quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Atitudes e valores... com conta, peso e medida!

      Quando de avaliação pedagógica se trata, a discussão é grande, porque os tempos (e os conceitos) são outros.

      Vem esta reflexão a propósito da circulação por aí (Facebook, grupos de apoio, grupos de discussão, outros de formação...) do que são os critérios de avaliação e a construção de rubricas de aprendizagem, à luz das mais recentes conceções de avaliação pedagógica.
    Na continuidade da tradição, vão aparecendo, inclusivamente, rubricas específicas para avaliar apenas as atitudes. Caso para dizer, lá se vão os novos (?) contributos, em detrimento de rotinas e de tudo o que o passado ditou e contestou: a manutenção da separação de atitudes / valores / comportamentos relativamente ao conhecimento / saber / domínio cognitivo. Pior ainda quando se quer reverter tudo em termos de quantificação, de número, de nota, de classificação, com ponderação, nomeadamente, para ambos e de forma bem distintiva (entre os 10-50% dos primeiros e os 90-50% do segundo, há de tudo um pouco e para todos os gostos). Há mesmo quem diga que a novidade não vai durar muito e que o tempo provará que isto de juntar atitudes e conhecimentos é "misturar competências". (Enfim!). 
     Substituiria 'misturar' por 'integrar': falar de competências é precisamente considerar conhecimentos, aptidões, ou procedimentos, e atitudes / valores em integração, a que não falta a avaliação contextualizada desta composição integrada.
     Disso mesmo trata o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória - PASEO (homologado pelo Despacho 6478 / 2017, de 26 de junho), quando configura um entrançado para a noção de 'competência':

Slide exibido na Oficina de formação "Projeto de Flexibilidade Curricular: nas dinâmicas da escola e da sala de aula"
(formadores: Maria Gabriela Rodrigues e Vítor Oliveira)

       E lá estão as atitudes/os valores incorporados, num entrecruzamento que define as 'competências' orientadas para a 'ação'. No enquadramento da flexibilidade curricular (Dec.-lei 54 / 2018 - alterado pela Lei 116/2019 - e o Dec.-Lei 55 /2018), não faz, portanto, qualquer sentido isolar um dos elementos da composição.
       Relativamente ao facto de, no seu projeto educativo, uma escola inserir o desenvolvimento e a avaliação de atitudes (que se constituem como dimensão fundamental do desenvolvimento integral da personalidade dos jovens), é possível afirmar que a instituição escolar sempre as considerou, na valorização de umas e na desvalorização de outras, ao definir regras de conduta; propor dinâmicas de grupo; orientar interações de modo formal e estruturado; enquadrar atividades extraletivas; dinamizar atividades ou projetos centrados na área de cidadania e desenvolvimento. Numa dimensão eminentemente formativa, a observação e a avaliação contínuas facultam a informação atualizada, a recolha de dados e a eficácia de decisões tomadas a partir de grelhas de observação, entrevistas, questionários, listas de verificação, entre outros instrumentos. Relevante é o facto de os alunos demonstrarem boas atitudes e/ou as aprenderem, para que contribuam para uma imagem integral positiva em contexto de ação escolar e educativa.
       A este propósito, quando se afirma que toda esta questão é nova (na sequência dos decretos 54 ou 55, já com três anos de aplicação), tendo de ser melhor pensada e com calma, apetece-me lembrar uma brochura intitulada Reorganização Curricular do Ensino Básico - Avaliação das Aprendizagens: Das concepções às práticas (Ministério da Educação - Departamento da Educação Básica, Março 2002, pp. 11-13), na qual já se podia ler, e cito:

"4. A absoluta necessidade de repensar práticas uniformes e pobres de avaliação que não estão de acordo com a actual formulação do currículo nacional. A perspectiva do currículo nacional associa a competência a um "saber em uso" que se desenvolve em relação com a vivência de experiências de aprendizagem significativas e adequadas e que, ao mesmo tempo, integra conhecimentos, capacidades, atitudes e valores. Neste sentido, a competência não se identifica com um "comportamento" que se treina e manifesta num momento preciso e num tipo específico e pré-determinado de situações, que supostamente estaria ou não "adquirido". Esta perspectiva implica que a avaliação do desenvolvimento de competências tem que basear-se na observação do que aluno faz (e da sua evolução) em diferentes momentos e em diversos contextos, assim como em situações que, pela sua própria natureza, apelem ao recurso integrado a conhecimentos, capacidades e atitudes."

