciais vítimas às mãos nazis. Um herói que terminou os seus dias em desgraça, depois da desobediência em consciência.
     Disto e doutras curiosidades se fez acompanhar o violino, instrumento cuja construção no concelho de Espinho data de 1924 com o artista Domingos Capela, jovem marceneiro, natural da freguesia de Anta. Arte e dedicação levaram-no a ser conhecido mundialmente. O filho Joaquim Capela tem mantido o interesse e o mérito / reconhecimento internacional, colocando Espinho no centro de uma tradição geracional e familiar voltada para o mundo. 

      Um violino que trouxe música para homenagear vozes que o Holocausto silenciou; que também convocou memórias pessoais de uma viagem que marcou; que deu as notas necessárias à evocação de um dia que, desde 1948 (quando a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem), se mantém atual. Um agradecimento ao grupo de História da ESML, que tornou esta manhã mais luminosa e celebrada.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Um questão de sujeito(s)

     Não se pode dizer que seja novidade! Versão para outro(s) sujeito(s).

     Já se abordou uma questão similar em apontamento anterior: a do sujeito sintático de uma oração que, indevidamente, deu lugar a resposta que, no contexto do apontamento, só fazia sentido na orientação crítica pela política do momento (se é que não é a de todo o sempre).
      Desta feita, a versão da interação é outra:

Cartoon espelhando uma interação infeliz

    A felicidade de um sujeito é questão deveras polifacetada, a julgar pelas respostas dos alunos. Talvez a questão docente não tenha sido a melhor, na interação criada. Nada como explicitar o que se pretende, para que o discurso pedagógico resulte mais ajustado aos objetivos pretendidos. Se de sujeito sintático se trata, é bom que se questione acerca do mesmo, para não saírem outros, indesejados (nem o poético, nem o lírico, nem o discursivo, nem os que os alunos sugerem, na riqueza de "conhecimentos de mundo" que têm).
      Assim preferia, na boca da professora, a questão "Qual é o sujeito sintático da frase?" A variedade de respostas ficava bem mais inoportuna e inadequada (questões básicas de interação que um cartoon põe a nu, se não forem mesmo representativas de situações reais a evitar).
     Cá por mim, para além da questionação a corrigir, também não me ficava pelo sujeito clássico na sintaxe. No caso do nível secundário, por exemplo, apostava nos que surgem invertidos, para que não fique a ideia de que o sujeito sintático é sempre aquele segmento que abre uma frase ou oração (Diz-se que não há questões perfeitas / É interessante que o sujeito esteja no final da frase / À questão da professora responderam os alunos - só para me ficar por alguns casos críticos da localização sintática do sujeito).

       Por aqui me fico, para não ter que dizer que lá se foram os predicados - não os da frase, mas os dos alunos, cujas virtudes ficaram muito a desejar, um pouco também por causa do que a professora perguntou.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Refugiados, migrações... em debate

      Em modo de produção de materiais.

      Porque antes de debater, há que apresentar exemplos; porque antes de se falar, há que ver modelos e articulá-los com conteúdos que vão ser transversais às aprendizagens (lógica argumentativa e conhecimentos de mundo). A compreensão do oral assim se constrói, em articulação com outras exigências pedagógico-didáticas sublinhadas pelo novo enquadramento legal dos ensinos básico e secundário.
       O tema é atual, a reflexão impõe-se em termos de cidadania e desenvolvimento, a sensibilização é premente para que se mantenham características que nos definem culturalmente, enquanto povo que abre os braços ao mundo.

Montagem de excertos do programa televisivo Prós e Contras (18 de junho, 2018)

      Orientado o visionamento para um conjunto de tarefas (ficha de trabalho), prepara-se uma escuta / um visionamento ativo, reflexivo e formativo, articulado com discursos políticos, e sempre com a língua à mistura.

     Quando feito em colaboração, fica sempre melhor. Obrigado, ARS. Estamos imparáveis.