terça-feira, 25 de junho de 2013

Diálogo muito pronominalizado

     Acho que foi por causa do exame de Língua Portuguesa de 3º Ciclo (com um caso de pronominalização muito peculiar) que me lembrei deste diálogo.

     Não é coisa inventada. Foi real, ainda que na prossecução de um desafio que ambos os interlocutores quiseram expandir até ao possível.
      E assim resultou:

     Em plena sala de professores, um diálogo entre colegas:
     - Por acaso, terás contigo o DVD do “Clube dos Poetas Mortos”?
     - Tê-lo-ei, por certo.
     - Emprestar-mo-ias, para o passar numa das minhas turmas?
     - Fá-lo-ei com todo o gosto.
     - E importar-te-ias de mo trazer amanhã?
     - Trar-to-ei, sim senhor. Dir-me-ás apenas onde o deixar.
     - Pois… Encontrar-nos-emos por aqui, lá para a hora e meia?
     - Não creio! Deixá-lo-ei, então, no PBX. Pedi-lo-ás quando por lá passares e entregar-to-ão.
     - Ficar-te-ei muito agradecida.
     - Sê-lo-ás para toda a vida!
     E os sorrisos acompanhavam as palavras e os atos.

      Entre os sorrisos de cumplicidade no jogo discursivo dos dialogantes, chegou, por fim, o riso sonoro de uma outra docente que assistia deliciada a esta interação tão preenchida de mesóclises e de tmeses, para bem da pronominalização.

     Fica o exercício complementar: encontrar os antecedentes das pronominalizações. Indicá-los-ia se não tivesse mais do que fazer.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Ao contrário da vanguarda

      No sentido oposto da vanguarda fica a retaguarda.

    Durante muito tempo foi fonte de problema a grafia desta que se diz encontrar-se em posição recuada, posterior ou no lado de trás.
     A confusão inevitável com o 'recto' dava frequentemente para se escrever o que não se devia. A prova cá fica:

Fotografia tirada na habitação do caseiro da Fundação Casa Museu Aquilino Ribeiro (VO)

      Escusado o erro logo a abrir o excerto. RETAGUARDA deve ser a escrita correta e é bom que não se diga que a minha proposta é o resultado do Acordo Ortográfico. Nada a ver. É mesmo uma questão de origem do termo (do italiano 'retroguardia', do século XIV, para, por empréstimo, se referir os movimentos militares orientados para o fundo do exército, de modo a poder dar resposta ao ataque inimigo).

     Não creio que Aquilino Ribeiro tivesse errado nesse estudo etnográfico que data de 1962. A questão está mesmo em quem transcreveu o texto e o expôs na morada do caseiro da Fundação e Casa-museu Aquilino Ribeiro. E, por ora, o Acordo Ortográfico auxilia, sim, evitando um erro ortográfico do passado que nunca interessou preservar.

domingo, 23 de junho de 2013

São João... santo assumidamente popular

      Cumpre-se, hoje, mais uma noite de passagem, junina: a da celebração de São João.

Tapeçaria segundo aguarela de Guilherme Camarinha (1912-1994), alusiva ao São João no Porto
(Câmara Municipal do Porto)
    A natureza po-pular desta festivi-dade regista-se nu-ma pequena história que Germano Silva partilhou o ano pas-sado, na edição do dia 24 do Jornal de Notícias.
   Data do século XIX a tentativa de fazer a festa com o "glamour" típico das "very important people", com ambiente selecionado. Não pegou, para bem de todos os que hoje celebram o santo.
    A câmara municipal ainda se situava na que hoje é a Praça de D. Pedro, tendo sido mandados para o local sentinelas a circundar o espaço e a vedar o acesso, exceto a quem se apresentasse com traje de baile: casaca no masculino, vestido comprido nas damas e donzelas. A discriminação não foi do agrado popular, por ver quebrada a tradição festiva e a resposta não tardou: ausência de rusgas, instrumentos musicais silenciados, gargantas e bocas mudas. Junto às grades, a força popular acaba por derrubar as barreiras criadas.

     Assim se cumpriu e reafirmou o festejo de um santo que não cultiva a diferenciação social e que vive das dinâmicas e motivações, de livre iniciativa, que qualquer um queira dar à festa (facto muito apreciado tanto pelos nacionais como pelos estrangeiros). É do Porto para o mundo.

sábado, 22 de junho de 2013

(In)Coerências

     Há uma semana foi assim.

    Pela freguesia de Sernancelhe, junto ao Santuário da Nossa Senhora da Lapa (ou não estivesse esta no interior de uma igreja jesuítica, com uma gruta feita de penedia, na qual só passavam os que não tivessem pecados - Ufa! Passei no teste, apesar de me ter visto algo apertadito na passagem!).
     Na rua, o cenário é bem menos espiritual, para não dizer infrator. Basta ver a prova:

Foto da rua principal que conduz ao Santuário da Nossa Senhora da Lapa (VO)

     Que aconteceria se não estivesse lá o sinal!
    Sinal dos tempos e talvez de um país, no qual há leis, orientações que alguns também não cumprem (o subsídio de férias pago por algumas empresas e serviços do próprio Estado, quando a orientação é a contrária, é um pequeno exemplo).

