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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Canhão... apontado ao erro.

       Guerra declarada, para que se escreva bem.

      Casos em que a fonética não permite percecionar bem a segmentação da palavra / expressão não permitem validar o desconhecimento de como se deve processar a escrita.
        A sistemática dificuldade em distinguir ' afim' de 'a fim (de)' é questão paradigmática. Entre o que é 'afim' (semelhante ou com afinidade) e 'a fim de' (expressão / conector de finalidade, sinónimo de 'com o objetivo / propósito de') nada há de parecido (ou afim) senão a sonoridade (uma aproximação homofónica que não resulta em homografia). 
      A fim de (ou para) se escrever bem, reconheça-se a segmentação gráfica de 'a fim', bem separada, nem sempre reconhecida na fluência da realização oral da língua. Fica ainda a nota seguinte: o adjetivo 'afim' tipicamente seleciona a preposição 'a' (ser afim a / idêntico a / semelhante a), enquanto a expressão conectiva integra 'de' (a fim de / com a finalidade de / com o propósito de / com o objetivo de). 
     Outro exemplo crítico é o exemplificado no excerto de um aviso de condomínio, no qual se anuncia um novo canhão na porta de entrada e, consequentemente, se informa a entrega das chaves novas (que, coincidentemente, também são novas chaves, porque diferentes):

Um negrito mais separado do que devia; um 'a partir' tão junto que até irrita (Foto VO)

        A confusão entre 'aparte' (fazer um comentário, um aparte) e 'à parte' (colocar alguém ou algo à parte, separado) não chegava! Com o que se dá a ler, junta-se o 'a partir de' (a indicar o ponto de que se parte, o ponto inicial de um estado ou de uma situação).
        Ler o anúncio logo de manhã, fez-me colocar imediatamente uma barra oblíqua entre os termos da expressão, separando o que ninguém (nem Deus) podia ter unido:

Qual é a diferença, qual é ela? Não é só a cor, não! 

       Um canhão novo, chaves novas (não completamente igual a 'novas chaves', mas, enfim...) e um erro que importa evitar, a bem da escrita com correção.

       Não fosse eu ficar à porta, apetecia-me não ir ao escritório onde alguém escreveu o que não devia.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Porque nem tudo é claro, coerente, evidente

    Quando tanto se fala da necessidade de coerência...

    Perceber que a vida tem contrastes é bem visível: mostram-no a noite e o dia, a tempestade e a bonança, o ódio e o amor, a inércia e a ação, o negro e o branco.
   Concluir que muitos deles se complementam é entender que, com antónimos, nem tudo se exclui definitivamente - é o que se pode inferir de expressões como "pôr o preto no branco", onde os termos antónimos convergem para uma noção, um sentido de clareza, explicitação e formalização de situações. 
    Não só a antonímia, enquanto processo de relação lexical, contribui para níveis de  coerência; também o conhecimento enciclopédico, apre(e)ndido e/ou vivido.
      Hoje, foi-me dado a ver que as pedras dão cor, flor, vida natural, ser vivo.

Pedras que dão vida no varandim de um hospital (Foto VO)

    Por estranho que pareça, não se trata de afirmação incoerente. Por literal que não seja, é possível ver o afirmado, pelos vistos mais e melhor do que alguns homens que, precisando de coração para viver, o negam para com os seus pares. Assim o ditam as guerras, os conflitos que por aí grassam no mundo e muitos teimam em não ver o mal que trazem e fazem à Humanidade. 

    ... e o mundo nos dá a ver que as contradições e os contrários não espelham necessariamente incompatibilidades.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Dezembro começa mal (e não vai terminar melhor)!

      Valha o facto de ser feriado (que foi já confundido com outras histórias), para não ser pior.

    Tudo por causa das negociações governamentais (ainda que em tempos demissionários) na área da saúde; ou melhor e para ser mais correto, pela comunicação que delas se faz.
      Hoje, a legenda televisiva é a seguinte:

      Não há saúde para a língua! É o desgoverno assumido. (foto VO)

     Não sei se será por o ministro ter ficado com os cabelos em pé (!!) ou se é por querer ligar todos a uma só causa, pensando que isto é questão de várias entradas para uma só tomada elétrica (isto para não falar de outras extensões, que também não são para aqui chamadas). É o que faz ESTENDER em demasia. Lá diz o povo: "Não te estiques!" A SIC, pelos vistos, espalhou-se!
      No que ao mau uso da língua diz respeito, é o desgoverno generalizado nos canais televisivos. Impõe-se uma "conjura" contra o domínio incorreto do nosso idioma. Toca a pô-los da varanda abaixo, metaforicamente falando.

