terça-feira, 18 de agosto de 2020

Esperando na caminhada

     Ainda por Valbom, junto ao Douro.

     O momento da caminhada deu para captar uma imagem, tornada fotografia.

    Nas margens do Douro - Valbom (Foto VO)  

      ESPERANDO NA CAMINHADA

No curso do rio,
há um bote sem barqueiro
olhando a margem.

Flui o fluvial leito...
Dois cabos prendem 
o boiante lenho.
Não há motor que o leve.
Não está para breve
singrar na corrente.

O ramalhar da árvore,
o áspero tronco lá estão...
Pedra, terra, arbustos secos,
alguém à espreita, mirando.

Nas cores da estação, 
há luz, calor, tons
para que o ânimo revigore.

Quando a partida acontecer, 
soltos os calabretes,
rumará a pequena barca
ao sabor de ondas e ventos.

Saiba o catraeiro navegar,
escolhendo os combadouros,
a evitar águas e sopros agitados
- sem espinhos nem louros,
mas com céu de sol e de luar.

        No curso da vida, há tempo para as palavras e há de vir o tempo salinado do mar. 

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

As cores da correção

      Preferível o remendo à exposição ao erro.

      Assim o entendeu quem colocou, em plena casa de banho pública de uma cadeia de supermercados reconhecida, um alerta:

Um alerta bem acentuado à espera da vírgula do vocativo (Foto VO)

      Ver, ao fundo, aquele quadradinho do 'à', a cor distinta, até chama a atenção para a forma correta da escrita (nem quero imaginar o que, antes, estaria por baixo). De tão vulgar a má escrita, ver um conserto a cor diferente é sempre uma ocorrência mais feliz, mais pedagógica que certas legendas ou títulos televisivos.

      Virtuosos o reparo e a mudança de cor (falta a vírgula, depois de 'Estimado(a) cliente,...', mas a correção do erro detetado é sinal de que ainda há quem saiba acentuar).

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Coisas do oral (ou de homofonias nos discursos)

      Porque nem sempre o que se diz é o imediatamente entendido.

     Aquele momento em que o enfermeiro pergunta quando aconteceu a última refeição e, com a minha resposta, ele põe aquele ar de quem começa a fazer contas.
    O momento do diálogo aconteceu cerca das 9 horas da manhã. Respondi que tinha bebido o último copo de água à hora e meia da manhã. O olhar e o ato de registo parados eram a razão do cálculo a processar-se: "Ora... seis, sete horas, certo? Foi quando bebeu."
   Nego, mas insisto: "À hora e meia, mesmo. A partir daí não ingeri mais nada".
    Veio, então, o "Ah! Ótimo. Foi à hora e meia do relógio".
    Confirmei. Agora, sim, o tempo certo! Não tinha bebido água há hora e meia, mas sim à hora e meia
   Entre a expressão de duração / intervalo de tempo e a da hora precisa do relógio, a diferença é substancial. Que o digam o enfermeiro e a anestesista, mais o paciente; na oralidade, a distinção não se faz. 

     Valha a ortografia para marcar diferenças semânticas e sentidos pragmáticos que viabilizem uma intervenção cirúrgica. Um dia para a história (não da linguística, mas da pessoa operada).

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Ainda a polissemia de 'quadros'

     Entre as mais de quinze aceções dicionarizadas, 'quadro' tem sentido polissémico.

     É com esse jogo lexical que se constrói o cartoon seguinte:

Cartoon - Condições de empregabilidade pouco sustentadas

     Há o quadro do grupo de trabalhadores de uma empresa; há o da pintura, imagem que se exibe no museu. Ambos decorrem de uma só entrada no dicionário; de uma só origem etimológica.

     Não se augura grande futuro no quadro empresarial, a julgar pela Teresinha de "pernas para o ar".

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Gramido: a casa branca

       Junto ao Douro, no concelho de Gondomar (Valbom), há uma casa histórica.

     É a Casa Branca de Gramido, edifício solarengo do século XVIII (1789) com características de um neoclássico rural. Nela ocorreu, em 29 de junho de 1847, a assinatura da Convenção de Gramido, que assinalou o final de uma época de conflitos entre liberais e absolutistas, nomeadamente os que se sucederam às sublevações populares e burguesas conhecidas, respetivamente, como Maria da Fonte e Patuleia. 

