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sábado, 22 de março de 2025

Onze anos depois

     Regresso a Cabanas de Viriato e ao palacete, hoje museu, de Aristides Sousa Mendes.

   Já muito escrevi acerca de uma das personalidades mais relevantes da História de Portugal do século XX, internacionalmente reconhecida como um "Justo entre as Nações", mas que ainda muitos teimam ver apagada, na permanência de uma condição que a jornalista Diana Andringa apelidou de "O Cônsul Injustiçado".
   Volto ao tema, pela visita hoje levada a cabo à casa que vi já bem degradada e, presentemente, se dá a ver restaurada, acolhendo o Museu Aristides de Sousa Mendes. Não fossem os sinais interiores (denunciadores da injustiça, da perseguição, da miséria para que foi conduzido), dir-se-ia que, pelo exterior, um libertador do sofrimento e da desgraça está mais do que enaltecido. Não será nunca o caso.
    Guiados por um familiar seu, foram cerca de quarenta participantes a partilhar uma oportunidade de aproximação / identificação com uma causa que devia ser a de todos os homens: generosidade e grandeza de alma ao serviço do salvamento de povos ostracizados, conduzidos, por uns loucos despóticos do tempo, para um fim indigno.

Contrastes que o tempo produziu (montagem fotos VO)

   Muito trabalho foi já desenvolvido para um conhecimento mais efetivo do que representou, no seu tempo, este diplomata português, cujo desejo acabou por ser o de "ficar do lado de Deus contra os homens, em vez de ficar com os homens contra Deus". Num espírito de desobediência consciente, enfrentou e desafiou ordens expressas do ditador António de Oliveira Salazar (contrariando a famigerada Circular 14) e, durante três dias e três noites, concedeu milhares de vistos de entrada em Portugal, para refugiados de várias nacionalidades interessados em fugir de França e de outros países europeus (invadida pelo regime nazi). 
  Pagou caro por isso, e tal é comprovado de várias formas - uma delas, talvez a mais leve, por ter entregado um sobretudo (recentemente readquirido pela fundação para o museu) como forma de pagamento de uma despesa feita para poder alimentar a família.

Uma das salas do museu (primeiro andar) homenageando o Cônsul de Bordéus

   Num mundo que vivia e se digladiava com fortes armas, dizimando seres, Aristides Sousa Mendes empunhou um carimbo, para salvar milhares.

   Perante o vivido no museu e o restauro evidenciado no palacete, falta o passo de divulgação, de requalificação e de revalorização nacional merecidas de um dos seus maiores no período da Segunda Guerra Mundial; alguém que se interrogou sobre a vivência de um tempo tomado de desumanidade e loucura: "que mundo é este em que é preciso ser louco para fazer o que é certo?" Lembrá-lo será sempre pouco para o bem que fez.

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Caminhada com / para todos

     Faz-se com passos, momentos, espaços, valores, pessoas e diálogo.

     O Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira teve a honra de, neste dia, entre as nove e as onze horas, contar com a presença do reverendíssimo Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, D. Roberto Mariz, acompanhado pelo pároco de S. Martinho de Anta, Sr. Padre Sérgio Leal, bem como o Presidente da Junta de Anta-Guetim, Nuno Almeida, numa visita à escola-sede.
     A receção feita por um grupo de alunos que abriu o evento com cartazes onde se liam palavras como "Paz", "Amor", "Sabedoria", "Solidariedade", "Amizade", "União", "Liberdade" em várias línguas traduzia, desde logo, a aproximação a valores transversais à humanidade, independentemente de cor, credo ou cultura. Um pouco na linha do pensamento do misticismo laico de Manuel Laranjeira, evocou-se esse alicerce de afetos, essa "nave de uma catedral infinita, após um acordo afectuoso, final, [com] todos esses seres que a engrenagem social fez inimigos irredutíveis: reis, imperadores, plebeus, vadios, criminosos, fartos, famintos, vencidos, vencedores, esmagados, todos, os homens todos, a Humanidade inteira - a vida inteira.” (in Obras de Manuel Laranjeira, vol. II, Porto, Edições ASA, 1993)Ecoaram as palavras desse alguém que, sublinhando a presença e a integração de "todos, todos, todos", convocou um espírito universal(izante) de irmandade, proximidade, empatia, afetos - ingredientes para essa utopia de felicidade num mundo de e entre iguais.
     Da entrada ao átrio interior, a música, a dança, a poesia dos textos e dos pensamentos, a árvore dos afetos e da gratidão, o canto, a dádiva e a oferenda constituíram momentos em que muitos ofereceram o que de melhor têm. A caminhada culminou no Auditório Maria Ricardo, repleto de jovens com vontade de encontrar, (re)ver, ouvir quem se predispunha a dialogar, refletir, partilhar pensamentos, testemunhos, experiências, percursos de vida, sublinhando valores fundamentais ao esforço, à aprendizagem, à aproximação e à união de todos os que se cruzam, também, em instituições sociais, humanas e humanistas.

Manifestação dos valores ecuménicos em vários idiomas (Foto VO)

Visita Pastoral do Reverendíssimo Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, Sr. D. Roberto Mariz, no AEML

   A abertura à crítica, ao que nem sempre corre bem, aos desvios que requerem correção complementou-se com o espírito festivo do "parabéns a você" de um aniversariante; o ânimo, a animação, a alma de um encontro que torna o dia diferente fizeram ganhar expressões de felicidade no rosto e nos gestos (bem como na procura da 'selfie' que, para alguns, sempre marca o momento); a alegria de estar com alguém que comunicou, comungou (sor)risos, saudações, bem-estar, familiaridade, naturalidade, simpatia, trato afável, satisfação e, acima de tudo, gratidão foi o reconhecimento maior para os que muito deram e tanto fez receber. 
    Ficou a mensagem de que, com tanta movimentação, em múltiplos sentidos, há sempre a oportunidade de cruzar o olhar e encontrar o outro para cuidar.

    Há homens que têm o dom de nos aproximar do bem, do exemplo, da mensagem ecuménica que inspira e ilumina a vida. D. Roberto Mariz é um deles, como a comunidade educativa que o acompanhou o pôde comprovar. A todos os que muito contribuíram para a planificação, organização e concretização da "caminhada", impõe-se o agradecimento pelo bem que souberam construir. Nas palavras de José Tolentino de Mendonça, "Compreender que a esperança floresce no instante é experimentar o perfume do eterno."

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Uma lição de contemporaneidade, intemporalidade e universalidade

     Pelos 500 anos de Camões - com engenho e arte.
   