      Isto de confundir 'es' com 'ex' é silábica e ortograficamente problemático. Preferia a extinção destes erros a uma extensão (tão paronímicas!) que não é salutar para ninguém.

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Nada a ver com municípios!

      Em plena época de veraneio, há cuidados a considerar.

      Desde logo, cuidado com o sol, com o mar... E com a língua também!
      Quando as férias se anunciam e o descanso se impõe, alguém consegue irritar o comum dos mortais:

Praia do conCelho de Lagoa é desaconSelhada: assim deve ser! (Foto VO)

      Não há imagem paradisíaca que resista a legenda tão infeliz!
     O problema até pode estar no concelho de Lagoa (pelos vistos, nem tudo é perfeito pelo Algarve), mas, no que diz respeito à praia do Carvoeiro, só pode estar desaconSelhada. Isto de confundir homófonas (conselho / concelho, vós / voz, conserto / concerto) é questão crítica até para a formação de palavras. Conselho, aconselhar, desaconselhar é sequência de derivação recursiva, a constituir uma família de palavras que fica "unida" pela base ortográfica de um 's', que nada tem a ver com concelhos.

     Isto de integrar e desintegrar municípios e/ou 'concelhos', não sendo impossível, ainda está para se representar na língua como "(des)aconcelhado".

sexta-feira, 5 de maio de 2023

No Dia Mundial da Língua Portuguesa...

      Fizeram-me chegar a desgraça que grassa pela televisão (não tem graça, não)!

      Imagine-se a qualidade linguística da nossa comunicação televisiva, a partir dos exemplos que me fizeram ler precisamente hoje! Chega a ser constrangedor.
    Comecemos com a incapacidade de acertar no adjetivo relacionado com o ato de asserir e com a força das asserções. E porque, (orto)graficamente, de 'ss' se trata, veja-se no que a CNN não acerta:

Notícias de última hora que deveriam dar lugar ao fim de legendas infelizes.

     Isto de ser assertivo pode ter a ver com 'pontarias', mas de atos de fala. Diria que é preciso não ter mira linguística para falhar. É o que faz um órgão de comunicação social (à semelhança de outros).
      Segue-se o clássico desrespeito da morfologia: se o verbo é 'incendiar', previsivelmente as formas da conjugação mantêm a base (excetuando, naturalmente, as do singular no presente do indicativo e do conjuntivo). Portanto, onde se lê o errado 'e' da terceira sílaba veja-se o expectável 'i' da base de formação / variação da palavra:

Interferências... não dos manifestantes, mas da pessoa e número gramatical (foto AMT)

      Convenhamos: a legenda tornou a situação mais incendiária, pelo mau uso da língua. Inconsciências morfológicas, para não dizer desconhecimento ou ignorância.
      E como não há duas sem três (bom é que não se avance mais), assinale-se outra manifestação de desrespeito morfológico: ignorar a conjugação de 'vir' e sua projeção nas formas verbais de 'intervir'.

Se "*interviu", não salvou! Falhou redondamente. (Foto e agradecimento à AMT)

       Isto de querer 'ver' (viu) o que não é possível é uma forma de cegueira (da pior espécie). É questão de 'vir' (veio) e era bom que tivesse chegado na forma correta.

      Em dia que devia ser de celebração, fica o registo da aberração (múltipla).

domingo, 19 de março de 2023

Foge! ou Fogo! (interjetivos)

      Engraçado ver que, mal começo, vem uma chuva de exemplos.
   
