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segunda-feira, 7 de abril de 2025

Sem santos nem milagres na língua

    Não podia ser de outra forma, quando se repete o erro.

  Que dizer daquele algoritmo que vai comandando a nossa vida, ao clicar-se num produto / assunto / tema / apontamento, e tem um "agente inteligente" que não vê a ignorância perpetuada num convite que só pode ter uma resposta?!

Até pode ser o bom Portugal, mas, no que toca ao Português, vai muito mal (colhido do Facebook)

Além do país, adore-se também a língua, para que não seja incorretamente usada (colhido do Facebook)

Nem com Santo António isto lá vai! Não há santo que valha ao bom uso da língua (colhido do Facebook)

   Claro que não me sentaria - eis a resposta!
  Sentar-me-ia se houvesse a consciência de como fazer um convite corretamente. Não adianta  a referência a terras, a santos; a apresentação de carinhas larocas e comidinhas apetecíveis, de chorar por mais. Nada disso me convence. Está em causa o mau uso do português, que, no condicional ou no futuro, é mal falado ou escrito até por ministros.

E não é que insistem?! Mudam as caras e as iguarias, mas mantém-se o erro crasso (colhido do Facebook)

  O condicional pronominalizado tem, tipicamente, o pronome entre a base verbal e a sua terminação. "Sentar-te-ias" devia ser a forma a ler; não aquela que a inteligência artificial (AI) e um algoritmo infeliz não descobriram, ainda, para usar corretamente na fala e/ou na escrita. 

Nossa Senhora de Fátima nos acuda, nos salve da persistência declarada no erro (colhido do Facebook)

  Caso para dizer que não há ruralidade nem iguaria que resistam. 
  Futuro e condicional pronominalizados são deveras casos críticos da língua
  Nem com a AI isto vai lá!

    Triste daqueles que não veem nalguns registos da inteligência artificial, sublinhe-se, a artificialidade que só o espírito humano pode melhorar / corrigir / fazer vingar como virtuosa.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Assim não brinco!

       Quando está tudo preparado para...

       ... entrar na brincadeira e ter alguma diversão, eis que falha uma das regras:

Brincadeira nos seus primeiros sete passos (montagem fotográfica I, com agradecimento à PN)

Desafio dos passos finais, mais dois colocados por mim (montagem fotográfica II)

     Falo da regra da correção escrita, tanto no "*Encontras-te" (que devia estar sem hífen) como no "*autoculante" (que, numa sequência de formação de palavras, deveria sempre considerar, como base original, o que pode "colar"; ou seja, cola(r) > colante > autocolante).
        Apetece dizer: assim não brinco!

      ... ler dez vezes o mesmo erro! Como são dois erros constantes, chega-se a vinte. Removam já o autocolante do espaço público. Que brincadeira!

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Classificações... a quanto (n)os obrigam!

      Veio a pergunta e logo se ativaram os focos de análise.

      Por mais respostas que se queira dar, há vários pontos de vista analíticos a considerar, alguns dos quais conduziriam à que se revela mais aceitável / adequada / correta.

      Q: Olá, Vítor. Quando puderes, diz-me, por favor, como classificas as orações na frase: "Ouve o CD do Pedro Abrunhosa, que é muito bom." A professora de uma explicanda minha diz que é subordinada adjetiva relativa explicativa. Se não fosse adjetiva relativa, só poderia ser adverbial causal.

       R: Viva. Perante a minha divergência face às respostas citadas, direi o seguinte: 

       i) a hipótese de uma subordinada adjetiva relativa (explicativa), eu colocá-la-ia de parte, uma vez que o suposto pronome relativo "que" me levanta questões de forte ambiguidade quanto à construção sintática da complexidade na frase e quanto ao referente retomado (será "o CD do Pedro Abrunhosa", que não sei qual é apesar da determinação e que necessitaria de uma relativa restritiva para a sua identificação precisa, ou será "[d]o Pedro Abrunhosa", que não vou apreciar na forma e nos termos apontados no enunciado);

      ii) o cenário de a segunda oração ser uma adverbial causal levanta-me sérias reservas quanto ao facto de as subordinadas adverbiais tipicamente admitirem inversão dos termos da construção (*"Que é muito bom, ouve o CD do Pedro Abrunhosa" resultaria numa clara construção agramatical);

    iii) a expressão lógica da causalidade-explicação do enunciado é admissível, conforme se encontra introduzida na segunda oração, configuradora de uma explicação / justificação para o que se enuncia na primeira oração; porém, não tomaria esta última como subordinante nem aquela como subordinada;

    iv) o foco de análise pragmático a colocar no segmento "Ouve o CD do Pedro Abrunhosa" permite entender este último como um ato diretivo (conselho, sugestão) na interação produzida entre um 'eu' e um 'tu', conforme se depreende do modo verbal imperativo usado em 'ouve'; simultaneamente, a apreciação feita com a segunda oração resulta numa orientação justificativa (assente numa apreciação) / explicativa de um 'eu' para o ato de fala assumido na primeira oração.