   Ainda que um dos anos de referência seja o do já concluído 2024, o recentemente iniciado 2025 não se encontra fora de contas, ou tempo, para o quingentésimo aniversário do nascimento de Camões.
    Com a presença simpática, sapiente e generosa do Professor José Augusto Cardoso Bernardes (comissário-geral para as Comemorações do V Centenário do Nascimento de Luís de Camões), os alunos do 11º ano do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML) tiveram o privilégio de receber uma Lição (intencionalmente maiusculizada, pelo orador e pela qualidade dos "sinais de vida" transmitidos), a propósito de um dos três maiores da literatura universal (a par do grego Homero e do romano Virgílio).
    No muito de lendário e mítico - numa espécie de "nada que é tudo" - que a biografia do quinhentista luso possa ter, a data e a localidade de nascimento são ainda objeto de discussão entre estudiosos. Suposições, conjeturas, portanto. O mesmo não se dirá já da morte, nesse 10 de junho de 1580, factual e explicitamente confirmado em documento conservado na Torre do Tombo, garantindo à mãe a tença atribuída por D. Sebastião; tornado feriado nacional, inicialmente, em honra de um poeta; hoje identificado como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
    Quanto à obra, da muita que nos chegou, importa lembrar que, há meio milénio, esta circulava oralmente, perante uma imprensa que já tinha sido inventada entre 1439-1450 e cuja evolução era bem mais lenta do que a atualmente verificada com qualquer progresso tecnológico. A fixação de texto era débil, mediante a realidade do objeto livro que, no século XVI, não deixava de ser um tesouro, apenas acessível a poucos e da propriedade de muitíssimos menos. A autoria mantinha-se bastante discutível, mediante a apropriação e a atribuição de versos que eram cantados, oralizados, repetidos de corte em corte e pertenciam a um anonimato (des)interessado comummente designado de "tradição oral / popular". Sabe-se que Camões viu publicada a epopeia Os Lusíadas em 1572; são póstumas as edições das Rimas, numa identificação de poemas que, nalguns casos, permanecem dúbios quanto à composição autoral, face a critérios filológicos mais rigorosos.
      Camões falou com um rei, dedicando-lhe uma epopeia e ousando formá-lo e avisá-lo dos perigos que os galgos (cavaleiros) poderiam representar, numa recriação do mito de Actéon (com o caçador a ser caçado); produziu obra que, entre a euforia e a visão crítica, se tornou reconhecida, desde o início até à atualidade. Mesmo para quem, como Fernando Pessoa, se designou "Supra-Camões", o épico quinhentista não deixava de, no início do século XX e com o Modernismo, estar situado num patamar maior, de referência. 
      Nas palavras do especialista convidado - professor catedrático e reconhecido camonista (para além do estudo que desenvolve com outros autores dos séculos XV e XVI da literatura portuguesa) -, Camões está vivo: enquanto ícone cultural, agregador e marca de identidade / pertença, na linguagem e nos códigos institucionais diplomáticos nas relações entre países; enquanto exemplo de contínua edição, ao longo de séculos e regimes, com tradução em diferentes línguas (e, desde logo, o português, certificado no século XVI, por critérios estéticos, como língua adulta, pois, à semelhança dos clássicos, admitia produção de uma epopeia); enquanto tópico escolar (desde a edição comentada dos Piscos, em 1584); enquanto transmissor de valores, numa pedagogia e formação de leitores, que, em meio milénio, acederam - nos versos partilhados, nos episódios narrados, nas reflexões produzidas (e as que atravessam Os Lusíadas são impregnadas de valores em que humanismo, humanidade, consciência de mundo e consciência da fragilidade da condição humana são ingredientes para a universalidade e intemporalidade do poeta) - aos tópicos da mudança, da diferença, do (des)amor, da (in)justiça, do infortúnio (que a Fortuna, por vezes, deixa durar demasiado), do esforço, do poder material / espiritual, da (des)ilusão, do verdadeiro valor da glória, dos deuses e dos heróis... da viagem que a vida é. 
     
     A iniciativa, levada a cabo pelas professoras bibliotecárias e pelos docentes de Português do AEML, não deixou de ter o contributo de alunos, que partilharam leituras de vários poemas: de Camões e de autores que, na passagem dos séculos, o versaram, citaram, recriaram (Bocage,  Sophia, Torga, Nuno Júdice, Adília Lopes, Manuel Bandeira). Outras provas de vida, dignas de celebração. Nada como terminar esta última, num convívio à mesa, numa refeição confecionada pelos formadores e formandos do Curso Profissional de Restaurante-Bar e condimentada pelas especiarias de um tempo bem (re)vivido.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Ubuntu: eu sou porque tu és.

      Uma palavra Nguni, do Afrikander, trazida para primeiro plano por Nelson Mandela e Desmond Tutu.

