Um dia que não pode ser desconsiderado na memória da Humanidade, por mais que o tempo passe.
Entre os livros que se leram, os filmes que se viram, as palestras a que se assistiram, as viagens que se fizeram, nada se equipara ao vivido.
Tenho algumas memórias acerca do dia lembrado, felizmente, nada comparado com os que sofreram na pele os acontecimentos hediondos da História. Ainda assim, são memórias minhas entre a revolta e o medo de que esses tempos tenham existido e de que possam vir a repetir-se por ação consciente do Homem, desconsiderando e humilhando o seu semelhante.
O mais próximo que estive dessa realidade foi ter viajado e ter observado sinais de uma vivência que atualmente se pode dizer museológica, mais de sessenta anos depois, em Sachesenaushen, em Auschwitz, em Birkenau. Pisar o chão que foi percorrido por judeus, e não só, conduzidos ora para trabalhos forçados (em condições de sobrevivência desumana) ora para a morte, é uma memória necessariamente distante do sofrimento real, por mais que este possa ser mostrado aos olhos de um turista. Cada passada em chão de terra e cascalho é ouvida nesse caminho que foi o de centenas de milhares forçados a um infortúnio frequentemente fatal. Faltam as sirenes, as luzes de denúncia e perseguição; os gritos dos militares e o ladrar dos cães; a chuva ou a neve ou o vento ou todos eles combinados; a verdadeira fome e sede (tanto de pão como de justiça); as fortes agressões físicas e psicológicas; o céu escuro da noite ou o cinza diurno dos folículos negros da chaminé caindo e com cheiro a carne queimada.
Pode ainda sentir-se o peso do momento; nunca será o do tempo da recordação.
À entrada "O trabalho liberta", em Sachsenhausen (Foto VO)
O Campo de Concentração de Sachsenhausen, pequeno na comparação com os congéneres polacos, é um desses espaços-museu, na Alemanha. Ativo desde meados de 1936 (numa inauguração simultânea com os Jogos Olímpicos de Berlim) a abril de 1945, tem o nome Sachsenhausen, na cidade de Oranienburg, em Brandemburgo. Foi aí que se confinaram ou liquidaram em massa, primeiro, os opositores políticos ao regime de Hitler; depois, judeus, ciganos, homossexuais, Testemunhas de Jeová, além de milhares de prisioneiros de guerra.
Memorial das vítimas de Sachsenhausen (Foto VO)
O memorial às vítimas - primeiro, às mãos dos nazis, depois, à mão dos serviços secretos soviéticos - é um belo registo escultórico dos tempos sórdidos então vividos pelos prisioneiros. Numa das várias placas espalhadas pelo campo, lê-se uma das maiores lições a tirar do que foi experienciado:
Pensamento de um prisioneiro do Campo de Concentração de Sachesenhausen (Foto VO)
"E eu sei mais uma coisa - que a Europa do futuro
não pode existir sem comemorar todos aqueles,
independentemente da nacionalidade, que foram mortos naquele tempo,
com todo o desprezo e ódio; que foram torturados até à morte,
famintos, gaseados, incinerados e estrangulados..."
Em plena Berlim, entre as muitas evidências do que foi o centro da II Grande Guerra, um outro sinal das atrocidades infringidas pode ser contemplado:
Memorial dos Judeus, em Berlim (Foto VO)
Em terreno inclinado, 2711 lajes de cimento compõem o "Memorial do Holocausto", construído entre 2003-2004 e inaugurado em maio de 2005, numa homenagem aos judeus vitimizados no holocausto europeu. São cerca de 20.000 metros quadrados com blocos de tamanho distinto, onde os turistas se passeiam, se cruzam numa espécie de labirinto aberto - um monumento da desgraça passada a divertir os que presentemente parecem estar a jogar às escondidas.
Não há A Lista de Schindler, A Vida é Bela ou O Pianista que se equipare a cada passo calcorreado nestes locais de desgraça humana, hoje encarados como uma topografia de horrores, de roteiros de sinais de tragédia distante.
Foram imensas as vítimas, muitas mais as desgraças que só alguns puderam, de algum modo, contrariar. No caso português, há o exemplo recentemente lembrado com o "Dia da Consciência".
Está anunciado para o Porto um Museu do Holocausto, o único da Península Ibérica. Quero lá ir, certamente, quando a pandemia não for tão trágica; porém, os ares alemães e polacos serão sempre mais autênticos para um genocídio humano que o regime nazi impôs ao Mundo.
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