Problemáticas de identidade (e classificação) do 'QUE'

   Assim, numa perspetiva de análise pragmático-sintática, assumo que a oração inicial é uma coordenada (que não admite troca na ordem sintática com a segunda oração), seguida de uma coordenada explicativa introduzida pelo conector 'que' (a iniciar a oração coordenada explicativa). 

  Desta forma, concluo o seguinte: um "que" sinónimo de "pois" aponta para construções coordenativas; um "que" sinónimo de "porque" nem sempre corresponde a uma subordinação, a qual, sintaticamente, apresenta propriedades típicas não confirmadas com o enunciado em análise.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Declarações de desamor...

    Depois do Dia dos Namorados, ...

    Não há bolo que resista!
    Sem vírgula antes de 'mas', sem as que encaixam a expressão "às vezes", a forma verbal de 'dar' sem acento e o já mencionado "às vezes" mal grafado (na acentuação) são ameaças muito significativas, a fazer certamente ter vontade de apertar o pescoço a alguém:

Um bolo azedo para desamor à língua

      (Também) não há amor que resista. O da língua já foi há muito.

      ... ficou um amor muito azedo e agressivo.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

A propósito de escândalos (no plural)

     Não bastava um, tinha de aparecer outro.

    É o que dá não distinguir verbos principais de verbos auxiliares. No caso de 'haver', é a diferença, respetivamente, entre a forma exclusiva do singular e a que admite o contraste de número com plural.
     Por isso, quando o verbo é principal, como em...

Escândalo atrás de escândalo (com agradecimento à CF)

     ..., não há plural. Há um, há dois, há mil. No caso, havia (dois telemóveis que sejam).
     Entre o escândalo noticiado e a forma verbal escandalosa, não há telemóveis que escapem. Numa semana em que, numa só reunião de trabalho, os discursos oficiais permitiram ler e ouvir "*Alguns de vós não esteve presente" (credo!) e "*Ainda que não tenhemos dados..." (salvo seja!), já espero tudo, no mal em que a língua anda.

      Atrocidades à visão e à audição, para o comum dos mortais.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Conjugações pronominais (e outras coisas mais)... no seu pior.

        Pasmo com alguns documentos oficiais (pois quanto aos que não o são...)

     De erros e pontapés na gramática estão os media cheios, bem como alguns falantes da língua, mesmo o intitulado 'Bom Português', que, por vezes, deixa muito a desejar.
       Com documentos oficiais, a questão torna-se bem mais grave, assumo. Assim o penso sempre que me cruzo com pérolas (asneiras) deste tipo:

Da língua mal dirigida na educação, ainda por cima quando vem da Direção-Geral!

    E tenho eu que ler isto, quando ensinava que, na conjugação / construção pronominal, os verbos terminados em 's' perdiam esta consoante em contexto de sequência de pronome pessoal átono:

       Encontramos + nos > ENCONTRAMO-NOS
       Fizemos + o (trabalho) > FIZEMO-LO
       Deténs + o (juízo necessário) > DETÉM-LO
       Lavais + vos > LAVAI-VOS
       Convidamos + vos > CONVIDAMO-VOS

     E quando dizia que uma vírgula não separa o complemento do seu verbo, no predicado. Se ainda fosse com duas (uma depois de " a participar e a divulgar" mais aquela colocada antes de "o desafio"), tudo estaria bem, com o encaixe da sequência "..., junto de todos... Escola Não Agrupada,..." entre vírgulas (uma antes e outra depois, para haver encaixe e não ter uma vírgula a separar o núcleo verbal dos seus complementos). 
     E, como não há duas sem três, que dizer daquele apontamento final "Toda a informação e regulamento disponível"!!! A informação (disponível) e o regulamento (disponível) não estarão para uma coordenação nominal com concordância no plural ("Toda a informação e regulamento disponíveis...")?!

     Vai mal a língua ou o conhecimento dela (que tende para o desconhecimento). Como irá a educação que dela e nela se dá?!

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Constatações linguísticas

      A verdade de algumas produções comuns da língua em uso.

     Há pequenas chamadas de atenção que são tão verdadeiras que chegam a assustar olhos e ouvidos:


Apontamentos entre o empréstimo anglófilo e o português desvirtuado (Imagem colhida do Facebook)

     Poderia acrescentar-se, no princípio, muitos outros casos, oriundos de outras línguas (da 'lingerie', do 'divan' e da 'toilette' franceses ao '¡Gracias!', 'cartilha' e 'muchacho' espanhóis); no final, o indiferenciado 'obrigada', os *'friados', os *'príncepes' e o *'femenino', mais o *'líder' para a marca 'Lidl' ou o interjetivo 'prontos' (para não mencionar outras deformações morfológicas).
   A defesa e a utilização do empréstimo (também conhecido como estrangeirismo pelos comuns falantes) são evidências de uma língua viva, por norma, moderna (por mais antiga que seja a sua origem). Bem mais crítica é a deturpação que esta tenha na escrita e na oralidade do seu uso. Os casos apontados são apenas alguns, de realizações que, entre o popular e o familiar, o informal e o formal, ainda se reveem no dia-a-dia sem fronteiras conscientes do que deva ser dito ou escrito.