     Representa uma filosofia social sublinhando o ser, o saber e o agir assentes numa liderança servidora; uma pedagogia educativa visando a paz, a amizade, a solidariedade, a fraternidade, valores que sublinham a dignidade do ser humano e aspiram a um ideal de sociedade empático, fraterno e visionário, com figuras como Nelson Mandela, Martin Luther King ou Malala na incorporação do lema “Eu Sou porque tu És”, pela valorização da interação, comunicação, comunhão, interdependência e solidariedade. Focada no desenvolvimento e na promoção de competências pessoais, sociais e cívicas dos participantes, contribui para a transformação destes enquanto agentes de mudança ao serviço da comunidade, ajudando na construção de uma cidade mais inclusiva, equitativa, justa.
  Convidado a partici-par numa mesa-redonda da Ubuntu Fest promovida pelo Instituto Padre António Vieira e com a colaboração da Câmara Municipal de Espinho, fui dignamente acom-panhado pela presença da Senhora Presidente da Câmara (Maria Manuel Cruz), dos Presidentes das Juntas de Freguesia de Paramos (Manuel Dias) e de Anta-Guetim (Nuno Almeida), bem como do Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Gomes de Almeida (José Ilídio Sá). Uma assistência de alunos e professores / educadores compôs um auditório de onde foram lançadas algumas questões. Perguntas a que tive(mos) oportunidade de responder, numa alargada partilha de ideias, pensamentos e ações de líderes servidores que, de algum modo, todos acabamos por ser nas múltiplas funções exercidas.
     À primeira questão, sobre situações em que já tivesse duvidado da minha liderança, diria que foi tudo o que um líder não gosta de admitir publicamente: a sua condição frágil perante ameaças, perigos, dificuldades que a vida coloca a qualquer um. Por certo, nenhum líder aprecia lidar com conflitos que não são seus, mas que tem de gerir; constatar desarticulações entre níveis de liderança ou princípios orientadores para a ação e a ação propriamente dita; consciencializar fatores de desequilíbrio pessoal e profissional que convergem para a afirmação de cansaços, de ausência de força própria ou dos outros capaz de comprometer objetivos, metas, projetos; deixar-se invadir por desilusões que não sejam encaradas como oportunidades ou desafios para seguir em frente. Momentos há em que a tomada de decisão, por mais participada e partilhada que seja, acaba por ser um ato individual, solitário, o que pode causar algumas ansiedades, angústias, mal-estar, particularmente quando o estilo de liderança e de serviço é pensado / encarado de forma participada, democrática e conjunta, apostada mais no coletivo do que no individualismo e no individualizador (tendente para o egocentrismo, o narcisismo e a idolatria). Ser capaz de ver na liderança servidora um meio de ultrapassar estas disfunções, de encarar a resistência e a resiliência como estratégias de superação é o caminho a traçar, sempre que a dúvida, a indecisão, os dilemas se instalam. Transformar o negativo ou instável em foco de ação e conquista para o sentido oposto é o desiderato de quem se pôs a jeito e se propôs liderar em qualquer escala (pouco ou muito) / abrangência (poucos ou muitos) / nível de ação (topo, intermédio, base). De forma mais ou menos planificada, interessa que a dúvida dê lugar a uma construção, mais ou menos participada, mais ou menos partilhada, para que algum bem comum se vislumbre.
     Sim, já passei por tudo isto, a par de uma constatação de limites e limitações que me surgem, mas que procuro relativizar, aprender a resolver, fazendo de cada dia um passo nesse percurso que também outros fazem comigo, quer como diretor quer como professor,... acima de tudo, como pessoa. Liderar, servindo.
    Surgiu, então, a segunda questão: que conselhos dar a jovens que desejem ser líderes servidores. Apetecia-me devolver a questão: o que estão predispostos a fazer para bem do(s) outro(s) e do próprio? Que pontes construir para unir margens, voltadas para o fluir das águas como símbolo dos tempos; para a mudança das pessoas em termos de crescimento, desenvolvimento, empoderamento?
   Ser, conhecer, agir implica construir aprendizagens, estudar, aprender, ler muito para ter conhecimento de mundo, alargar horizontes e ajuizar com sentido crítico e fundamentado; para sustentar valores que interessa apreender, em detrimento dos que não dignificam nunca a pessoa. Está aqui um primeiro conselho, para quem particularmente frequenta a escola ou qualquer organização educativa.
   Procurar descobrir um sentido de bem, mais orientado para o coletivo, descentrado de "egos" narcísicos e focado na ética do cuidar (a significar tanto pensar como acompanhar, tomar conta) do outro; colocado na posição do outro e não no umbiguismo vitimizador ou idólatra.
    Testemunhar / dar o testemunho do e no que se quer do outro ("Eu sou o que tu és"), valorizando a pessoa, a sua dignidade, pela aproximação e inclusão, pela interação, pela comunicação e comunhão de valores, ideais.
  Desconfiar de imediatismos e facilitismos, que não contribuem para o que seja estruturante e estruturador; antes para o contingencial, para o acrítico, para populismos, agitações, arruaças que não engrandecem ninguém.
    Questionar a liderança e o serviço (quem / a quem, o quê / qual, como), atentando nos meios a usar, nos fins a atingir e nos valores a adotar conscientemente (líderes sempre os houve, alguns mais consensuais do que outros, uns mais validados e legitimados, num relativismo histórico que, contemporaneamente, não nos leva a aceitar o exemplo de alguns que já o foram e de outros que o são ou estão brevemente para ser).
    Cinco conselhos para os jovens se tornarem verdadeiros e legítimos "influencers", no bom sentido da palavra.
    
    Uma tarde no Multimeios de Espinho, com líderes servidores e com jovens que podem ser agentes de mudança numa sociedade que, sendo bairro, escola, cidade, país, tem esperança nos tempos vindouros (mesmo quando os sinais de perigo parecem invadir a vida, a sobrevivência e a paz de muitos).

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

"Passei por aqui"

      Ontem e hoje...

     As palavras citadas podiam ser as do Dr. Pacheco Pereira, que, no Auditório Maria Ricardo da escola-sede do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML), presenteou o público (alunos, professores, antigos companheiros de percurso de vida e profissional) com a presença, a palavra, o pensamento de um homem da política; da intervenção e colaboração com a media; dos livros e das bibliotecas; da filosofia e da História; da educação (enquanto professor que foi / é); da liberdade.
     A convite da Coordenadora da Biblioteca do Agrupamento Dr. Manuel Laranjeira, assistiu-se a um diálogo, um ponto de encontro, uma conversa que ocupou parte da tarde dos presentes, num registo pautado pela cordialidade, pela familiaridade, pode dizer-se por alguma informalidade, também com a colaboração do jornalista e espinhense Mário Augusto (curiosamente, um dos alunos do convidado especial). Sem a "Quadratura do Círculo" ou "Janela Indiscreta", programas televisivos protagonizados, respetivamente, por Pacheco Pereira e Mário Augusto, ambos proporcionaram uma comunicação feliz entre o inspirador e o memorialista. 
    Aos jovens estudantes que também o(s) interpelaram, foram dados exemplos de um tempo que, felizmente, não vivem (a época anterior ao 25 de abril); conselhos para um futuro que se constrói com o saber, o estudo e o trabalho; apontamentos de um pensamento político marcado pela evolução, pela aprendizagem, pelo compromisso com o bem público (no sentido mais etimológico de 'política'), mesmo que este tenha cambiantes próprios de uma visão social feita do contexto e das contingências do tempo e da vida.
     Hoje integrando a Escola Básica Sá Couto, o Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira recebeu um dos seus professores de Português e de História nesse estabelecimento de ensino, na década de setenta do século passado, mas com a memória bem presente do vivido pela luta da liberdade - o que o fez ser agraciado com a Grã Cruz da Ordem da Liberdade (9 de junho, 2005), pelo Presidente da República de então, Dr. Jorge Sampaio. 
     Na partilha dessas vivências e memórias no presente, ficam as notas de que as conquistas não são dados definitivamente adquiridos; de que tanto mais valor se dá às coisas quanto mais experienciadas elas são; de que as convicções são construções que decorrem de formação, aprendizagem, leitura, contacto com o mundo real; de que ler, saber algo é garantidamente uma mais-valia para o percurso pessoal, social, profissional, político de qualquer ser humano.

Apontamento no blogue Ephemera sobre a presença do Dr. José Pacheco Pereira no AEML

      Enquanto detentor da maior biblioteca privada nacional - de que o blogue Ephemera é registo, arquivo documental difusor -, o homem de livros e de histórias que o Dr. José Pacheco Pereira é constituiu forte motivo para também se refletir sobre a leitura e os diferentes suportes que a fomentam; o domínio da língua e do vocabulário rico e expressivo, que não cabe no imediatismo de um dispositivo pequeno para a grandiosidade da inteligência humana, natural, feita também de um sentir que os "companheiros do tempo e da profissão" ajuda(ra)m a (re)criar pelos sorrisos e abraços efusivamente partilhados.
      No âmbito das atividades do AEML, que neste ano letivo se aglutinam no pensamento e no tema "(Rumo aos) 50 anos: do Liceu Nacional de Espinho ao Agrupamento Manuel Laranjeira", recebeu-se hoje um professor e um aluno da antiga Escola Sá Couto; não se esqueceu que, no ano letivo anterior, "74:24: o que cabe em 50 anos" foi tema para celebrar o 25 de abril, cujos valores de liberdade, democracia e participação importa alimentar ontem, hoje e sempre, a cada dia de cidadãos interessados em preservar conquistas que dignificam o ser enquanto elemento de uma comunidade.