   É o que acontece sempre que, por aqui, menciono um erro ou outro nos nossos canais televisivos. Dos mais repetitivos na tipologia de erro aos mais originais, lá me vão facultando fotos do que "corre" nalgumas legendas.
      Desta feita, chegou-me às mãos / aos olhos o seguinte:

Sem pânico na machadada perpetrada na língua - assim vão as notícias (com agradecimento à AD)

     No âmbito comum da ortografia, este é um erro que pode instalar-se pela natureza de alguma irregularidade morfológica do verbo, nomeadamente no contraste 'o/u' de algumas formas (foge, foges, fujo, fugimos, por exemplo). A fonética, contudo, ainda permite distinguir o que alguma convencionalidade gráfica pode fazer perigar (mais no contraste 'j/g' do que nos casos vocálicos em concreto).
     Ver este erro em contextos de aprendizagem da língua ou de utilizadores menos esclarecidos poderá (ainda) ser compreensível e uma boa oportunidade para mostrar regularidades no reconhecimento do léxico (como é o caso da família de palavras evidenciada em 'fugir > fujo > fugimos > fuga > fugido > ...'). Nos meios de comunicação social, é impensável ler o que nos é dado a ver.

      Apetece-me exclamar: "Foge!"

sábado, 18 de março de 2023

Surdez, falta de audição... em canal sensacionalista

       Até podia ser alguém que não quisesse ouvir detidos.

      Só que, para tal, era necessário que estes existissem. E tal não aconteceu!
      Portanto, "não houve detidos" era o que devia ser lido; porém, o que apareceu escrito...

Um ouvir confundido com existir - sensacional! (Foto enviada pela AMT, com o devido agradecimento)

      No meio de tanto sensacionalismo, o que não é nada sensacional é haver alguém a confundir o verbo 'ouvir' com 'haver' e, na homofonia de formas verbais distintas graficamente, um canal de comunicação difundir um erro crasso: não distinguindo os verbos, não diferenciando os tempos, não exemplificando o rigor que propaga aos quatro ventos (e mal e parcamente denuncia em quatro letras, que deveriam dar lugar a cinco).

       Caso para dizer que, no canal televisivo das desgraças, uma desgraça nunca vem só!

sexta-feira, 17 de março de 2023

Perturbação em cima de perturbação

     Não bastava o tema (desconcertante) também tinha de vir a forma (errada).

    Não, já nem sequer menciono o tema, de tão evidente e noticiado que tem sido. Não fosse essa nódoa social (caída em pano que não pode ser da melhor qualidade), uma outra surge já tão comentada por mim sempre que uso estrategicamente o sinónimo de 'sobre':

Confusões... da Igreja e da Televisão: Onde está a salvação? 
(Foto VO a partir da emissão do Telejornal da RTP1, com agradecimento à ARS pela leitura atenta)

     Muitos ouviram-me dizer "E toca a escrever bem, porque, nos sinónimos, de uma só palavra se trata, seja 'sobre' seja 'acerca'.
      Precisa a Igreja de salvação e de perdão; a ortografia, de correção (Valha-nos Deus ou um santinho qualquer)!

   Quem redige os rodapés televisivos na RTP anda a precisar de umas aulas de Português, mais propriamente de ortografia, para não se deixar enganar ora por paronímias (acerca / a cerca / à cerca) ora por homofonias (há cerca / à cerca / acerca) que a língua tem.

quinta-feira, 9 de março de 2023

Avaliações (algo destrutivas)!

      Escolher bem ou mal as palavras ou expressões pode condicionar qualquer avaliação.

    Pense-se num(a) aluno(a) a quem se avalia comportamentos na base do que ele(a) aprecia fazer, quando, onde e com quem. Leia-se a lista das ações / atividades identificadas e...

Um registo avaliativo no mínimo duvidoso, a bem do respeito e cuidado a ter com os livros

       ..., no sexto cenário (a contar de cima), encontra-se o que, incompreensivelmente, possa ser feito "sempre que possível", seja em casa seja lá em que sítio for, muito menos em família: "desfolhar livros". Só numa cultura educativa de defesa da destruição do livro!
         É por isso que, quando alguém diz que desfolhou o jornal, imagino este último em cima da mesa, com as folhas soltas, rasgadas, destruídas (não havia necessidade para tal, por pior que fosse a imagem ou o texto noticioso)! Uma desgraça!

         Não distinguir "folhear" (passar de uma folha a outra, no sucessivo virar de páginas) de "desfolhar" (arrancar, tirar as folhas) é desconhecer que não se trata um livro como uma espiga de milho.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Bom exemplo (logo a abrir)

     Há que escolher bem, de facto!