     Um processo natural em todas as línguas, que distingue tipicamente quem dela sabe e usa dos que só a usam. 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Esperteza... nem saloia nem sintática

       Se a necessidade faz os homens espertos, o desconhecimento torna-os ineptos.

    Digamos que o sentido proverbial da primeira parte (subordinada) do pensamento anterior sai combinado, no fim, com o valor intencional crítico da sequência principal (subordinante). 
     Subordinado ao pagamento das compras feitas, impôs-se o registo fotográfico perante a leitura do inadmissível. Entre tanto sítio nas frases onde possa aparecer uma vírgula, há quem insista em colocá-la onde não deve: entre o sujeito da frase e o predicado. 
       Eis a prova do desconhecimento e da inépcia:

Publicidade enganosa? No mínimo, errada na escrita da pontuação (Foto VO)

         Só quem ainda é herdeiro de métodos errados no ensino da pontuação (os que generalizadamente dizem, por exemplo, que a vírgula marca uma pausa) é causador deste erro. 
      Além de uma representação fonética e/com algumas implicações semânticas, a verdade é que a pontuação é eminentemente uma representação gráfica da linearização de enunciados, ou seja, da natureza sintática que os carateriza. As vírgulas, nesta medida, marcam a presença de vocativos (chamamentos), de enumerações, de anteposições de elementos na ordem sintática, de modificadores não restritivos / explicativos / apositivos (com ou sem encaixe nas frases). Não podem é nunca separar sujeitos de predicados nem os verbos dos elementos que contribuem para a sua complementação (sejam complementos sejam predicativos).
      "Quem compra no sítio certo" é o sujeito (oracional, frásico) do predicado "parece logo mais esperto". Uma vírgula não pode separar estas duas sequências. Duas até poderiam, com a introdução de um encaixe (cf. "Quem compra no sítio certo, sem sombra de dúvida, parece logo mais esperto).

     Podendo eu estar no sítio certo, a verdade é que quem publicita tem, no mínimo, esperteza duvidosa.

sábado, 23 de janeiro de 2021

Evolução no significado das palavras

       Algumas perderem completamente o significado original ou etimológico...

       Rezam alguns manuais e estudos de língua que algumas palavras, desde a sua origem etimológica até à atualidade, evoluíram em termos de significado por múltiplas razões, ora numa evolução por restrição de sentido ora numa alteração por extensão semântica.
         Apresenta-se, na tabela seguinte, a exemplificação de alguns desses imensos casos:

Exemplificações para a evolução semântica de algumas palavras do Português (VO)

      Agora que estamos em época de eleições presidenciais, eis um outro termo que bem pode figurar na lista proposta: "candidato".

Excerto do programa televisivo "Cuidado com a Língua" (RTP-1)

          É questão de perguntar qual dos sete candidatos pode ser descrito etimologicamente, na base da caracterização proposta.

          ... (isto para não dizer que algumas vão mesmo no sentido oposto).

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Da imprescindibilidade de um dicionário

        Sou do tempo em que se pedia um, em suporte livro, para cada sala de aula.

    Hoje, basta um computador ou telemóvel para facilmente se ter acesso ao dito material imprescindível para qualquer aula (de língua ou não).
     Direi que, quando falo de ósculos ou amplexos, os alunos julgam que os estou a insultar. E estou a ser tão afetivo! Só não o sou quando sistematicamente usam o verbo 'meter' onde não devem ou dizem para eu esperar 'um bocado'. Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Pintura do poeta Bocage 
no Palacete do Conde de Carcavelos (Braga)
    «Conta-se que Bocage, ao chegar a casa, um certo dia, ouviu um barulho estranho vindo do quintal. Chegando lá, constatou que um ladrão tentava levar os seus patos de criação. 
 Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o a tentar pular o muro com os seus amados patos, disse-lhe:
-Oh, bucéfalo anácrono! Não te interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo... mas, se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada!
    E o ladrão, confuso, diz:
    - Doutor, afinal levo ou deixo os patos?»

      Sinto-me qual ladrão sem saber o que fazer. Não quero roubar ninguém, mas vou tratar de ir à procura de algumas palavras tão eruditas, tão arcaicas e (neo)clássicas.

      Neo..., sim, seja pelo tempo representado em que foram supostamente ditas (na segunda metade do século XVIII) seja por aquele em que podem vir a ser recuperadas. Amplexos!

domingo, 17 de janeiro de 2021

Dúvidas na planificação da gramática

       Tanta coisa há a resolver que, às vezes, escapa a todos o essencial.

     Perguntavam-me há dias algo sobre a planificação de conteúdos gramaticais nas "Aprendizagens Essenciais" do Português, no nível secundário:

      Q: Olá, Vítor! O complemento do advérbio faz parte das Aprendizagens Essenciais (AE)? E o valor temporal? Agradecia que me esclarecesses, por favor, pois achava que não.

