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sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Ubuntu: eu sou porque tu és.

      Uma palavra Nguni, do Afrikander, trazida para primeiro plano por Nelson Mandela e Desmond Tutu.

     Representa uma filosofia social sublinhando o ser, o saber e o agir assentes numa liderança servidora; uma pedagogia educativa visando a paz, a amizade, a solidariedade, a fraternidade, valores que sublinham a dignidade do ser humano e aspiram a um ideal de sociedade empático, fraterno e visionário, com figuras como Nelson Mandela, Martin Luther King ou Malala na incorporação do lema “Eu Sou porque tu És”, pela valorização da interação, comunicação, comunhão, interdependência e solidariedade. Focada no desenvolvimento e na promoção de competências pessoais, sociais e cívicas dos participantes, contribui para a transformação destes enquanto agentes de mudança ao serviço da comunidade, ajudando na construção de uma cidade mais inclusiva, equitativa, justa.
  Convidado a partici-par numa mesa-redonda da Ubuntu Fest promovida pelo Instituto Padre António Vieira e com a colaboração da Câmara Municipal de Espinho, fui dignamente acom-panhado pela presença da Senhora Presidente da Câmara (Maria Manuel Cruz), dos Presidentes das Juntas de Freguesia de Paramos (Manuel Dias) e de Anta-Guetim (Nuno Almeida), bem como do Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Gomes de Almeida (José Ilídio Sá). Uma assistência de alunos e professores / educadores compôs um auditório de onde foram lançadas algumas questões. Perguntas a que tive(mos) oportunidade de responder, numa alargada partilha de ideias, pensamentos e ações de líderes servidores que, de algum modo, todos acabamos por ser nas múltiplas funções exercidas.
     À primeira questão, sobre situações em que já tivesse duvidado da minha liderança, diria que foi tudo o que um líder não gosta de admitir publicamente: a sua condição frágil perante ameaças, perigos, dificuldades que a vida coloca a qualquer um. Por certo, nenhum líder aprecia lidar com conflitos que não são seus, mas que tem de gerir; constatar desarticulações entre níveis de liderança ou princípios orientadores para a ação e a ação propriamente dita; consciencializar fatores de desequilíbrio pessoal e profissional que convergem para a afirmação de cansaços, de ausência de força própria ou dos outros capaz de comprometer objetivos, metas, projetos; deixar-se invadir por desilusões que não sejam encaradas como oportunidades ou desafios para seguir em frente. Momentos há em que a tomada de decisão, por mais participada e partilhada que seja, acaba por ser um ato individual, solitário, o que pode causar algumas ansiedades, angústias, mal-estar, particularmente quando o estilo de liderança e de serviço é pensado / encarado de forma participada, democrática e conjunta, apostada mais no coletivo do que no individualismo e no individualizador (tendente para o egocentrismo, o narcisismo e a idolatria). Ser capaz de ver na liderança servidora um meio de ultrapassar estas disfunções, de encarar a resistência e a resiliência como estratégias de superação é o caminho a traçar, sempre que a dúvida, a indecisão, os dilemas se instalam. Transformar o negativo ou instável em foco de ação e conquista para o sentido oposto é o desiderato de quem se pôs a jeito e se propôs liderar em qualquer escala (pouco ou muito) / abrangência (poucos ou muitos) / nível de ação (topo, intermédio, base). De forma mais ou menos planificada, interessa que a dúvida dê lugar a uma construção, mais ou menos participada, mais ou menos partilhada, para que algum bem comum se vislumbre.
     Sim, já passei por tudo isto, a par de uma constatação de limites e limitações que me surgem, mas que procuro relativizar, aprender a resolver, fazendo de cada dia um passo nesse percurso que também outros fazem comigo, quer como diretor quer como professor,... acima de tudo, como pessoa. Liderar, servindo.
    Surgiu, então, a segunda questão: que conselhos dar a jovens que desejem ser líderes servidores. Apetecia-me devolver a questão: o que estão predispostos a fazer para bem do(s) outro(s) e do próprio? Que pontes construir para unir margens, voltadas para o fluir das águas como símbolo dos tempos; para a mudança das pessoas em termos de crescimento, desenvolvimento, empoderamento?
   Ser, conhecer, agir implica construir aprendizagens, estudar, aprender, ler muito para ter conhecimento de mundo, alargar horizontes e ajuizar com sentido crítico e fundamentado; para sustentar valores que interessa apreender, em detrimento dos que não dignificam nunca a pessoa. Está aqui um primeiro conselho, para quem particularmente frequenta a escola ou qualquer organização educativa.
   Procurar descobrir um sentido de bem, mais orientado para o coletivo, descentrado de "egos" narcísicos e focado na ética do cuidar (a significar tanto pensar como acompanhar, tomar conta) do outro; colocado na posição do outro e não no umbiguismo vitimizador ou idólatra.
    Testemunhar / dar o testemunho do e no que se quer do outro ("Eu sou o que tu és"), valorizando a pessoa, a sua dignidade, pela aproximação e inclusão, pela interação, pela comunicação e comunhão de valores, ideais.
  Desconfiar de imediatismos e facilitismos, que não contribuem para o que seja estruturante e estruturador; antes para o contingencial, para o acrítico, para populismos, agitações, arruaças que não engrandecem ninguém.
    Questionar a liderança e o serviço (quem / a quem, o quê / qual, como), atentando nos meios a usar, nos fins a atingir e nos valores a adotar conscientemente (líderes sempre os houve, alguns mais consensuais do que outros, uns mais validados e legitimados, num relativismo histórico que, contemporaneamente, não nos leva a aceitar o exemplo de alguns que já o foram e de outros que o são ou estão brevemente para ser).
    Cinco conselhos para os jovens se tornarem verdadeiros e legítimos "influencers", no bom sentido da palavra.
    
    Uma tarde no Multimeios de Espinho, com líderes servidores e com jovens que podem ser agentes de mudança numa sociedade que, sendo bairro, escola, cidade, país, tem esperança nos tempos vindouros (mesmo quando os sinais de perigo parecem invadir a vida, a sobrevivência e a paz de muitos).

sábado, 5 de outubro de 2024

Muitos vivas!

       Nada mais a dizer!

       Resumiria o dia de hoje a três vivas, extensivos a muitos homens e mulheres, atendendo ao muito que fizeram / fazem e ao que, há dois anos, escrevi e mantenho válido:

       . Viva Portugal!
       . Viva a República!
       . Viva os Professores!