     Este é o quarto ponto (precisamente de uma sequência de quatro: 1 - ênfase no carácter formativo da avaliação; 2 - afirmação da lógica de ciclo; 3- importância da autoavaliação regulada; 4 - repensar práticas, integrando conhecimentos, capacidades e atitudes) estruturante para o enquadramento normativo do Despacho nº 30 /2001 (avaliação do ensino básico). Sublinho: 2001 e "recurso integrado a conhecimentos, capacidades e atitudes". Passados vinte anos, o texto e o propósito não são muito diferentes, orientando-se, agora, para um paradigma de competências, que volta a sublinhar a integração das atitudes / valores / comportamentos a par de conhecimentos e de procedimentos. Ainda assim, muita gente sente ser ainda uma novidade, para pensar e considerar com calma.
      Inquietante, ainda, é voltar à constatação de que, não obstante o princípio orientador da integração e do entrecruzamento do PASEO, há quem esteja a trabalhar nos moldes da separação e mesmo focado na quantificação, no peso e na classificação. Volta-se ao primado da avaliação positivista, da avaliação como medida, como nota, como orientação primordial e absoluta. E a tudo isto se parece reduzir a avaliação: a classificação. Aliás, muita discussão centra-se e reduz-se a esta racionalidade pretensamente objetiva, numérica e de aplicação igual a todos, nomeadamente com o peso que tem de ser atribuído (se 10, se 20, se 30 ou até 50% da nota final). Perde-se o sentido formativo, a observação sistemática, a realidade contingencial e contextual, o processo de aprendizagem.
    Assim, ler o PASEO é apontar para uma orientação distinta: a da avaliação pedagógica, no predomínio e na sistematicidade da avaliação formativa, focada nas aprendizagens e na interação social necessária à formulação de um feedback oportuno e de qualidade, na integração dos conhecimentos, procedimentos e atitudes e valores, com avaliação recorrente das etapas dos processos e não tanto dos produtos.
       Ainda na sequência deste raciocínio, e para que não o acusem de ser teórico, vão as palavras de um professor que, muito certeiramente, põe o dedo na "ferida". Cito:

Segmento de uma comunicação sobre avaliação pedagógica (Luís Timóteo Ferreira)

      Assim o afirma Luís Timóteo Ferreira, num artigo que pode ser consultado a partir do título “Refletir sobre a prática: o problema da avaliação nos 2º e 3 ciclos”. conferência proferida no Sindicato dos Professores da Madeira (SPM), no âmbito do Encontro Autonomia e Flexibilidade Curricular – Virtudes e Fragilidades (Funchal, 23-24 de novembro de 2018). Subscrevo a posição, alargando-a ao nível de ensino secundário.
       Situo a questão das atitudes e dos valores no nível das transversalidades da ação escolar e educativa. Nelas encontram-se configurados princípios relacionados com a cidadania, bem como o trabalho (nomeadamente, iniciativa, responsabilidade, integridade, autonomia), a comunicação (trato e adequação), mais a utilização das tecnologias de comunicação e informação (respeito, tratamento, sentido crítico). Todos eles se relacionam, por implicação ou demonstração consecutiva, com conhecimentos e procedimentos - pelo que a integração é inevitável.
        Na correlação das atitudes com emoções, cognições e comportamentos (conforme a apresenta Gonzalo Maicas, em "Actitudes" in Sociologia y psicologia social de la educación, Madrid, Ediciones Anaya, 1986, pp. 152-179), trata-se de mais um contributo para a discussão genérica do pensamento pedagógico reformador do século XX e da Escola Nova, não obstante as diferenças das várias correntes pedagógicas entretanto surgidas: a articulação e interdependência das capacidades intelectuais, emocionais, sociais e manuais, nessa visão do desenvolvimento integral e da autonomia da criança. Processos cognitivos e afetivos entrecruzam-se em influência mútua - linha de investigação que se funda desde os contributos de Vygotsky (1998) nos anos 20 do século XX. Uma das ideias fundamentais deste psicólogo russo, plasmada no conceito de zona de desenvolvimento proximal, é a de que relações concretas entre pessoas estão associadas ao desenvolvimento das funções superiores, tornando‑se, portanto, fundamentais as atitudes de ajuda e apoio exercidas pelo professor. Recentes investigações no campo das neurociências têm vindo a sublinhar como emoções, sentimentos e consciência não são estranhos nem separados; sentimentos e emoções assumem um forte impacto na mente, podendo dizer‑se que constituem as raízes da consciência - assim o lembra António Damásio, 2000, como o seu O Erro de Descartes. Nesta medida, avaliar aprendizagens implica considerar tanto aspetos intelectuais / cognitivos como emotivos e atitudinais, enquanto duas faces de um mesmo processo: o da(s) aprendizagem(ns).
    Numa folha de trabalho intitulada "Diversificação dos Processos de Recolha de Informação (Fundamentos)", da autoria do Professor Domingos Fernandes e contemplada numa formação de professores relacionada com o Projeto MAIA (Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica), lê-se o seguinte:

     "... as atitudes, os comportamentos em geral, as capacidades e os conhecimentos escolares devem ser considerados aprendizagens inse-paráveis e, como tal, avaliados de forma tão integrada quanto possível.
(destaques da minha responsabilidade)

       A bem da integração, vejo a avaliação das atitudes e valores em relação intrínseca com os conhecimentos e procedimentos que, por um lado, definem a noção de competência e, por outro, revelam a dimensão integral do aluno no(s) processo(s) da(s) aprendizagem(ns). Contemplando, em rubricas de aprendizagem, critérios atitudinais no seio de outros mais focados na dimensão cognitiva, a visão integrada da avaliação constrói-se (sem necessariamente ter de fazer "grelhas" - mais umas quantas - para isso).

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