    R: Olá. A leitura das Aprendizagens Essenciais, quanto ao domínio da gramática, no ensino do Português do nível secundário, propõe algumas especificidades para cada um dos anos de escolaridade (10º, 11º e 12º anos). Fazendo uma abordagem comparativa dos conteúdos propostos, é possível verificar o conjunto de dados seguinte:

Leitura comparativa do domínio gramatical nas Aprendizagens Essenciais de Português (Secundário)

      Este é o "programa" gramatical referenciado para os três anos de escolaridade do secundário (10º à esquerda; 11º ao meio; 12º à direita).
      Ora, quando no ano terminal deste nível de ensino se lê "Realizar análise sintática com explicitação de funções sintáticas internas à frase, ao grupo verbal, ao grupo nominal, ao grupo adjetival e ao grupo adverbial", uma função sintática interna ao grupo adverbial é precisamente a do complemento do advérbio. Pode mesmo indicar-se que há uma progressão, complexificação neste ponto do domínio, pois, no 11º ano, interessa "Sistematizar o conhecimento dos diferentes constituintes da frase (grupo verbal, grupo nominal, grupo adjetival, grupo preposicional, grupo adverbial) e das funções sintáticas internas à frase" (ao nível superior da frase, portanto), enquanto no 12º o foco se situa ao nível interno dos grupos, para além do da frase. De referir, ainda, que já no 10º ano se prevê o trabalho do complemento do nome e do adjetivo (isto é, funções sintáticas internas ao grupo nominal e adjetival, respetivamente).
        Quanto ao valor temporal (depois da abordagem dos valores modais, no 10º ano, e dos aspetuais no 12º), não se poderá dizer que desapareceu do "programa" (se confrontarmos com o que acontecia nas Metas de Aprendizagem). Trata-se de um conteúdo gramatical que acabará por, implicadamente, ter de ser abordado a propósito dos processos de coesão textual contemplados no 11º e 12º anos (nomeadamente, quando se tem de utilizar / abordar / explicitar a correlação de tempos na construção de enunciados e a localização das situações nestes referidas).
        Uma leitura comparativa mais completa das Aprendizagens Essenciais, iniciadas há dois anos no 10º ano de escolaridade e alargadas ao 12º no presente ano letivo, pode ser encontrada aqui, de acordo com os domínios de aprendizagem considerados no ensino secundário.

       Hoje em dia, a preocupação é capacitar os professores de competências digitais (até se responde a um inquérito que visa diagnosticar os níveis de competência docente nesse domínio). Anuncia-se formação futura para tal, como prioritária; esquece-se que pouco disso vale, quando a formação didática e específica é tida como algo mais do que adquirido, do tipo "o ar que respiramos".

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Em 'Desafios'

       Formulado o convite, não podia dizer que não. A consideração por quem convida é mais forte.

      Solicitado um texto para fazer parte de uma publicação-conjunta online de vários autores (dirigida pela Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa - Porto), resultou o processo de escrita numa extensão considerada mais válida para uma publicação autónoma.    
      Honrado o compromisso, maior foi a honra por ter sido conduzida a publicitação do artigo para um caderno intitulado Desafios - Cadernos de Trans_Formação (número 29). O mote era: como se tece a ação pedagógica em tempos de COVID 19; eu glosei os "(Des)encontros e (re)aprendizagens (à distância de um clique, com toque humano)".

Um artigo disponível para leitura em

      Melhor ainda foi ver o meu contributo antecedido de um editorial com as palavras generosas do Professor Matias Alves, contextualizando, destacando pontos fulcrais da minha reflexão, citando algumas das minhas palavras, reconhecendo-lhes qualidade(s).
   Entre muitas respostas, surgiram algumas perguntas; e, no fundo, procurei reafirmar o sentido nevralgicamente pedagógico de uma situação, preferindo ver nas dificuldades oportunidades; procurando manter jovens na "rede" do trabalho, do estudo, do compromisso para que a vida apela.
     Contei ainda com a solidariedade e colaboração de alguns dos meus alunos, que se podem rever na(s) ação(ões) em que participa(ra)m. Pela cumplicidade e pela aceitação do trabalho (trabalho e mais trabalho), também muito lhes agradeço.

       Pela consideração mútua, pelo trabalho que desenvolvemos juntos e pelas identidades que fomos e vamos construindo, restam-me a gratidão e o reconhecimento pela aposta feita. Obrigado, Matias Alves.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Dia Mundial da Língua Portuguesa - Língua-Mar

     Enquanto idioma dos mais falados no planeta, já merecia a consagração de um dia.

   Hoje, por iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (UNESCO), celebra-se pela primeira vez o Dia Mundial da Língua Portuguesa. A partir daqui, o 5 de maio consagra o nosso idioma no panorama dos calendários internacionais, projetando-o numa comunhão e comemoração a todo o tempo renovadas, enquanto símbolo maior da comunicação e cooperação entre a comunidade lusófona. 