       Fica o registo sem imagens, só com as palavras que merecem a simplicidade da celebração.
      Pelo último "Viva", muitas razões poderiam ser listadas (também já o fiz o ano passado e vale a pena repetir a quem as tem corporizado).

       Porque estamos vivos e porque alguns que já não estão muito fizeram para o presente a que se chegou e ao muito que há para preservar, dando futuro.

segunda-feira, 6 de março de 2023

Chat(o)-GPT

    Podia dar-me para melhor!

   Tantos a falar do mesmo que acabo por cair nele.
  Nada tenho contra (melhor, ... até posso ter alguma coisa, sem o diabolizar), muito menos a quem se mostra muito entusiasmado com a questão.
    E do que falo? Do Chat-GPT... de que mais podia ser?!

Inteligência Artificial, para que te quero?! Para muita coisa, mas mando eu! Combinado?

    Depois de várias tentativas, pouco me agradou ou surpreendeu.
   Não sei se perdi o meu tempo, mas espero que definitivamente não faça perder o de mais ninguém. Partilho a reflexão, sem qualquer pretensão, senão a de sublinhar que prefiro centrar o foco da discussão nas implicações pedagógico-didáticas que dele decorrem e com ele se deparam / confrontam. Artificial ou não, o "inteligente" é o que se consegue reconhecer como tal, numa avaliação que necessita de consistência, fundamentação (o mais criteriosas possível).
    Nesta medida, prefiro manter-me no controlo e não deixar-me controlar. 
    Quanto à Inteligência Artificial, prefiro a do AI (2001), de Spielberg.

    O certo é que ela vai ter muito de aprender para poder ser eficiente, eficaz e um auxílio fundamental para o professor. Dizem mesmo que não tem hipótese e, por isso, há quem já nos apresente um concorrente: o Bard (da Google).

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Politicamente correto, boas maneiras e sentido(s) das palavras

    Dando continuidade a apontamento anterior.

    No mesmo contexto de um encontro a propósito do Clube de Leitura, Ricardo Araújo Pereira discute o conceito de 'politicamente correto', de 'boas maneiras' e dos sentido(s) das palavras.

Novo excerto com novas lições sobre o correto, as boas maneiras e a linguagem

    Um excerto muito significativo pela problematização levantada quanto às fronteiras do que é correto / incorreto e ao entendimento dessa zona que o 'politicamente correto' possa representar.
    Como alguns exemplos remetem para o(s) sentido(s) das palavras, volta-se a um pequeno capítulo de uma teoria da linguagem, assente no(s) uso(s) do comum dos falantes.


sábado, 8 de outubro de 2022

Uma teoria da linguagem com vários tópicos

       Ricardo Araújo Pereira no seu melhor, quando sério rima com cómico.

    Um excerto de um encontro universitário com um debate que resultou nalguns momentos semelhantes a uma autêntica teoria da linguagem em vídeo, sobre o humor, a língua, a linguagem inclusiva, a questão do género gramatical e os seus excessos:

Excerto de um encontro sobre humor, língua e linguagem inclusiva

      No final, pode concluir-se que, com humor, muito se aprende sobre a língua e a linguagem, onde o politicamente correto é tudo menos aquilo que diz ser.

      A rir se corrigem os novos tempos e políticas que pouco têm de linguístico, apesar de o quererem fazer como campo de lutas para as (des)igualdades.

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Regresso às aulas

        O título faz lembrar campanha publicitária,...

        É tempo de recomeçar um período letivo que ficou suspenso.
     Ainda assim, houve quem trabalhasse para que a retoma se faça em condições que, não sendo as desejáveis, são as possíveis, para bem de muitos.
    Algumas orientações de partida podem ser a base para que todos se esforcem e tudo se faça para ultrapassar problemas.
       Colaboração e compromisso de todos, exploração de possibilidades, adaptação à situação e não fazer das falhas e faltas a impossibilidade de aprender - eis as palavras e as expressões de ordem destes tempos.
       Estas são algumas orientações essenciais:

(Produção dos Cursos Técnico-Profissionais da ESML)

       A partir de amanhã, volta-se a estar on e com a esperança de que vamos ficar bem.

      ..., mas não se trata disso. Há mais vida para além de redes e grandes empresas comerciais. A rede de educação tem (outros) valores que também interessa partilhar.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Atitudes e valores... com conta, peso e medida!

      Quando de avaliação pedagógica se trata, a discussão é grande, porque os tempos (e os conceitos) são outros.

      Vem esta reflexão a propósito da circulação por aí (Facebook, grupos de apoio, grupos de discussão, outros de formação...) do que são os critérios de avaliação e a construção de rubricas de aprendizagem, à luz das mais recentes conceções de avaliação pedagógica.
    Na continuidade da tradição, vão aparecendo, inclusivamente, rubricas específicas para avaliar apenas as atitudes. Caso para dizer, lá se vão os novos (?) contributos, em detrimento de rotinas e de tudo o que o passado ditou e contestou: a manutenção da separação de atitudes / valores / comportamentos relativamente ao conhecimento / saber / domínio cognitivo. Pior ainda quando se quer reverter tudo em termos de quantificação, de número, de nota, de classificação, com ponderação, nomeadamente, para ambos e de forma bem distintiva (entre os 10-50% dos primeiros e os 90-50% do segundo, há de tudo um pouco e para todos os gostos). Há mesmo quem diga que a novidade não vai durar muito e que o tempo provará que isto de juntar atitudes e conhecimentos é "misturar competências". (Enfim!). 
     Substituiria 'misturar' por 'integrar': falar de competências é precisamente considerar conhecimentos, aptidões, ou procedimentos, e atitudes / valores em integração, a que não falta a avaliação contextualizada desta composição integrada.
     Disso mesmo trata o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória - PASEO (homologado pelo Despacho 6478 / 2017, de 26 de junho), quando configura um entrançado para a noção de 'competência':

Slide exibido na Oficina de formação "Projeto de Flexibilidade Curricular: nas dinâmicas da escola e da sala de aula"
(formadores: Maria Gabriela Rodrigues e Vítor Oliveira)