     Da Santa ao Estado, resta-me, por coerência com a foto, citar um filme antigo português: "Chapéus há muitos, seu palerma!" (E quanto à lapa, eu sabia à cabeça de quem atirá-la, se eu fosse Sansão).

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Exame de Língua Portuguesa - 3º Ciclo

      Depois da primeira impressão de ontem, as certezas de hoje. Quem está a ser avaliado na prova de Língua Portuguesa de 3º Ciclo?

    Mal me confrontei com a prova de exame do 9º ano de Língua Portuguesa (da primeira fase), dei imediatamente a minha avaliação: tratava-se de um exemplar de resolução difícil, pela adoção de um texto poético fortemente metafórico, pela seleção de casos críticos (diria muito críticos) e pela complexidade de processamento exigida para os exemplos e exercícios do conhecimento explícito. A tudo isto acresce a proposta de produção escrita extensa (pela maturidade informacional que se requer na fundamentação e pela tipologia textual muito próxima de estratégias discursivas típicas de textos argumentativos).
    Presentemente a corrigir provas de Português de 12º ano, questiono-me mesmo quanto ao grau de complexidade de ambos os enunciados. Acho que preferia ter alunos de 9º ano a produzir um texto de opinião sobre o eixo temático sugerido no secundário (por ser mais acessível, claro e com progressão subtemática simples e linear, em termos de tratamento e desenvoltura informacional); daria dissertação mais consistente e problematizadora a produção apoiada na linha temática do terceiro ciclo (pela ambivalência proposta nas posições a defender e na síntese a construir).
    É já do conhecimento público que a Associação de Professores de Português (APP) se posicionou criticamente quanto à prova de exame em questão, mostrando perplexidade face às questões de gramática propostas (por o grau de exigência ser “mais elevado” do que o pedido no exame de 12.º ano); estranhando o excerto selecionado para a parte A do I grupo (por conter vários estrangeirismos); tomando o poema escolhido para a parte B - "Mar", de Miguel Torga - como exemplo textual com “um carácter metafórico elevado”; encarando a parte C como não apresentando informação suficiente sobre o episódio, a propósito do qual os alunos têm de produzir um texto restrito.
    Pela leitura feita da prova e pela tentativa de resolução que adiantei, não antecipo grande problema quanto à parte A, ainda que se requeira alguma concentração na leitura do texto e/ou no cumprimento de algumas instruções (como seja a de selecionar, contra as expectativas mais comuns, a única afirmação falsa).
     A parte B, de leitura e interpretação literária, apoia-se num poema de Miguel Torga, cuja complexidade se baseia essencialmente na associação de duas áreas conceptuais: a do mar e a do campo, transferindo de uma para outra propriedades similares, metaforicamente identificáveis. Até aqui nada de questionável, ainda que haja associações a convocar conhecimentos de mundo e/ou enciclopédicos que desconfio seriamente que alguns alunos tenham, para me situar numa representação média (não de excelência) dos estudantes do 3º Ciclo. Já a questão oito, na relação intertextual proposta com os dois versos finais de "Mar Português" (de Fernando Pessoa), satura definitivamente a complexidade exigida, a ponto de se induzir a associação 'céu' - sedução / atração / encantamento numa isotopia que considero algo inconsistente com o próprio poema pessoano (mais consentâneo com os tópicos da glorificação, do reconhecimento do esforço, da heroicização humana).
     Da C, refira-se a dificuldade de concentrar em 70-120 palavras, e num texto tripartidamente estruturado, sete tópicos relativos a uma experiência de leitura que se pretende transposta para uma exposição escrita, na qual se deverão abordar referências não só ao episódio contemplado mas também a conhecimentos intratextuais de Os Lusíadas (nomeadamente a Proposição, para não adiantar mesmo a caracterização do herói numa dimensão profética, não ajustada aos episódios programaticamente definidos para trabalhar no 9º ano).
        A nível do conhecimento gramatical, os exercícios 3, 4 e 6 apontam para resoluções de processamento complexo; de aspetos gramaticais de natureza assistemática e com elevado fator crítico para grande parte dos falantes da língua. Em 3, está em questão o reconhecimento do tempo e do modo verbal solicitado, além de uma evidente relação sintática com o processo de concordância a manter com os pronomes relativos 'quem' e 'que' (para não me referir ao domínio ortográfico implicado). Em 4, ativa-se um processo de pronominalização pouco habitual na utilização corrente da língua: mais associado a paradigmas sistemáticos de terminação verbal, o caso da prova envereda por conhecimentos ligados a uma sequencialização pronominal (a habitual referência à queda de '-r', '-s' ou '-z' finais nos verbos, quando acompanhados dos pronomes pessoais '-lo/-la/-los/-las' na forma de complemento direto, é preterida face ao que acontece com formas pronominais de complemento indireto, quando estas últimas terminam em'-s', e são seguidas dos alomorfes já mencionados). Em 6, pretende-se a transcrição de uma subordinada relativa (não restritiva) em posicionamento medial e integrada numa frase triplamente complexa (ainda mais intrincada no processamento, pela existência de dois 'que' completamente distintos). Tudo exemplos para evidenciar o necessário e sistemático trabalho do conhecimento explícito que interessa desenvolver, de modo a impedir  qualquer resposta que possa resultar de uma abordagem mais intuitiva e/ou induzida pelo contexto dos enunciados.
       Por fim, o grupo III, sob a etiqueta de 'texto de opinião', mais não é do que uma produção escrita cuja desenvoltura necessária ao escrevente passa por uma estruturação textual que requer gestão e sustentação informacional consistentes, competências lógicas de natureza argumentativa (com posicionamentos ambivalentes quanto ao tema) com estratégias discursivas muito diversificadas: entre sequências justificativas, concessivas, argumentativas e contra-argumentativas evidentes; com componentes típicas de raciocínio e progressão organizadas segundo uma tese, uma antítese e a construção de uma síntese final. Ou seja, um cenário interessante de construção de uma dissertação típica de 12º ano, não de produção textual para 9º ano (a não ser que se tenha como referência apenas turmas de qualidade).
       Como balanço final, registo o natural desequilíbrio na construção da prova, a complexidade assumida nas instruções e nas competências produtivas ativadas, bem como nos exemplos propostos para análise em termos gramaticais.