Imagem colhida do Portal de Promoção da Língua Portuguesa 
(Reitoria da Universidade do Porto)

     De origem no hemisfério norte, é a língua mais falada do hemisfério Sul; é uma das que, no mundo global criado desde os Descobrimentos, tem deixado marcas e palavras em línguas de outros países e povos; é uma das que se renova no conjunto de interações promovidas à escala mundial, no campo político, económico-social, educativo, cultural; é a que regista o tom da saudade com as cores da fraternidade, tanto voltados da terra para o mar como acolhidos dos que por este e por ela a nós venham.

A lusa fraternidade linguística nos quatro cantos do mundo

       É som, é fala, é ato, em prosa ou em verso, banhado por mar e a espelhar o céu. É língua-mar:

Fotomontagem (VO) com poema de Adriano Espínola

     Também a minha; também uma voz plural que comunica, comunga, constrói as pontes e os laços necessários ao entendimento da humanidade.

      Que este seja o primeiro de muitos outros dias a celebrar, inclusive aqueles que vão fazer a cada novo ano chegar.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

A meio dos acontecimentos

     Tudo o que se faça para combater o vazio criado por este Covid-19 é bem-vindo.

     Quem está na frente da batalha ou quem se mantém na retaguarda são tão necessários como os que estão a meio. O efeito de onda, de trás para a frente ou vice-versa, é muitas vezes a fonte da persistência e da resiliência de todos. 
      Ao nível da educação, o contributo das aulas televisivas é um dado significativo para que o vazio não reine; para que haja algum sentido de oportunidade para divulgar, aprofundar, enriquecer quem nada tinha. Neste sentido, o #EstudoEmCasa (RTP Memória) e o #EstudarComAutonomia (RTP Madeira, para o ensino secundário) são apostas válidas.  Não pelo que faz lembrar do passado (a Telescola), mas pelo que pode ser uma iniciativa de resposta ao presente e de desafio para o futuro. É serviço mais do que público, porque centrado na educação, no ensino e nalguma aprendizagem. Talvez não a mais estruturante ou estruturadora, mas sempre aprendizagem... e para todos os que a ela queiram assistir.
     Há aspetos a melhorar, por certo, como em tudo na vida.
     Hoje assisti a uma aula sobre Os Lusíadas (9º ano) - uma variedade de materiais, suportes, a todo o tempo ativada para uma suposta motivação à obra camoniana e, quem sabe, para a exposição de um conjunto de conhecimentos referenciais a aproveitar, num breve momento, para o que venha a ser uma fase posterior de recuperação e sustentação de informação. A rapidez e o imediatismo televisivos não garantem a efetiva aprendizagem de uma só vez. O milagre não é tão grande assim. No processamento que se faça por input não há output linear. E no que diz respeito ao intake, a história é bem outra. A quem defende que o que interessa são as aprendizagens, é bom que se tenha em atenção o nível de aprendizagem a que se está a referir, porque o conceito é bem diverso, cobrindo o que se consegue a curto prazo e o que passa a constituir memória de médio e longo prazo.
    Valha o contributo face ao nada que existia. Melhorias podem seguramente ser feitas e estas só poderão surgir a partir do que se faz. É preciso trabalho e quem está nele tem o mérito de o agenciar.
   Bom seria que o deslumbramento pelos materiais / instrumentos fosse evitado, particularmente quando eles introduzem ruído. Foi o que sucedeu com a aula de Português em questão. Ora um vídeo a tratar a estrutura interna da epopeia lusa, ora um powerpoint com o mesmo e alguma coisa mais e, no entretanto, o primeiro refere-se à narrativa "in media res" enquanto o segundo mostra a versão "in medias res":

Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)

Português (9º ano) em #EstudoEmCasa (RTP Memória)

       Um 's' faz a diferença.
      A técnica que se pretende ilustrar é clássica, vem de Homero, que, nas suas epopeias, escolhia o ponto por onde começar a narrativa: já a meio dos acontecimentos. Horácio, na sua Arte Poética, ao teorizar a abordagem épica das narrativas homéricas, referia-se a "in mediās rēs", ou seja, as "ações que vão a meio". Com isto se defendia a arte de Homero captar a atenção dos leitores. No caso de Camões, a técnica passa pela opção de colocar os marinheiros (e Vasco da Gama) em ação a partir do momento em que são verdadeiramente descobridores no caminho marítimo para a Índia (o percurso do Atlântico já era conhecido e a passagem do Cabo das Tormentas já tinha sido cumprida, por Bartolomeu Dias). No final, a mesma técnica imitada pelo épico português, atento à influência grega (e, mais tarde, à latina de Virgílio).

    "In medias res", portanto, e não "in media res" (simplificando o registo latino, retirando o acento gráfico da vogal longa - ā -, por contraposição à breve - ǎ -, que também tinha um acento identificativo). Uma melhoria, digo eu, para o bem que se fez.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Uma questão de eminência

    Seja forma de tratamento seja uma questão de altura, elevação ou superioridade, há que respeitar a base de palavra.