       E lá estão as atitudes/os valores incorporados, num entrecruzamento que define as 'competências' orientadas para a 'ação'. No enquadramento da flexibilidade curricular (Dec.-lei 54 / 2018 - alterado pela Lei 116/2019 - e o Dec.-Lei 55 /2018), não faz, portanto, qualquer sentido isolar um dos elementos da composição.
       Relativamente ao facto de, no seu projeto educativo, uma escola inserir o desenvolvimento e a avaliação de atitudes (que se constituem como dimensão fundamental do desenvolvimento integral da personalidade dos jovens), é possível afirmar que a instituição escolar sempre as considerou, na valorização de umas e na desvalorização de outras, ao definir regras de conduta; propor dinâmicas de grupo; orientar interações de modo formal e estruturado; enquadrar atividades extraletivas; dinamizar atividades ou projetos centrados na área de cidadania e desenvolvimento. Numa dimensão eminentemente formativa, a observação e a avaliação contínuas facultam a informação atualizada, a recolha de dados e a eficácia de decisões tomadas a partir de grelhas de observação, entrevistas, questionários, listas de verificação, entre outros instrumentos. Relevante é o facto de os alunos demonstrarem boas atitudes e/ou as aprenderem, para que contribuam para uma imagem integral positiva em contexto de ação escolar e educativa.
       A este propósito, quando se afirma que toda esta questão é nova (na sequência dos decretos 54 ou 55, já com três anos de aplicação), tendo de ser melhor pensada e com calma, apetece-me lembrar uma brochura intitulada Reorganização Curricular do Ensino Básico - Avaliação das Aprendizagens: Das concepções às práticas (Ministério da Educação - Departamento da Educação Básica, Março 2002, pp. 11-13), na qual já se podia ler, e cito:

"4. A absoluta necessidade de repensar práticas uniformes e pobres de avaliação que não estão de acordo com a actual formulação do currículo nacional. A perspectiva do currículo nacional associa a competência a um "saber em uso" que se desenvolve em relação com a vivência de experiências de aprendizagem significativas e adequadas e que, ao mesmo tempo, integra conhecimentos, capacidades, atitudes e valores. Neste sentido, a competência não se identifica com um "comportamento" que se treina e manifesta num momento preciso e num tipo específico e pré-determinado de situações, que supostamente estaria ou não "adquirido". Esta perspectiva implica que a avaliação do desenvolvimento de competências tem que basear-se na observação do que aluno faz (e da sua evolução) em diferentes momentos e em diversos contextos, assim como em situações que, pela sua própria natureza, apelem ao recurso integrado a conhecimentos, capacidades e atitudes."

     Este é o quarto ponto (precisamente de uma sequência de quatro: 1 - ênfase no carácter formativo da avaliação; 2 - afirmação da lógica de ciclo; 3- importância da autoavaliação regulada; 4 - repensar práticas, integrando conhecimentos, capacidades e atitudes) estruturante para o enquadramento normativo do Despacho nº 30 /2001 (avaliação do ensino básico). Sublinho: 2001 e "recurso integrado a conhecimentos, capacidades e atitudes". Passados vinte anos, o texto e o propósito não são muito diferentes, orientando-se, agora, para um paradigma de competências, que volta a sublinhar a integração das atitudes / valores / comportamentos a par de conhecimentos e de procedimentos. Ainda assim, muita gente sente ser ainda uma novidade, para pensar e considerar com calma.
      Inquietante, ainda, é voltar à constatação de que, não obstante o princípio orientador da integração e do entrecruzamento do PASEO, há quem esteja a trabalhar nos moldes da separação e mesmo focado na quantificação, no peso e na classificação. Volta-se ao primado da avaliação positivista, da avaliação como medida, como nota, como orientação primordial e absoluta. E a tudo isto se parece reduzir a avaliação: a classificação. Aliás, muita discussão centra-se e reduz-se a esta racionalidade pretensamente objetiva, numérica e de aplicação igual a todos, nomeadamente com o peso que tem de ser atribuído (se 10, se 20, se 30 ou até 50% da nota final). Perde-se o sentido formativo, a observação sistemática, a realidade contingencial e contextual, o processo de aprendizagem.
    Assim, ler o PASEO é apontar para uma orientação distinta: a da avaliação pedagógica, no predomínio e na sistematicidade da avaliação formativa, focada nas aprendizagens e na interação social necessária à formulação de um feedback oportuno e de qualidade, na integração dos conhecimentos, procedimentos e atitudes e valores, com avaliação recorrente das etapas dos processos e não tanto dos produtos.
       Ainda na sequência deste raciocínio, e para que não o acusem de ser teórico, vão as palavras de um professor que, muito certeiramente, põe o dedo na "ferida". Cito:

Segmento de uma comunicação sobre avaliação pedagógica (Luís Timóteo Ferreira)

      Assim o afirma Luís Timóteo Ferreira, num artigo que pode ser consultado a partir do título “Refletir sobre a prática: o problema da avaliação nos 2º e 3 ciclos”. conferência proferida no Sindicato dos Professores da Madeira (SPM), no âmbito do Encontro Autonomia e Flexibilidade Curricular – Virtudes e Fragilidades (Funchal, 23-24 de novembro de 2018). Subscrevo a posição, alargando-a ao nível de ensino secundário.
       Situo a questão das atitudes e dos valores no nível das transversalidades da ação escolar e educativa. Nelas encontram-se configurados princípios relacionados com a cidadania, bem como o trabalho (nomeadamente, iniciativa, responsabilidade, integridade, autonomia), a comunicação (trato e adequação), mais a utilização das tecnologias de comunicação e informação (respeito, tratamento, sentido crítico). Todos eles se relacionam, por implicação ou demonstração consecutiva, com conhecimentos e procedimentos - pelo que a integração é inevitável.
        Na correlação das atitudes com emoções, cognições e comportamentos (conforme a apresenta Gonzalo Maicas, em "Actitudes" in Sociologia y psicologia social de la educación, Madrid, Ediciones Anaya, 1986, pp. 152-179), trata-se de mais um contributo para a discussão genérica do pensamento pedagógico reformador do século XX e da Escola Nova, não obstante as diferenças das várias correntes pedagógicas entretanto surgidas: a articulação e interdependência das capacidades intelectuais, emocionais, sociais e manuais, nessa visão do desenvolvimento integral e da autonomia da criança. Processos cognitivos e afetivos entrecruzam-se em influência mútua - linha de investigação que se funda desde os contributos de Vygotsky (1998) nos anos 20 do século XX. Uma das ideias fundamentais deste psicólogo russo, plasmada no conceito de zona de desenvolvimento proximal, é a de que relações concretas entre pessoas estão associadas ao desenvolvimento das funções superiores, tornando‑se, portanto, fundamentais as atitudes de ajuda e apoio exercidas pelo professor. Recentes investigações no campo das neurociências têm vindo a sublinhar como emoções, sentimentos e consciência não são estranhos nem separados; sentimentos e emoções assumem um forte impacto na mente, podendo dizer‑se que constituem as raízes da consciência - assim o lembra António Damásio, 2000, como o seu O Erro de Descartes. Nesta medida, avaliar aprendizagens implica considerar tanto aspetos intelectuais / cognitivos como emotivos e atitudinais, enquanto duas faces de um mesmo processo: o da(s) aprendizagem(ns).
    Numa folha de trabalho intitulada "Diversificação dos Processos de Recolha de Informação (Fundamentos)", da autoria do Professor Domingos Fernandes e contemplada numa formação de professores relacionada com o Projeto MAIA (Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica), lê-se o seguinte:

     "... as atitudes, os comportamentos em geral, as capacidades e os conhecimentos escolares devem ser considerados aprendizagens inse-paráveis e, como tal, avaliados de forma tão integrada quanto possível.
(destaques da minha responsabilidade)

       A bem da integração, vejo a avaliação das atitudes e valores em relação intrínseca com os conhecimentos e procedimentos que, por um lado, definem a noção de competência e, por outro, revelam a dimensão integral do aluno no(s) processo(s) da(s) aprendizagem(ns). Contemplando, em rubricas de aprendizagem, critérios atitudinais no seio de outros mais focados na dimensão cognitiva, a visão integrada da avaliação constrói-se (sem necessariamente ter de fazer "grelhas" - mais umas quantas - para isso).

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Ilustração bem exemplificativa

      Assim ma foi dada a ver.

     Este, sim, é o caso de um verdadeiro "influencer" (com um "follower" à altura):

Os verdadeiros "influencers" - os que testemunham o bom exemplo 
(recolhido do Facebook)
  
   Já alguns, ou algumas que se dizem como tal, deixam muito a desejar - então aqueles(as) que aparecem na televisão, a perorar acerca dos comportamentos dos outros, são uma lástima!

    Tudo isto porque me perguntam se eu vejo certos programas que, por princípio, nem deviam existir (estou aqui estou como eles, a perorar sobre o que não vejo nem quero).

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Da importância de educar para a leitura

       Uma questão tão intemporal quanto necessária à (sobre)vivência.

     Saber ler foi decisivo para se aceder ao conhecimento, ao sentido crítico das coisas, ao modo de viver lúcido e consciente, capaz de distanciar o homem de alguma instintividade. Relembre-se o momento histórico decisivo de traduzir a Bíblia do latim para as línguas vulgares: o poder do conhecimento detido por alguns elementos do clero foi passível de discussão e questionação, para que não houvesse adulteração de sentidos nem de informação; caíram os dogmas, reform(ul)ou-se a crença.
     Atualmente, o âmbito de discussão é bem mais lato (político, científico, social, educativo,...). Educar para a leitura é uma questão de consciência e de consciencializar o outro.
     Um apontamento fílmico ("O Substituto" - 2012) relembra-o:

Excerto fílmico de 'O Substituto' (2012, de Tony Kaye)

      Um professor substituto (Henry Barthes, interpretado por Adrien Brody) faz a diferença: introduz o tópico, motiva a participação, inclui os contributos dos alunos, avança com a reflexão, desperta atenções, estabelece relações, muda conceções / visões. 
      Dá sentido(s) à educação - mesmo sendo um professor desligado de si, mas preso ao mundo (isto para quem viu o filme). Tem consciência e consciencializa para o mundo complexo em que vivemos.

      Há professores que marcam a diferença. Felizmente, nem todos são personagens fílmicas.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Café com tempo(s) e Pessoa(s)

        Eles sabem quem são e como fica(ra)m no coração.

           Fechou-se um ciclo; um outro estará prestes a abrir. 
        Tem sido insólito este tempo: impede aquilo a que se tem direito depois de tanta entrega e trabalho conjuntos. Fica o agridoce dos afetos, que não puderam ser expressos pelo que de mais natural têm: a proximidade do abraço, o beijo na face, o toque da mão (tudo merecido e, por segurança, negado); ainda assim, o convite, a presença.
        Ficou o olhar. O sorriso, incompleto (porque vedado pela máscara), viu-se ainda no brilho  dos olhos. Ficou o (re)encontro num local tão familiar quanto diferente de tudo o que antes foi vivido e agora (re)lembrado. 
          Ficaram as palavras também tornadas atos, no que estes puderam ser.

Uma lembrança em palavras, pessoal e pessoana, com um "cotovelo gigante" (Foto VO)

      Chegou uma lembrança para recordar outras tantas de uma "bagagem invisível" (cito as palavras gentis de um postal tão manual quanto feito de entrega) que todos levamos deste encontro de três anos. Na minha, há uma jornada conjunta, remando contra adversidades; construindo compromissos, cumplicidades, identidades. Conquistas comuns.
       Foi muito bom o ciclo cumprido. Melhor ainda o reconhecimento recebido, ao ler "Todos nós sentimos que, através da sua paixão pela nossa língua, pela literatura, pelo ensino, aprendemos e crescemos enquanto alunos e, principalmente, enquanto pessoas. Consigo descobrimos que a escrita, partindo de nós, apenas vive connosco temporariamente, sendo o propósito último a partilha". Os meus olhos retêm o pensamento, tão oportuno! Como lhes ensinei isto, não sei bem. Sei que não foi com nenhuma planificação, nenhuma grelha ou nenhum plano prévio. Ou talvez com isso tudo e muito mais (bem mais importante): foi a cada dia, com a vontade de estar e o desejo de que me dessem o que de melhor tinham. E todos tinham! Uns mais, outros menos; uns dias mais felizes, outros nem tanto; com mais ou menos dúvidas; entre respostas fantásticas e outras que davam oportunidade para ensinar e aprender. No meio da postura séria, da responsabilização, do "puxar de orelhas", do riso e da gargalhada comuns aos cúmplices, assim se compuseram dias, semanas, meses e anos, dando tempo e atenção a todos.
        Lê-se, no pires, "o perfeito é o desumano". Espero ter conseguido ser deveras imperfeito! 
      (Ai aquele PS - «Nunca esqueceremos o lema 'Trabalho, trabalho e mais trabalho!'» - faz-me lembrar qualquer coisa...!). 

      Tempo de encher a chávena e beber um café, sem açúcar, mas com a doçura e o cheirinho já das saudades. Obrigado pelo tempo dos saberes, dos sabores e dos afetos. O nosso tempo.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Em 'Desafios'

       Formulado o convite, não podia dizer que não. A consideração por quem convida é mais forte.