      De uma conversa se fez uma grande lição, abrilhantada também pelo canto lírico de um poema de Sophia: "Liberdade"; pela presença de antigos professores e antigas diretoras das escolas do agrupamento; pela curiosidade e pelo compromisso de todos os que, no presente, caminham rumo ao futuro que se quer também feito de esperança.
      

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Vá lá! Do mal o menos!

    Acertaram nalguma coisa.

    Nem as fotos da documentação exposta na escola ou as da entrada do edifício deram para identificar corretamente o patrono:

Patrono, desculpa-os, que nem sempre sabem o que escrevem (foto VO)

    Manuel Laranjeira com sobrenome reconfigurado. A falta de alguma coisa, por certo! Não é digno do patrono. Há que o reconhecer melhor.

   Vá lá! Escreveram bem o meu nome (sem 'c' e com acento no 'i'), sem me terem perguntado como o fazer.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

E assim se falou dela...

     Terminou a semana com as palavras do patrono.

     Adjetivada de "outoniça", a semana culminou com as palavras do patrono (Manuel Laranjeira).
   Na obra Comigo (1912), entre vários poemas reveladores de uma atitude de ensimesmamento e introspeção, busca-se um incessante sentido da existência. Numa visão que busca a ilusão e se confronta com a consciência trágica e definitiva da existência, resta a jornada, o percurso, o caminho, a viagem - palavras que marcaram a mensagem transmitida, na qual se cruzaram conhecidos e alguns ainda por conhecer, todos unidos num momento e numa iniciativa singulares.
    No dialogismo das cartas, assistiu-se à encenação de um Laranjeira e de um Unamuno, numa prova de amizade (pessoal, intercultural e interlinguística). Foi uma oportunidade de encontro e um momento de partilha de leituras, de reflexões e de versos para a vida.
      Falou-se dela... dessa jornada...

Montagem com poema de Manuel Laranjeira e música de Debussy (Filme VO)

     Foi uma atividade para (re)lembrar, na Biblioteca Escolar, com trabalhos produzidos pelos alunos, uma exposição sobre o autor de Às Feras (1905), com e para lá dos textos.
    A vida é uma jornada, uma lição composta de bons e maus instantes, mas, acima de tudo, de caminho, de jornada.

     Em dia de nuvem, sombra, chuva e trovejo, não se deixou de falar de sol e de como neste há calor, há esperança (porque tudo é passagem) e deve ser dado tempo a que estes últimos se (nos) revelem.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Fechar do pano, aplauso eterno

      Nunca se espera o que nos está destinado.

     Acordar com a notícia da morte de Eunice Muñoz é sentir que mais uma referência da nossa cultura da palavra e do teatro parte.
     A versatilidade e a qualidade de papéis por ela representados granjearam-lhe o es-tatuto de "Senhora do Teatro Nacional"; fi-gura de proa reconhe-cida no talento, no trabalho e na gene-rosidade. Se aos dois primeiros se associa o profissionalismo, no último espelha-se o humanismo de que aquele(s) também precisa(m). Por isso, se tornou exemplo de sucesso e de excelên-cia, por ser completa na representação e no ser - duas dimensões que soube preencher de e com verdade. Acrescentaria com dignidade - para si e para os outros, que soube acompanhar no palco e na vida. Foram 93 anos de vida e 80 de carreira; cerca de duas centenas de peças, com presenças no cinema e na televisão; quase cem produções fílmicas, telenovelas e programas de comédia. Muita obra para uma enorme artista e não menor mulher. Afabilidade e sorriso marcaram-na; por isso, conquistou também o público que a aplaudiu na qualidade da representação dos pequenos e grandes papéis.
    Terminou como atriz no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, em 28 de novembro de 2021, representando "A margem do tempo" (de Franz Xaver Kroetz), no mesmo local onde se estreou em 1941 com a peça "Vendaval" (de Virgínia Vitorino), com a Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro. Mesmo quando a voz denunciava debilidade na projeção, a intensidade emotiva estava lá; a força da palavra persistia, resiliente.
     Vi-a por duas vezes ao vivo: Dúvida (2007), no Teatro Maria Matos, e O Ano do Pensamento Mágico (2009), no Teatro Nacional de São João. Na primeira, contou com a contracena fabulosa de Diogo Infante; na última, era uma mulher só num imenso palco e com um longo texto monologado. Em ambas as representações, fui pelo nome "Eunice Muñoz" e nessa concessão própria de quem quer dar uma oportunidade às personagens criadas; de ambas saí com a sensação de andar nas nuvens, como se o lugar da vida fosse o céu que acolhe nuvens e estrelas.

       Na enunciada eternidade do seu papel na vida e no teatro, Eunice Muñoz é identificada na e pela arte que viveu. Uma figura da cultura portuguesa, e que muitos souberam ver como valor sem fronteiras. Aplauso de pé. 

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Leonardo

      Começou bem o ano televisivo, com uma série sobre um grande para a Humanidade!

    O título disse tudo: "Leonardo". Sim, o que nasceu em Florença, em Vinci (comuna italiana, na Toscana). Daí, Leonardo Da Vinci. 

Leonardo (centro), Caterina (esquerda) e o investigador da polícia (direita) - imagem representativa da série

    Em duas semanas foi exibida, na RTP1, uma série datada de 2021, com realização em países europeus como a Itália, o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Espanha, bem como nos Estados Unidos da América. Enquanto figura das mais importantes no Alto Renascimento (nas áreas das artes e das ciências), Da Vinci foi apresentado com algumas fragilidades e pontos críticos no seu percurso biográfico; foram identificadas as suas influências, as suas invenções, sem esquecer o relevo de muitas das suas obras-primas. Encarado como o próprio arquétipo do Homem do Renascimento, foi retratado como polímata, dotado de talentos diversos e obcecado pela perfeição.

Encontro pessoal com a estátua de Leonardo da Vinci, em Milão

      Na representação desta figura, o ator Aidan Turner deu corpo a um protagonista histórico, numa intriga criada por Frank Spotnitz e Steve Thompson. 

Trailer oficial da série televisiva exibida na RTP1

     O ponto de partida foi localizado na cidade de Milão, em 1506, quando Leonardo da Vinci foi preso por ser falsamente acusado de envenenar Caterina de Cremona. Entre intrigas palacianas e detetivescas, houve toda uma analepse para recuperar a juventude (quando aprendiz no estúdio de Andrea del Verrocchio, onde conheceu Caterina) e a infância (quando abandonado pelo pai); refez-se todo um percurso de vida, pautado por descobertas, desistências, frustrações e conquistas, ganhos e perdas, amores e desamores, rivalidades, enganos e desenganos, com a entrega fiel ao que escolheu como família, paixão e projeto de vida.