     Não falo dos políticos nem da situação noticiada, nem sequer da maioria das palavras. Fico-me pela primeira:

Efeitos de uma guerra transmitidos com correção (Foto VO)

     A prova do bom exemplo. Para quem contava encontrar "despoletar" a significar desencadear, provocar, ocasionar, aí está o termo devido. Sendo que numa arma é a espoleta que aciona a combustão do propelente contido na munição, impulsionando o projétil pelo cano da arma, 'espoletar' é o que deve ser dito / escrito.
     A maior parte dos falantes prefere dizer a anulação, o travamento ('despoletar'), a significar o contrário. Nada que não aconteça com outras situações já aqui comentadas, mas esta é a prova do desconcerto dos utilizadores da língua, que veem no negativo o positivo.

     Quando tanto escrevo sobre o que está errado, hoje vou pelo oposto, em virtude do que foi bem escolhido.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Erros (muito) reais

       Seja porque eles existem seja porque se referem à realeza.

      Naquele momento em que se folheia daquelas revistas que nada trazem senão o alheamento desejado face ao mundo em que vivemos, e apetece mesmo desfolhá-las (agora, sim, termo intencionalmente usado no verdadeiro significado da palavra); ou quando os olhos passam por um monitor e apetece eliminar o registo de uma daquelas notícias que nada trazem de sério ao mundo (daí a designação da "silly season", que mais se ajusta aos "silly writers"):

Um vestido que não cumpre o estatuto da realeza, pela falta de "comprimento".

       Lá está: o vestido não cumpre o objetivo para que foi feito. Estaria aí o cumprimento irreverente (ou melhor, o incumprimento). No que toca a ser curto, a conversa é outra. É a que respeita a tamanhos, medidas. Centra-se na questão do comprimento (pois... com 'o').
     A paronímia (estudada como caso de relação lexical) devia andar de mãos dadas com o ensino dos casos críticos de ortografia, para que ninguém ousasse escrever o que foi publicado para milhares de olhos poderem ler.

     Isto de confundir 'comprimento' com 'cumprimento' não dá razão para saudação; motiva, sim, a aplicação de medidas de correção (bem necessárias a julgar pela frequência no erro cometido).

domingo, 19 de junho de 2022

Fatiga, fadiga... que cansaço!

       Tempos de canseira.

      Perguntavam-me há dias se o nome associado a quem anda fatigado é fadiga ou fatiga. Respondo que são os dois (e para quem anda cansado é questão que já pouco interessa). Digam ou escrevam como quiserem.
        Claro que o mais habitual é falar ou ler sobre "FADIGA" (mesmo que o adjetivo esteja mais para 't' do que para 'd' - fatigado). Dizer-se 'fadigado' não é impossível, até pela derivação que decorre de 'fadiga' (nome) e 'fadigar' (verbo), isto é, causar ou sentir fadiga ou cansaço; logo, o 'fadigado' torna-se mais do que compreensível.
          Fatigado está mais para o sentido etimológico, que atesta o verbo latino 'fatigare' e o nome 'fatigo'.
     Entre 't' ou 'd' direi que o primeiro está mais para a origem; 'd' para a variação evolutiva, nomeadamente a sonorização que se evidencia na posição intervocálica de [t], com o som surdo lábiodental inicial a ganhar o traço sonoro por influência vocálica. Foi já o que analogamente sucedeu com totu(m) > todopotes > podes, na passagem do latim para o português, só para mencionar exemplos nos quais, também e pelo mesmo motivo, [t] evoluiu para [d]. 
         E, assim, 'fatiga' chega a 'fadiga'. Fica a primeira pela via erudita; vem a segunda por via popular. Reconhecida esta última, se ficarmos por aquela também não está mal. Explica-se, portanto, a possibilidade do apontamento lido nos destaques noticiosos da Microsoft Edge:

Colhido do Microsoft Edge, em "Notícias ao Minuto"

         Com ou sem Boris Johnson, é um dado que a guerra Rússia-Ucrânia já cansa. Bastariam Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky para nos atormentar a mente com o conflito que a todos aflige. Vem também o primeiro ministro britânico contribuir, com a citação feita, para o desalento, afadigando o espírito com sinais dos perigos que não dão esperança.

      Fadiga ou fatiga, o tempo é declaradamente, e por vários motivos, de cansaços (lembrando Campos e "Sobretudo cansaço").

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Acerca de 'mentora(n)dos'

      Eu que nem sou mentor, lá vou abordar o tópico.