      Solicitado um texto para fazer parte de uma publicação-conjunta online de vários autores (dirigida pela Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa - Porto), resultou o processo de escrita numa extensão considerada mais válida para uma publicação autónoma.    
      Honrado o compromisso, maior foi a honra por ter sido conduzida a publicitação do artigo para um caderno intitulado Desafios - Cadernos de Trans_Formação (número 29). O mote era: como se tece a ação pedagógica em tempos de COVID 19; eu glosei os "(Des)encontros e (re)aprendizagens (à distância de um clique, com toque humano)".

Um artigo disponível para leitura em

      Melhor ainda foi ver o meu contributo antecedido de um editorial com as palavras generosas do Professor Matias Alves, contextualizando, destacando pontos fulcrais da minha reflexão, citando algumas das minhas palavras, reconhecendo-lhes qualidade(s).
   Entre muitas respostas, surgiram algumas perguntas; e, no fundo, procurei reafirmar o sentido nevralgicamente pedagógico de uma situação, preferindo ver nas dificuldades oportunidades; procurando manter jovens na "rede" do trabalho, do estudo, do compromisso para que a vida apela.
     Contei ainda com a solidariedade e colaboração de alguns dos meus alunos, que se podem rever na(s) ação(ões) em que participa(ra)m. Pela cumplicidade e pela aceitação do trabalho (trabalho e mais trabalho), também muito lhes agradeço.

       Pela consideração mútua, pelo trabalho que desenvolvemos juntos e pelas identidades que fomos e vamos construindo, restam-me a gratidão e o reconhecimento pela aposta feita. Obrigado, Matias Alves.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

75 anos depois

      Para futura memória e para que não se repita a história.

     Na sequência do visionamento do documentário "Depois de Auschwitz", na RTP1, há memórias que se recuperam de um passado, o estudado e o vivenciado.
      Saber o que se sucedeu há 75 anos, pelos livros e registos audiovisuais, é descobrir uma forma de recuperar a liberdade e a visão da dignidade humana que muitos, anos antes, ficara comprometida, ao serem cometidas atrocidades impensáveis. Os testemunhos do tempo vão sendo revelados, partilhados (e, ainda assim, há quem assuma que o holocausto não existiu) e o espanto revoltado não cessa!
   Visitar Auschwitz e Birkenau, depois de já ter passado pelo campo de concentração de Sachsenaushen, é definitivamente uma outra visão dos sinais dos factos. O último impressiona; o primeiro perturba; o do meio (sem qualquer virtude) faz abominar, odiar quem tenha pensado em tal espaço com propósitos tão execráveis.

Entrada do campo de concentração de Auschwitz ("O trabalho liberta") I - Foto VO

 Entrada do campo de concentração de Auschwitz ("O trabalho liberta") II - Foto VO

 Uma janela para os muros, os postes e as redes eletrificados - Foto VO

  O muro dos fuzilamentos - Foto VO

  Os fornos de um crematório - Foto VO

  As camas de cimento e tábuas rompidas para os sobreviventes - Foto VO

       De Auschwitz, ficou-me a memória de entrada no campo, quando um grupo de judeus cobertos com o seu 'talit' branco, com a estrela azul de David, mais o 'kipá' branco na cabeça, solidéu tradicional, orava em círculo. O respeito deles e nosso por eles impunha-se. Não foi o único povo a sofrer as atrocidades nazis, mas, na sua diáspora, tem o segundo quartel do século XX  como um dos seus períodos mais negros e a Humanidade como espectadora de uma perseguição desmesurada, de um genocídio atroz. 
       Uma nota informativa, para os turistas / visitantes, dá conta de que os primeiros prisioneiros foram polacos; seguiram-se os prisioneiros de guerra soviéticos, os ciganos e inúmeros deportados de outras nacionalidades. A partir de 1942, este tornou-se no local de morte maciça nesse plano nazi de exterminar o povo judeu que se encontrava na Europa. A taxa de mortalidade era tão elevada que a única forma de identificar os corpos era através de um número do campo tatuado no corpo (antebraço, braço, perna ou peito), mesmo quando muitos homens, mulheres e crianças eram praticamente dizimados à chegada, tanto em Auschwitz como nas câmaras de gás de Birkenau. Mortos nas câmaras ou em qualquer ponto do campo, feitos cheiro nauseabundo ou pó nos crematórios, marcados de dor e humilhação insanáveis no corpo e na alma.
      Hoje, o fim chegava - há 75 anos - com o exército vermelho a libertar os prisioneiros que não haviam sido deslocados pelos alemães para o interior da Polónia. Um massacre e um morticínio que deixaram marcas aos que conseguiram sobreviver e assistiram à eliminação de inúmeros. 
     Tudo começou menos de uma década antes (seis anos apenas), com discursos de intolerância, de supremacia de raças, de desprezo por quem interessava tirar do caminho para poder usufruir daquilo que deixavam e que alguém tinha instruções de recuperar (desde os dentes de ouro a tudo o que pudesse ser aproveitado).

     Uma história que não pode ser apagada, pela intolerância que foi, pelo excesso de poder que revelou, pela desumanidade que alguns humanos foram capazes de criar e outros de aceitar ou silenciar. Demasiado pesado para não ser divulgado.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Anedota do dia?

      Corre aí por alguns meios de comunicação social (e lamento ter de dizer que isso, hoje em dia, vale o que vale) o propósito de o Ministério da Educação (ME) colocar professores de História no ensino da Geografia, ou os de línguas estrangeiras para Português.