   Na contracena, Matilda De Angelis (Caterina), Alessandro Sperduti (Tommaso Marsini, o companheiro de artes) e Carlos Cuevas (o amante Salai) enquadraram a vivência marcante desse artista e cientista, explorando a dimensão emotiva, pintada de várias tonalidades, na genialidade do autor de "Mona Lisa (ou Gioconda)" e "A Última Ceia".

terça-feira, 19 de outubro de 2021

67 anos depois - o reconhecimento oficial

      Uma cerimónia e uma homenagem justas para "Um Justo entre as Nações" português.

       Um exemplo humano a reconhecer, sem dúvida. Pena que, oficialmente, seja passado tanto tempo e depois de a voz da consciência interior ter sido confrontada com a injusta miséria infligida no final da vida. Como mais vale tarde do que nunca, chegou a devida homenagem, porque se impunha. Não foi no mês do nascimento (julho) nem no da morte (abril) Qualquer outro serve, pois este é um homem para lembrar a todo tempo pelo que fez; pelo testemunho que deu.

Aristides de Sousa Mendes - o cônsul de Bordéus (1885-1954)

    Aristides de Sousa Mendes causou incómodo ao poder, desrespeitando o dever de um diplomata: obedecer às diretrizes de um governo nacional(ista) mais interessado em se aliar à força maior da(s) ditadura(s) do tempo. Recusou seguir as ordens de Salazar (e o conluio que acabava por ter com Hitler). Teve um processo disciplinar por isso; sofreu, sabendo que ia ser castigado. Todavia, foi numa cultura de desobediência, e de consciência, que acabou por dar uma lição ao mundo: devolveu, com os vistos que assinou, a vida a milhares de perseguidos; olhou o outro na sua diferença e na sua desgraça, respeitando-o e libertando-o de uma morte certa à mão dos nazis. Fê-los chegar a Lisboa, tornada porta da esperança e da liberdade para mais de dez mil pessoas.

Jardim dos Castanheiros, junto à Casa do Passal
com árvores plantadas por judeus que visitaram a localidade e homenagearam o seu "salvador" (Foto VO)

     Foi este o legado de um homem. Ou melhor, de um Homem; de um Português, que assumiu um ato de consciência excecional: o de que sempre esteve certo (por mais que os poderes do tempo não o apoiassem).

     Hoje, precisamente há 81 anos, era lida uma sentença que castigava um justo; hoje, neste mesmo dia, um corpo mantém-se longe da capital, na sua terra de Carregal do Sal (Cabanas de Viriato), enquanto uma lápide evocativa é colocada no Panteão Nacional. Relembra um ser humano que salvou a vida de muitos outros e fez da sua a luta por valores e causas com sentido(s) de Humanidade. 


terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Da imprescindibilidade de um dicionário

        Sou do tempo em que se pedia um, em suporte livro, para cada sala de aula.

    Hoje, basta um computador ou telemóvel para facilmente se ter acesso ao dito material imprescindível para qualquer aula (de língua ou não).
     Direi que, quando falo de ósculos ou amplexos, os alunos julgam que os estou a insultar. E estou a ser tão afetivo! Só não o sou quando sistematicamente usam o verbo 'meter' onde não devem ou dizem para eu esperar 'um bocado'. Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Pintura do poeta Bocage 
no Palacete do Conde de Carcavelos (Braga)
    «Conta-se que Bocage, ao chegar a casa, um certo dia, ouviu um barulho estranho vindo do quintal. Chegando lá, constatou que um ladrão tentava levar os seus patos de criação. 
 Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o a tentar pular o muro com os seus amados patos, disse-lhe:
-Oh, bucéfalo anácrono! Não te interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo... mas, se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada!
    E o ladrão, confuso, diz:
    - Doutor, afinal levo ou deixo os patos?»

      Sinto-me qual ladrão sem saber o que fazer. Não quero roubar ninguém, mas vou tratar de ir à procura de algumas palavras tão eruditas, tão arcaicas e (neo)clássicas.

      Neo..., sim, seja pelo tempo representado em que foram supostamente ditas (na segunda metade do século XVIII) seja por aquele em que podem vir a ser recuperadas. Amplexos!

segunda-feira, 6 de julho de 2020

(Mais) Um romano para o mundo, com " O Amor a Portugal"

          Começou o dia com o anúncio da morte de Ennio Morricone.

      Não se pode dizer que seja inesperado, para quem já tinha 91 anos, mas a juventude e a força reveladas um ano antes, no concerto do Altice Arena (Portugal), faziam prever que ainda havia resistência suficiente para construir novas melodias ou conduzir outros espetáculos.
     Falar de Ennio Morricone é sinónimo, entre outras coisas, de música no cinema. O compositor e maestro italiano, nascido e falecido na sua cidade natal (Roma), é uma figura mundialmente conhecida, pela projeção que teve, e ainda tem, com as bandas sonoras de filmes como Era uma vez na América (1984), A Missão (1986) ou Cinema Paraíso (1989), só para citar alguns dos títulos mais sonantes.
       Dizer que ele deixou música para a vida é afirmação demasiado simplista, porque foram / são várias as melodias que estão gravadas na mente: das mais de quatrocentas partituras que compôs para cinema e televisão, há ainda a acrescentar mais de uma centena de obras clássicas. 
      As cinematográficas são, efetivamente, as de maior projeção. São mais do que reconhecíveis sonoridades como...

Banda sonora de "Era uma vez na América" (1984)

          ... ou...

Interpretação de uma das músicas de Ennio Morricone, 
no filme Cinema Paraíso (1989)

      A sua primeira indicação para Óscar ocorreu em 1979, pela banda sonora de Days of Heaven (Terrence Malick, 1978); a segunda, por A Missão (Rolland Joffé, 1986); outras se seguiram, até que, em 2007, recebe, a título honorífico e pelos contributos na música da Sétima Arte, o Óscar Honorário. Em fevereiro de 2016, finalmente, acaba por ganhar seu primeiro Óscar competitivo, por The Hateful Eight (Quentin Tarantino).
        A ligação do compositor a Portugal, para além dos espetáculos cá conduzidos, faz-se também com a voz de Dulce Pontes. Com o álbum Focus (2003), materializou-se uma colaboração da cantora portuguesa com o maestro italiano: ela a cantar alguns dos clássicos dele, que se tornou seu admirador na voz.
         E entre os clássicos, apareciam alguns originais - um deles intitulado "O Amor a Portugal":

Versão orquestral de "O Amor a Portugal", de Ennio Morricone

O AMOR A PORTUGAL 

O dia há de nascer
Rasgar a escuridão
Fazer o sonho amanhecer
Ao som da canção e então

O amor há de vencer
E a alma libertar
Mil fogos ardem sem se ver
Na luz do nosso olhar
Na luz do nosso olhar

Um dia há de se ouvir
O cântico final
Porque afinal falta cumprir
O amor a Portugal
O amor a Portugal

        Se a música é símbolo de harmonia, Ennio Morricone muito contribuiu para ela(s). RIP.

sábado, 11 de abril de 2020

Nem sempre quem vence é o vencedor.