     Tudo a propósito de uma questão que alguém quis ver exclusivamente como resultante da formação de palavras:

     Q: Olá, Vítor. Li numa gramática que a palavra 'eminência' é derivada por sufixação. Não se trata de uma palavra base?

      R: Se me deres conta de palavras formadas a partir de 'eminência', assumirei que se trata de uma base para formar palavras derivadas ou compostas. Não se tratando disso, tenderei a assumi-la como palavra introduzida na língua portuguesa no decurso da evolução latina da forma 'eminentia' (a partir de um étimo), e que não é constituinte morfológico para novos termos.
       Assim sendo, numa perspetiva etimológica e recorrendo à história da língua, tomarei a origem do termo como vindo formado do latim, entrando diretamente na língua portuguesa por essa via e tendo sofrido processos de evolução fonética / fonológica no período do galaico-português. Não estão implicados, portanto, processos nem constituintes morfológicos. Trata-se, portanto, de um étimo ou termo etimológico. Qualquer formação, a ter existido, ocorreu no latim e não no Português.
    Na possibilidade de alguma coisa ter acontecido na nossa língua, terá sido o facto de a forma latina 'eminentia' ter sofrido mudanças ao longo do tempo por via popular e, no galaico-português, no quadro de um sistema consonântico medieval (mais complexo do que o atual) e na consequência de fenómenos como o da palatalização, ter convivido com realizações fonético-fonológicas novas relativamente ao latim vulgar (e que hoje podem ser equacionadas, por um lado, numa evolução marcada por simplificação sonora, mas, por outro, por maior complexidade na representação gráfica). O subsistema dos sons sibilantes e dos chiantes apontava, no período medieval, para realizações surdas que, correspondentemente, teriam também as sonoras, conforme se pode verificar na sistematização dada (focada nas sibilantes):

Subsistema das sibilantes (quatro sons distintos) no galaico-português

    Ora, a grafia 'ti' (seja de 'palatium' seja de 'eminentia') associar-se-ia a uma evolução que corresponderia a uma realização sonora do tipo [tsi], a qual viria a perder o elemento oclusivo inicial (daí a evolução oral de [tsja] para [sja]). 

      Mais uma exemplificação de como a plataforma da morfologia com a etimologia e a história da língua permite evitar generalizações de algumas gramáticas escolares.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Anedota do dia?

      Corre aí por alguns meios de comunicação social (e lamento ter de dizer que isso, hoje em dia, vale o que vale) o propósito de o Ministério da Educação (ME) colocar professores de História no ensino da Geografia, ou os de línguas estrangeiras para Português.

Pormenor de foto da Agência Lusa que acompanha a notícia aqui comentada
    A intenção é a de col-matar a falta de professo-res, que começa a ser gritante em determina-das áreas de saber. A des-considera-ção dos do-centes por parte dos nossos polí-ticos e go-vernantes está, garan-tidamente, a dar frutos (alguns não precisaram deles, dado o carreirismo feito em se-de de asso-ciativismo político; ou-tros conse-guiram cur-sos / licen-ciaturas fal-tando às au-las e fazendo uma espécie de trabalhos; os restantes, as exceções, parecem assistir, impávidos e serenos, ao descalabro e ao tudo vale).
      No reconhecimento de que cursos de línguas bidisciplinares têm profis-sionalização em duas línguas distintas (uma delas Português),  não me espanto que professores de línguas estrangeiras venham a lecionar Português, caso esta última tenha sido uma das implicadas na formação inicial e no exercício de estágio profissional. Não há, aliás, novidade nenhuma aqui, a julgar pela atuação de algumas direções que capitalizam as competências profissionais dos seus recursos humanos nos agrupamentos / organizações escolares. Não sendo esta a situação, tudo se torna bem mais incompreensível. Significaria que, talvez um dia, porque sei cozinhar, viria a ser um "grand chef" (olha... mais duas ou três palavras destas e ainda poderia ensinar francês!) ou, então, porque consigo fazer uns vídeos, ainda me tornaria num grande realizador cinematográfico. Ah! Esquecia-me: como às vezes, confesso, me automedico com sucesso, também poderia pedir equivalência a medicina. Há já quem assuma que, neste contexto de medidas gestionárias excecionais, no âmbito da saúde, poderíamos passar a ter ginecologistas a fazer as vezes de urologistas; os pediatras a ter equivalências na geriatria ou os enfermeiros a passar diretamente para a especialidade de anestesistas. Eu que faço caminhadas e sei nadar deveria estar a um passo do doutoramento em Educação Física ou, quem sabe, de uma especialização ou pós-graduação em Desporto.
      Não sei se devo acreditar neste diz-que-disse tão hipotético e pouco sustentável ou neste penso-que-dispenso. Não quero, pelo menos. Se as fake news (também quero dar inglês!) chegaram à educação e ao ensino há já muito, com a novidade que, supostamente, é a de hoje, pareceria que estávamos a ser conduzidos para o verdadeiro mundo da fantochada.
      Ainda quero acreditar que o ME irá esclarecer os factos ao público em geral e aos docentes em particular, quanto ao verdadeiro significado da Nota Informativa entretanto enviada pela Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) aos estabelecimentos de ensino com necessidades de colocação de professores em áreas específicas (Português, Inglês, Geografia, Informática, entre outras). Com qualificação profissional, alguma coisa da medida até pode ser entendida; sem ela, não fará definitivamente qualquer sentido. Gerir recursos humanos qualificados é uma coisa; sem formação legitimadora, é um contrassenso.
       É verdade que, desde a formação do novo governo português, já me tenho perguntado onde anda o senhor ministro da Educação. Até acho que já ouvi falar dele (chego a demorar na lembrança do nome...🤔) num ou noutro evento desportivo! Não queria concluir que isto é desporto a mais, mas lá que dizem termos voltado aos velhinhos tempos em que todos os professores - sim,... até os de Educação Física davam ou podiam dar Português no primeiro ciclo - é memória que ninguém deseja. Terá o governante em causa a oportunidade de se dar a ver, para justificar a carência de recursos qualificados nas escolas, algo para que tem vindo a contribuir (e muito).
     Para não me ficar pelo Português, acrescento que Geografia a ser lecionada por professores de História (ou o contrário que seja) também não está mal! Terão ambos os grupos profissionais profissionalização afim? Desconheço-o, por ora. A não ser assim, pode ser o começo para o que ainda possa vir a ser o professor multidisciplinar ou de multi-saber(es), um pouco à semelhança dos do primeiro ciclo, até ao nível do secundário. Preparem-se os de Educação Visual para dar Economia e os de Informática para dar Filosofia. Quanto aos de Matemática, talvez se juntem mais às línguas, pela rima com a gramática.
     Entre o mundo alternativo e a realidade prática, espero que não estejamos na maravilha da(s) despolítica(s) educativa(s)! A não ser isto, haveria que assumir que vale tudo: tudo ao molho e fé em Deus (ou deuses que valham)!

