sexta-feira, 15 de abril de 2022

Fechar do pano, aplauso eterno

      Nunca se espera o que nos está destinado.

     Acordar com a notícia da morte de Eunice Muñoz é sentir que mais uma referência da nossa cultura da palavra e do teatro parte.
     A versatilidade e a qualidade de papéis por ela representados granjearam-lhe o es-tatuto de "Senhora do Teatro Nacional"; fi-gura de proa reconhe-cida no talento, no trabalho e na gene-rosidade. Se aos dois primeiros se associa o profissionalismo, no último espelha-se o humanismo de que aquele(s) também precisa(m). Por isso, se tornou exemplo de sucesso e de excelên-cia, por ser completa na representação e no ser - duas dimensões que soube preencher de e com verdade. Acrescentaria com dignidade - para si e para os outros, que soube acompanhar no palco e na vida. Foram 93 anos de vida e 80 de carreira; cerca de duas centenas de peças, com presenças no cinema e na televisão; quase cem produções fílmicas, telenovelas e programas de comédia. Muita obra para uma enorme artista e não menor mulher. Afabilidade e sorriso marcaram-na; por isso, conquistou também o público que a aplaudiu na qualidade da representação dos pequenos e grandes papéis.
    Terminou como atriz no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, em 28 de novembro de 2021, representando "A margem do tempo" (de Franz Xaver Kroetz), no mesmo local onde se estreou em 1941 com a peça "Vendaval" (de Virgínia Vitorino), com a Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro. Mesmo quando a voz denunciava debilidade na projeção, a intensidade emotiva estava lá; a força da palavra persistia, resiliente.
     Vi-a por duas vezes ao vivo: Dúvida (2007), no Teatro Maria Matos, e O Ano do Pensamento Mágico (2009), no Teatro Nacional de São João. Na primeira, contou com a contracena fabulosa de Diogo Infante; na última, era uma mulher só num imenso palco e com um longo texto monologado. Em ambas as representações, fui pelo nome "Eunice Muñoz" e nessa concessão própria de quem quer dar uma oportunidade às personagens criadas; de ambas saí com a sensação de andar nas nuvens, como se o lugar da vida fosse o céu que acolhe nuvens e estrelas.

       Na enunciada eternidade do seu papel na vida e no teatro, Eunice Muñoz é identificada na e pela arte que viveu. Uma figura da cultura portuguesa, e que muitos souberam ver como valor sem fronteiras. Aplauso de pé. 

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