        Ontem foi tempo de ver Maria, Rainha dos Escoceses.

    Na TV-Cabo, no canal NOS Studios, foi hoje exibido o filme "Mary, Queen of Scots", da realizadora Josie Rourke (2018). Nele se aborda, em paralelo, dois percursos reais: o de Mary Stuart, chegada de França, depois de enviuvar do rei Francis II; o da imperiosa Isabel I de Inglaterra. 
       No meio do poder e do jogo político-religioso dos finais do século XVI, duas mulheres assumem protagonismo carismático, com Mary (Saoirse Ronan) a reivindicar o seu direito ao trono inglês (enquanto bisneta do rei Tudor Henry VII) e Isabel (Margot Robbie) a ver a sua soberania ameaçada. De forma diplomática, entre a admiração pela rival e a afirmação do seu poder, ambas gerem uma autoridade a todo o tempo cuidada até que a segunda acaba por decretar a decapitação da primeira.

Maria, Rainha dos Escoceses (2018) - Trailer oficial legendado

       Mary Stuart acaba por ser um exemplo de vítima dos jogos políticos.
     É na situação de condenada que arranca o filme, até que, por analepse, se dá conta do regresso dela à Escócia. Representante de uma linha católica que se vira algo afastada da corte isabelina, Mary assume, na Escócia, uma postura de tolerância quanto à religião, mas não deixa de enfrentar a resistência crescente de movimentos protestantes, encabeçados por John Knox e por grande parte da nobreza escocesa. Num convívio contínuo com a influência francesa, numa política de casamentos que não é muito favorável à sua imagem pública, a filha de James V da Escócia acaba por ter de abdicar do trono e de se exilar junto da prima Isabel I. Esta última vai ser, a um só tempo, não só protetora da sua maior ameaça como também juíza do destino final. Protege-a, por forma a não acicatar os apoiantes da causa católica (de que a sua predecessora e irmã, Mary Tudor, fora representante maior), evitando uma revolução; acusa-a de traição, ao final de anos de auxílio, por causa de uma pretensa carta (assinada pela rival, mas que muitos assumem ter sido artimanha de conselheiros ingleses), na qual se conspirava e se propunha o termo da vida da rainha inglesa.
     Na luta dos interesses matrimoniais e na consolidação da independência de ação, estas duas rainhas foram, contudo, peças de um jogo maior: o da vida. Se Isabel I consolida o seu poder e afirma uma era de florescimento cultural durante o seu reinado, à hora da morte e sem sucessão declarada (algo que Mary repetidamente tentou obter), é James I, VI da Escócia, fruto do casamento de Mary com Henry Stuart (Lord Darnley, interpretado no filme por Jack Lowden), quem vem legitimamente a tornar-se Rei da Escócia e de Inglaterra. 
     Num circuito de intrigas palacianas, traições, revoltas e conspirações cortesãs, um trono e uma dinastia impõem-se (dos Tudor), mas o futuro rumo da história inglesa será ditado por uma outra linhagem soberana (dos Stuart).

      Um filme, inspirado na obra homónima de John Guy (Queen of Scots: The True Life of Mary Stuart, de 2014), mostra como os vencedores nem sempre são os que detêm o poder ou os que vencem momentaneamente causas discutíveis.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Contributo para a vida

       Em dia de pesar para a Linguística em Portugal.

       Maria Helena Mira Mateus é nome incontornável. Sempre o será.
      Nunca foi minha professora, senão em duas ocasiões (encontros de formação linguística, um no Porto, outro em Coimbra) que deram para concluir do entusiasmo, da delicadeza e afabilidade com que tratava de assuntos complexos da língua, do trabalho que levava a cabo no campo linguístico, numa partilha serena e acessível, sempre acompanhada de olhos sorridentes.
    Enquanto uma das autoras da publicação da Gramática da Língua Portuguesa (da editorial Caminho), tanto na versão original (1983) como nas posteriormente revistas e ampliadas (1989, 2003), é decisivamente uma figura que me tem acompanhado no caminho profissional. Sempre que consulto a obra, o nome sobressai à cabeça da capa. A "Gramática da Mira Mateus" (et al.), ou o familiar "tijolo", tem sido fonte de resolução de algumas dúvidas, algumas questões, alguns problemas no funcionamento e na descrição do Português.
      É daqueles nomes, como o de Óscar Lopes e outros, que marcam a identidade dos profissionais que os leem. Citei-a algumas vezes quando planifiquei aulas, quando investiguei, quando escrevi alguns apontamentos nesta "Carruagem". Essencialmente, li-a e voltarei, por certo, a (re)ler. Nessa medida ensinou-me e também aprendi.
  Um dos seus textos, com o qual trabalhei mais aprofundadamente, resultou da comunicação "A contribuição do estudo dos sons para a aprendizagem da língua". Foi produzida no 7º Encontro Nacional da Associação de Professores de Português e nela se exploram relações da fonética e da fonologia tanto com a aprendizagem da ortografia (que, no caso do português, é essencialmente fonológica) como com a compreensão e produção oral, para não mencionar questões associadas à leitura em voz alta ou ao discurso oral adequado / apropriado às circunstâncias de produção. 
      Destacando aspetos fonético-fonológicos, não deixou de abordar efeitos pragmáticos, discursivos, de face exposta do comunicador, relevantes, como se pode ler na comunicação da investigadora, também com inserções no campo pedagógico-didático:

     "... a identificação de características rítmicas, entoacionais e acentuais do Português pode ser utilizada para mostrar aos alunos que, ao servirem-se desses meios quando falam, podem tornar o seu discurso oral persuasivo, interrogativo, agressivo ou agradável conforme o desejarem, podem chamar a atenção para certos aspectos que consideram necessários e podem interessar e convencer os seus ouvintes. É inegável que o estudo da fala em que se considera a interligação de todos os factos prosódicos é um estudo aliciante e torna a aprendizagem da língua mais colorida, ao mesmo tempo que se apresenta como um domínio cheio de interrogações e de mistérios."
in art. cit (2007: 18)

       Não a podendo mais rever presencialmente, será sempre alguém que me acompanhará no futuro. Estou certo do seu contributo para a vida e para as "cores" da língua portuguesa.