        Como popularmente se diz, por estas e por outras antevejo o regresso à onda dos maus resultados nas provas de Português / Língua Portuguesa. Nada que possa espantar e por motivo consabido (não por causa dos professores corretores nem necessariamente pelos alunos, com certeza). Mais um caso em que deve ser assumida a claríssima distinção entre o que é, por um lado, a avaliação contínua e a avaliação sumativa interna e, por outro, a avaliação sumativa externa (feita em gabinete, no abstrato e com base em referenciais que não se moldam aos contextos nem ao público a que são destinados). É esta a prova para a grande consideração que o Ministério da Educação revela por todos os alunos. A resposta à questão inicial é, portanto, a seguinte: que seja avaliado quem elaborou esta prova, não quem a resolveu ou a corrigiu.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

'Bom Português' sem acordo

      Já não é a primeira vez que comento um programa / uma rubrica que poderia ser bom/boa se fosse mais correto(a) e verdadeiro(a).

        Hoje, na RTP1, o programa 'Bom Português' tratou uma questão importante: a do verbo 'haver' e sua concordância. Nem sempre a explicação é dada da melhor forma, mas reconheça-se que aqui está um bom tema para abordar e divulgar. 

        À questão "Diz-se 'havia vários livros' ou 'haviam vários livros'?", alguns transeuntes responderam de forma algo hesitante, a maioria escolhendo a hipótese errada. A voz da locução trouxe, entretanto, a solução: "A forma correta é 'havia vários livros'". Como razão, veio o argumento do significado: o verbo 'haver' com o sentido de 'existir' só deve ser utilizado na terceira pessoa do singular.
       Todavia, não se trata de uma questão de sentido, mas sim do papel sintático do verbo: 'haver' está a ser utilizado como principal. Fosse verbo auxiliar e a resposta já não faria nenhum sentido, pois neste último caso há concordância tanto para o singular como para o plural.


      Além disto, um outro dado causa maior espanto: para quê a questão a encabeçar a imagem inicial ("Com o A.O. como se escreve?"). Este não é um problema de escrita associado ao Acordo Ortográfico. É apenas uma regra sintática da língua já com assente tradição na gramática.

     Assim, hoje a lição do "Bom Português" não contribuiu definitivamente para uma maior consciência do uso da língua. Havia razão (e haveria , no singular, se também fossem muitas mais) para que os transeuntes e os responsáveis da rubrica houvessem acertado muito mais.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Lembrando Bethânia...

      O espectáculo de há cerca de quinze dias foi mais completo...

      Foi um facto. Música, poesia, canto, dança, declamação, reflexão...
    Hoje é só a música e a voz, relembrando o "grito de alerta" que ficou, muito menos íntimo do que o sugerido nesta canção:


     GRITO DE ALERTA

Primeiro você me azucrina
Me entorta a cabeça
Me bota na boca
Um gosto amargo de fel...
Depois
Vem chorando desculpas
Assim meio pedindo
Querendo ganhar
Um bocado de mel...

Não vê que então eu me rasgo
Engasgo, engulo
Reflito e estendo a mão
E assim nossa vida
É um rio secando
As pedras cortando
E eu vou perguntando:
Até quando?...