    Que não seja esta a altura de dizer "Viva o desgoverno em que nos encontramos!" (e sem alternativas credíveis para tanto desconcerto, sem previsibilidade de conserto perante a cegueira de quem não vê para onde tudo isto nos está a levar).

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Recursos...

      ... expressivos, anote-se.

      A questão é pertinente, merecendo apontamento nesta "carruagem".

       Q: Bom dia, caro Vítor.
       Só um pequeno esclarecimento sobre esta questão: "E como anoitecia cedo, havia outro remédio senão ir agora a mata - cavalos a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar." Considerando a instrução "Identifica um recurso expressivo presente na expressão 'com o coração a refilar', considero metáfora, mas posso também considerar personificação? Abraço. Grato

     R: É assumida como natural, no campo literário, a relação de várias figuras de estilo, em termos do pensamento traduzido, às duas figuras-mãe: a metáfora e a metonímia. Dificilmente se falha quando uma destas é convocada.
      No caso em concreto, e uma vez que se trata apenas de uma instrução de identificação, deverão ser aceites ambas as respostas (metáfora e personificação). Na verdade, se a metáfora se encontra associada ao termo "coração", por motivos do sentimento e da emoção (coração como metáfora de sentimento), a personificação está focada na intencionalidade relacionada como o termo "refilar". O coração a refilar é a ideia de um sentimento personificado, com características humanas e o sentido da intencionalidade - com a intenção de contrariar, criticar, reagir.
       Fosse a questão outra, com os alunos a terem de explicitar a expressividade da figura de estilo, haveria a possibilidade de condicionar a resposta em função da justificação a dar.


      Não raras vezes nos deparamos com segmentos textuais, nos quais confluem vários recursos expressivos e/ou estilísticos. Sempre que tal acontece, a abertura a vários cenários de resposta é atitude a assumir, desde que os argumentos aduzidos na resposta sejam compatíveis com o recurso / a figura selecionada. Daí que, mais do que a identificação, seja desejável a explicitação da expressividade ou dos efeitos obtidos com o uso de tal recurso na mensagem.

       Claro que 'recursos expressivos' é uma designação mais abrangente para processos bem além das figuras de estilo; porém, no que a estas últimas diz respeito, personificação e metáfora andam bem alinhadas no exemplo transcrito.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Modalidades

     O tempo escasseia, mas lá vai a resposta.

     Um pedido que não podia ficar sem resposta.

     Q: Bem que preciso da tua opinião. Achas que "Fomos autorizados a ver o espólio de Pessoa" é um bom exemplo para a modalidade deôntica (com sentido de permissão)? Tenho sérias dúvidas , mas é o que aparece numa sistematização do manual. Partilha lá comigo essa sapiência! Obrigada.

