Música, corpo e voz num palco-ancoradouro com cordas caídas do teto, tornadas amarras de um cais.
Como que olhando para o porto, um engenheiro imagina o volante e o comando de um paquete que passa... Os primeiros versos fazem-se ouvir: "Sozinho no cais deserto, a esta manhã de verão /Olho prò lado da barra, olho prò Indefinido/...".
Vídeo com a declamação de Diogo Infante para alguns versos da "Ode Marítima", de Álvaro de Campos
Metáfora para uma viagem ao interior do ser humano na recolha das sensações e na procura de “sentir tudo de todas as maneiras”. Assim surge a "Ode Marítima", de Álvaro de Campos, na representação que Diogo Infante compõe a partir da direção cénica de Natália Luiza.
Na versatilidade de tons; no registo entre a reflexão imaginativa e a ânsia febril, maquinal, energicamente totalizadora, audaciosa e freneticamente esgotante; na selvageria em que tudo é sentido de mais para se poder continuar a sentir, houve o Campos metafísico, o Campos engenheiro sensacionista de amplo fôlego e de feroz e incoordenado grito (saudando a infração do convencional social e da escrita versificatória, marcadamente interjetiva e eufórica), o Campos nostálgico aposentado - variadas fases para uns, faces para outros. Para qualquer dos casos, uma totalidade avassaladora.
Na versatilidade de tons; no registo entre a reflexão imaginativa e a ânsia febril, maquinal, energicamente totalizadora, audaciosa e freneticamente esgotante; na selvageria em que tudo é sentido de mais para se poder continuar a sentir, houve o Campos metafísico, o Campos engenheiro sensacionista de amplo fôlego e de feroz e incoordenado grito (saudando a infração do convencional social e da escrita versificatória, marcadamente interjetiva e eufórica), o Campos nostálgico aposentado - variadas fases para uns, faces para outros. Para qualquer dos casos, uma totalidade avassaladora.
Porque de teatro se trata, estiveram em palco as várias máscaras que o ortónimo produz(iu) e o heterónimo reproduz(iu). Porque de mar se cria o cenário, há ir e voltar da imaginação; há percursos, passagem, fluidez, movimento, deriva, fluxo e refluxo de marés, na aparente instabilidade e contradição (mais complementaridade de forças e sentidos dissonantes) que definem o ser humano na construção de uma identidade complicadamente presente a partir da sua ausência.
No último dia do espectáculo no Teatro Nacional de São João, dois homens (Diogo Infante e João Gil) fizeram poesia - versos e música - em mais de uma hora de magia para e com um texto que Campos dedicou a Santa Rita Pintor. Poema dito nos seus mais de oitocentos versos magistralmente evocados e convocados na letra e no som, na nota e na luz que abrilhataram o ato de fazer, dizer, ser. No fim, apetece dizer como o poeta: "Eis outra vez o mundo real, tão bondoso para os nervos!"