São tantas coisinhas miúdas
Roendo, comendo
Arrasando aos poucos
Com o nosso ideal
São frases perdidas num mundo
De gritos e gestos
Num jogo de culpa
Que faz tanto mal...

Não quero a razão
Pois eu sei
O quanto estou errado
E o quanto já fiz destruir
Só sinto no ar o momento
Em que o copo está cheio
E que já não dá mais
Pra engolir...

Veja bem!
Nosso caso
É uma porta entreaberta
E eu busquei
A palavra mais certa
Vê se entende
O meu grito de alerta
Veja bem!
É o amor agitando o meu coração
Há um lado carente
Dizendo que sim
E essa vida dá gente
Gritando que não...


      É já bem antiga esta composição de Gonzaguinha, lançada e divulgada por Maria Bethânia e por uma novela brasileira intitulada "Água Viva". Corria o ano de 1980, um ano após o aparecimento da canção no álbum "Mel" da intérprete.

       E fica a lembrança.

domingo, 16 de junho de 2013

Leitura recomendada

     Depois de um dia em atividade (cultural, gastronómica, religiosa, vinícola), chegou o descanso, vieram as lembranças e organizaram-se os registos.

     Numa visita à Fundação Aquilino Ribeiro,  mais propriamente à biblioteca do escritor, entre as muitas publicações e os títulos mais curiosos que passavam frente aos olhos dos visitantes,  houve um livro que não deixou de chamar a atenção, seja pela cor azul da capa seja pelo conteúdo positivo para que induz:

(Foto de uma das estantes da Biblioteca na Fundação Aquilino Ribeiro)

      Em tempos de recomendação de leituras, há um organismo deste país (para não citar alguns nomes em concreto) que precisa de ter esta referência como leitura obrigatória. 
      Podia ser que se deixasse imbuir do espírito que o título sugere e que qualquer humilde cidadão prefere.
      Talvez Teófilo Braga tenha ainda muito a ensinar, para bem de todos nós. E se não for com Teófilo, pense-se em Aquilino e no que Quando os Lobos Uivam (1958) dá a ler:

       "A nação é de todos, a nação tem de ser igual para todos. Se não é igual para todos, é que os dirigentes, que se chamam Estado, se tornaram quadrilha".

     A política portuguesa anda mesmo a necessitar de soluções positivas (para contrariar os próprios efeitos de Pigmaleão). De negativas (que duvido que cheguem a ser soluções) está tudo farto.

sábado, 15 de junho de 2013

Cá vai o recado

      Bem que comunica, apesar dos erros.

      Os cuidados do comerciante para o cliente são os seguintes: em vez de o informar, enforma-o (deve ser por isso que este se sente rodeado, enquadrado, envolvido, não obstante o encerramento do estabelecimento); no lugar de o chamar, assinalando com vírgula no vocativo, deixa-o suspenso nas reticências; para lá da regular formação de plural 'al > ais', oferece-lhe um novo caso morfológico, bem nasalado e à moda da designação da própria terra - Ucanha (lá para os lados de Viseu).
      Não fosse tudo isto já por si suficiente, lá vem o sábado com maiúscula; o 'por este meio' sem vírgulas, mais o encaixe 'dia 15 de junho'; a oscilação das maiúsculas e minúsculas, sem ter que fixar nas mudanças do Acordo Ortográfico; a pronominalização sem acento (informá-lo); a compreensão confundida com a terminação da atenção.

Fotografia tirada num café, atravessada a ponte da Torre de Ucanha, no passeio do Departamento de Línguas da ESG

     Fosse a assinatura masculina e o agradecimento até estaria bem (pena que o nome era mesmo feminino, de alguém que ficou 'obrigada' ao cliente que deu com o nariz na porta). Assim, a gerência (agora bem acentuada) precisa urgentemente de uma formação em ortografia.

     Lá fez o cliente o percurso de regresso, depois de, demoradamente, ter apreciado esta pérola da escrita, com algumas hipóteses nunca antes vistas. Nem revistas.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Preparando a viagem

      O destino é Moimenta da Beira, ali pelos lados onde Aquilino Ribeiro andou.

     As Terras do Demo - ou não fossem elas as terras de vida "dura, pobre, castigada pelo meio natural, sobrecarregada pelo fisco mercê de antigos e inconsiderados erros e abusos, porque em poucas terras como esta é sensível o fadário da existência." (in prefácio de Aquilino Ribeiro ao livro do Pe. Manuel da Gama, Terras do Alto Paiva, 1940).
Capa de uma edição datada de 1963, contendo o excerto 
transcrito nas páginas 150-151
      Basta ler o livro homónimo (dos finais da primeira década do século XX - 1919) e o sensacionismo descritivo do escritor para perceber um pouco a designação da terra, ocupada de "gente que comia calhaus e ladrava como os cães":