Pormenor de foto da Agência Lusa que acompanha a notícia aqui comentada
    A intenção é a de col-matar a falta de professo-res, que começa a ser gritante em determina-das áreas de saber. A des-considera-ção dos do-centes por parte dos nossos polí-ticos e go-vernantes está, garan-tidamente, a dar frutos (alguns não precisaram deles, dado o carreirismo feito em se-de de asso-ciativismo político; ou-tros conse-guiram cur-sos / licen-ciaturas fal-tando às au-las e fazendo uma espécie de trabalhos; os restantes, as exceções, parecem assistir, impávidos e serenos, ao descalabro e ao tudo vale).
      No reconhecimento de que cursos de línguas bidisciplinares têm profis-sionalização em duas línguas distintas (uma delas Português),  não me espanto que professores de línguas estrangeiras venham a lecionar Português, caso esta última tenha sido uma das implicadas na formação inicial e no exercício de estágio profissional. Não há, aliás, novidade nenhuma aqui, a julgar pela atuação de algumas direções que capitalizam as competências profissionais dos seus recursos humanos nos agrupamentos / organizações escolares. Não sendo esta a situação, tudo se torna bem mais incompreensível. Significaria que, talvez um dia, porque sei cozinhar, viria a ser um "grand chef" (olha... mais duas ou três palavras destas e ainda poderia ensinar francês!) ou, então, porque consigo fazer uns vídeos, ainda me tornaria num grande realizador cinematográfico. Ah! Esquecia-me: como às vezes, confesso, me automedico com sucesso, também poderia pedir equivalência a medicina. Há já quem assuma que, neste contexto de medidas gestionárias excecionais, no âmbito da saúde, poderíamos passar a ter ginecologistas a fazer as vezes de urologistas; os pediatras a ter equivalências na geriatria ou os enfermeiros a passar diretamente para a especialidade de anestesistas. Eu que faço caminhadas e sei nadar deveria estar a um passo do doutoramento em Educação Física ou, quem sabe, de uma especialização ou pós-graduação em Desporto.
      Não sei se devo acreditar neste diz-que-disse tão hipotético e pouco sustentável ou neste penso-que-dispenso. Não quero, pelo menos. Se as fake news (também quero dar inglês!) chegaram à educação e ao ensino há já muito, com a novidade que, supostamente, é a de hoje, pareceria que estávamos a ser conduzidos para o verdadeiro mundo da fantochada.
      Ainda quero acreditar que o ME irá esclarecer os factos ao público em geral e aos docentes em particular, quanto ao verdadeiro significado da Nota Informativa entretanto enviada pela Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) aos estabelecimentos de ensino com necessidades de colocação de professores em áreas específicas (Português, Inglês, Geografia, Informática, entre outras). Com qualificação profissional, alguma coisa da medida até pode ser entendida; sem ela, não fará definitivamente qualquer sentido. Gerir recursos humanos qualificados é uma coisa; sem formação legitimadora, é um contrassenso.
       É verdade que, desde a formação do novo governo português, já me tenho perguntado onde anda o senhor ministro da Educação. Até acho que já ouvi falar dele (chego a demorar na lembrança do nome...🤔) num ou noutro evento desportivo! Não queria concluir que isto é desporto a mais, mas lá que dizem termos voltado aos velhinhos tempos em que todos os professores - sim,... até os de Educação Física davam ou podiam dar Português no primeiro ciclo - é memória que ninguém deseja. Terá o governante em causa a oportunidade de se dar a ver, para justificar a carência de recursos qualificados nas escolas, algo para que tem vindo a contribuir (e muito).
     Para não me ficar pelo Português, acrescento que Geografia a ser lecionada por professores de História (ou o contrário que seja) também não está mal! Terão ambos os grupos profissionais profissionalização afim? Desconheço-o, por ora. A não ser assim, pode ser o começo para o que ainda possa vir a ser o professor multidisciplinar ou de multi-saber(es), um pouco à semelhança dos do primeiro ciclo, até ao nível do secundário. Preparem-se os de Educação Visual para dar Economia e os de Informática para dar Filosofia. Quanto aos de Matemática, talvez se juntem mais às línguas, pela rima com a gramática.
     Entre o mundo alternativo e a realidade prática, espero que não estejamos na maravilha da(s) despolítica(s) educativa(s)! A não ser isto, haveria que assumir que vale tudo: tudo ao molho e fé em Deus (ou deuses que valham)!

    Que não seja esta a altura de dizer "Viva o desgoverno em que nos encontramos!" (e sem alternativas credíveis para tanto desconcerto, sem previsibilidade de conserto perante a cegueira de quem não vê para onde tudo isto nos está a levar).

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Uma questão de tempo (do visível e também do invisível)

      A propósito do programa televisivo 'Prós e Contras' (RTP-1) e da reflexão sobre o tempo.

    Talvez, melhor dizendo, dos tempos. Afinal, foram abordados muitos, numa perspetivação tão multifocada quanto representativa de como estar ou ver a vida.
      Reconheço que tenho assistido a vários programas televisivos cuja temática e discussão têm sido perdas de tempo - a sensação que me fica é a de que muito se discute nos "Prós e Contras" e, no fim, de nada vale, porque tudo rola da mesma forma, como se nada tivesse adiantado tanta argumentação. O de hoje, por ser mais reflexivo e equacionador da própria perceção do que é o tempo, não se me revelou tão improdutivo; pelo contrário, tomei-o como mais informativo, mais enriquecedor nessa versatilidade percetiva do que o 'tempo' é. Alguns momentos foram mesmo intensos na discussão, nomeadamente o da relação do tempo com a educação:

Excerto do programa 'Prós e Contras' (RTP1)

      O momento em que se discute que é preciso tempo na educação e que alguém parece não o querer dar - até como forma de manipular as mentalidades - surgiu-me como a oportunidade de sublinhar que ensinar a pensar, encarar a educação como um processo são conceções desafiadoras para os nossos tempos. E quando José Gil refere que o Estado não tem tempo e não dá tempo a quem dele precisa (do tempo, porque do Estado e do governo a discussão será muito outra), muito fica explicado de algum do desgaste e do insucesso educativo nos últimos tempos.
    O tempo que não se dá, o tempo que se retira, o tempo que se satura, o tempo que se ocupa inutilmente e, pior do que tudo, o tempo da ingratidão (quando, na relação educativa, devia ser bem o contrário). Uma ingratidão que acontece a vários níveis nessa relação entre o topo e os que dele dependem.
   O professor David Rodrigues mencionou a gratidão como "a grande provedora do tempo", fundamental na relação de alteridade (para com o outro) que a educação é. Ousaria acrescentar uma outra: a presença. Saber que alguém se mostra e está presente, atento e focado na melhoria do outro e da relação com ele.

      Quando em vez de gratidão e presença se dá lugar a ingratidão e ausência, não há ministério que seja bem sucedido. Ainda assim, muito do trabalho da escola será feito quase numa lógica de missão, de ação (re)construída, qual fénix renascida, a partir do clima de desencanto e desilusão. Porque há que lembrar que alguém vai sobreviver a políticas de ingratidão e de ausência.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

O Violino de Auschwitz

      Não é o conhecido título do livro de M. Àngles Anglada (romancista catalã), mas uma atividade escolar (e educativa) que fez relembrar um passado trágico.