      Chegada a questão, feita alguma pesquisa, cá segue a resposta:

      Q: Olá Vítor,
         Preciso de ajuda no seguinte: tenho pesquisado e não consigo perceber se aquele que é alvo de um processo de mentoria deve ser referido como o "mentorado" ou "mentorando". Qual das duas é correta? Ou são ambas? Ou nenhuma? Obrigada!

Mentor, mentorado ou mentorando... fica a parceria e a colaboração.

      R: Olá. Na verdade, ambas estão corretas e dicionarizadas.
       Por norma, numa análise semântica estreita, aquele que se encontra integrado ou se encontra em acompanhamento de mentoria (em curso) designa-se 'mentorando' (por analogia com mestrando, que se encontra a realizar o mestrado, e doutorando, a realizar o doutoramento); o 'mentorado' é identificado como aquele que é ou foi objeto de mentoria, sem que esteja propriamente em questão se está no seio do processo em si mesmo (pode encontrar-se apenas indicado para tal e ainda não estar envolvido / implicado no processo em causa, ou pode ser mencionado como aquele que esteve envolvido em mentoria, mas já não se encontra nessa condição).
       Vulgarmente, os dois termos são tomados como equivalentes; porém, o primeiro é o mais adequado para descrever a condição do processo de mentoria em curso.

      Não sei se chegarei a mentor ou a mentorado; por ora, vou mentorando (daí que esteja mais para este último do que para o anterior). Quanto ao primeiro,... muito caminho a fazer.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Não perceber patavina!

      Assim o dita a expressão, quando ninguém percebe nada de nada.

     Seja por se tratar da posição mais fácil (dizer que nada se percebe) seja porque a inteligência nem sempre o permite imediatamente (daí não saber 'patavina'), o desconhecimento é zona de entendimento comum na expressão em causa. Também há quem não ligue 'patavina', tanto por não querer saber (nem ter raiva de quem saiba) como por não dar qualquer importância ao que seja.
    Da 'patavina' relacionada com o 'nada', alguns etimólogos defendem tratar-se de termo ligado à cidade romana de Patavium (atualmente conhecida por Pádua). O nosso Santo António (que também dizem ser do mesmo local) terá certamente escapado a esta acusação, mas dizem que os habitantes da zona eram maus falantes do latim. Entre muitos erros e deturpações, a par de algumas marcas de regionalismo, eram eles acusados de 'patavinitas'.
     Tito Lívio (59 a. C - 16 d. C), orador e historiador latino também natural de Pádua, escreveu uma obra que se caracteriza por estar incompleta - História Romana - e que alguns críticos da época acusavam de estar repleta das tais 'patavinitas', dificultando a compreensão generalizada dos textos. Ou seja, nada se percebia da história contada.
    Pelo século XIII, dizia-se também que Pádua era reconhecida por ter uma das mais importantes universidades europeias, particularmente no ensino do Direito, só ombreada pela de Bolonha. Na época medieval, desconhecer a ciência jurídica originária de Pádua – ou seja, "não saber (a escola) patavina" - era o mesmo que não saber nada em tal matéria. Isto é, neste caso, 'patavina(o)', por um lado, não deixava de ser sinónima(o) de tudo; por outro,  nome ou adjetivo relativo aos habitantes de Patavium. Ou seja, juntou-se o 'tudo' ao gentílico, mencionando-se aqueles que eram referência na escola ou no saber jurídicos.
     Nas Bocas do Mundo (2010), editada pela Planeta, é obra de Sérgio Luís de Carvalho que propõe, ainda, que alguns frades de Pádua — os designados 'patavinos' — visitavam Portugal frequentemente, no período medievo. Quando falavam na rua, o povo naturalmente não os percebia - logo, e numa extensão do significado da palavra gentílica, não percebia "patavina". Um raciocínio semelhante associa-se a uma história localizada em tempos mais próximos: por alturas dos séculos XVIII-XIX. Aquando da reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, conta-se que o marquês de Pombal convidou Domenico (ou Domingos) Vandelli para vir ensinar Química e História Natural, para Portugal. Natural de Pádua e falando o dialeto da sua cidade (o 'patavi'), o naturalista italiano não se fazia entender junto dos alunos, pelo que estes afirmavam que 'não sabiam patavina' (talvez porque também não ligassem). E, assim, o Diretor do Real Jardim Botânico e lente universitário acaba por, no muito que foi nos tempos de D. Maria I, reduzir-se a (quase) nada.