    "Emborcado sobre o mundo, o céu reluzia como uma redoma. Desvendavam-se hortas e quintais. Pelos oiteiros, os vagalhões de sombras corriam que nem reses bravas. Ainda a estrela da manhã pestanejava, mas trémula e apagadiça como pálpebra de menino com sono. Para banda das Antas, havia um estendedoiro de vermelho, a tal "cabra esfolada" de que rezavam os antigos, a prenunciar o bom tempo. As matas, às traseiras das lájeas, lembravam uma parede negra, a suster a noite para a banda de lá. Mas com endireitas do vale, os olhos já iam mais longe pelo espaço que o galope dum bom garrano. Enxergava-se, em baixo, o pano caiado da igreja, e, reparando bem, o macanjo do galo lá no coruto da torre, de crista para o nascente, à espera de salvar ao Sol como um galo verdadeiro. Cantava já para os soutos a melra, que é uma pássara que pega a cantar logo ao depois do rouxinol. Dali a pedaço o cuco, as rolas, a popa e a milheira cantariam, cantariam todos diante da rosa do sol melhor que os senhores padres o tantum ergo. Pouco a pouco a terra descobria-se e seu descobrir tinha um não sei quê de parecenças com a mulher que se despe para se dar. Talvez pelo que nas várzeas e no corpo da mulher há de ôndulas, ganham em luz e guardam de mistério, porque uma e outra foram feitas pelo Pai do Céu para a grande comédia da sujeição. Já luziam os caminhos, traçados no saibro pelo rilhar dos carros, e as paredes ruças à força de ver morrer gentes e dias."


      Pela mão de Mestre Aquilino, revisitarei o percurso do alto Douro, entrarei na alta Beira. E já que a viagem tem pouso na Nossa Senhora da Lapa, farei como os romeiros que despedem caminho fora versos de popularidade e provincianismo, tal como Aquilino nos relembra:

       Adeus, Siora da Lapa
       Adeus, té o ano que vem;
       Façai vós o que vos pido
       E cá vos trarei meu bem!

     Escritor estilista, com uma linguagem entre o vernacular e a erudição, colorida com a oralidade popular dos diálogos beirãos e expressões entre o grotesco e o satírico, há na produção romanesca aquiliana uma versatilidade que compagina o que há de mais tradicional na narrativa com a inovação que todo o século XX iria trazer.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Precioso, por certo

     Ao longo do Douro, a beleza natural tem a força, a cor e a altura que o tempo e o espaço celebram.

     Há um toque de origem, uma pincelada de verdes e de terra, uma geometria aproveitada no relevo e um espelho do céu nesse curso de fluir meandroso à busca de mar.
    Fragas de rocha amparam o caudal do rio, alimentando-o com as quedas de água que aqui e ali escorrem, quais lágrimas em contínuo fio de choro, vindo de valas e sulcos altivos.
     O Homem respeita, admira esta grandiosidade tão rica quanto o nome que recebe:

Placa de homenagem ao rio, no cais do Peso da Régua (Foto VO)

     De ouro ou oiro, é o rio que dá vida à terra, à pedra, à rocha. Valoriza-as, com elas formando liga naturalmente enriquecida, não obstante os pesadelos criados ao pobre humano que nelas e com ele procura sobreviver.
     
    Contornado e entrecortado pelas linhas de relevo que se estendem num horizonte montanhoso oscilante, o céu abriga um pedaço de paraíso que só podia ser considerado Património da Humanidade.

domingo, 9 de junho de 2013

José Gomes Ferreira e Portugal

      Há cento e treze anos nascia, no Porto, José Gomes Ferreira; há mais de trinta escreveu versos que podiam ter sido hoje criados.

     Diz-se que, no círculo de amigos, o autor de A Memória das palavras - ou o gosto de falar de mim (1965) proferia frequentemente a máxima "Até 2000 ainda espero... Depois desisto". Não chegou a atravessar o século por completo - nascido em 1900, morria em 1985 (a oito de fevereiro) -, ainda que o tenham apelidado de 'Um Homem do tamanho do século' (segundo um documentário televisivo realizado por António Cunha, para a RTP2). 
       Com a capacidade de os poetas verem mais longe a partir do que vivem, talvez José Gomes Ferreira fosse bem para lá do seu século (XX), a julgar pelo que deu a ler na composição transcrita:

Montagem do poema de José Gomes Ferreira com o óleo de Ana Paula Lopes, 
com a imagem do autor (da série "Os Rostos da Escrita")

        Para hoje a lembrança de um homem que viu um país perdido no seio da Europa. No século XX (e podia ser o XXI). Caso para dizer, "Acordai" para a mensagem do poeta.

sábado, 8 de junho de 2013

Pacto de delicadeza com poesia na língua portuguesa

      Um balanço para um momento feito de canto e de palavras, com a delicadeza e a magia de uma voz.