Casa Branca de Gramido I, após requalificação com o programa POLIS (Foto VO)

Casa Branca de Gramido II, após requalificação com o programa POLIS (Foto VO)

     Ainda durante o século XIX, o espaço foi armazém de cereais, comercializados pelos proprietários «Cazas Brancas» para a atividade da panificação (de Valongo e Avintes, essencialmente). Os grãos de trigo trazidos rio abaixo pelos barcos rabões (de aspeto mais claro do que aqueles que transportavam carvão) eram desembarcados nesse armazém. Por extensão da designação da família proprietária e pela imagem clara dos barcos, popularmente chegou-se à denominação de "Casa Branca".

Convenção de Gramido (1847)

  A projeção e imponência visuais do solar duriense, progressivamente ampliado ao longo do século XIX e restaurado quase século e meio depois, revestem-se da importância histórica de que o local é exemplo, com a afirmação da paz após a Guerra Civil da Patuleia. A Convenção, assinada entre comandantes dos exércitos espanhol e britânico (entrados em Portugal ao abrigo da Quádrupla Aliança), mais os representantes da Junta do Porto e as forças do governo mais conservador, selou a derrota dos setembristas (revoltosos) frente aos cartistas (apoiados pela rainha) numa guerra civil que vinha a assolar o país desde a década de vinte e, mais particularmente, nos anos de 1846-1847. Menos de cinco anos depois, a concórdia viria a sofrer algum revés, com a força governamental apoiada por D. Maria II a retirar aos revoltosos poderes e influências em prol de um maior conservadorismo.

   A recuperação da casa, depois de uma fase de crescente degradação e de um incêndio que praticamente a abandonou a um estado de desleixo e decadência inevitáveis no século XX, ocorre no período 2005-2006, sendo a inauguração da sua requalificação datada de 31 de maio de 2008.

Marginal do Douro, em Gondomar (Foto VO)

      Enquadrada num espaço reabilitado, a Casa Branca de Gramido faz relembrar o romance Uma Família Inglesa ([1867] 1868), de Júlio Dinis, quando Manoel Quintino, guarda-livros da família Whitestone, se refere à zona da marginal como não havendo "outro passeio assim nos arredores do Porto". Desse passeio, em manhã mais soalheira, se faz aqui registo, em tempos mais contemporâneos.

       Na marginal do Douro, a Casa Branca de Gramido vigia o curso do rio.    

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Geologia literária ou literatura geológica

      Quando a natureza se revela inspiradora para as narrativas.

     Pela zona de Lavadores, com o olhar na direção do mar, há uma composição rochosa chamada de "Pedra Moura": um bloco granítico sobre outro afim, com fratura visível provocada pela erosão.

"Pedra Moura" e os pedregulhos de Lavadores (Foto VO)

      Para quem ache ser explicação ou descrição demasiado científica, pode sempre recorrer à lenda - mais uma entre as muitas que povoam o imaginário nacional, com a típica temática da moura castigada (ou não fosse a terra lusa dominantemente cristã).

      Ora, conta a lenda (maneira sempre eficaz de se apagar o narrador e os efeitos que este pudesse introduzir na narrativa) que uma bela e formosa moura (são-no sempre, apesar de punidas, demoníacas e tentadoras) recebeu um grande castigo (lá está - depois dizem que hoje é que somos preconceituosos): trazer pedras das profundezas marítimas até às proximidades do areal (coitada)! Porém, o mar (soberbo) retomava tudo o que lhe pertencia e, com as marés, fazia voltar essas pedras ao fundo marinho (mais fazendo da moura a versão feminina de Sísifo). O esforço persistente da mourisca (afinal, tem alguma virtude) fez que, um dia, de lá trouxesse um penedo, penosa e colossalmente colocado em cima de um outro (uma moura muito hercúlea, portanto). Vencido o mar, lá estão os pedregulhos, desafiando o oceano. É a Pedra Moura de leva...dores ou que lava... dores pelo castigo cumprido (ao que chega o sentido toponímico da história).

     Quem quiser saber dos motivos do castigo, talvez tenha que investigar sobre os tempos do rei Ramiro e do filho, D. Ordonho, mais o rei mouro Alboazer Alboçadam que detinha as terras de Gaia. Há de lá encontrar uma moura formosa (mais vítima do que merecedora de castigo).