Imagem do livro setecentista de Domingos Vandelli, oferecido a D. Maria I

      O sentido de nada ou coisa alguma predomina, conforme se faz saber a bom entendedor. De resto, ficam várias histórias. Versões distintas da narrativa contada podem estar na base da expressão em causa; não há verdades absolutas na construção de idiomatismos ou expressões culturalmente marcadas, como são as expressões idiomáticas (a bem de quem não queira ser muito 'patavina').

       Na zona do Minho e das Beiras, há quem entenda o termo como sinónimo de pessoa apalermada, pateta ou idiota. Entre o nada e o insulto, venha o Diabo e escolha!

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Da imprescindibilidade de um dicionário

        Sou do tempo em que se pedia um, em suporte livro, para cada sala de aula.

    Hoje, basta um computador ou telemóvel para facilmente se ter acesso ao dito material imprescindível para qualquer aula (de língua ou não).
     Direi que, quando falo de ósculos ou amplexos, os alunos julgam que os estou a insultar. E estou a ser tão afetivo! Só não o sou quando sistematicamente usam o verbo 'meter' onde não devem ou dizem para eu esperar 'um bocado'. Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Pintura do poeta Bocage 
no Palacete do Conde de Carcavelos (Braga)
    «Conta-se que Bocage, ao chegar a casa, um certo dia, ouviu um barulho estranho vindo do quintal. Chegando lá, constatou que um ladrão tentava levar os seus patos de criação. 
 Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o a tentar pular o muro com os seus amados patos, disse-lhe:
-Oh, bucéfalo anácrono! Não te interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo... mas, se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada!
    E o ladrão, confuso, diz:
    - Doutor, afinal levo ou deixo os patos?»

      Sinto-me qual ladrão sem saber o que fazer. Não quero roubar ninguém, mas vou tratar de ir à procura de algumas palavras tão eruditas, tão arcaicas e (neo)clássicas.

      Neo..., sim, seja pelo tempo representado em que foram supostamente ditas (na segunda metade do século XVIII) seja por aquele em que podem vir a ser recuperadas. Amplexos!

sábado, 16 de janeiro de 2021

O poder da polissemia e da argumentação

       Nunca a polissemia foi tão argumentativa na mensagem institucional.

       Em tempos com números tão assustadores (nos infetados e nas mortes), há palavras que marcam a sua polissemia, na conjugação com a força impactante da imagem:

A disjunção (ou) não pode ser escolha - tem de ser apelo à vida.

     Proveniente do latim (patiens, -entis), o termo 'paciente' admite realização tanto nominal como adjetival. Seja para significar o que se conforma ou resigna, o que tem paciência, o que tranquila e serenamente aguarda, o que persiste, seja para designar o que padece ou se submete a tratamento médico, bom seria que não significasse aquele que vai sofrer a (pena de) morte.
       Há na publicação institucional uma disjunção ('ou') que não pode dar lugar a escolha ou hipótese. Argumentativamente só pode resultar no convencimento, na persuasão, no apelo à vida.

      Por ora,  a realidade é dura. Fica a esperança de que os tempos venham a ser outros, mais tranquilos, mais serenos, sem a doença nem a morte. A impaciência e o receio andam por aí, mas o valor da vida tem de prevalecer. Fique(m) em casa.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

A melhor resposta

        Na sequência, não de uma pergunta, mas de um comentário torpe, ignóbil.

     Depois de um candidato a presidente da República ter comentado sobre os "lábios muito vermelhos" (de forma insultuosa e insidiosa) de uma também candidata à presidência, a melhor resposta foi dada por um jovem:

Uma imagem que vale por si só contra a falta de tudo de um candidato a presidente da República

      Pintando os lábios de um vermelho bem vivo, assumiu solidariedade para com as mulheres que se sentiram, e bem, ultrajadas pelo comentário indecoroso, falocrata, absurdo; afirmou a inclusão, mostrando que esses mesmos lábios não separam homem de mulher, independentemente da cor (por vermelho que seja); revelou que é bem melhor um homem de lábios pintados de vermelho do que humanos que mais parecem ovelhas negras runhosas.
       Melhor (a bem das ovelhas, tão mais preferíveis e inofensivas face a tais humanos, tão sórdidos e vis): uma resposta à altura de quem é grande, quando tem de se confrontar com a pequenez de espírito, de educação e de humanidade. 
       Encaremos a questão no seu absurdo: houve, há sempre alguém que tem gostado de ouvir burros ou asnos a (a)zurrar, ornear, ornejar, rebusnar... tudo palavras lindas aos ouvidos dos prosélitos.