 Uma conferência-concerto multimédia, promovida pelo grupo disciplinar de História da Escola Secundária Dr. Manuel Laranjeira (ESML - Espinho), contou com a presença / dinamização do violinista / relator / investigador Maurizio Padovan. No Dia Internacional dos Direitos Humanos, este homem-espetáculo lembrou, a toda uma plateia de alunos e professores, um tempo que não pode ser esquecido. 
      Como contador de histórias e da História, comunicador eficiente e cativante, executante de peças musicais da época do holocausto, o professor Maurizio compôs a sua apresentação de uma forma tão impressionante e entusiasmante que a concentração do público era tão notória quanto respeitosa para a memória de todos aqueles que foram vítimas de outras concentrações - bem mais terríficas e fatais (as dos campos de genocídio nazi).
       Numa amplitude diversa de registos (do mais sério ao mais irónico e cómico; do mais grave ao mais anedótico), a História fez-se ouvir no que de mais grotesco, hediondo tem para a Humanidade, mesmo que mascarada, disfarçada de ilusões, na forma mais propagandística que os regimes fascistas também puderam construir. 
      Se a moda das meias de vidro (lançada a 27 de outubro em 1938, na Feira Mundial de Nova Iorque) abrilhantou, com grande sucesso, a beleza feminina, a Segunda Guerra Mundial não deixou de ver no nylon o material adequado para o fabrico bélico de pára-quedas, pneus, tendas, cordas, fatos impermeáveis. Quase fez com que, praticamente, desaparecesse a produção de meias. A fronteira do belo e do grotesco é tornada ténue. Se a música é arte de sons, melodias, harmonias e ritmo no e para o(s) tempo(s), é também prática cultural humana matizada de efeitos e sentidos inusitados - que o digam o 'tango da morte' ou a 'música da mentira'. São memória de um drama humano em várias línguas (alemão, checo, hebraico, iídiche, polaco, romeno), tantas quantas a tortura e o sofrimento fizeram ouvir. 

Demonstração-vídeo de "Violino de Auschwitz" (conferência-concerto na ESML)

      Se ouvir música / cantar fazia enfrentar e relativizar a sensação de fome e dor; se trazia notas de uma esperança a todo o tempo ameaçada, também com ela se anunciava a morte e se disfarçava o futuro irrevogavelmente fatídico na forca, nas valas ou nas câmaras de gás. Na condição de prisioneiros condenados à morte pela raça, ideologia e/ou religião, inúmeros judeus, ciganos, "diferentes" cavaram fundo, nas suas almas e na busca de inspiração, para criar e interpretar pautas de absurdo e de abismo, frequentemente culminadas em crematórios ou valas de morte.
     Aristides de Sousa Mendes não deixou de ser lembrado - um português nos "Justos entre as Nações" e nessa luta que foi a de salvar judeus e outras potenciais vítimas às mãos nazis. Um herói que terminou os seus dias em desgraça, depois da desobediência em consciência.
     Disto e doutras curiosidades se fez acompanhar o violino, instrumento cuja construção no concelho de Espinho data de 1924 com o artista Domingos Capela, jovem marceneiro, natural da freguesia de Anta. Arte e dedicação levaram-no a ser conhecido mundialmente. O filho Joaquim Capela tem mantido o interesse e o mérito / reconhecimento internacional, colocando Espinho no centro de uma tradição geracional e familiar voltada para o mundo. 

      Um violino que trouxe música para homenagear vozes que o Holocausto silenciou; que também convocou memórias pessoais de uma viagem que marcou; que deu as notas necessárias à evocação de um dia que, desde 1948 (quando a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem), se mantém atual. Um agradecimento ao grupo de História da ESML, que tornou esta manhã mais luminosa e celebrada.

domingo, 1 de dezembro de 2019

A tradição já não é o que era! Pois a História também não!

     A História (sim, escrevo com maiúscula, para não associar a disciplina a uma historieta qualquer) reescreve-se (mal) na televisão.

       Tenho vários motivos para relembrar o 1 de dezembro - dos mais pessoais aos mais culturais. Uns tornaram a data feriado nacional; outros nem por isso, por mais importantes que para mim sejam. Já ouvi dizer muita coisa: que é feriado por ser o dia mundial da SIDA (preferível do combate à SIDA), por termos conquistado a independência (reconquistado ou restaurado, seria melhor), por causa do terramoto (com um mês de atraso). E, no meio de tudo isto, até feriado deixou de ser, por uns tempos - por mais que tenha sido dia para as nossas vidas.
       Hoje fiquei mais esclarecido quanto à imbecilidade informativa que reina na república:

Foto colhida a partir do ecrã televisivo - hoje na emissão da SICNotícias (Foto  VO)

    Palavras para quê? Cantam os altos dignitários da nação o hino (da República); regista algum incompetente da informação a assumida ignorância (da História). E assim segue um país, que não valoriza a sua Cultura e História (no âmbito da Educação).
     Tendo o ensino da língua, entre várias componentes / dimensões, a da Cultura e da História de um povo, também aquela sofre e reflete a aposta / o apagamento que destas se faz. A evidência de como tudo anda baço, negro (ou mesmo "negro boçal", como diria Padre António Vieira) está aos olhos de todos (mesmo daqueles que irão descobrir, por que razão celebraram, cantaram o [de]feito).
     Feriado a um fim de semana é coisa, por certo, escusada. Pior se revela quando se demonstra a agnosia dos tempos, particularmente dando-se a ler algo que não dignifica nenhum tipo de canal televisivo (público ou privado). Ainda vão dizer que temos república há mais de quatro séculos! 

     Batam palmas, façam festa, ponham a melhor fatiota e esperem pela "Greta" (que vai salvar o mundo com a sua cara de má e o seu "How dare you!"). Triste, tudo muito triste! Estamos a precisar de um novo restaurador para o que há muito se tem vindo a perder.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Uma conferência tão atual... na educação

    "Não deixar nenhuma criança para trás" (ou a ironia de um discurso que não deu em ação feliz, apesar da grandeza de princípio).