    Mais conhecida como a abelha rainha da Música Popular Brasileira (MPB), Maria Bethânia partilhou com o seu público, nesta noite e no Teatro Nacional de São João, Bethânia e as Palavras: projeto que combina, intercaladamente e num fio condutor feliz, poesia em língua portuguesa, música e cantigas do repertório da artista.
     A iniciativa foi levada a cabo no e pelo Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), no âmbito das comemorações do ano do Brasil em Portugal, numa demonstração dessa relação apaixonada que a cantora mantém com as palavras, desde os tempos de infância e da aprendizagem feita, na Bahia, com o professor-poeta Nestor Oliveira.
     Entre os versos de Carlos Drummond de Andrade, de Fernando Pessoa, de Dorival Caymmi, de Manuel Alegre, de Sophia de Mello Breyner Andresen; as palavras de Guimarães Rosa e as de mais alguns escritores e compositores brasileiros (dos mais populares aos mais eruditos), surgiram a oportuna e clarividente apologia à escola pública e ao professor que nesta ainda convoca a magia da voz e da palavra; a afirmação da poesia nos lugares mais recônditos, num apelo à liberdade e à busca de sonhos e de luz para um mundo de corre-corre ilustrado com cores que parecem não ter senão preto e branco.
     Assim foi o tempero de uma noite, numa sala de espetáculo animada com os ritmos, o embalo dançante e o toque baianos, numa cidade e num país ameaçados de morrer à míngua - um país de músicos e poetas com a pátria na sua própria língua.


    Três andamentos soaram nessa noite abobada por uma grande estrela, com lembranças, partilhas, ecos musicais e versificados no idioma que se triangula num Atlântico europeu e afro-americano e que não deixou de rumar ao Índico, ao Pacífico, espalhando que tudo “Foi por vontade de Deus”.

      Com a declamação do poema VIII de Alberto Caeiro; o canto da língua, da poesia, dos sonhos e da alegria; o toque do chão e o encantamento índio de uma "força que nunca seca", ficou a alma dos espectadores mais cheia com a presença dessa filha de Seu Zezinho e Dona Canô; dessa "Maricotinha" que deixou um "grito de alerta"; que não pôde bisar com as palavras, mas se despediu com o som da sua voz, da sua música e magia.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Nova conjugação verbal

      Gostava de, em jeito de fidelidade às fontes, indicar a original.

    Todavia, não o podendo fazer por ora, fico-me pelo registo que segue, já muito comentado no dia de hoje e ao qual começo a dar crédito por alguma recorrência no erro.
    Não é por nada, mas a classe política deste cantinho à beira-mar plantado tem-nos brindado com pérolas da melhor qualidade no que toca à ignorância assumida face à literatura, à cultura e à devida utilização da língu aportuguesa. Desde Os Lusíadas inacabados (pois já chegaram a ter apenas quatro ou nove dos dez cantos) ao aniversário do literalmente imortal Machado de Assis (que, no final do século XX, teve direito a cartão de felicitações com endereço e destinatário, por certo, para o além ou a cova funda), de tudo tem havido um pouco.
    Quanto ao nosso atual Presidente da República, já foi aqui apontada uma debilidade no uso da língua portuguesa. Aqui vai mais uma:


    Toda a gente comenta o mais recente "façarei". Julgo que não anda nada longe do "fazerei" que tendo a ouvir com a pronúncia de Boliqueime. Há coisas que um alto representante da nação nunca pode fazer: utilizar mal a sua língua (a qual, para o poeta, chega a ser a própria pátria).
    De novo, a política da língua perde credibilidade com representações ou produções destas, apontadas no banco da escola como dos casos mais típicos a considerar na irregularidade verbal ("farei" para o verbo 'fazer'; "trarei", para 'trazer'; direi, para 'dizer'). 
      Isto para não falar mesmo numa construção tão má quanto a que se ouve em "... que é de comentar em público a vida dos partidos políticos." O "que é de" é completamente escusado.

    Não vou mais longe, porque os tempos andam complicados no que toca a apontar o dedo às instituições. Mas lá que elas se põem a jeito, quanto a isso não há dúvida. (E se agora eu acrescentasse "Tenho dizido!", que seria de mim?!)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

O adjetivo está a dar... em grau... e superlativo

      Ultimamente, o adjetivo tem sido objeto de muitas questões: da tipologia às questões de restrição e de sintaxe; agora, regressa-se à expressão do grau.

      E assim veio a questão:
      
      Q: Na frase " O bolo está muitíssimo bom", o adjetivo está em que grau?