      R: A sapiência anda fraca e cansada, mas vamos lá a isso. 
    Tens sérias dúvidas e, no caso, tenho a certeza (mais uma modalidade - a epistémica, para qualquer das condições).
    Devo referir que a modalidade deôntica (por alguns linguistas denominada de intersujeitos) é aquela que está presente em enunciados que demonstram a relação do locutor com o seu interlocutor, com o primeiro a expressar sobre o tu / vós uma orientação, um conselho, um pedido, uma questão, uma ordem. Conforme a força e o poder representados, pode dizer-se que o valor modal se situa, neste tipo, entre a permissão e a obrigação.
      Ora, o exemplo proposto dá conta de um locutor que não age sobre o destinatário (nada lhe pede, pergunta ou permite; nada o obriga a fazer; nada o autoriza a nada). Assim sendo, não se trata de modalidade deôntica, por certo. O enunciado traduz uma situação que o eu / nós partilha ou dá a conhecer. Esta intencionalidade de quem fala / escreve não se confunde com o propósito de agir ou requerer algo do destinatário.
       Sem nada que mais o caracterize, vejo o exemplo como a expressão do locutor ou num registo de lamento (que pode ser associado à modalidade apreciativa, se acompanhada por uma entoação devida) ou numa partilha de informação / conhecimento (portanto, modalidade epistémica do certo).

      Em suma, não é um bom exemplo para ilustrar o tipo de modalidade sistematizado no manual nem para os alunos conseguirem classificar (dada a ausência de indicadores que permitam identificar a intenção de comunicação).

domingo, 15 de setembro de 2019

Polissemia

      Quando o dever não dá lugar a pagamento.

    O dever de obrigação (deôntico) difere do de probabilidade (epistémico). Também há o dever das tarefas solicitadas, o do reconhecimento, mais o das dívidas a pagar (não sendo obrigação, bem que o podiam ser em qualquer dos casos, para evitar a falta, o silêncio e a injustiça). E na confluência de todos, vem o cómico:

Cartoon colhido do 'Facebook'

     Se ao primeiro se associa a atribuição e o reconhecimento (daí 'dever' ser sinónimo de 'atribuir-se'), ao segundo é dado o significado do pagamento ('estar em dívida'). É o que dá o termo ser polissémico (ou, então, o sentido de crise andar muito apurado).

    Mais uma razão para se diversificar o vocabulário nas interações, não vá um aluno pretender brincar com a situação (e o significado das palavras).

      

sábado, 17 de agosto de 2019

Voltando ao 'Joker'

     Já por várias vezes me referi ao 'Joker' - prova de que o vejo.

     É das poucas coisas televisivas a que vou sendo fiel (pela amplitude de conhecimentos que nele se revê), mas a verdade é a de que o programa não está isento de contínuos reparos. Cá vem mais um, a propósito da emissão de hoje:

Imagem alusiva ao programa televisivo 'Joker' (RTP1 - Foto VO)

    A imagem é a do momento em que o concorrente, para a questão formulada, seleciona a hipótese Álvaro de Campos (um heterónimo pessoano, dos mais conhecidos e versáteis, a par de Alberto Caeiro e Ricardo Reis). Nada a obstar quanto à frase "Minha pátria é a língua portuguesa" ser da autoria de Bernardo Soares - assim a encontramos num dos fragmentos do Livro do Desassossego. O aspeto crítico está mesmo em considerar Bernardo Soares um heterónimo, quando o autor Fernando Pessoa o classificou como semi-heterónimo. Assim o justificou, no último ano de vida, numa carta escrita a Adolfo Casais Monteiro (13 de janeiro de 1935):

    «O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as faculdades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual [...]»

       É no fragmento 259 que se lê a frase citada no programa televisivo:

  «Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa.»

     Tão mais simples, rigoroso e certeiro seria apenas perguntar "Quem escreveu / Quem foi o autor da frase 'Minha Pátria é a língua portuguesa'?" (pelo menos, não induziria em erro, para a escolha de um dos heterónimos mais comuns).
   O ajudante de guarda-livros, o morador da Rua dos Douradores, assume um estatuto singular, distinto, privilegiado na escrita pessoana. É o narrador principal do Livro do Desassossego, pensador que não é poeta, mas assume trechos de uma prosa poética, na qual viver sonhando, sonhar imaginando e imaginar sentindo são ecos da poética do ortónimo. Foi uma "personalidade literária" (como Pessoa também o chamou), que vivia num quarto alugado e conversava sobre literatura com o criador, considerando "a vida uma estalagem" onde se demora até que "chegue a diligência do abismo" (uma angústia existencial partilhada com quem lhe deu vida).

     No prefácio ao Livro do Desassossego, Pessoa assume que Bernardo Soares foi "um indivíduo cujo aspeto, não me interessando a princípio, pouco a pouco passou a interessar-me". Daí à identidade foi um grande passo para se ter no primeiro o espelho a deixar ver alguém que está por trás de muita(s) Pessoa(s) - ser um só no seio de muitos, ou seja, um que tem em si o outro.