     Num artigo acerca de "Questões polémicas no debate sobre políticas educativas contemporâneas: o caso da accountability baseada em testes estandardizados e rankings escolares" (publicado na obra Do Currículo à Avaliação, da Avaliação ao Currículo, organizada por Maria Palmira Alves e Jean-Marie De Ketele, com a chancela da Porto Editora), Almerindo Janela Afonso refere o No Child Left Behind Act, do tempo de George W. Bush, salientando como os efeitos de tal normativo se revelaram indesejáveis e bastante insuficientes, ao ser aplicado sem estruturas nem procedimentos consentâneos, nomeadamente com a aplicação de testes estandardizados como forma de verificação do sucesso escolar.
     Sir Ken Robinson, conselheiro internacional de educação com mais de trinta anos de obra publicada, há cerca de seis anos participou num encontro, no qual conferenciou sobre os fatores que contribuem para a evolução e o progresso humanos. Concluiu, também, que a escola tem funcionado ao contrário do que são os conceitos-chave associados a tais fatores (diversidade, curiosidade e criatividade). Conformidade, padronização e testagem, marcando a ação educativa em termos genéricos, estão em desalinho, definitivamente, e refletem uma conceção de escola mecanicista, apriorística nos propósitos e fechada à alternativa.
   A lógica de todos a fazer o mesmo (sem diferenciações), e na cegueira completa face à potencialidade que cada um poderia trazer, é tão rotineiro quanto desmotivante, promovendo condições de insucesso e abandono:

TED 1: Sir Ken Robinson (professor de Artes da Universidade de Warwick)

TED 2-3: Sir Ken Robinson (professor de Artes da Universidade de Warwick)

     A metáfora do Vale da Morte e a exploração das sementes de possibilidade perspetivam-se, no final do excerto, como sentidos de oportunidade e desafio, com a alternativa a assumir-se como realidade visada para prática comum.

    Na ironia que a lei americana representou e que Sir Ken Robinson desconstruiu, diria que há coincidências desconcertantes e interpelantes com o contexto educativo e normativo atual português (num sentido de inclusão que o tempo dirá se não foi mais de exclusão).

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Bem precioso!

     Seja a água...

     Saber continua a ser uma forma de poder. Ignorância não ajuda a fazer escolhas.

Desconhecimento - fazer do perto longe

     Quando se sabe escolhe-se melhor. Quando não se sabe, as escolhas são tão erráticas que nem se faz a opção pelo que está mais à mão / mais perto.
     Sem água não há ser vivo que sobreviva por muito tempo, com ou sem conhecimento; sem conhecimento também há quem possa não chegar ao destino atempadamente, pondo em risco a existência.

     ... seja o conhecimento.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Política?! Sim...

       Em busca de uma política de bem comum.

      Não a dos partidos políticos, porque essa já cansa de tão retórica, ilusória, fingida e desacreditada. É mais a dos seres humanos que, em solidariedade e em esforço conjunto e gregário, convocam a noção etimológica da polis, do ser social que aspira ao bem comum, sem a sede de poder.
     Não se trata de governar um estado (longe de mim tal pretensão), mas de educar para valores sociais que permitam a intervenção na realidade, na sociedade enquanto cidadão livre, responsável e respeitador do outro, particularmente daquele que está em situação crítica.

Diapositivo I de um Powerpoint para abordagem de discursos políticos

Diapositivo II de um Powerpoint para abordagem de discursos políticos

    Nisso a arte também tem o seu papel desencadeador, promovendo a leitura, a discussão, a aproximação a sentidos comuns de realidades por vezes bem distintas. Vieira da Silva, pintora portuguesa, é um caso a considerar neste raciocínio. Há histórias trágico-marítimas muito diversas, de tempos bem contrastivos, mas todos convocando o perigo, a fragilidade humana, o caos social.

      Leia-se a arte, relembrem-se os textos, revivam-se histórias da História e, afinal de contas, o(s) tempo(s) repete(m)-se. 

terça-feira, 2 de julho de 2019

"Isto não vai lá com Oficinas de Escrita"!!!!!!!!!

        E agora que ando a dinamizar formações sobre o tema, só me faltava ouvir esta!

    A opinião é de António Carlos Cortez, que, no programa Prós e Contras (RTP1) sobre a 'Revolução Digital na Educação', profere, por duas vezes, que as oficinas de escrita não são a solução para os problemas no ato redacional dos alunos.
        Revejam-se os momentos:

Montagem de excertos do programa 'Prós e Contras' 
(RTP1 - emissão 01.07.19)

      No meio de tanto posicionamento crítico sobre a era digital na educação - a maior parte dele a ser subscrito por mim no que à "esquizofrenia" da supremacia  tecnológica diz respeito -, o tópico da oficina de escrita tocou-me ('Quem não se sente não é filho de boa gente, dizem') e critico (reconhecendo que 'Quem critica os defeitos é porque ainda não viu as virtudes', se as houver). Discordo que 'isto não vá lá' com oficinas de escrita, se estas resultarem de projetos estruturados; de dinâmicas faseadas, progressivas e moldadas pelos pressupostos da pedagogia da escrita; de oportunidades de instrumentação sistemática da escrita (com explicitação e consciencialização de técnicas redacionais).
     Só parcialmente compreendo a ideia, no caso de o conceito de 'oficina de escrita' ser redutoramente perspetivado no âmbito da escrita lúdica e recreativa. Podendo esta última constituir uma oportunidade de indução e exposição à escrita, não é garantidamente suficiente para a aprendizagem deste domínio fundamental às disciplinas que nela se apoiam e dela fazem depender a avaliação - isto é, quase todas.
         A aprendizagem da escrita faz-se, sim e também, com oficinas de escrita, quando estas são dinamizadas na consciência da aplicação de instrumentais e de processos que a escrita requer e uma pedagogia da escrita preconiza. Planificar uma sequência de aulas que visa o ensino de mecanismos de escrita (passando pela planificação, textualização e revisão, na progressão e na retoma sucessiva das etapas); orientar o ato de escrever segundo metodologias que permitam passar de focos a nível macro (planificação, gestão de informação, conhecimentos de mundo e universos de referência, domínio lexical, coerência) para focos a nível micro (sequencialização e textualização a nível de ortografia, pontuação, sintaxe); fasear procedimentos que, uma vez revistos e consciencializados, permitam integração e articulação em desempenhos mais consistentes, não sei por que razão não pode este percurso ser designado de 'oficina de escrita' (prefiro às cozinhas, de Cassany, ou aos estaleiros, de Jolibert), quando tal significa colocar os alunos em trabalho orientado, continuado, progressivo, integrado e partilhado com os professores.
        Diria mesmo que desta forma ou trabalhando a escrita com alguns pressupostos oficinais se criam condições de ensino-aprendizagem desejáveis, porque motivacionais e capazes de implicar professores e alunos em ação / atividade conjunta, na explicitação e na consciencialização de técnicas conducentes a desempenhos mais consistentes.

        Em suma, com oficinas de escrita ou escrita com alguma oficina constroem-se oportunidades estratégicas de ensino-aprendizagem participados e implicados em percursos de maior sucesso (porque de maior condução para desempenhos crescentemente autónomos). Interessa ensinar e aprender a escrever.