      R: O adjetivo encontra-se no grau superlativo absoluto analítico, ainda que haja intensificação no próprio advérbio que o gradualiza (desta feita por meio do grau superlativo absoluto analítico). O foco da interrogação é, contudo, o adjetivo e a sua variação, pelo que é neste último que se deve atentar.
   A configuração sintática do grau superlativo absoluto analítico é tipicamente (ainda que não o seja de forma exclusiva) apresentada pela sequência 'advérbio+adjetivo', independentemente da forma do primeiro termo. Assim, pode ter-se 'muito, muitíssimo, bas- tante, francamente, imensa-mente, extraordinariamente, excecionalmente bom'. Com todos eles se indica o grau elevado, excessivo, intenso para uma propriedade ou carac-terística atribuída a uma entidade (no caso, um bolo).
     Há, ainda, outras possibilidades de a língua fazer surgir analiticamente (com mais de uma palavra) a superlativização. É o caso dos mecanismos seguintes:
  i) a repetição do próprio adjetivo (ex.: O bolo está bom, bom, bom);
 ii) o recurso à repetição do adjetivo combinada com sufixação (ex.: O jogo foi limpinho, limpinho, limpinho);
  iii) a utilização de expressões fixas (ex.: Ele é podre de rico, a significar que é muito rico), nomeadamente as que incluem estruturas de significado comparativo (ex. 1: Está uma noite escura como breu - para uma noite muito escura; ex.2: Ela apresentou uma ideia clara como água - para uma ideia muito clara);
 iv) o uso particular do artigo definido, acompanhado de uma entoação marcada e enfaticamente prolongada (ex.: Ele é muito trabalhador > Ele é o trabalhador).

     Várias formas para tocar analiticamente o limite, o mais alto grau, o que se mostra intenso - seja na polaridade positiva seja na negativa. O excesso fica para quem o quiser assim ver.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Indiscutivelmente!

    A questão toca o domínio da formação de palavras, que parece não ser pacífico.

    A dúvida surge por causa de um teste e de uma correção que é entendida como dúbia.

    Q: A palavra "indiscutivelmente" como é formada? Não é um exemplo de parassíntese?

    R. Não.
      À semelhança de outros exemplos já aqui abordados, este é um caso de formação conseguido em diferentes etapas, nomeadamente discutível > indiscutível > indiscutivelmente ou, então, discutível > discutivelmente > indiscutivelmente.  O certo é que, à base inicial, são acrescentados um sufixo (mente) e um prefixo (in) em momentos distintos, podendo ocorrer ou só a forma sufixada ou só a prefixada.
     Assim sendo, trata-se de uma palavra derivada por sufixação e prefixação, o que é distinto da parassíntese (marcada pela presença de um prefixo e um sufixo simultaneamente adicionados à base e sem possibilidade de existir a palavra só prefixada ou sufixada).
       Apoiando-me no exercício abaixo proposto, verifique-se o que se passa com a alínea E):


       O número correspondente é o do processo 6, dada a possibilidade de existência tanto de 'indevida' como 'devidamente', o que comprova que prefixo e sufixo não foram acrescentados à base ao mesmo tempo, mas sim em momentos distintos.
       Isto não é o que sucede com os casos típicos de formação de verbos a partir de nomes, como é o caso de AnoitECER ( < noite), ou de verbos a partir de adjetivos, como ENtristECER (< triste). Estes, sim, são casos de parassíntese.

       E no que toca a este caso, trata-se de um exemplo indiscutível!

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Já não há nobreza como antigamente!

      Por estas e por outras é que convém fazer o molho em casa.

  Quem vai à procura de certos produtos, no supermercado, e depara com erros como o da direita devia reclamar; dizer que o produto tem defeito ou que está impróprio para consumo. 
    Nem a forma de tratamento, típica da nobreza, salva a situação (para o 'dom', há um 'com' muito pouco nobre ou grato aos olhos de quem lê o slogan publicitário).
  O molho até pode ser português, mas é COM CERTEZA de má qualidade no português.
    Destinado a uma francesinha, chega a ser imperdoável que esta venha a ser regada com líquido tão mal anunciado / escrito.
   Se 'sem certeza' é expressão, por que motivo 'com certeza' não o é?
   Também por já ter encontrado este mesmo erro em produções dos alunos acabei por o introduzir numa das interações que passo a reproduzir:

"- André, importas-te de ir pedir o comando do projetor à senhora funcionária?
 - Com certeza, professor.
 - Tudo junto ou separado?

 - Como?! Ah!... Tudo junto.
 - Não, André! Separado!"

   O autor do rótulo para o "dom molho" precisava de uma interação oral destas para se consciencializar da escrita e não incorrer em erro tão escusado.

   O que um professor tem de fazer para os levar a aprender...

À beira de um ataque (e espero que não seja de nervos)

     Nada tem a ver com a luta, a não ser a do estudo que se impõe.

     A propósito de sílabas, ou dessas unidades que organizam os sons no seio das palavras.

     Q: Na descrição da estrutura silábica do português existe a classificação dos tipos de ataque. Ao analisar algumas palavras para provar que estas tinham um ataque simples, deparei-me com a palavra 'perdiz' e a minha análise não coincide com a de ataque simples por causa da fricativa em final de sílaba, que eu considero como sendo uma coda. Isso implica que eu não possa considerar que existe um ataque simples nesta palavra? 