        Que descanse em paz, numa altura em que a homenagem que lhe é devida fica condicionada por tempos de agonia entre os vivos.
        

sábado, 7 de março de 2020

Cinco Palavras de António Vieira

     Título de um novo romance de Manuel Maria, um livro à guarda do tempo na ânsia de o poder ler.

    Fossem cinco as palavras! São muitas mais, impressas em páginas que, à semelhança de outras publicações já produzidas e a julgar por outras histórias que já deram livros (também eles com títulos de cinco palavras), merecem leitura atenta.
    Um amigo lança um romance, uma amiga apresenta-o, outros amigos assistem e um rosto impõe-se aos olhos de todos e muitos mais, bem presentes, de todas as idades. Muitos vão reparando na capa, folheando o que o autor sublinha ser uma obra de ficção, com a seiva da História, da Literatura e da(s) Humanidade(s) e de uma personalidade, tão nacional como do mundo, colocada no centro da narrativa.
     Com a chancela da editora "Lugar da Palavra", a Biblioteca da Escola Secundária de Gondomar foi o ponto de encontro para sorrisos, afetos e saberes partilhados, numa fraternidade também construída com palavras ditas e escritas (tais como as do missionário jesuíta que é dado a ler).
      Padre António Vieira, orador e prosador, revive nas linhas agora escritas e expostas a um público leitor que precisa de conhecer mais do homem, do tempo e da visão do mundo seiscentista, para nele perscrutar um ideólogo do "novo mundo", um profeta, um fundador de mitos futuros feitos de fraternidade, de uma espiritualidade e de uma união de povos, etnias e línguas (das mais eruditas às vulgares). Trata-se de um pensador na vanguarda de um tempo no qual os ladrões já se multiplicavam; a cor da pele distinguia colonizadores de colonizados ou determinava a condição de dono e a de escravo; as línguas eram também confrontadas com preconceitos (como os da língua de cultura e erudição face aos linguarejares índios e negros).
     O "Pai Grande" (Payassu) foi dos primeiros a reconhecer a diferença, a tolerância nos homens e no que os define; a defender um sentido de miscigenação dos idiomas, numa legitimação tanto do culto "pulcro" como dos registos comuns do "belo" ou do "bonito", para não falar das sonoridades escutadas em todas as cores da ação missionária. A aproximação fazia-se, então, a um Quinto Império (com um Papa "angelicus" e um imperador cristão), abraçando judeus, cristãos, muçulmanos numa espécie de paraíso, a construir em vida entre os homens e não a doutrinar como prémio a alcançar depois da morte (atualidade tão inquestionável).
      Se o Homem é a língua que usa, na composição caleidoscópica de Vieira - orador, escritor, pensador, humanista, diplomata, político, "influencer" de um tempo pleno de teatralidade na vida ou de vida tão feita de teatro -, firmaram-se a multiplicidade e a multimodalidade do Português, que também é voz, face, gesto, grafia e "História de Futuro".  

     "Não é tudo isto verdade?" Eis as cinco palavras que Manuel Maria relembra, reproduz, repete, reforça para a (re)descoberta de um homem e de uma obra de tempos. Outros certamente virão (mas estes serão... Contas de um outro rosário). Ainda bem!

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Cuidado comigo

      Não sei que mais diga.

      Depois da leitura de um artigo que circula pelo Facebook, quem me conhece que se cuide.

in http://www.minutopsicologia.com.br/postagens/2015/09/18/psicopata/

   "Está provado cientificamente que as pessoas que gostam e preferem os sabores amargos têm tendência para ser psicopatas.
    Na Universidade de Innsbruck foi realizado um estudo que concluiu que se alguém prefere coisas amargas são mais maléficas. Os dois investigadores austríacos analisaram os hábitos alimentares de cerca de 1000 pessoas: compararam o quanto cada um gostava de cada iguaria e realizaram testes psicológicos e perguntas para perceber a personalidade dos participantes.
  Foram colocados diversos alimentos para os participantes provarem - doces como chocolate e amargos como café sem açúcar - e os investigadores descobriram que os que gostavam de sabores amargos têm uma personalidade mais maléfica, com tendências sádicas.
   Eles gostam de sabores amargos porque se sentem como que numa “montanha russa”, diz um dos investigadores."


in https://revistapt.com/pessoas-que-bebem-cafe-sem-acucar-podem-ser-psicopatas/?fbclid=IwAR06DhnLe-SxT_L8yymdgpiSo3QOm7ITHN_GJpEglDwT7pQ_KhI3xWuONpw

     Gosto de bolos muito pouco doces; chá e café é sem açúcar, mesmo. Sou azedo!

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

História que (não) se repete

     Depois da festividade do Halloween, veio o susto.

    Tremeu a terra, pela madrugada, num sismo registado na região norte e centro com a magnitude 5.2 na escala de Richter. O epicentro localizado no mar, a cerca de 480 quilómetros a oeste de Peniche, não trouxe danos pessoais nem materiais, ainda que sentido entre Braga e Lisboa.
    Há cerca de 250 anos (mais precisamente 253), a catástrofe era maior, com efeitos mais localizados na capital do reino e seus arredores. Vivia-se o reinado de D. José I e a oportunidade de ascensão política de Sebastião José de Carvalho e Melo (mais conhecido por Marquês de Pombal). O Terramoto de 1755 foi tragédia nacional com reflexos internacionais.
    Assim o diz a Literatura, particularmente em Cândido, ou o Optimismo (1759), narrativa filosófica de Voltaire, na qual se reflete e critica o axioma «Tudo está bem no melhor dos mundos possíveis» (de Leibniz), com a irónica refutação evidenciada com as terríveis lições infligidas aos protagonistas - o precetor Pangloss e o seu discípulo Cândido.
   Uma dessas lições prende-se com as vivências do terramoto, que relativizam o otimismo excessivo de Cândido, ao chegar a Lisboa no preciso dia da tragédia. A morte de Pangloss num auto de fé, por ação inquisitorial, é lição demasiado pesada para tanto "bem no melhor dos mundos", sejam estes possíveis (fictivos) sejam estes reais (factuais).
   Ora, em tempos de alguma preocupação (também com sinais sísmicos que não pacificam ninguém na atualidade), a história repete-se em dia que parece fatídico, ainda que em escala bem menor face ao que sabemos de outros séculos.
     Sem o otimismo inicial de Cândido - sou mais pela relativização do bem (por forma a não o perder por completo, na ilusão de que não existe mal nenhum) -, vou ficar-me pelo preceito final da obra: "devemos plantar o nosso jardim".
      Aproveitar alguma coisa do feriado é o desejável (já que não pode ser tudo). Não será jardim; antes um canteirozinho.

     Repete-se a história, sim, mas com narrativa e efeitos bem distintos, para um dia de má memória.

sábado, 6 de outubro de 2018

(Mais) Uma voz que fica...

    ... nos registos da memória.

