quarta-feira, 9 de junho de 2021

A um dia de Camões...

     Na véspera do dia que dizem ter sido o da sua morte,...

     Relembra-se "Descalça vai para a fonte" e essa Leanor retratada como exemplo de beleza - aquela que vai formosa e (mas / por isso) não segura.
     Num retrato predominantemente físico, há um cromatismo bem colorido na figura dessa mulher que um filme a preto e branco (com mais alguns cinzentos) não traduz:

Interpretação de António Vilar e Leonor Maia, nos papéis do poeta e de Leanor 
"Camões" (1946), de Leitão de Barros

     Os efeitos inspiradores da musa feminina no poeta, lendariamente caracterizado como um pinga-amor, são mais para a construção poética dos versos (para os louros) do que para as paixões da vida concreta (as louras). 
      Reconheça-se a escrita marcada pela escola / corrente tradicional, ou da medida velha, e pense-se que o resto é o que menos interessa: a vida do escritor.
      Fica a obra para lá do tempo da vida; fica a voz lírica que nos "canta" um poema "em verso humilde celebrado", com "agreste avena ou frauta ruda" (para não confundir com o "som alto e sublimado", o "estilo grandíloco e corrente", com "tuba canora e belicosa" no jeito épico).

Mote: Descalça vai para a fonte 

          Leanor pela verdura;

          Vai fermosa e não segura.

 

Glosas ou voltas:


Leva na cabeça o pote,

O testo nas mãos de prata,

Cinta de fina escarlata.

Sainho de chamalote;

Traz a vasquinha de cote.

Mais branca que a neve pura;

Vai fermosa e não segura.

 

Descobre a touca a garganta,

Cabelos d' ouro o trançado,

Fita de cor d' encarnado,

Tão linda que o mundo espanta;

Chove nela graça tanta

Que dá graça à fermosura;

Vai fermosa e não segura.


     ... fica o registo fílmico a ilustrar uma das suas redondilhas (maiores, no caso) mais conhecidas - um vilancete, a julgar pelo mote de três versos e as glosas com sétimas.

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