     R: Primeiro de tudo, creio haver alguma confusão na questão, juntando conceitos que se excluem: o de ataque e o de coda. O primeiro associa-se à consoante que antecede o núcleo silábico (vogal ou ditongo); o segundo, a consoante que sucede a esse núcleo.
      Depois, convém não esquecer que estamos a falar de sílabas, não de palavras.
     No caso de 'perdiz', existem duas sílabas: 'per' e 'diz'. Tanto o ataque da primeira como o da segunda são simples, constituídos pelas oclusivas [p] e [d], respetivamente. Um ataque só não é simples, por exemplo, na sílaba 'pri' de 'primeira': aí apresenta-se um ataque complexo, pela junção da oclusiva com a vibrante.
     Quanto à fricativa final de 'perdiz' é a coda, sim, por se encontrar à direita, após o núcleo vocálico (da segunda sílaba). Não esquecer que o núcleo e a coda constituem ambas a estrutura rimática da palavra. 'Perdiz', por fim, tem duas codas: 'r' ([r]) e 'z' ([ʃ]), nas respetivas sílabas.

     Entre codas (finais) e ataques (iniciais), nada como ficar pelo meio, que se diz ser mais virtuoso. Pelo menos, no caso das sílabas é nuclear e vocálico.

sábado, 1 de junho de 2013

Entre o necessário e o obrigatório, onde fica o adjetivo?

     Houve já oportunidade de abordar a questão dos adjetivos relacionais.    

     A tipologia, ainda assim, merece alguns outros apontamentos, quanto mais não seja pela distinção a fazer dos exemplos que possam caber nesta (sub)categoria.

    Q: Colega, posso considerar 'obrigatório' e 'necessário' adjetivos relacionais? Eles têm a ver com os respetivos nomes (obrigação e necessidade), mas gostava de confirmar esta conclusão. Não vejo isto tratado em nenhuma gramática. Obrigado pela ajuda.

     R: Caríssima colega, um adjetivo relacional mantém relações com um nome, mas nele estão implicadas questões de derivação. À base nominal devem ser ajustados constituintes morfológicos implicados na derivação: por exemplo, a partir de "síndico" (nome) forma-se a palavra 'sindical' (adjetivo relacional) por derivação (no caso, sufixada).
     Entre as situações de maior frequência na construção de adjetivos relacionais encontram-se as que dizem respeito à derivação:
a) de nomes próprios - antropónimos, gentílicos, toponímicos - para os adjetivos respetivos (Amarante > amarantino; Cuba > cubano; Dante > dantesco; França > francês; Maquiavel > maquiavélico; Queirós > queirosiano);
b) de nomes associados a tempo / espaço para os adjetivos correspondentes (campo > campino; casa > [produção] caseira; centena > centenário; perpendículo > perpendicular; semana > semanal / semanário; trinta > trintão / trintona; trópico > tropical); 
c) de nomes ligados a domínios de saber, nomeadamente o científico, o tecnológico, o artístico, o profissional (alergia > alérgico; célula > celular; finanças > financeiro; gramática > gramatical; histamina > histamínico; linguista > linguístico; músculo > muscular; pesca > pesqueira; sociologia > sociológico; tecnologia > tecnológico);
d) de nomes para adjetivos de natureza argumental ou temática, isto é, configuradores de algum participante - agente, paciente, experienciador - numa situação designada ou implicada num núcleo nominal (papa > [visita] papalpresidência > [decisão] presidencial;);
e) de nomes para adjetivos de carácter classificativo (álcool > alcoólico; sol > solar).
      Por norma, este tipo de adjetivos não apresenta marcas de grau (*Ele informou sobre a viagem menos papal),  não se configura numa construção de estrutura predicativa (*Este exercício é gramatical) nem pode ser substituído por uma subordinada relativa (*Esta atividade que é pesqueira...).
    O caso dos adjetivos que aponta não cabe no contexto de derivação (morfológica) até aqui exemplificado. Há apenas uma associação léxico-semântica com os nomes que refere ('obrigatório' é relativo a obrigação).
      Vai nesse sentido a tipologia de adjetivos que alguns estudiosos desenvolvem, como é o caso de Violeta Demonte num seu estudo de 1999: “El adjetivo: clases y usos. La posición del adjetivo en el sintagma nominal" (in I. Bosque e V. Demonte (orgs.), Gramática descriptiva de la lengua española, Madrid: Real Academia). Entre os que atribuem propriedades aos nomes (nomeadamente os qualificativos e os relacionais) e os que não o fazem, estão neste último caso os adjetivos que exemplifica, mais precisamente nos intensionais (ou seja, os que modificam a intensão dos Nomes). É este o caso dos adjetivos modais, onde "necessário" e "obrigatório" se inserem.

      Assim, a questão dos adjetivos é bem mais vasta do que a proposta pelo Dicionário Terminológico, que reduz a três subclasses (qualificativos, relacionais, numerais) uma categoria muito mais enriquecida se perspetivada além da dimensão morfológica ou morfossintática (como é caso da consideração do critério semântico, para não falar de um outro mais de carácter pragmático e textual).