       Há limites, mesmo para quem, como eu, sou mais azul! Viva o vermelho! (Cada vez mais se vive o sentido de se votar pela democracia, contra discursos e comentários próprios de visões de índole facciosa, cínica e autocrática).
         

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Sem semelhança; com propósito.

       Quando e onde menos espero, está o erro a olhar para mim!

       Há que seguir alguns cuidados, nomeadamente nos tempos que correm (tão exigentes para a nossa segurança). Outros farão parte do dia-a-dia comum, ainda que haja a necessidade de os lembrar, nalgumas circunstâncias. 
       Quando num local público encontras um destes avisos (escusado, diria, pelo que nele se lembra), apetece corrigi-lo, de imediato, pela forma como está escrito:

Um aviso a seguir, exceto nos erros que apresenta (Foto VO)

      Já não bastava a falta de um acento em "PAPÉIS" e de uma vírgula depois de "SANITA", vem-me aquele 'afim' a todo o despropósito.
       A intenção (ou o propósito, a finalidade) traduz-se com a expressão "A FIM DE", sinónima de 'para (que)', 'com o objetivo / intuito / propósito de' ou 'com a finalidade / intenção de'.
    Confundir 'afim' (sinónimo de 'semelhante', 'igual') com 'a fim de', para lá da aproximação homofónica dos termos, resulta de um desconhecimento assente na falta de leitura, na redução lexical e no recurso a um vocabulário que, não caído em desuso, já não tem reconhecimento gráfico capaz de distinguir realidades de significado bem diferenciadas.
       Assim, uma coisa é dizer que 'X é afim de Y' (com X e Y a serem iguais ou semelhantes); outra bem distinta é 'X estar a fim de Y' (com X a querer / desejar fazer Y).

    Espero, portanto, que, depois do aviso, não entupam a sanita, a fim de não dar trabalho desnecessário à gerência; mas, a fim de escrever bem, é preciso não confundir palavras / expressões bem distintas.
 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Onde está o Ernesto?

        O tempo anda muito depressivo!

        Depois de ter sido anunciada a Dora (que me fez lembrar a letra de uma canção, em versão feminina: Não sejas má p'ra mim!) para o fim de semana passado, eis que chega, agora, a depressão Ernesto, com chuva, neve, vento e marés altas.
        Isto de as tempestades e as depressões terem nomes próprios tem a sua piada (estou à espera de uma com o meu nome)! Nem por isso é a graça dos efeitos que provocam.
         Talvez por isso, hoje, o céu estava um autêntico borrão; ou melhor, manchado de alguns borrões bem coloridos:

Borrões celestes (Foto VO)

         E lá estava ele, o sol, entre os escuros, a espreitar, como que à procura do Ernesto:

À espreita entre escuros - onde anda o Ernesto? (Foto VO)

         Lá virão mais uns dias inverniços, invernengos ou inverneiros, mesmo quando estamos no (final do) outono. Poderia escrever 'invernosos', mas apeteceu-me variar. É favor não reagir mal aos meus adjetivos, que hoje ouvi o nosso Presidente da República anunciar a sua recandidatura, para não "instabilizar" a situação nacional (pelo menos, os meus adjetivos estão dicionarizados)! 

         Deve ser do inverno que aí vem.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Ainda a polissemia de 'quadros'

     Entre as mais de quinze aceções dicionarizadas, 'quadro' tem sentido polissémico.

     É com esse jogo lexical que se constrói o cartoon seguinte:

Cartoon - Condições de empregabilidade pouco sustentadas

     Há o quadro do grupo de trabalhadores de uma empresa; há o da pintura, imagem que se exibe no museu. Ambos decorrem de uma só entrada no dicionário; de uma só origem etimológica.

     Não se augura grande futuro no quadro empresarial, a julgar pela Teresinha de "pernas para o ar".