    Anunciada a morte da barcelonesa Montserrat Caballé, aos oitenta e cinco anos, pode dizer-se que esta semana foi trágica para a música internacional
   Acompanhada que foi das grandes vozes do século (como os tenores Luciano Pavarotti, Josep Carreras ou Placido Domingo), esta foi uma das sopranos mais reconhecidas mundialmente. Negado por ela mesma o estatuto de diva da ópera, o canto lírico marcou-a e deu-lhe a projeção que a sua cristalina e pianíssima voz conquistou.
     Manteve-se a humildade e a simplicidade, que não deixaram de a engrandecer, como se dá a ver num pequeno documentário biográfico difundido no país vizinho:

    Breve documentário biográfico (televisão espanhola)

    O dueto com Freddy Mercury, com "Barcelona" (1987), talvez seja dos seus momentos musicais mais significativos para o comum dos apreciadores da primeira de todas as artes; muito espetáculo marcou a sua vida, pelos palcos do mundo, num reconhecimento dessa voz possante equiparada a Maria Callas e a Renata Tebaldi.
    Aos mais de vinte minutos de aplauso que teve no início da carreira, segue-se a gratidão eterna para os que viram em "La Superba" (como também era conhecida) uma digna vocalista, merecedora das imensas honrarias recebidas (desde o Prémio Príncipe das Astúrias, em 1991, à Grã Cruz da Ordem de Mérito da República Italiana, em 2009).

     No descanso merecido, a eternidade do canto para sempre consagrar.

quarta-feira, 14 de março de 2018

"A vida seria trágica se não fosse engraçada"

     Pensamento tão certo para quem, melhor do que ninguém, sabia do que falava.

     Talvez tivesse razões para pensar ou dizer o contrário, mas optou por desfrutar do pouco que a vida lhe deu e do muito que conquistou. Aos dois ou três anos que resistiria juntou mais de cinquenta. Foi uma equação de conquista, na qual o poder da mente se impôs seja pela vontade de sobreviver seja pelos segredos que desvendou para a Humanidade, nos domínios da física, em particular, e da ciência, em geral.
    No mesmo dia em que Stephen Hawking morre, Albert Einstein celebraria 139 anos; na data em que nasceu (8 de janeiro de 1942) tinham passado 300 anos da morte de Galileu Galilei - coincidências ou intervalos de tempo que não deixam de juntar grandes nomes da ciência, para não falar de factos como os da celebração do dia do (3,141592653589793238462643383...).
     Reconhecido pelo trabalho desenvolvido e pela luta na sobrevivência, Stephen William Hawking procurou uma explicação para o Universo; também para a vida, quando lhe foi diagnosticada esclerose lateral amiotrófica (doença incurável e degenerativa motora que o aprisionou a um corpo que progressivamente deixou de controlar). 
     No filme "A Teoria de Tudo" (2014), com a excelente interpretação de Eddie Redmayne no papel do cientista britânico (o que lhe valeu o óscar de melhor ator em 2015), é possível contactar com esse surpreendente percurso, simultaneamente de degenerescência e de superação:

Trailer de 'A Teoria de Tudo', filme de James Marsh (2014)

      Em cerca de duas horas, o espectador, através do papel de uma personagem de ficção, encara o modo como uma personalidade real dos nossos tempos explorou o seu trabalho científico, focando o estudo daquilo que, cada vez mais, lhe restava menos: o tempo. Limitado no corpo, mas com a cabeça no universo, o nada e o tudo se conjugaram até hoje.


    Aos 76 anos, com a mesma idade de Einstein, Hawking deixa-nos com o seu contributo acerca da natureza da gravidade e da origem do universo; da teoria da singularidade do espaço-tempo, aplicando a lógica dos buracos negros a todo o universo; do seu best-seller Uma breve história do tempo (1988); do seu exemplo de vida, inspirador para todos aqueles que reclamam do que a vida lhes não dá ou lhes tira.

     Alguém que quis ser matemático e se tornou um génio da física. RIP.

sábado, 13 de janeiro de 2018

A História do Porquinho

        Não se trata da história dos três porquinhos para a hora de deitar...

      É antes uma narrativa para acordar e lembrar “A Hora Mais Negra”, com um Porquinho só, como familiar e afetivamente a esposa o tratava. É também assim que Winston Churchill surge aos olhos e ouvidos do espectador cinéfilo, tudo porque um filme dirigido por Joe Wright tanto mostra a personalidade deste líder histórico do século XX como expõe as fragilidades desse homem forte, porque imperfeito, e poderoso, porque soube ser só.

Trailer do filme "A Hora Mais Negra", de Joe Wright (2017)

      É com estes atributos – força, imperfeição, poder, solidão – que o primeiro-ministro inglês de Jorge VI nos é dado a conhecer no contexto da II Guerra Mundial, enfrentando um Hitler e um Mussolini, mais todos aqueles que, no seu país (Reino Unido), o viam como indesejado, irrefletido e tempestuosamente irascível. Além disto, tinha apenas para oferecer sangue, trabalho, lágrimas e suor (o que, seguramente, muitos não queriam), quando um caminho mais fácil (por aparente e enganador que fosse) era percebido como menos penoso.
  Na interpretação de Gary Oldman (recentemente galar-doado com um Globo de Ouro pelo papel desempenhado), a personagem Churchill é secundada por Lily James (a secretária Elizabeth Layton) e Kristin Scott Thomas (no papel da esposa Clementine – Clemmie -, que aceita a figura pública que o marido sempre quis ser), também relevantes na solidificação dos pilares e dos princípios de um homem que se torna uma referência do século XX. Nomeadamente, foi-o para a História enquanto figura de liderança que adotou princípios, defendeu convicções válidas e se revelou grande na ação, estando ao lado e do lado das mudanças que afasta(ra)m o despotismo, o poder autocrático, a tirania e tudo o que desvia a Humanidade de um caminho integrador, inclusivo e tolerante. Em suma, um exemplo para alguns dos que contemporaneamente se encontram no poder.
     Há imperfeições que são menores face à grandiosidade dos valores e princípios por que se luta. Neste sentido, a frase “Quando a juventude nos falha que a sabedoria nos valha” acompanha bem uma personagem que se revela sábia, mesmo quando o medo se impõe ou quando poucos apoios tem para o que há a fazer. Assim se cumpriram os tempos; assim se revê um homem que mudou, porque só os que não mudam é que não fazem nem trazem mudanças.
    Este é um filme largamente argumentativo (até pelos exemplos retóricos de Cícero e Horácio que inspiravam Churchill); persuasivo na construção de identidades e de condução de mentalidades. 

     Um filme educativo, a explorar e com lições de vida merecedoras de discussão - na consciência de que há movimentos de força conjuntos, impositivos, que nem sempre fazem sentido perante o que mais deve dignificar o Homem; na constatação de que um homem pode fazer a diferença por aquilo em que acredita e que, mais cedo ou mais tarde, sai legitimado.