Sou do tempo em que se pedia um, em suporte livro, para cada sala de aula.
Hoje, basta um computador ou telemóvel para facilmente se ter acesso ao dito material imprescindível para qualquer aula (de língua ou não).
Direi que, quando falo de ósculos ou amplexos, os alunos julgam que os estou a insultar. E estou a ser tão afetivo! Só não o sou quando sistematicamente usam o verbo 'meter' onde não devem ou dizem para eu esperar 'um bocado'. Nem tanto ao mar nem tanto à terra.
Pintura do poeta Bocage
no Palacete do Conde de Carcavelos (Braga)
«Conta-se que Bocage, ao chegar a casa, um certo dia, ouviu um barulho estranho vindo do quintal. Chegando lá, constatou que um ladrão tentava levar os seus patos de criação.
Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o a tentar pular o muro com os seus amados patos, disse-lhe:
-Oh, bucéfalo anácrono! Não te interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo... mas, se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada!
E o ladrão, confuso, diz:
- Doutor, afinal levo ou deixo os patos?»
Sinto-me qual ladrão sem saber o que fazer. Não quero roubar ninguém, mas vou tratar de ir à procura de algumas palavras tão eruditas, tão arcaicas e (neo)clássicas.
Neo..., sim, seja pelo tempo representado em que foram supostamente ditas (na segunda metade do século XVIII) seja por aquele em que podem vir a ser recuperadas. Amplexos!
Já o meu querido professor de Latim, saudoso Pe. Renato, falava de "amplexos" para sublinhar a importância de ter sempre à mão um bom dicionário. Ilustrava, com essa palavra, o episódio de um sujeito que durante mais de duas semanas se dirigiu diariamente à estação de caminhos de ferros da sua zona de residência para reclamar a entrega de uma encomenda enviada por um amigo e que, por ser de grande dimensão, certamente não chegaria por correio. Só percebeu o seu erro quando, já sem paciência, exibiu a missiva do seu amigo perante o chefe da estação e este, ao ler "Daqui te envio um enorme amplexo", explodiu numa gargalhada.
ResponderEliminarNa verdade, o dicionário ter-lhe-ia poupado o trabalho e a humilhação.
Obrigada, Vítor, pelas suas publicações!
Muito obrigado pela leitura e pelo comentário com uma narrativa deliciosa. Fez-me lembrar uma história com um aluno que, há já alguns anos, me dizia, nos seus catorze anos, que eu o tinha feito passar por uma vergonha! Contava ele que, de tanto me ouvir dizer 'por obséquio', ligou para um restaurante, para reservar mesa, e perguntou "Por obséquio, é possível reservar uma mesa para uma família?". Pelos vistos, recebeu do outro lado um "Por quem?", que muito o inquietou. Lá tive eu de explicar que a vergonha não estava nem nele (que bem utilizou o termo) nem em mim. Tive de acrescentar que, com tanta deferência, devia ter direito à melhor mesa do restaurante. E lá anotou ele no caderno 'deferência', depois de perguntar "De quê, stor?"
ResponderEliminarAmplexos.